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O que Rola na Escola Alcides Goulart

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1 
 
 
 
O QUE ROLA NA ESCOLA 
ALCIDES GOULART 
 
 2 
 
PARA LER E DEBATER 
 
Ao mudar de escola, Júlia não tem dificuldades em se entrosar com os 
novos companheiros e forma com Nicanor, Fábio e Diego, um grupo 
ativo e bem-humorado. 
Logo tornam-se quatro inseparáveis amigos e enfrentam vários 
desafios impostos por uma fase tão especial chamada adolescência. 
O humor e o realismo são características marcantes deste livro, que 
aborda de forma crítica e descontraída alguns temas, como a ética, a 
cidadania, o vandalismo, 
as drogas, o namoro e o sexo, dentre outros assuntos também de 
grande importância para os jovens. 
O QUE ROLA NA ESCOLA vai fazer você rir, refletir, questionar e 
debater sobre as atitudes e decisões tomadas por Júlia e seus amigos. 
Com certeza, você vai se identificar com um desses adolescentes. Ou, 
quem sabe, com um pouco de cada um. 
 
 
 
 
 
 
 
Para os meus pais, que não se encontram mais ao meu lado. 
Vivem, agora, dentro de mim. 
 
 
 
Alcides Goulart 
 
 
 
 3 
 
1 
INÍCIO DAS AULAS 
Enquanto esquentava o almoço, dona Janaina olhava com curiosidade 
pela porta da cozinha e observava sua filha sentada no sofá. 
— O que está acontecendo, Júlia? É a terceira vez que te pego rindo 
sozinha nos últimos dez minutos. 
— Não é nada importante, mãe — respondeu Júlia, mantendo o sorriso 
nos lábios. 
— Tem a ver com a escola nova? 
— Tem, sim. 
— Puxa, que bom! Você está freqüentando essa escola só há alguns 
dias e já está feliz assim... 
— É verdade. A minha turma é legal, os professores são bons e o 
tempo de aula passa rapidinho. 
—Você estava rindo por causa disso? 
—Não, mãe. Eu estava só me lembrando de algumas brincadeiras de 
um garoto que senta bem atrás de mim. 
— Qual é o nome dele? 
— Nicanor. Ele é muito engraçado! 
—Com um nome desses, ele deve ser muito divertido mesmo... 
Com apenas duas semanas de aula, Júlia já estava bem entrosada no 
grupo. Sempre alegre e falante, gostava de trocar idéias com todos os 
colegas da turma, principalmente com Nicanor e seu inseparável 
companheiro Fábio, que não paravam de brincar com o jeito 
comunicativo da nova amiga. 
—Puxa, como você fala, Júlia! — disse Nicanor. — No dia em que 
você morrer, vão ter que alugar um carro e um caminhão. O carro é 
pra levar o teu caixão e o caminhão é pra carregar essa tua língua. 
Júlia gostava das brincadeiras: 
— Vou confessar uma coisa, Nicanor: você não é a primeira pessoa 
que diz que eu sou tagarela. 
— E eu acho que não vai ser a última! — completou 
 
 4 
Fábio. 
— Mas vocês gostam de mim assim mesmo, não gostam? — provocou 
Júlia. 
— Claro que sim! — respondeu prontamente Nicanor. — Eu gosto 
muito de você. Pra mim, você é "dez"! 
— Tudo isso? — ela envaideceu-se. Nicanor concluiu: 
— "Dez-ligada, dez-miolada, dez-dentada..." 
Júlia teve que segurar a gargalhada, pois a diretora da escola acabara 
de entrar na sala. 
A visita de dona Rosa tinha o intuito de lembrar os alunos da 
importância da eleição do representante da turma, que iria acontecer na 
semana seguinte. Ela fez questão de enfatizar a necessidade do voto 
consciente de cada um, pois o aluno escolhido teria a responsabilidade 
de representar a turma nos conselhos de classe e nas reuniões 
periódicas com a direção da escola, levando sugestões, críticas e 
defendendo os interesses do grupo. Não era uma função meramente 
decorativa, mas sim uma peça importante dentro de uma engrenagem 
democrática. 
Tão logo a diretora se retirou da sala de aula, os alunos puseram-se a 
sugerir alguns prováveis nomes para aquela função. O brincalhão 
Nicanor levantou-se, colocou-se diante da turma e pediu silêncio. 
Todos já imaginavam que alguma gozação estava a caminho. 
Votem em mim! — pediu Nicanor, com os braços 
abertos. Prometo ser um grande representante, meu povo. 
Eu nasci para ser político. 
Do fundo da sala, Diego gritou: 
Político, não. Você nasceu pra ser palhaço! 
Dá no mesmo. Os dois fazem a gente rir — ironizou Nicanor. 
Gargalhadas na turma. Ele arrumou a gola da camisa e continuou: 
— E se eleito for, vou levar algumas propostas para a direção da 
escola. Em primeiro lugar... 
— Você não tem que levar proposta nenhuma pra direção — voltou a 
interromper Diego. — Tem que levar é uma bomba pra explodir toda a 
escola! 
 
 5 
Nicanor não era adepto a atitudes agressivas. Nem mesmo nas 
brincadeiras. 
— Nada de violência. Nós não precisamos destruir a escola. 
Precisamos é transformá-la em um local mais agradável para nós, 
alunos. E é isso o que eu prometo fazer, meu povo. 
— Muito bem! — Fábio foi o primeiro a aplaudir. 
— Obrigado, obrigado... Então, aqui vai a minha primeira proposta... 
A turma fez silêncio. Todos queriam ouvir o discurso irônico de 
Nicanor. 
— Bem, em primeiro lugar, as aulas só vão começar às nove e meia da 
manhã. Vou repetir: às nove e meia. E o recreio vai ser das dez às 
onze. 
— E depois do recreio? — perguntou um colega. 
— Bem, após o recreio, vamos ter mais uma hora de descanso. Afinal, 
ninguém é de ferro, né? 
— Muito bem! — apoiaram alguns colegas, enquanto outros 
simplesmente riam dos absurdos que ouviam. 
Já definitivamente com uma postura parlamentar, Nicanor empolgou-
se: 
— E tem mais: Já que nós queremos uma escola realmente 
democrática, vamos acabar com a obrigatoriedade do 
uniforme. Cada um vai poder vir com a roupa que quiser. 
Pode vir de bermuda, camiseta, chinelo e até pijama. E para 
as meninas, vai ser liberado o topless! 
Os garotos da turma vibraram. Até Diego rendeu-se ao 
gozador: 
—Agora você tem meu voto! 
 
 
 6
 
Ninguém da família de Nicanor conseguia dizer de quem ele herdara 
aquele jeito alegre e brincalhão. Do pai, só tinha o nome e o nariz 
pontiagudo. Seu Nicanor era um homem sério e dedicado de corpo e 
alma ao trabalho. Vivia convidando o filho para visitar seu escritório 
de contabilidade com mais freqüência. Sonhava em vê-lo um dia 
sentado ao seu lado, dividindo as tarefas e as responsabilidades do seu 
trabalho. O filho, no entanto, não se empolgava com a idéia. Achava 
que aquele serviço não tinha a menor graça. 
Nicanor era um garoto educado e não dava trabalho aos pais, a não ser 
quando perdia a paciência e reagia com um palavrão às provocações 
da irmã Carina, de dez anos. Era logo repreendido por dona Luiza, 
uma mulher que gostava muito de cuidar da casa, do marido e do casal 
de filhos, além de Epaminondas, um vira-latas que o filho ganhou do 
amigo Fábio. Ninguém conseguia explicar por que ele escolhera 
aquele estranho nome para o cão. Coisas de Nicanor! 
Na escola, apesar das freqüentes brincadeiras, não era considerado um 
aluno bagunceiro, pois não atrapalhava as aulas. Pelo contrário, às 
vezes até as animava com as suas piadinhas, que faziam seus colegas e 
professores darem boas gargalhadas. Mas sabia falar sério quando 
necessário. Inteligente e criativo, não utilizava todo o seu potencial nas 
 
 7
tarefas escolares. Concentrava-se mais no seu passatempo predileto: 
escrever piadas e histórias engraçadas. Pensava em se tornar come-
diante um dia. Se isto não fosse possível, gostaria de ser professor de 
português. Sentia-se realizado em tirar as dúvidas de seu amigo Fábio. 
E parecia realmente um professor de verdade, pois além de conhecer 
bem a matéria, tinha paciência e criatividade. Nas horas vagas, 
distraía-se praticando seu talento didático-pedagógico com 
Epaminondas, que ficava imóvel, sentado na poltrona da sala, olhando 
fixamente para o dono. Nicanor não tinha certeza se o cão conseguia 
entender suas explicações, mas uma coisa era certa: ele prestava uma 
tremenda atenção. 
O sucesso que fazia entre o grupo feminino devia-se mais ao seu 
talento como comediante do que propriamente à sua beleza física. O 
nariz pontiagudo, o corpo magro e o jeito meio desengonçado não 
conseguiamatrair os olhares maliciosos das meninas. Mas Nicanor 
ainda não se mostrava muito preocupado com a questão do namoro. 
Queria mesmo era brincar e fazer os outros rirem. 
 
