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A Política Parlamentar no Governo Socialista

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A Política Parlamentar no Governo 
Socialista 
 
Errico Malatesta 
Retirado de Protopia Wiki 
 
O Sufrágio Universal não é um instrumento de emancipação social, mas 
um meio de submissão ao Capital 
 
 
Antes de examinar a influência que o parlamentarismo exerceu sobre o 
movimento socialista, é interessante estudar o sufrágio universal 
enquanto princípio de vida política ou enquanto instrumento de 
emancipação porque ao apresentar a consagração de um suposto 
consenso popular ao parlamentarismo, foi o sufrágio universal que fez 
com que um certo socialismo encontrasse a oportunidade, que ele a 
tenha ou não procurado, de se situar no terreno parlamentar e, assim, 
de se corromper e de se aburguesar. 
 
 
Se entre as instituições políticas que regem ou podem reger a sociedade 
há uma que parece ter se inspirado no princípio de justiça e igualdade, e 
que suscitou e suscita ainda vivas esperanças entre os amigos do 
progresso é o sufrágio universal. 
 
 
Se acreditássemos no que dizem seus defensores, o sufrágio universal 
marcaria para sempre o fim da era das revoluções e abriria a via às 
reformas pacíficas feitas no interesse de todos e com o consentimento 
de todos. A legislação se colocaria à altura da civilização e, sempre 
suscetível a modificações ele deveria sempre responder às necessidades 
e à vontade de todos ou pelo menos, da maioria dos homens. A 
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opressão e a exploração da grande massa da humanidade por um 
pequeno número de governantes e de possuidores não mais teria razão 
de existir; e se verdadeiramente a miséria da maioria não fosse uma lei 
inexorável da natureza mas um fato social que a sociedade pudesse 
corrigir, ela desapareceria com todos os sofrimentos e degradações que 
ela gera. 
 
 
E é preciso convir que poderia parecer à primeira vista que as coisas 
poderiam ser sempre assim. 
 
 
Na sociedade atual tudo é regido por leis. Aqueles que fazem as leis são 
os deputados, em última análise. Os deputados são nomeados pelos 
eleitores; são pois os eleitores ou, para ser mais exato, a maioria dos 
eleitores que manda e dispõe de tudo. E como a maioria é feita de 
trabalhadores, eles seriam, se fossem votar, os árbitros de seu próprio 
destino e da situação geral. 
 
 
Mas os fatos, que são de uma eloqüência brutal, vão de encontro a este 
raciocínio, em aparência tão simples e tão claro. Há países onde o 
sufrágio universal existe e funciona há muito tempo; há outros que 
viram estabelecer, depois abolir, em seguida restabelecer, depois abolir, 
em seguida restabelecer novamente, alternadamente, o sufrágio 
universal; e as condições morais e materiais das massas permaneceram 
sempre as mesmas... 
 
 
Basta conhecer um pouco a História e a Estatística, ou de ter 
simplesmente viajado um pouco, ou ainda ter lido apenas os jornais, de 
qualquer coloração que sejam, para notar que, mesmo sem os entraves 
de um reino ou de um senado, mesmo completado por um “referendum” 
e pela “iniciativa popular” (Suíça), o sufrágio universal nunca e em 
nenhum lugar serviu para melhorar o destino dos trabalhadores. 
 
 
Tanto nas repúblicas quanto nas monarquias onde ele existe, as 
Câmaras são compostas de proprietários, advogados e outros 
privilegiados, assim como nos países onde o sufrágio é mais ou menos 
restrito às classes possuidoras e cultas. E nestes países como nos 
outros, as leis que as Câmaras fazem, servem apenas para ratificar a 
exploração e defender os exploradores. 
 
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Numa palavra, dos golpes de Estado, estilo Napoleão, às hecatombes da 
burguesia; da invasão covarde e sórdida de populações militarmente 
fracas aos fabricantes da fome dos trabalhadores e ao assassinato dos 
famintos recalcitrantes; do banditismo dos conquistadores em larga 
escala às arrogâncias mesquinhas e às crises de nervosismo bufões dos 
ministros do tipo César, não há um único atentado à civilização, ao 
progresso, à humanidade, uma única infâmia, grande ou pequena, que o 
sufrágio universal habilmente manipulado não tenha absorvido, 
ustificado, glorificado. Não existe uma única lágrima de mulher, um 
soluço de um pobre, que o voto inconsciente dos miseráveis não tenha 
achincalhado e tornado ainda mais doloroso. 
 
