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Thiago M. Zago medUnicampXLVI 1 Hipotálamo, Homeostasia e o Controle de Comportamentos Motivados Comer e beber são atos bastante complexos que realizamos por um impulso interior surgido seja de necessidades corporais (fome, sede), seja de forças instintivas mal conhecidas. Esse “impulso interior” chama-se motivação ou estado motivacional, e os atos que ele provoca chamam-se comportamentos motivados. Necessidades Corporais Estado Motivacional Comportamentos motivados Os estados motivados criam uma espécie de tensão ou desconforto que eleva o nível de alerta do indivíduo e disparam a execução de uma seqüência ordenada de comportamentos dirigidos ao objetivo de gerar prazer ou dissipar a tensão e o desconforto iniciais. Podemos identificar três classes de comportamentos motivados: 1- A primeira é formada por comportamentos elementares, provocados por forças fisiológicas bem definidas. São os que têm a vantagem adaptativa direta de garantir a sobrevivência do indivíduo em seu ambiente. Como exemplo temos a regulação da temperatura corporal, a fome e a sede. No caso da regulação da temperatura corporal, um impulso interior (o estado motivacional: frio ou calor) nos leva a vestir um casaco ou então colocar uma roupa mais leve e ligar o ventilador. 2- A segunda classe de comportamentos motivados obedece a forças fisiológicas não tão bem definidas. Como exemplo dessa classe temos o sexo. 3- A terceira classe envolve comportamentos motivados muito complexos, que realizamos sem qualquer determinação biológica identificável, como estudar e ir ao cinema. Nestes casos, os comportamentos que realizamos são motivados por impulsos interiores puramente subjetivos. Essas três classes de comportamentos motivados envolvem dois tipos de ações: as chamadas ações ou comportamentos apetitivos, que são os atos preparatórios para a satisfação da necessidade motivante; e os comportamentos consumatórios, que realizam efetivamente a satisfação final. A diferença fundamental entre as ações apetitivas e as consumatórias é que as primeiras são geralmente aprendidas, enquanto as segundas são mais automáticas e reflexas. Duas forças fundamentais atuam em todos os comportamentos motivados: a homeostasia e a busca do prazer. O hipotálamo no comando da homeostasia O hipotálamo é considerado como centro integrador da motivação. Tal fato se deve a diferentes razões, como: 1- O fato de comunicar-se extensamente com grande número de regiões do SNC; 2- O fato de comunicar-se com diversos órgãos periféricos através do SNA e do sistema endócrino; 3- O fato de receber informações de todos os órgãos que controla. No entanto, uma série de experimentos realizados no início do século XX constatou que o hipotálamo não atua isoladamente, sendo articulado com: 1- Áreas corticais de controle que se encarregam dos estados motivacionais; 2- Sistemas motores somáticos que comandam os comportamentos correspondentes; 3- Sistemas eferentes neurais e humorais como o SNA, o sistema endócrino e indiretamente o imunitário, que realizam as ações fisiológicas regulatórias; A ação coordenada do hipotálamo com outras regiões neurais exclui a idéia antiga de “centros” de função antagônica (centro da fome X centro da saciedade). Percebeu-se também a que divisão de tarefas entre as diversas regiões neurais envolvidas reserva ao hipotálamo a coordenação dos comportamentos consumatórios, muito mais que os apetitivos. O hipotálamo, desse modo, pode ser considerado o grande coordenador da Thiago M. Zago medUnicampXLVI 2 homeostasia, pois além dos comportamentos consumatórios controla também os ajustes fisiológicos que ocorrem em paralelo. Dentre as conexões do hipotálamo, as fibras do feixe prosencefálico medial, especialmente as dopaminérgicas, possuem uma participação fundamental como geradoras dos estados motivacionais de prazer e controladoras dos