 
 
O CANDIDATO IDEAL 
 
Durante o recreio, numa animada rodinha formada por alguns meninos 
da turma, Nicanor ainda fazia gozações sobre as eleições para 
representante. Júlia aproximou-se, curiosa. 
— O que está acontecendo aqui? Uma reunião do "Clube do Bolinha"? 
— Puxa, Júlia, você chegou justamente no momento em que vou 
revelar meu voto — respondeu Nicanor. 
— Posso participar desse momento histórico? — brincou a amiga. 
— Claro! O prazer é todo seu! 
Nicanor ajeitou o cabelo e continuou com a gozação: 
— Bem, pessoal, eu quero comunicar a todos que vou votar na Aline. 
Afinal de contas, ela merece. Com aqueles olhos verdes e aquelas 
pernas... 
 
 8
Um colega imediatamente questionou: 
— Isso é uma eleição de representante de turma ou um concurso de 
beleza? 
— Não faz diferença! — foi Diego quem respondeu. — Eu tô com o 
Nicanor. E tem mais: eu voto na Aline pra prefeito, governador e até 
pra presidente da república. 
— É por isso que o nosso país está nessa situação — criticou um outro 
colega. 
Nicanor resolveu falar sério: 
— Eu tava brincando, pessoal. É claro que eu não vou escolher um 
representante só por causa de um rostinho e de um corpinho bonito. 
— Mas eu não tava brincando, não! — afirmou Diego com um riso 
debochado. — Vou votar na Aline mesmo. E fim de papo! 
Fábio aproveitou o momento para dar sua opinião: 
— Vocês não acham que o Pedro Henrique poderia ser um bom 
representante? Ele é o CDF da turma e não fica de brincadeira na sala. 
— Mas ele é um cara metidão — criticou Diego. — Só quer saber de 
estudar e quase não fala com ninguém! 
Júlia defendeu o colega ausente: 
— Vou contar uma coisa pra vocês. Já conversei com o Pedro 
Henrique algumas vezes e posso garantir que ele é um cara legal. E 
tem mais: ele não passa o tempo todo estudando, como vocês estão 
pensando. Ele apenas é um aluno organizado, disciplinado, segue um 
horário de estudos em casa... 
— Mas que ele é metido, isso é... — insistiu Diego. 
— É impressão sua. Se você bater um papo com ele, vai perceber que 
não é nada disso. Como eu já disse, ele é apenas um cara sério, 
fechadão. E nós temos que respeitar o jeito dele, não é verdade? 
— Puxa, quando eu precisar de um advogado de defesa, vou contratar 
você — brincou Nicanor. 
— Eu cobro em dólar — provocou Júlia, fazendo uma careta para o 
amigo brincalhão. 
As palavras de Júlia surtiram efeito imediato junto aos meninos ali 
presentes. A imagem negativa que alguns tinham em relação a Pedro 
Henrique, sem dúvida fora suavizada. Mas para a função de 
 
 9 
representante de turma, o nome dele estava definitivamente 
descartado, já que os alunos sabiam que esse posto teria que ser 
ocupado por alguém que soubesse argumentar e defender com clareza 
seus pontos de vista, suas propostas. E tudo levava a crer que um forte 
candidato, ou melhor, uma forte candidata já tinha sido encontrada. 
Estava ali bem pertinho. 
Na semana seguinte, as expectativas foram confirmadas: a votação 
quase unânime em Júlia demonstrava o carisma que a nova aluna 
despertara junto aos colegas de turma. 
Assim que a eleição foi encerrada, Diego dirigiu-se ironicamente a 
Júlia: 
— Então é você que vai ser o dedo-duro da turma, hein! 
— Dedo-duro? — Júlia fez cara feia. — É assim que você vê a função 
de representante de turma, Diego? 
— Mais ou menos, mais ou menos — afastando-se, não sabendo como 
justificar seu comentário. 
Foi a vez de Nicanor e Fábio se aproximarem: 
— Parabéns, Júlia! Eu tenho certeza que você será uma grande 
representante. 
Júlia já conhecia muito bem aquela expressão irônica de Nicanor. 
— Lá vem você com zoação... 
— Não é zoação, não! Tô falando sério. Eu tenho certeza que você 
nasceu pra essa função. Aposto que até o médico que tirou você da 
barriga da sua mãe falou assim: essa neném pode ser feia, mas um dia 
será uma grande representante de turma. 
— Você não tem jeito! — sorriu Júlia. Dessa tua boca, só sai 
bobagem. 
Fábio aproveitou para dar uma sugestão: 
— Falando em boca, que tal um lanche em homenagem à nova 
representante? 
— Puxa, Fábio, você só pensa em comida? — ela perguntou, rindo. 
— Tem coisa melhor? — disse Fábio, arrastando os dois amigos para a 
lanchonete em frente à escola. 
 
 
 
 10 
DISCUSSÃO EM SALA 
 
Uma semana após as eleições, a diretora fez uma nova visita à turma. 
Queria conversar com os alunos, saber de seus interesses e sugestões 
para aquele ano letivo que estava começando. Sua presença era sempre 
bem-vinda nas salas, pois todos sabiam da dedicação e seriedade com 
que ela lutava por uma escola de melhor qualidade. 
Há quatro anos na direção, dona Rosa sempre sonhou com a 
diminuição do número de casos de vandalismo e de indisciplina na 
escola. E com a ajuda da equipe de professores, do Grêmio Estudantil 
e da Associação de Pais, foi possível tornar as estatísticas mais 
favoráveis. Dentre uma série de medidas tomadas, a que mereceu 
maior destaque foi a de possibilitar aos alunos o acesso a diversos 
tipos de atividades extraclasse, tais como treinamento de modalidades 
esportivas, curso de informática, aulas de violão, desenho, artesanato, 
capoeira, dança e outras mais. O resultado foi o melhor possível: os 
estudantes descobriam e desenvolviam a cada dia suas potencialidades 
dentro das suas áreas de interesse. Excelentes trabalhos eram apre-
sentados a todo instante. Cresceu a motivação dos alunos, que 
passaram a ver a escola com outros olhos. Na verdade, passaram a se 
ver com outros olhos. 
— Ainda estamos no início do ano letivo, e imagino que vocês devam 
ter algumas idéias interessantes para tornar nossa escola cada vez 
melhor. Então, vou deixá-los sozinhos por alguns minutos para que 
possam trocar idéias. Daqui a pouco, voltarei para colher suas 
sugestões. Aproveitem bem esse momento democrático que estão 
vivenciando. 
Já sem a presença de dona Rosa na sala, Júlia conduziu a discussão 
entre os alunos e foi a primeira a apresentar uma sugestão: solicitou 
uma variedade maior de livros e revistas na sala de leitura. Diego e 
Nicanor pediram a formação de uma equipe de basquete para 
representar a escola, pois esta só dispunha de times de vôlei e de 
futebol. Fábio reclamou da pouca higiene da cantina. Alguns outros 
alunos sugeriram a realização de um festival de música. Várias outras 
 