 
De onde vem esta contradição entre os fatos e os resultados que a 
lógica deixava prever? Talvez se trate de um fenômeno inexplicável de 
um tipo de milagre sociológico. Avancemos mais e talvez um raciocínio 
mais completo e conseqüentemente mais verdadeiro nos demonstre que 
o sufrágio universal produziu somente o que ele devia logicamente 
produzir. 
 
 
Na teoria, o sufrágio universal é o direito da maioria de impor sua 
vontade à minoria. Este pretenso direito é uma injustiça porque a 
personalidade, a liberdade e o bem-estar de um único homem são tão 
dignos de respeito, tão sagrados quanto aqueles de toda a Humanidade. 
 
 
Aliás, não há nenhuma razão para crer que a verdade, a justiça, o 
interesse comum encontrem-se sempre do lado da maioria: os fatos 
provaram, ao contrário, que é geralmente o inverso... Se todos os 
homens, exceto um, estivessem satisfeitos de ser escravos e de se 
submeter, sem necessidades naturais, a todos os tipos de sofrimentos, 
esse teria razão de se revoltar e de exigir liberdade e bem-estar. Os 
votos, o número, não decidem nada, nenhum direito se perde, nenhum 
direito se cria por eles. 
 
 
Uma sociedade igualitária deve estar fundada sobre o livre e unânime 
acordo de todos os seus membros. Mesmo numa sociedade socialista, 
na qual tivesse coompletamente desaparecido a opressão e a exploração 
do homem e onde o princípio de solidariedade regesse todas as relações 
humanas, é verdade que poderia acontecer, e aconteceria com toda a 
certeza, que se produzissem casos onde o recurso ao voto seria 
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necessário, ou pelo menos cômodo. Esses casos se tornariam cada vez 
mais raros na medida em que a ciência da sociedade descobrisse e 
tornasse evidentes as soluções que corresponderiam exatamente aos 
diferentes problemas da vida coletiva. 
 
 
Mas enfim, haverá sempre casos em que diversas soluções se 
apresentarão e onde será necessário de se limitar a um expediente mais 
ou menos arbitrário, sem que seja possível ou julgado oportuno dividir-
se em tantas frações quanto existam soluções preferidas. O mais rápido, 
nesses casos, é que a minoria se adapte ao desejo da maioria. Bem, 
votar-se-á então, provavelmente; mas num caso como desse tipo, o 
voto não é um princípio, ele não é um direito nem um dever mas um 
pacto, uma convenção entre associados! 
 
 
Mas isto interessa pouco para os problemas que estamos tratando pois, 
quaisquer que sejam as objeções que se possa fazer aos direitos da 
maioria, não deixa de ser verdade que o regime do sufrágio, tão 
mentiroso quanto todo o sistema parlamentar, não é em nada o governo 
da maioria, nem mesmo da maioria dos eleitores. Ele é simplesmente 
um artifício que permite ao governo de uma classe ou de um grupelho 
tomar as aparências de um governo popular. 
 
 
Com efeito, cada eleitor só nomeia um deputado, ou um pequeno 
número de deputados sobre várias centenas que compõem 
habitualmente uma Assembléia. É verdade que, mesmo quando os 
eleitores vêem seu próprio candidato ser eleito, sua vontade, que 
durante as eleições já não contava praticamente nada, seria 
representada por um único deputado, que, ele próprio, tem um papel 
mínimo na Câmara. A Câmara, tomada em seu conjunto, não representa 
de modo algum a maioria dos eleitores. Cada um dos deputados é eleito 
de um certo número de leitores mas o corpo eleitoral, enquanto 
totalidade,não é representado. 
 
 
Assim, ocorre que fatos que concernem, por exemplo, tal localidade ou 
tal corporação devem ser julgados por uma assembléia de pessoas 
estranhas a essa localidade ou a essa corporação, ignorantes ou 
indiferentes em relação a seus interesses e onde um único, ou um 
pequeno número, pode, com maior ou menor razão, representar um 
mandato recebido dos próprios interessados. A Sicília será governada 
por uma assembléia onde os sicilianos representam uma ínfima minoria; 
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as leis sobre as minas ou sobre a navegação serão feitas por pessoas 
que não são mineiros ou marinheiros; e assim em tudo: qualquer 
problema será resolvido por quem não o conhece absolutamente; 
qualquer interesse será regulado por todos, exceto pelos interessados... 
 