comportamentos positivamente reforçados. O feixe prosencefálico medial integra o sistema mesolímbico, cuja função está associada às motivações e aos comportamentos motivados que provocam prazer. As informações que chegam ao hipotálamo. O feixe prosencefálico medial e o fascículo longitudinal dorsal trazem grande parte da informação sensorial que o hipotálamo utiliza para orientar os comportamentos motivados. As informações olfatórias e das vísceras que o hipotálamo recebe são utilizadas por ele em quase todos os comportamentos motivados. O hipotálamo recebe também uma projeção originada na retina e no tálamo visual, que termina no núcleo supraquiasmático. Esse circuito se dedica a informar o “relógio hipotalâmico” sobre as variações da luz ambiente, sincronizando sua atividade com o ciclo dia-noite. Além das informações sensoriais (olfação e sensibilidade visceral) e daquelas utilizadas como temporizadores (geradores de ritmos) o hipotálamo recebe também informações provenientes do sistema límbico. O hipotálamo recebe um grande contingente de fibras do complexo amigdalóide, o “botão disparador” das reações emocionais. O hipotálamo utiliza essas informações para realizar os ajustes fisiológicos que são necessários nas situações que geram em nós as experiências subjetivas que chamamos de emoções. A penetração dos sinais químicos. Algumas regiões do sistema nervoso recebem sinais químicos e físico-químicos do organismo que orientam a sua função. Essa regiões situam-se em torno dos ventrículos e são chamadas órgãos circunventriculares. Tais órgãos possuem características típicas: 1- Maior permeabilidade da barreira hematoencefálica e presença de capilares fenestrados; 2- Presença de receptores moleculares para diferentes substâncias circulantes. Essas características permitem que os sinais químicos provenientes do organismo possam ter acesso aos neurônios dos órgãos circunventriculares, permitindo que estes respondam especificamente a cada um deles. Thiago M. Zago medUnicampXLVI 3 Os órgãos circunventriculares são: Eminência mediana relacionada a regulação de hormônios da adeno-hipófise. Órgão vascular e regiões hipotalâmicas vizinhas relacionadas à termorregulação e na regulação da ingestão de líquidos. Órgão subfornical e área postrema relacionados à homeostasia hídrica do organismo e ao reflexo do vômito. Glândula pineal relacionada à sincronização do ciclo dia-noite Comandos neuroendócrinos. Os comandos neuroendócrinos são o conjunto de comando emitidos pelo hipotálamo para produzir os ajustes fisiológicos necessários a cada situação. Os comandos químicos emitidos pelo hipotálamo são hormônios que os axônios hipotalâmicos secretam na eminência mediana e na neuro-hipófise, e que são levados à circulação através da rede capilar formada pelas artérias hipofisárias. Na neuro-hipófise esses hormônios (ocitocina e ADH) seguem direto para órgãos distantes, mas na adeno-hipófise, eles (hormônios de liberação ou inibição) saem de novo para o tecido através da rede capilar formada pelos vasos-porta, e influenciam a regulação hormonal das células adeno-hipofisárias. Os hormônios dessas células, então, reentram a circulação para serem levados aos órgãos-alvo. Dessa forma, é muito extenso o controle que o hipotálamo pode exercer sobre as glândulas endócrinas através da hipófise. No caso dos comportamentos motivados, praticamente todos eles sofrem ação do eixo hipotálamo- hipofisário por suas ações sobre o metabolismo das células, sobre a função renal, cardiovascular, sexual/ reprodutora e muitas outras. A regulação da temperatura corporal. A termorregulação ou a manutenção da estabilidade da temperatura corporal é considerada um servomecanismo,ou seja, um dispositivo capaz de regular automaticamente o seu próprio funcionamento. Nesse mecanismo o ponto de ajuste fica em torno de 37 o C na maioria dos casos. Os termorreceptores periféricos e centrais constituem