 11 
reivindicações e críticas foram feitas e prontamente anotadas para que 
fossem apresentadas à diretora assim que retornasse. 
Diego não deixou de fazer sua crítica: 
— Eu quero reclamar da dona Lurdes. Ela é uma professora muito 
grossa, só sabe falar gritando. Trata os alunos como animais! 
— É isso mesmo! — concordaram imediatamente alguns outros alunos 
sentados próximo a ele. 
— Acho que vocês estão sendo radicais — contestou Júlia. — Eu até 
concordo que a dona Lurdes não é nenhuma "Miss Simpatia" e, às 
vezes, exagera nas broncas; mas daí a dizer que ela trata os alunos 
como animais... 
— A Júlia tem razão — apoiou Nicanor. — Vocês por acaso já 
notaram a bagunça que fazem na aula dela? 
— Olha só quem tá falando! — criticou Diego. — Você é um que fica 
de brincadeira o tempo todo. 
Fábio logo defendeu o amigo: 
—Nada disso! O Nicanor sabe a hora de parar de brincar. E eu acho 
que é isso que tá faltando em vocês. 
Toda a classe acompanhava atentamente a discussão. Nicanor voltou a 
falar: 
—Vou perguntar uma coisa, Diego: se você fosse a dona Lurdes, iria 
agüentar se um aluno atrapalhasse a sua aula o tempo todo? 
Júlia antecipou-se à resposta do colega: 
— Sabe, gente, essa pergunta do Nicanor é muito importante. É uma 
coisa que a gente nunca faz: se colocar na posição dos outros. A gente 
tem a mania de só ver o nosso lado, não é mesmo?— Mas se eu fosse professor, não ia ser tão chato como a dona Lurdes 
— rebateu Diego. — Ela bem que merece que a gente perturbe a aula 
dela. 
Mas quando você perturba uma aula, não tá atrapalhando só o 
professor, não. Também tá desrespeitando os colegas de turma. 
Desrespeitando os colegas? — Diego fez cara feia. 
— Não exagera, Júlia. 
É desrespeito, sim — afirmou Nicanor. — Tem gente na sala que tá a 
fim de aprender e é prejudicado pela bagunça dos outros, entendeu? 
 
 12 
O debate foi interrompido pelo retorno da diretora à sala. 
— E aí, turma, vocês conseguiram trocar idéias e apresentar 
sugestões? 
Após receber a lista de propostas da turma, dona Rosa dirigiu-se aos 
alunos: 
— Bem, é claro que eu não posso assegurar que todas as 
reivindicações serão atendidas, mas eu garanto que serão analisadas 
com a máxima seriedade e respeito. 
Antes da diretora sair da sala, Nicanor aproximou-se e falou baixinho: 
— Dona Rosa, aproveitando que a senhora falou sobre respeito, eu 
gostaria de fazer uma pergunta: a senhora acha justo alguém ser 
punido por algo que não fez? 
— Claro que não é justo, Nicanor. Mas por que você está me 
perguntando isso? 
— Ontem o professor de matemática cometeu uma injustiça ao me dar 
uma advertência por uma coisa que eu não fiz. 
— O que foi que você não fez? 
— O trabalho de casa. 
Dona Rosa soltou uma gargalhada: 
— Nessa você me pegou, hein, Nicanor! 
 
 
2 
O BASQUETE 
 
- Ótimo passe, Nicanor! Beleza de arremesso, Diego! 
Era mais uma cesta da equipe titular. Após a boa jogada, professor 
Bernardo, com um sorriso estampado no rosto, deu o treino por 
encerrado. O treinador estava cada vez mais entusiasmado com o 
rápido progresso da recém-formada equipe de basquete, que tinha 
como destaques o ala Nicanor e o pivô Diego. 
 
 13 
Após o treino, os dois companheiros estavam exaustos, mas 
visivelmente felizes por estarem praticando o esporte preferido. Diego 
era o que mais vibrava: 
— Puxa, não tem nada melhor que jogar basquete. Ainda bem que 
dona Rosa atendeu ao nosso pedido e formou um time pra representar 
o colégio. O campeonato interescolar vai ser no fim do ano. Até lá, a 
gente vai ter bastante tempo pra treinar. 
— É verdade — concordou Nicanor. E do jeito que você tá treinando, 
não vai demorar muito pra se tornar um grande jogador de basquete. 
Diego empolgou-se com o elogio: 
— Tá falando sério, Nicanor? 
— Claro! Deve levar uns trinta ou quarenta anos... Diego riu da 
gozação, limpou o suor da testa e disse com 
firmeza: 
— Pode levar até cem, duzentos ou trezentos anos! Um dia eu chego 
lá! 
Se jogar basquete era uma atividade prazerosa para Nicanor, para 
Diego significava muito mais: era a concretização de um sonho de um 
garoto que passava horas treinando sozinho no quintal de sua casa. Um 
balde preso ao muro fazia o papel da cesta. Valia qualquer tipo de 
improvisação para fazer o que mais 
gostava na vida. 
A altura de l,90m fora herdada do pai, que falecera há cerca de dois 
anos, vítima de uma bala perdida. Quando vivo, Raul, ex-jogador de 
basquete, era o grande mestre e incentivador do filho. Aos fins de 
semana, costumava levá-lo ao clube perto da sua casa a fim de ensinar-
lhe os segredos daquele esporte. Diego aprendia rapidamente, pois 
parecia que já carregava no sangue as qualidades essenciais para um 
grande jogador. 
Com a súbita morte do pai, o jovem perdeu o mestre, o amigo e 
também o seu maior ponto de referência. E nem mesmo o amor e a 
dedicação materna impediam que o desinteresse pelos estudos e a 
rebeldia adolescente aumentassem cada vez mais. 
A ausência do pai não fez diminuir, entretanto, seu amor pela bola de 
basquete. Ao contrário, a admiração pelo esporte ficou ainda mais 
 
 14 
acentuada. Gostava de assistir a jogos de equipes adultas e colecionava 
autógrafos de seus ídolos. Imaginava-se sendo um deles, marcando 
pontos decisivos e sendo carregado pelos torcedores. O desejo de se 
tornar um jogador profissional tinha mais que um motivo: ele queria 
realizar o seu próprio sonho. E o do seu pai também. 
Dona Ana tinha sonhos diferentes para seu único filho. Não gostava da 
idéia de vê-lo jogando basquete profissionalmente. Preferia que ele 
seguisse a carreira militar ou que concluísse uma faculdade, mas não 
queria interferir na sua decisão. Desejava simplesmente vê-lo feliz. 
Afinal, Diego era tudo para aquela mãe dedicada, que vivia com o 
filho e para o filho. Trabalhava o dia inteiro como auxiliar de 
enfermagem e ainda fazia alguns "bicos" nos horários livres. Nada 
poderia faltar para que seu Dieguinho completasse os estudos e se 
tornasse, não s mente um homem grande, mas um grande homem. 
Agora, parte do sonho daquele adolescente começava a se realizar. 
Afinal, fazia parte da equipe de basquete da escola, com direito a 
uniforme, quadra oficial, treinador e esquema tático. Era o passo 
inicial para uma vitória que, apesar de distante, já parecia possível. 
Diego era o primeiro a chegar e o último a sair dos treinos. Tão grande 
era sua dedicação que foi logo escolhido para ser o capitão da equipe. 
E a seriedade com que encarava a nova função foi sendo gradualmente 
espalhada para fora das quadras. Durante as aulas, parecia um pouco 
mais concentrado, mais responsável. Já não esquecia mais os livros em 
casa. Até as broncas que costumava levar da maioria dos professores 
foram pouco a pouco diminuindo. Na sala de aula, Diego mudou-se de 
endereço e passou a sentar-se ao lado de Júlia. Assim, "matou três 
coelhos com uma cajadada só": afastou-se do grupo bagunceiro do 
qual fazia parte, ficou próximo ao companheiro do basquete, além de 
curtir a companhia agradável da representante de turma. E de quebra, 
ainda ganhava alguns biscoitos de Fábio. 
À medida que os dias passavam, Diego sentia-se cada vez mais 
entrosado com os novos amigos. Com Nicanor, passava animadas 
horas conversando sobre os treinos de basquete e combinando novas 
jogadas. Nos trabalhos em grupo, não deixava de cumprir a sua parte: 
 
 15 
— Você está progredindo bastante, Diego — reconheceu dona Lurdes. 
— Continue assim. 
O elogio daquela professora juntava-se aos dos outros mestres e o 
motivavam ainda mais. Com o passar do tempo, o olhar rebelde deu 
lugar a uma expressão mais leve e serena. Até o seu sorriso já era 
diferente. 
 