 
Além do mais, mesmo que se deixe de lado o problema da mulher (que 
tem os mesmos direitos e interesses que a população masculina), 
mesmo que não se leve em conta esse fato: para que os deputados 
sejam eleitos pela maioria de eleitores de seu colégio eleitoral, só 
poderia ter, em cada circunscrição, apenas dois deputados a se dividir 
os votos; ainda assim, a maioria, que definitivamente faz as leis e 
dispõe dos destinos de um país, só representa, com toda a evidência, 
uma pequena parte da população. A Câmara só representa uma parte 
dos eleitores e as leis nunca são aprovadas por unanimidade pelos 
deputados. 
 
 
Se considerarmos também os canais por onde passa um projeto antes 
de se tornar lei, as concessões e as transações às quais são levados os 
deputados para poder chegar a um acordo; se fizermos um balanço das 
mil e uma considerações de partido e de clientela estrangeira ao que 
deve fazer objeto de uma lei e que não têm também uma influência 
determinante sobre o voto dos deputados, não será nada difícil 
compreender que a lei, uma vez elaborada, não representa mais os 
interesses nem a vontade nem as idéias de ninguém. E isto sem falar 
nos novos obstáculos que são os votos dos senadores e a aprovação do 
rei ou do presidente que complicam a um grau mais ou menos grande 
todas as constituições que existem. 
 
 
Enquanto os deputados, distantes do povo, desinteressados de suas 
necessidades, impotentes em satisfazê-las mesmo que quisessem, 
acabam se ocupando apenas da consolidação e do crescimento de seu 
próprio poder, da obtenção constante de novos subsídios e, finalmente, 
da liberação de toda dependência para com o povo, termo “fatal”, como 
diz Proudhon, de todo o poder emanado do povo. Tais são 
necessariamente as conseqüências do parlamentarismo que decorrem 
da própria natureza de seu funcionamento; e, supondo, além do mais, 
que o voto dos eleitores seja um voto livre e esclarecido. 
 
 
Que dizer das condições reais nas quais o sufrágio universal é exercido 
numa sociedade onde a maioria da população, atormentada pela miséria 
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e embrutecida pela ignorância e pela superstição vê sua existência 
depender de uma pequena minoria que detém a riqueza e o poder? Em 
regra geral, o eleitor pobre não é e não pode ser capaz de votar de 
modo consciente e livre, votar como quiser. 
 
 
Sem instrução prévia e sem possibilidade de se instruir, reduzido a crer 
cegamente no que lhe conta um jornal, e isso se ele sabe ler e se tem 
tempo para fazê-lo, ignorando tudo das coisas e dos homens com os 
quais ele não está diretamente em contato, como pode ele, o proletário, 
saber quais as coisas podem ser pedidas a um Parlamento, quais 
homens podem pedir por ele? Pode ele fazer uma idéia clara do que é o 
parlamento? 
 
 
É certo que os camponeses e os operários, mesmo os menos 
esclarecidos, sabem mais do que os doutores em economia política 
quando se trata de seus interesses diretos, das coisas que eles vêem e 
tocam, de se seu trabalho, de sua casa, de sua vida quotidiana. Eles 
podem facilmente ter uma opinião sobre as questões que lhes 
concernem, quando elas são apresentadas de modo simples e natural. 
Eles saberiam dizer sim ou não se querem que os patrões, sem sair de 
suas cadeiras, retirem deles a melhor parte do fruto de seu trabalho. 
Eles saberiam dizer se querem ou não ser soldados. Saberiam como 
empregar a riqueza de sua comuna ou de sua nação se eles possuíssem 
todas as informações necessárias sobre os produtos disponíveis, sobre a 
capacidade de produção e sobre as necessidades de todos os seus 
concidadãos. Saberiam como ensinar uma profissão aos filhos... E tudo 
aquilo que não soubessem ou não compreendessem, logo aprenderiam 
se tivessem que se ocupar eles próprios de tudo isso, para responder a 
uma necessidade prática. 
 
 
Mas se os problemas que lhes apresentam não os concernem, ou se são 
complicados por interesses que lhes são estranhos a tal ponto que eles 
não possam mais reconhecê-los; se as coisas mais simples são 
obscurecidas por uma terminologia técnica que faz da política uma 
ciência oculta; se eles não têm o tempo de se informar e de refletir, e se 
não se sentem motivados a fazer porque sabem muito bem que não 
cabe a eles decidir e que há os que pensam por eles, nesse caso então 
seu voto será inconsciente, como é geralmente o caso. 
 