o sistema de retroação, o hipotálamo é o integrador e o controlador é múltiplo, formado pelo SNA, sistema endócrino e sistema neuromuscular. O sistema de controle da temperatura controle uma única variável, mas o faz em duas regiões distintas do organismo: 1- Superfície externa (pele) e interna (mucosas), onde a temperatura está sujeita a uma influência direta do ambiente. O hipotálamo detecta essas variações através de aferências de termoceptores cutâneos; Thiago M. Zago medUnicampXLVI 4 2- No sangue, cuja temperatura expressa com bastante fidelidade a da maior parte dos órgãos e regiões corporais. O hipotálamo detecta estas variações através de termoceptores centrais localizados na região preóptica e do hipotálamo anterior. As regiões termorreguladoras do hipotálamo acionam mecanismos diferentes que dependem se a temperatura cai ou se eleva. A resposta ao frio é comandada pelo hipotálamo posterior e núcleos pontinos e medulares enquanto a resposta ao calor é comandada pelo hipotálamo anterior, regiões bulbares e medulares. Temperatura ativação do hipotálamo posterior vasoconstrição cutânea tremores musculares involuntários conservação/ geração de calor corporal Temperatura ativação do hipotálamo anterior vasodilatação cutânea sudorese freqüência/ amplitude respiratórias dissipação do calor corporal excessivo A sede e a regulação da ingestão de líquidos. ao longo da evolução desenvolveram-se mecanismos automáticos da regulação do equilíbrio hidrossalino, e surgiram estados motivacionais capazes de produzir comportamentos de ingestão de líquido e sal. Esses estados motivacionais são: a sede e o apetite salino. O servomecanismo que regula a ingestão de água e sal controla duas variáveis: 1- O volume total de líquido do organismo, representado na prática pelo volume de sangue circulante (volemia); 2- Osmolaridade dos tecidos, expressa principalmente pela concentração de Na+ nos compartimentos extracelulares do organismo. Tais variáveis são detectadas pelos barorreceptores, receptores sensíveis às alterações da pressão sanguínea, e os osmorreceptores, receptores que detectam as alterações osmóticas. Hipovolemia/ Hipernatremia Sede Hipervolemia/ Hiponatremia Apetite Salino Thiago M. Zago medUnicampXLVI 5 Hipovolemia angiotensina II Hiponatremia Detecção pelos baroceptores Detecção pelos osmoceptores Nervo Vago Nervo Vago Núcleo do trato solitário Núcleo do trato solitário Núcleos paraventricular/ supra-óptico do hipotálamo Núcleos paraventricular/ supra-óptico do hipotálamo secreção de ADH pela neuro-hipófise secreção de ACTH pela adeno-hipófise formação de urina secreção de aldosterona pelo córtex adrenal reabsorção de Na+ A fome e a regulação da ingesta alimentar. A maior parte dos neurocientistas sempre considerou que comer é o resultado da diminuição das reservas de combustíveis metabólicos e outros nutrientes disponíveis no organismo, ou seja: um déficit nutricional. Isso causaria o estado motivacional chamado fome e impeliria o indivíduo a comer. O inverso ocorreria com a saciedade: a presença de nutrientes em abundância no organismo faria com que a pessoa parasse de se alimentar. Recentemente, no entanto, uma nova idéia surgiu com força: o impulso de comer seria constante (default), quase um instinto permanente, que no entanto permaneceria inibido por sinais químicos e neurais provenientes dos alimentos e das reservas energéticas do organismo, a não ser nos momentos em que fosse necessário comer. A fome é o estado motivacional que provoca os comportamentos apetitivos de busca de alimentos. É um estado motivacional complexo, porque muitas vezes deve ser antecipatório: o animal deve prever que necessitará de alimento dentro de algum tempo e providenciar a busca de alimentos. A fome provoca também comportamentos consumatórios de cada espécie: o ataque a uma presa, a coleta de frutas etc. Finalmente, a fome provoca uma série de ajustes