 
NO SHOPPING 
 
Uma grande euforia tomou conta de toda a turma quando a professora 
de inglês solicitou um trabalho diferente, sem qualquer tipo de 
consulta a livros, enciclopédias ou mesmo à Internet. Para alegria dos 
alunos, a fonte de pesquisa era nada mais, nada menos que um 
shopping. E a tarefa era muito simples: fazer uma lista de palavras da 
língua inglesa usadas como nomes de lojas e artigos. Nunca um 
trabalho em grupo fora tão bem aceito pela classe. 
O grupo composto por Júlia, Nicanor, Fábio e Diego estava no 
shopping há quase uma hora e já tinha anotado mais de 80 palavras. 
— Puxa, como tem coisas escritas em inglês aqui, hein, meninos! 
— Parece até que a gente tá nos Estados Unidos — acrescentou Diego. 
— É inglês pra todo lado. 
Fábio comentou: 
— É uma pena que eu ainda não vi as minhas palavras preferidas. 
— Palavras preferidas, Fábio? — Júlia ficou curiosa. 
— Diga pra ela, Nick. 
— Ué, fala você, parceiro — rebateu Nicanor. 
Eu não sei se eu vou conseguir. Não estou em condições psicológicas 
pra isso... 
— Que mistério é esse, meninos? 
Tá bom — disse o irônico Nicanor. — Vou falar as palavras em inglês 
que o Fábio adora: cheeseburger... hot dog... milkshake... sundae... 
Fábio tampou os ouvidos: 
 
 16 
- Pára , Nick, por favor, pára. Não me torture. Assim eu não agüento. 
Meu estômago já tá até roncando. Acho que vou ter um treco. 
Nicanor sugeriu: 
— Ih, é melhor a gente parar pra um lanche, pessoal. Eu conheço esse 
meu parceiro há anos. Quando ele tá assim, nesseestado de coma... 
Júlia espantou-se: 
— Estado de coma? 
— Sim, coma pizza, coma salgadinhos, coma biscoitos... Na praça de 
alimentação do shopping, cada um comeu 
um sanduíche acompanhado de um refrigerante, mas Fábio, com seus 
87 quilos, preferiu uma refeição mais farta. Além de dois sanduíches, 
pediu uma porção de batatas fritas e um milkshake grande de 
chocolate. E concluiu o pedido com uma fatia de torta de morango. 
— Fábio, teu pai deve ganhar muito bem pra poder sustentar esse teu 
apetite — brincou Diego. — No mínimo, ele tem que trabalhar umas 
35 horas por dia. 
Júlia sugeriu fraternalmente: 
— Por que não faz uma dieta, Fábio? Iria ser muito bom pra você, não 
acha? 
Fábio não conseguia falar nada. Estava ocupado com a boca cheia. 
— Nada disso — discordou Nicanor. — A única saída pra resolver o 
problema do Fábio é o tal do spa. 
— Mas spa é muito caro. É só pra gente com muito dinheiro. 
— Não estou falando desse spa, Júlia. Estou falando de colocar um 
spa-radrapo na boca desse meu parceiro. Só assim ele pára de comer. 
Fábio comia sua fatia de torta e acompanhava as gozações sem grande 
constrangimento. Afinal, aqueles eram seus companheiros favoritos na 
sala, principalmente Nicanor, a quem considerava seu melhor amigo. 
Fábio sabia que aquelas brincadeiras visavam apenas passar o tempo. 
Não tinham o objetivo de ridicularizá-lo. 
Desde que nasceu, Fábio sempre foi um garoto forte e saudável. Após 
os nove anos de idade, o corpo cresceu pouco ara cima e muito para 
frente e para os lados. A razão não era patológica — era gula mesmo. 
Nas vezes que sua mãe o obrigava a fazer uma dieta, os bons 
resultados apareciam rapidamente- a barriga diminuía e as calças 
 
 17 
afrouxavam. Mas logo depois de algum tempo, a determinação 
também afrouxava e mais uma vez a balança voltava a reclamar. Ele 
dava a impressão de não se importar com o excesso de peso, mas, no 
fundo, gostaria de ser mais leve e elegante. Assim, poderia fazer 
esportes com mais desenvoltura. Quem sabe até jogar na equipe de 
basquete com Nicanore Diego. Entretanto, não bastava somente uma 
simples vontade. Era preciso uma forte determinação para derrotar o 
adversário chamado gula. Fábio estava perdendo esse jogo. E de 
goleada. 
Sua mãe não dispunha de tempo suficiente para controlar sua 
alimentação. Além de ajudar na padaria do marido, ela ainda tinha que 
cuidar dos quatro filhos. Fábio, o mais velho, era quem mais ajudava o 
pai no trabalho. Atrás do balcão, servia os fregueses com muita 
gentileza. E, naturalmente, não esquecia de se servir também. 
Na escola, não se destacava na maioria das matérias, mas 
impressionava a todos pela facilidade com que lidava com as 
operações matemáticas. Seu maior interesse, entretanto, era desenhar 
caricaturas de pessoas famosas e até de colegas e professores. 
Aproveitava a criatividade que Nicanor tinha em escrever piadas, e 
juntos montavam excelentes histórias em quadrinhos, envolvendo 
pessoas do colégio. Faziam tanto sucesso que chegavam a vender 
algumas revistas para os próprios colegas 
a classe. O dinheiro arrecadado era aplicado na pizzaria da esquina. 
Faltavam vinte minutos para as dez horas da noite quando Julia se 
despediu dos companheiros. 
Fica mais um pouco, maninha — pediu Nicanor. 
- Não vai dar. Minha mãe combinou de me pegar às 9:45h. 
Após a saída de Júlia, os três adolescentes ainda ficaram conversando 
mais um pouco na praça de alimentação. Eram exatamente dez horas 
quando decidiram ir embora. Já tinham passado pela porta do 
shopping, quando quatro rapazes, aparentando entre 15 e 18 anos, 
vieram em direção a Diego. O que parecia ter mais idade falava pelo 
grupo: 
— E aí, brother? Tudo numa boa? 
— Tudo bem — respondeu Diego meio sem graça. 
 
 18 
— Que é que você tá fazendo por aqui? 
— Vim fazer um trabalho de inglês com os meus colegas. 
— Escuta... vamos dar um rolé hoje? 
Diego não se mostrou muito disposto a aceitar o convite: 
— Acho que não... Hoje tô meio cansado... 
— Qual é, brother? Já tem um tempão que você não sai com a gente. 
Vamos lá, tá cedo ainda... 
— Não sei... 
Os quatro jovens insistiram e conseguiram convencer Diego a 
acompanhá-los. - Ainda na porta do shopping, Fábio e Nicanor 
ficaram curiosos e intrigados. 
— Você sabe quem eram aqueles caras, Nick? 
— Devem morar perto do Diego. 
— Não gostei muito da cara deles. 
— Eu também não. 
—E o que eles queriam dizer quando convidaram o Diego pra dar um 
rolé a essa hora da noite? 
— Não faço a menor idéia, mas só há uma maneira de descobrirmos. 
Vamos segui-los. 
— A essa hora, Nick? Tá maluco? Você sabe como é perigoso... 
— Vamos, parceiro! Eles já tão virando a esquina. 
 
 
AVENTURA PERIGOSA 
 
Nicanor e Fábio seguiam a pé o grupo de rapazes, mantendo uma 
distância segura para não serem vistos. A espionagem durou mais de 
meia hora. Diego e seus colegas zigueza-guearam por várias ruas, 
passaram ao lado do muro do cemitério e pararam próximo a uma casa 
luxuosa, com dois enormes coqueiros no quintal. Um dos rapazes 
entrou na casa, enquanto os outros o aguardavam na calçada. Após 
alguns minutos, o rapaz retornou e imediatamente distribuiu alguma 
coisa para os companheiros. 
— Nick, o que são aqueles troços na mão do Diego e dos outros caras? 
 
 19 
— Sei lá. 
— Será que são armas? 
— Acho que não. 
— Será que é droga? 
— Não... Acho que já sei o que é: spray! 
— Spray? O Diego é pichador? 
— É... E eu pensava que ele só gostasse de basquete. 
— É melhor a gente ir embora, Nick. É perigoso ficar perto desses 
caras. Eles podem arrumar confusão e vai sobrar pra gente. 
— Tá bom. Vamos nessa — Nicanor deu os primeiros passos de volta. 
- Por aí, não! É melhor a gente voltar por um caminho diferente. Não 
quero passar perto do cemitério novamente. 
- Não vai me dizer que tem medo de assombração, parceiro? 
- Não é bem isso... — Fábio não quis admitir. 
— Então o que é? 
- Tá muito tarde. Pra que arriscar? Vamos por aquela outra rua ali e... 
— Deixa de ser medroso. Fantasma não existe. Como diz meu pai, 
"nós temos que ter medo é dos vivos, não dos mortos." 
Fábio sentiu a aparente segurança do seu amigo e, ainda que 
amedrontado, concordou. 
Os dois amigos puseram-se a voltar pelo mesmo caminho. Já bem 
próximo ao muro do cemitério, o que se via nos olhos de Fábio não era 
medo, mas sim pavor. Nicanor, embora se esforçasse para demonstrar 
coragem e tranqüilidade, também já estava nervoso. Já havia se 
arrependido de ter optado por aquele caminho, mas não podia mais 
recuar. Tinha até vontade de contar uma piadinha para diminuir a 
tensão, mas faltava inspiração naquele momento. O pavor de Fábio 
havia lhe contagiado. Os dois não pronunciavam uma palavra sequer; 
apenas caminhavam em passadas largas. Um completo silêncio reinava 
no local, o que fazia sobressair ainda mais o som ritmado dos passos 
rápidos. Ao se aproximarem do portão principal do cemitério, 
avistaram um homem idoso andando em sentido contrário. O senhor 
aparentava uns setenta anos, vestia um terno preto e andava com certa 
dificuldade, segurando uma bengala na mão direita. Os adolescentes, 
 