 
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E, ainda que o eleitor pudesse adquirir a consciência de seu dever, 
poderia ser ele independente e votar como quisesse? Sua vida e a de 
seus filhos dependem da boa vontade de um patrão que pode levá-los a 
morrer de fome se este lhe recusa trabalho? Os patrões e os 
funcionários do governo dos partidos fortes possuem mil e um meios de 
se vingar, de modo aberto ou jesuítico, de quem não votou como eles 
desejavam. E, além do mais, mil e uma promessas, bajulações e favores 
podem, a qualquer momento perturbar o desassistido, colocando em 
conflito sua consciência de homem livre e a afeição e deveres que sabe 
ter em relação à sua própria família uma vida um pouco menos 
miserável ou pelo menos, um alívio momentâneo aos terríveis 
sofrimentos de todos os dias? 
 
 
Diz-se que o voto é secreto; mas que importância tem isso se o patrão, 
o governo ou os partidos podem enviar às urnas aqueles que eles 
dominam, sob a vigilância de seus agentes, e se podem, de mil 
maneiras, assegurar-se do modo como eles votam, ou simplesmente 
lhes fazer crer que eles têm meios para averiguar? Qual importância 
pode ter o segredo se o simples fato de querer que ele seja respeitado 
já é, para o patrão, uma prova de hostilidade, um motivo para ser 
despedido da fábrica ou da fazenda? E é ainda pior quando um patrão 
tem todos aqueles que estão sob sua dependência por solidariamente 
responsáveis da vitória de um deputado, ameaçando a fábrica de outras 
represálias, como foi freqüentemente o caso, infelizmente e 
particularmente nas grandes usinas metalúrgicas, onde se pode dizer ao 
operário que tal deputado pode obter trabalho através do governo. O 
medo da fome é tão corruptor... Os operários chegam mesmo a vigiar 
uns aos outros e a dedurar, com medo que o candidato do patrão não 
seja eleito... 
 
 
As massas proletárias podem se insurgir e arriscar tudo na esperança de 
uma vitória imediata; mas elas não arriscam seu trabalho, ou seja, seu 
pão e sua tranqüilidade, quando se trata de uma luta que só lhe oferece 
uma promessa, cem vezes desmentida, de melhoria lenta e distante, e 
que deixa sempre aquele que luta, seja ele vencedor ou vencido, à 
mercê do patrão. É o que se explica os plebiscitos que aclamam um 
governo mesmo às vésperas do dia em que uma insurreição os 
derrubará. 
 
 
Não, o eleitor pobre não é consciente nem livre; e não poderia ser de 
outra forma... Se a miséria não embrutecesse as pessoas, se as 
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necessidades econômicas e a preocupação com o dia seguinte não 
tornasse o homem submisso e medroso, se, numa palavra, amassa 
tivesse consciência de seus próprios direitos e a firme vontade de fazê-
los valer, ela não necessitaria de ir buscar homens mais ou menos 
capazes e honestos para encarregá-los de suas próprias reivindicações, 
e rapidamente estaria emancipada. Os trabalhadores se recusariam a 
trabalhar para os patrões, os contribuintes se recusariam a pagar os 
impostos, os conscritos não fariam o serviço militar, e eis que, de um só 
golpe, seriam destruídos a propriedade individual e o Estado político, 
que são as duas correntes que esmagam e marginalizam a espécie 
humana. 
 
 
Toda ilusão em relação ao sufrágio universal, enquanto meio de 
emancipação, tendo sido assim destruída pelo raciocínio e pelos fatos, 
faz com que as classes privilegiadas, que inicialmente se mostraram 
amedrontadas e reticentes, compreendam pouco a pouco a utilidade que 
elas podem retirar do sufrágio universal e o aceitem como uma arma 
preciosa do governo. 
 
 
Quando o povo não pode mais ser mantido na submissão pela simples 
força bruta e quando as mentiras dos padres já não lhe bastam a fazer 
aceitar a miséria como uma lei decretada por Deus; quando ele não 
situa mais suas esperanças no paraíso e quando não tem mais medo do 
policial, nesse momento então não lhe resta outro meio para mantê-lo 
em escravidão senão o de fazê-lo crer que o patrão é ele; que as 
instituições sociais são sua própria obra e que elas podem mudar se 
assim ele o desejar. E a burguesia faz prova genial de talento político ao 
conceder ao povo o sufrágio, que nada mais seria do que o direito de se 
escolher seus próprios patrões, se fosse exercido em condições de 
ignorância e escravidão econômica quase feudal que são as do povo, 
nada mais é do que uma indigna comédia onde charlatães vulgares 
fazem comércio de sua própria consciência e das lágrimas do próximo.

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