fisiológicos automáticos que podem ser descritos em conjunto como um servomecanismo capaz de manter o metabolismo das células, atendendo às demandas energéticas do seu funcionamento constante. A homeostasia alimentar é mais do que a homeostasia calórica ou energética, porque envolve não apenas o equilíbrio das fontes de energia metabólicas do organismo, mas também de outras substâncias essenciais que são essenciais aos processos metabólicos. Thiago M. Zago medUnicampXLVI 6 Centro da fome e centro da saciedade. Experimentos realizados nos anos 50 consistiam em lesar áreas diferentes do hipotálamo. Quando o hipotálamo lateral era lesado bilateralmente, os animais paravam de comer e se tornavam mais magros e quando o hipotálamo ventromedial era lesado os animais passavam a comer mais e se tornavam obesos. Dessa forma, concluiu-se que no hipotálamo lateral estaria o “centro da fome” e no hipotálamo ventromedial, o “centro da saciedade”. No entanto, pesquisas mais recentes demonstraram que o hipotálamo lateral e o hipotálamo medial não poderiam ser os únicos “centro da fome” e “centro da saciedade”, uma vez que os animais obesos por lesão hipotalâmica medial não engordavam indefinidamente: atingiam um novo patamar de peso e passavam a controlar a ingestão alimentar em torno desse novo peso. Da mesma forma, animais com lesões hipotalâmicas laterais voltavam a se alimentar depois de algum tempo. De um modo geral, a ingestão alimentar é estimulada quando os primeiros alimentos chegam à boca, e inibida quando a absorção começa no intestino. A chegada do alimento ao estômago provoca distensão gástrica e ativação dos mecanoceptores da parede gástrica, que enviam informações ao núcleo do trato solitário através do nervo vago, informação esta repassada ao hipotálamo lateral e possivelmente ao córtex cerebral. A chegada do alimento ao estômago provoca também a secreção de hormônios, como a CCK (colecistocinina), que tem ação direta em alguns dos órgãos circunventriculares, reduzindo a ingestão alimentar. Mas como não voltamos a comer logo que o estômago se esvazia, é de supor que outros sinais mais duradouros mantenham sob bloqueio os comportamentos da ingestão alimentar. Um deles seria a glicemia, que aumenta logo após cada refeição. O aumento da glicemia é sucedido pela ativação parassimpática do pâncreas, que não apenas secreta enzimas hidrolíticas para a digestão dos nutrientes, mas também secreta insulina. Recentemente detectou-se a existência de um hormônio secretado pelas células do tecido adiposo, chamado leptina, que atua no hipotálamo informando-o da quantidade de gordura acumulada no organismo. A leptina, liberada proporcionalmente à quantidade de células adiposas e ao seu tamanho, seria o sinal para o “controle do estoque”. Outro núcleo hipotalâmico está envolvido na homeostasia alimentar: o núcleo arqueado. Descobriu-se que este núcleo emite axônios para o núcleo paraventricular e o hipotálamo lateral utilizando como neurotransmissor o neuropeptídeo Y (NPY). A leptina é reconhecida pelos receptores moleculares que esses neurônios expressam, e sua função é inibir a liberação de NPY, cuja função é causar fome. CCK Saciedade NPY FomeLeptina NPY Saciedade Thiago M. Zago medUnicampXLVI 7 O sistema mesolímbico: vias dopaminérgicas de reforço positivo. Os estados motivacionais produzem comportamentos apetitivos e consumatórios. Os consumatórios são comandados pelo hipotálamo, que monitora continuamente cada uma das variáveis controladas ou o nível dos hormônios relevantes para cada caso. No caso dos comportamentos apetitivos há o envolvimento do sistema mesolímbico, formado pelo feixe prosencefálico medial, composto especialmente por axônios dopaminérgicos originados de neurônios da área tegmentar ventral do mesencéfalo, e que projetam ao hipotálamo, ao núcleo accumbens e a regiões corticais.
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