 20 
assustados, apertaram o passo. A uma distância de dois metros do 
homem, ouviram uma voz: 
— O que vocês estão fazendo aqui a essa hora? — indagou o senhor 
com uma voz que parecia sair de um túmulo. 
— Esta-ta-mos indo pra ca-ca-sa — conseguiu responder Nicanor com 
muito esforço. Fábio nem tentou falar. Tremia da cabeça aos pés. 
— Mas vocês estão andando tão rápido! Não vão me dizer que estão 
com medo de assombração! 
Agora Fábio bem que tentou dizer alguma coisa, mas a voz ficou presa 
na garganta. Foi Nicanor novamente quem respondeu: 
— Um pou...co. 
— Eu não estranho — disse o velho. — Eu também tinha medo de 
assombração quando era vivo. 
Nicanor e Fábio entreolharam-se rapidamente e não conseguiramsequer articular qualquer som identificável. Seus queixos não paravam 
de bater. Apesar das pernas também tremerem, puseram-se a uma 
corrida desenfreada. Até mesmo Fábio, com seus 87 quilos e com o 
estômago cheio, nunca correra tão rápido. Enquanto se afastavam em 
velocidade quase que meteórica, o homem expressou um leve sorriso e 
continuou sua lenta caminhada na direção de sua casa, como fazia 
todos os dias após um cansativo dia de trabalho. Não era a primeira 
vez que assustava adolescentes naquele local. 
 
 
 21 
 
 
Já a uma distância segura do cemitério, os dois amigos pararam para 
um breve descanso. Após alguns minutos, já conseguiam falar alguma 
coisa: 
— Nick, você não me falou que assombração não existe? O que você 
diz agora? 
— Deixa de ser bobo, parceiro. Aquele velho não era assombração 
nenhuma. 
— Não? Então por que você correu? 
— Eu corri porque você correu primeiro. Eu não podia te deixar 
sozinho naquela rua escura. 
— Tá legal. Vou fingir que acredito. 
— Vamos combinar o seguinte, parceiro: não vamos contar pra 
ninguém essa história do cemitério, combinado? 
— Negócio fechado. Mas a gente tem que bater um papo com o Diego 
sobre o lance da pichação. Aquilo é uma tremenda furada. 
— É, ele ainda pode se dar mal. Amanhã a gente conversa com ele. 
— E vamos contar pra Júlia. Ela tem um papo legal e... 
— Tá certo, parceiro, tá certo. Agora vamos parar com a conversa e 
andar mais rápido porque tô doido pra chegar em casa e ir ao banheiro. 
— Banheiro? Nada disso! Eu vou atacar a geladeira. Essa correria me 
abriu o apetite. 
 
 22 
 
 
O PICHADOR 
 
Na manhã seguinte, Diego chegou atrasado à escola. Durante o 
recreio, ele foi convocado a comparecer ao círculo formado por 
Nicanor, Fábio e Júlia. 
Queremos bater um papo com você — disse Nicanor, com rara 
seriedade no rosto. 
- Qual é a gozação dessa vez? 
- Não tem gozação. O papo é sério — confirmou Júlia. 
- Qual é, galera? Por que tão me olhando desse jeito? 
- Quem eram aqueles caras de ontem à noite? — perguntou Fábio, 
olhando fixamente dentro dos olhos do companheiro. 
-Moram na minha rua... — Diego desviou o olhar. 
Eles te levaram pra uma tremenda furada, hein! 
- Furada? Como assim, Fábio? 
Nós te seguimos e vimos que os caras são pichadores 
— foi Nicanor quem respondeu. 
Diego não disse nada. Nicanor continuou: 
— Não dá pra entender, Diego. Você agora tá numa boa, jogando o teu 
basquete, é o capitão da equipe, tá até mais tranqüilo na sala... e entra 
numa furada dessa... 
— Eu quase não tô mais saindo com aqueles caras — Diego sentiu-se 
um pouco constrangido. — Ontem à noite, topei sair com eles pra 
justamente dizer que eu ia largar a parada. Mas aí, eles me 
convenceram a dar uma saideira... Mas podem ficar tranqüilos, porque 
o artista aqui vai se aposentar. 
— Artista? — Fábio surpreendeu-se. 
— Ué, o pichador é um artista — defendeu-se Diego. Júlia não gostou 
da comparação: 
— De que arte você tá falando? Sujar a casa dos outros? Se você quer 
fazer a sua arte, que vá procurar o local certo pra isso. Aqui na escola, 
por exemplo, tem aquele muro que a dona Rosa deixou justamente 
 
 23 
para os grafiteiros mostrarem o seu talento. Por que você não faz a sua 
arte lá? 
Mas não é só isso — Diego voltou a defender-se. — 
ar também é uma maneira de protestar contra o sistema, sacou? 
Júlia fez cara feia: 
frase de alguém e alguém e agora tá repetindo como um papagaio. 
Aposto que nem pensou sobre o que tá falando. Se você quer protestar, 
existem outras maneiras de fazer isso. Lembra o que a professora de 
história disse na última aula? Podemos mostrar nossa insatisfação 
quando votamos, quando participamos de movimentos, passeatas... 
Mas nada de vandalismo ou violência! Diego não queria dar o braço a 
torcer: 
— Qual é, galera? Pichação não é vandalismo e nem crime. Quem 
picha não tá matando, não tá roubando, não tá quebrando ou 
destruindo nada. Tá apenas curtindo uma aventura, se divertindo, 
sacou? 
— Mas tem outras maneiras mais interessantes de se divertir — 
contestou Nicanor. — Jogar basquete é uma delas, não acha? 
Não houve resposta. Júlia concluiu: 
— E tem outra coisa: você não tem o direito de se divertir 
prejudicando os outros. Por que você não picha as paredes do seu 
quarto? 
Definitivamente, os argumentos de Diego haviam se esgotado: 
— Pô, vocês tão fazendo uma tempestade num copinho d'água. 
Parecem até a minha mãe quando começa a falar. 
Fábio também advertiu o companheiro: 
— Diego, você não percebe que pode entrar numa furada? Se te 
pegarem no flagrante, o bicho vai pegar pro teu lado. 
— Tá legal, tá legal. Escuta, galera, quando é que o nosso grupo tem 
que apresentar o trabalho... 
— Não muda de assunto! — branqueou Júlia. Você vai ter que 
prometer que não vai mais fazer isso. 
— Eu já disse que ontem foi a saideira... 
— Promete? — ela insistiu. 
— Não esquenta a cabeça comigo... 
 
 24 
— Promete? — os três ao mesmo tempo. 
— Tá bom... mas agora vamos mudar de assunto, tá legal, galera? 
Durante as duas semanas que se sucederam, ninguém mais falou sobre 
as ações noturnas de Diego. O assunto só voltou à tona quando ele 
faltou dois dias consecutivos à escola. Os três amigos já estavam 
combinando de ir à sua casa para ver o que estava acontecendo, porém 
as más notícias andaram mais rápido. Dona Rosa entrou na sala e 
comunicou à turma que Diego estava hospitalizado, com fraturas e 
escoriações devido a um tombo de uma marquise. Não corria risco de 
vida. Ela não deu maiores detalhes. Nicanor e seus amigos trocaram 
olhares. Já sabiam que Diego não havia cumprido o prometido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 25 
A VISITA 
Os amigos de Diego tomaram um susto quando entraram no quarto do 
hospital e avistaram-no deitado na cama, com a cabeça enfaixada, o 
rosto inchado, vários hematomas e ferimentos espalhados pelo corpo 
inteiro. Ainda havia quebrado a perna esquerda e algumas costelas. 
Felizmente não houve traumatismo craniano ou qualquer outra 
conseqüência grave. Entretanto, a dor e o desconforto eram grandes. 
Nicanor, embora chocado com o quadro, tratou logo de amenizar o 
clima desconfortável: 
— Por que você tá todo fantasiado, Diego? O carnaval já passou. 
Diego, mesmo constrangido, deu um leve sorriso e disse com 
dificuldade: 
— Não me faça rir, porque tô cheio de dor na boca. 
— Dor na boca? — repetiu Fábio. — Bem, isso significa que você não 
vai conseguir comer a comida que te derem. Se você quiser, eu posso 
te ajudar a... 
Júlia logo repreendeu o amigo guloso: 
— Não acredito que você tá de olho na comida aqui do hospital, 
Fábio! 
— Estou apenas oferecendo a minha ajuda — argumentou Fábio com 
cara de sonso. — Amigo é pra isso, não é? 
Júlia fingiu que não escutou. Imediatamente, aproximou-se de Diego e 
segurou sua mão: 
— Tá muito machucado, meu amiguinho? Foi a vez de Nicanor 
brincar: 
—Não, Júlia! Só na cara, no peito, na barriga, nas costas, nos braços e 
nas pernas. Tirando isso, tá tudo bem. 
Fábio tampou a boca para não soltar uma gargalhada no quarto do 
hospital. 
Júlia ignorou a piadinha e continuou falando com Diego: 
- Que tombo, hein, amigo! Você quebrou alguns ossinhos. 
E também quebrou a promessa que fez pra gente na escola, lembra? 
- É, eu pisei na bola... — lamentou-se Diego. 
 
 26 
- Foi por isso que você caiu? Você pisou numa bola? — voltou a 
brincar Nicanor. 
Diego ensaiou um sorriso, mas não escondia a tristeza: 
- E por falar em bola, vou ter que ficar um tempão sem 
jogar basquete. Isso é o que mais dói... 
- E não foi por falta de aviso — observou Júlia. 
— Conta pra gente o que aconteceu — pediu Fábio. 
A dor do corpo e o constrangimento aumentavam ainda mais quando 
Diego relembrava aquelas cenas. "Onde eu estava com a cabeça 
quando topei sair novamente com aqueles caras?" Era uma pergunta 
que nem elesabia responder. 
— Bem, eu e alguns colegas fomos dar um rolé na terça-feira à noite. 
Quando a gente tava em cima de uma marquise fazendo a nossa arte, 
tocou um alarme e os parceiros pularam rapidinho e se mandaram. 
Mas eu me desequilibrei e caí da marquise. E quando tava caído na 
calçada tentando me levantar, apareceram dois caras. Eu pensei que 
fossem me ajudar. Mas que nada! Eles me deram uma banda, me 
arrastaram pra trás de uma banca de jornais e me deram um montão de 
soco e chute. Os caras repetiam a toda hora: "Pichador tem mais é que 
morrer!" E eu pensei que fosse morrer mesmo. Sorte minha que parou 
um carro e eles se mandaram. O homem que tava no carro me trouxe 
pra esse hospital. E aqui tô eu... cheio de dor, sem poder levantar, sem 
poder jogar basquete... 
Os três adolescentes ainda ficaram um pouco mais no quarto 
conversando com Diego. Falaram sobre as aulas e prometeram ajudar 
o amigo com os trabalhos escolares assim que ele fixasse o hospital. 
Depois, bateram um papo descontraído, e Júlia riram o ocorrido em 
frente ao cemitério. Diego e Júlia riram bastante da situação e gozaram 
os dois medrosos. 
Ainda com a perna engessada e com marcas espalhadas por todo o 
corpo, Diego voltou às aulas cerca de três semanas depois do 
incidente. A turma e os professores o receberam fraternalmente. Até a 
diretora veio dar-lhe um abraço. No peito do jovem, além da presença 
de algumas cicatrizes, brilhava um crucifixo que sua mãe havia lhe 
dado quando ainda era pequeno, mas Diego nunca se interessou em 
 
 27 
usá-lo. Agora foi ele próprio que tomou a iniciativa de colocá-lo junto 
ao peito. 
—Que bom que você está de volta! — vibrou dona Rosa. — O susto 
foi muito grande, não foi? 
Diego confirmou acenando com a cabeça. 
—Sabe, Diego, esses sustos que acontecem na nossa vida servem 
justamente para nos mostrar alguma coisa de positivo. Você deve ter 
aprendido que, com um ato impensado, pode destruir seu futuro, sua 
vida, sem contar com as pessoas que te amam. Por isso, esteja sempre 
atento e vigilante às coisas que você faz. 
Após uma pausa, dona Rosa colocou as mãos sobre os ombros de 
Diego em atitude protetora e carinhosa. Ao observar o crucifixo, 
acrescentou: 
— E não pense que colocar um crucifixo do lado de fora do peito seja 
suficiente. É preciso que a mudança ocorra pelo lado de dentro, você 
entendeu? 
Com os olhos cheios d'água, Diego mais uma vez acenou com a 
cabeça. Não tinha o que dizer, senão concordar. 
 
 
 
1 
A MENSAGEM ANÔNIMA 
Júlia adorava freqüentar as reuniões periódicas da diretora com os 
representantes de turma, pois eram discutidos vários assuntos de 
interesse dos alunos. Mas este não era o único motivo para ela gostar 
tanto daqueles encontros. Havia algo especial, ou melhor, alguém 
especial, que a prendia ali. 
Alberto acumulava as funções de representante de turma e vice-
presidente do Grêmio Estudantil. Com diversas tarefas a cumprir, 
raramente era visto no pátio conversando com os colegas. Passava a 
maior parte do tempo na sala do Grêmio. Assim, para Júlia, cada 
 
 28 
reunião daquelas era uma oportunidade de ouro de poder estar ali bem 
pertinho daquela figura rara e atraente. 
Ele não era alto e nem tão bonito assim. Tão pouco era do tipo 
musculoso. Nada disto importava para Júlia, que o achava 
simplesmente charmoso. Nas reuniões, enquanto Alberto falava, ela 
mal conseguia prestar atenção em suas palavras. Preferia ficar 
admirando seus lábios, seu sinalzinho no queixo, seu sorriso, sua 
simpatia, sua inteligência... 
Durante as reuniões, apesar dos poucos minutos que tinham para bater 
um papo, conversavam tão animadamente que pareciam se conhecer 
há muito tempo. Júlia às vezes empolgava-se acreditando que Alberto 
também dispensava-lhe uma atenção especial, mas vinha logo o 
desânimo ao perceber que aquela simpatia não era endereçada 
exclusivamente a ela, mas distribuí-a democraticamente entre todos os 
companheiros. 
Naquela reunião, o assunto mais discutido foi a realização da festa 
junina, marcada para o mês seguinte. Ficou acertado que os próprios 
alunos teriam que conseguir as prendas para a festa. Júlia, então, 
sugeriu que se fizesse um correio da amizade para a obtenção de 
fundos para a compra dos brindes. Alberto foi o primeiro a se 
entusiasmar com a idéia. A proposta foi colocada em votação e 
aprovada por unanimidade. O correio iria funcionar de 10 a 12 de 
junho, justamente na semana do Dia dos Namorados. Época mais 
sugestiva que esta não havia. 
O Grêmio imediatamente tomou as providências necessárias. Uma 
enorme caixa de papelão foi decorada e colocada na secretaria para 
receber as correspondências. Cada estudante deveria pagar uma 
pequena quantia para ter sua mensagem enviada. A idéia foi um 
sucesso: logo no primeiro dia, vários alunos usaram o correio para 
saudar ou gozar os colegas. Outros escreveram mensagens carinhosas 
e até apaixonadas. 
 
 
 29 
 
 
 
 
 30 
 
 
 
 
 31 
 
 
— Nossa! 
Júlia tomou um susto com a mensagem apaixonada que recebera. 
Sentou-se em silêncio e pôs-se a pensar. O que representava aquela 
declaração de amor? Uma brincadeira de Nicanor ou de algum outro 
colega? Ou estaria realmente despertando a paixão de alguém? E quem 
seria esse alguém que se identificou apenas como Sad Boy? Um colega 
da turma? Ou, quem sabe... Esforçava-se para afastar do pensamento o 
nome que logo começou a martelar sua cabeça: "Alberto! Alberto! 
Alberto! Será possível que seja ele? Bem, é melhor afastar esses 
pensamentos doidos. Ou maravilhosos?" 
 
 32 
Preferiu não comentar o assunto com ninguém No dia seguinte, 
recebeu uma outra mensagem pelo correio. O conteúdo era diferente, 
mas o remetente e o sentimento eram os mesmos 
 
 
 
 
 
 
 33 
O entusiasmo tomou conta de Júlia. E a curiosidade também. Queria 
logo ter a certeza de que aquilo não se tratava de uma brincadeira de 
alguém. Era hora de mostrar os bilhetes aos três amigos. Quem sabe 
ela não obteria uma pista qualquer? 
 
 
FORA DE MODA? 
 
Será que algum de vocês está querendo gozar com a minha cara? 
O irônico Nicanor foi o primeiro a se pronunciar: 
— Você acha que eu ia perder meu precioso tempo e ainda gastar parte 
da minha mesada pra te mandar bilhetinhos apaixonados? Você não tá 
com essa bola toda não, maninha! 
— Você sabe muito bem que de poeta eu não tenho nada. E também 
não manjo nada de inglês — defendeu-se Fábio. 
— Esse negócio de mandar cartinha apaixonada não faz meu estilo — 
garantiu Diego. 
— Olha, meninos, se for um de vocês... 
— Júlia, não vai ser nada fácil descobrir quem é esse Sad Boy — 
Nicanor observou. — Você sabe quantos garotos estudam nesta 
escola? Mais de trezentos! 
— A propósito, o que significa Sad Boyl — quis saber 
Fábio. 
Júlia esclareceu: 
— Significa garoto triste. É o pseudônimo dele. 
— Pseu o quê? 
— PSEUDÔNIMO. A professora de português explicou isso na 
semana passada. Já esqueceu, Fábio? É um nome falso usado por 
escritores e artistas. 
— Esse tal de Sad boy parece que tá ligadão na tua — entusiasmou-se 
Fábio. — E o cara é chegado a um romantismo. 
—Romantismo?—ironizou Diego. — Ainda existe essa palavra no 
dicionário? 
Júlia franziu a testa: 
 
 34 
- Qual é o problema em ser romântico, Diego? 
- Não me leve a mal, Júlia. Romantismo é coisa do passado. 
Ela não gostou nem um pouco daquele comentário. 
- De onde você tirou essa idéia? Onde é que tá escrito que o jovem de 
hoje não pode ser romântico? 
- Não tá escrito em lugar nenhum. Isso é moda, sacou? 
- E o que é estar na moda? É simplesmente copiar os outros? Servir de 
xerox? 
— Pronto! — Diego reagiu com ironia. — Lá vem a Júlia filosofar. 
— Foi você que começou. Agora agüenta! E me responda o seguinte: 
quem determina a moda? São os programas de televisão, as novelas...? 
Seráque eu vou ser obrigada a mudar minha maneira de ser só porque 
uma personagem da novela disse que isso ou aquilo é brega? E onde 
fica a autenticidade de cada pessoa nisso tudo? 
Diego ficou calado. Estava sem munição diante daquele arsenal de 
perguntas. 
—Bem... — continuou Júlia. — Eu assumo que gosto de palavras e 
músicas românticas. Podem me chamar de brega, se quiserem. Podem 
até dizer que não sou desse planeta. Não tô nem aí! 
Você não é brega, Júlia. É apenas um pouco ultrapassada — brincou 
Nicanor. 
Não me considero ultrapassada... Apenas sou o que sou. E te garanto 
que tem muita gente por aí que gosta desse meu jeito. 
E, tem gosto pra tudo nesse mundo... - Engraçadinho! — Júlia fez uma 
careta para o amigo gozador, que resolveu falar sério: 
- Tô brincando, maninha. Você é uma menina legal, autêntica... E eu 
vou confessar uma coisa: eu também tenho o meu lado romântico. Às 
vezes gosto de ficar deitado na minha cama, escutando uma música 
lentinha, gostosa... Fábio também foi sincero: 
— Falando em música lenta, eu até gosto de alguns discos velhos do 
meu pai. Pena que tá quase tudo arranhado... 
Júlia concluiu com uma expressão vitoriosa: 
 
 35 
- Como você pode ver, Diego, o romântico do Sad boy não está 
sozinho no mundo. Quem sabe você também é parecido com ele, mas 
não quer admitir... 
— Pára com isso, Júlia, pára com isso! 
— Falando em Sad Boy, acho que ele vai caprichar na mensagem de 
amanhã. 
— Por que você tá dizendo isso, parceiro? — quis saber Nicanor. 
Fábio esclareceu: 
— Amanhã é dia 12 de junho, Dia dos Namorados, esqueceu? E é o 
último dia do correio. 
— Será que esse cara vai ter coragem de se identificar? — perguntou 
Diego. 
— Tomara que sim, Diego... tomara que sim — suspirou Júlia. 
Nicanor fez seu comentário: 
— Ih, já vi tudo. Tem gente que nem vai dormir direito 
essa noite. 
 
 
O DIA DOS NAMORADOS 
 
-Nicanor estava certo. Júlia dormiu mal naquela noite. Tudo por culpa 
da forte ansiedade que fez a jovem passar horas sonhando acordada. 
Durante as aulas do dia seguinte, ela olhava o relógio a cada minuto, 
aguardando o momento da entrega das mensagens. A hipótese de uma 
provável brincadeira já estava afastada. Ela acreditava realmente que 
havia alguém apaixonado por ela. E somente admitia pensar em 
Alberto, pois nenhum outro lhe interessava. Preferiu, entretanto, 
esconder sua paixão dos amigos. Ainda não era o momento para esta 
revelação. 
Antes da última aula terminar, o inspetor veio à sala para entregar as 
correspondências. Júlia não conseguia disfarçar o nervosismo. Roía as 
unhas da mão direita, enquanto, com a esquerda, tamborilava a ponta 
da caneta sobre a carteira. E os olhos também trabalhavam, 
acompanhando atentamente todos os movimentos do funcionário, que 
 
 36 
entregava as mensagens aos colegas da turma. Uma pilha de cartas e 
cartões foram entregues a Aline, só restando um envelope na mão do 
inspetor. Ele olhou carinhosamente para a representante da turma: 
— Esta é para você, Júlia. 
Ela esticou o braço de forma bem discreta, embora estivesse com o 
coração pulando dentro do peito. Recebeu o envelope e colocou-o 
dentro do seu caderno. Antes, porém, olhou rapidamente o nome do 
remetente: Sad Boy. Deu um longo suspiro e esforçou-se para 
demonstrar naturalidade. Tinha uma vontade enorme de rasgar o 
envelope e ler a mensagem, mas precisava manter o autocontrole e 
vencer a ansiedade, pelo menos, até a aula acabar. 
Assim que o sinal tocou e o professor de matemática deixou a sala, 
Nicanor e seus amigos debruçaram-se sobre a carteira de Júlia e 
cobraram uma atitude: 
— Abre logo isso aí, Júlia! — falou Diego. — Vamos ver se esse 
sujeito mostra a cara. 
Era isso que ela mais desejava. E de preferência, uma cara 
acompanhada por um sinalzinho no queixo. 
Júlia bem que tentou transformar aquele momento numa cerimônia 
particular, mas não houve jeito de escapar dos três curiosos. Teve que 
brir o envelope ali mesmo. 
 
 
 37 
 
 
Apesar de confusa, Júlia apaixonou-se tanto pela mensagem que 
procurou não se mostrar decepcionada com a ausência do nome que 
tanto desejava ver naquela folha de papel. 
— Puxa, o Alb... quero dizer, o tal do Sad Boy é fantástico, vocês não 
acham? 
 
 38 
— Ele é maluco, isso sim! — brincou Diego. 
— Ué? Você gostou da mensagem, maninha? — Nicanor indagou, 
misturando surpresa e ironia. — Você não cansa de dizer que é 
inimiga da matemática? 
— Sim, mas depois de um poema como esse, quem sabe eu faça as 
pazes... — Júlia respondeu com um sorriso maroto. 
— Eu não tô entendendo por que esse cara tá demorando tanto a se 
identificar — comentou Fábio. 
Júlia tratou logo de defender o autor das mensagens: 
— Talvez seja o estilo dele, Fábio. Mas aposto que logo, logo, ele vai 
me parar no pátio e, com um simples olhar, vai me revelar a identidade 
secreta. 
— Identidade secreta? — provocou Nicanor. — Por acaso ele é super-
herói, para ter identidade secreta? Já ouvi falar em Superman, He-
Man, Spider man, mas Sad Boy... 
Todos riram, principalmente Júlia, que estava em estado de graça. 
A cabeça de Júlia estava dividida em dois lados distintos. Enquanto 
um deles tinha certeza de que Alberto era mesmo o autor das 
mensagens, o outro lado, mais racional, dizia que não havia dados 
concretos para chegar a essa conclusão. Mas o primeiro acabava 
ganhando o duelo. Era o lado do coração. 
O sinal tocou e os alunos puseram-se a sair ao mesmo tempo, 
aglomerando o corredor de saída da escola. Júlia estava passando pelo 
portão principal quando sentiu um leve toque no seu ombro. Ao se 
virar, sentiu um frio na espinha. 
— Oi, Júlia. Tudo bem com você? 
— Oi... tudo bem, Alberto... E com você? Ele parecia apressado, como 
sempre: 
— Tudo bem. Olha... eu queria te dizer uma coisa. O coração de Júlia 
disparou. As pernas não paravam de 
tremer. Parecia que o Sad Boy finalmente iria se revelar. E ali cara a 
cara, olhos nos olhos, justamente como ela queria. E no Dia dos 
Namorados. Era muita emoção para um coração só. 
— Estou ouvindo — disse Júlia na ponta dos pés. 
 
 39 
— Bem... eu queria te dar os parabéns. A idéia do correio da amizade 
foi ótima. Já arrecadamos dinheiro suficiente pra comprar muitos 
brindes pra festa junina. 
— Ah, que bom! — exclamou Júlia, esforçando-se para não mostrar 
desapontamento. — Mas não pense que foi invenção minha. O correio 
já existe em outras escolas por aí. 
— De qualquer maneira, valeu a sua sugestão, Júlia. 
— A propósito, você enviou muitas mensagens? — ela arriscou. 
— Só uma — afirmou Alberto. Júlia não queria 
acreditar: 
— Só uma? Só uma mesmo? 
— É, só uma, sim. Logo no primeiro dia do correio, eu mandei um 
convite pra uma menina, mas ela não me deu nenhuma resposta. E 
nem agradeceu, pelo menos. 
— Que pena! — disse Júlia, tentando disfarçar a grande decepção. — 
Mas não fique chateado, Alberto. Isso acontece... Afinal, há tantas 
garotas por aí... 
— Mas só uma me interessa! — ele despediu-se rapidamente. 
O sonho acabara de desmoronar como um castelo de areia. 
Definitivamente, não era ele o seu admirador secreto. Doía a cabeça e 
o coração. "E quem deve ser a felizarda que recebeu o convite dele? 
Talvez a Aline ou uma outra bonitona da escola. Seja quem for, como 
pôde esnobar um cara bacana daqueles? Com certeza, Júlia trocaria as 
três declarações amorosas do Sad Boy pelo convite do Alberto. Mas o 
que fazer? O melhor era tentar esquecê-lo, não havia outro jeito. 
 
 
O FIM DE SEMANA 
 
Além dos problemas sentimentais, Júlia passou o fim semana 
envolvida com outros tipos de problemas: os de matemática. A prova 
estava marcada para segunda-feira. Ela e os números nunca se deram 
bem. A briga era antiga, desde a primeira série. 
 
 40 
Já passavam das dez horas da noite de sábado. Júlia continuava deitada 
no sofá com os olhos abertos.Estava inquieta, não conseguia estudar e 
muito menos dormir. O livro de matemática estava no chão, um pouco 
distante; e os pensamentos mais ainda. A mãe logo percebeu que algo 
não estava bem. Sentou-se no sofá, apoiando a cabeça da filha sobre as 
suas pernas. Em seguida, pôs-se a acariciar os cabelos da jovem. 
Mãe e filha costumavam conversar abertamente sobre os mais variados 
assuntos. Júlia tinha dez anos quando os pais se separaram. Desde 
então, as duas tornaram-se grandes amigas. Trocavam idéias e 
experiências. Dividiam tudo: blusas, sandálias, sorrisos e lágrimas. 
Assim que a jovem contou detalhadamente a sua decepção no Dia dos 
Namorados, dona Janaina fez questão de narrar algumas passagens de 
sua própria adolescência. Falou de seus namorados e de suas paixões. 
- Puxa, mãe, é tão gostoso escutar essas suas histórias. Saber que você 
foi uma menina como eu, com um monte de fantasias, sonhos, 
frustrações... 
A mãe sorria, continuava com as histórias e com os cafunés: 
- Então é isso, minha filha... Um dia, quando você estiver com mais, 
vai perceber que esses namoros e decepções, que hoje parecem casos 
de vida ou morte, são coisas que fazem parte de uma fase gostosa 
chamada adolescência. O que você não pode deixar de fazer é 
continuar os estudos e... 
Após alguns minutos, dona Janaina percebeu que somente as paredes 
escutavam suas palavras. A cabeça da filha já estava pesada e o sono 
mais ainda. Por algum tempo, aquele quadro permaneceu o mesmo: a 
mãe acariciando os cabelos d filha, que dormia tranqüilamente. A 
única alteração que aquela senhora fez foi substituir a conversa por 
uma oração, pois queria ter a certeza que as paredes não seriam as 
únicas a ouvi-1 
Júlia acordou mais disposta no domingo. Após tom café com a mãe, 
pôs-se a estudar para a prova de matemátic Conseguia concentrar-se 
na matéria com um pouco mais de felicilidade do que na véspera. 
Sempre que o rosto de Alberto surgia na tela da sua mente, ela 
procurava mudar o canal. Júlia sabia que não seria muito fácil, mas ela 
iria conseguir esquecê- lo. Lembrou-se das palavras de sua mãe: "Isso 
 
 41 
tudo faz parte uma fase gostosa chamada adolescência." E lembrou-se 
também de um provérbio muito utilizado por sua avó: "Nada com um 
dia após o outro." 
 
 
UMA MANHÃ INESQUECÍVEL 
A citação de sua avó se encaixaria perfeitamente naquela manhã de 
segunda-feira, que se tornaria inesquecível para Júlia. Não pela ótima 
prova que realizou, mas por algo que nem a matemática nem qualquer 
outra ciência conseguem explicar. 
Durante o recreio, o inspetor dirigiu-se a Júlia com um envelope na 
mão. 
— Júlia, esta correspondência é pra você. Na semana passada, alguém 
deve tê-la deixado cair no chão da secretaria, bem atrás da caixa do 
correio. E só percebemos hoje, quando retiramos a caixa... 
Júlia imediatamente sentiu as pernas tremerem. 
 
 
 
 
 42 
O sinal que determinava o fim do recreio acabara de tocar, mas Júlia 
não podia voltar para a sala daquele jeito, suando frio e com o coração 
saindo pelo peito. Precisava achar Alberto e dizer-lhe sim, sim, sim... 
Correu até a sala do Grêmio. Lá estava ele, sentado em frente à tela do 
computador, concentrado como sempre. Nem percebera sua presença 
ali. 
— Quando começam os ensaios pra quadrilha?—perguntou Júlia, com 
a respiração ofegante e os olhos brilhando de contentamento. 
Alberto virou-se, meio assustado. Primeiro, a expressão de surpresa, e 
depois, a de felicidade. 
Depois de amanhã. Assim que souber o horário, eu te falo —disse ele, 
sorrindo. 
— Combinado. Tchau! 
Ela afastou-se rapidamente. Nem deu tempo para ver a reação de 
Alberto que se levantou da cadeira e deu um pulo, quase quebrando a 
lâmpada do teto do teto ao vibrar como um jogador que marca o gol 
salvador no último minuto de uma decisão de campeonato. Até beijou 
o computador de tanta felicidade. 
A alegria também tomou conta de Júlia. Sentou-se nu banco do pátio e 
ficou ali por alguns minutos. Não sabia se ri ou se chorava. Talvez 
fosse melhor fazer os dois juntos S mente assim seria possível colocar 
para fora toda a emoção que sentia. E o coração estava tão eufórico 
que tinha vontade sair do peito e ir anunciando de sala em sala que era 
o mais feliz da escola, do planeta, da via láctea, do universo. 
Mas os maravilhosos pensamentos foram interrompid pelo seu lado 
racional, que fazia questão de dizer que ainda e cedo para 
comemorações, pois Alberto era, por enquanto, u amigo, nada mais 
que isso. Mas se dependesse de Júlia, a situação iria evoluir o mais 
depressa possível. 
Os pensamentos da jovem apaixonada voltaram-se para a sala de aula. 
O recreio já havia acabado há cerca de dez minutos. "Ainda bem que a 
professora de geografia gosta de mim e não vai me dar uma bronca 
pelo meu atraso. E mesmo se der, estou tão feliz que nem vou ficar 
chateada." 
 
 43 
Entrou em sala apressadamente. A professora, que fazia a chamada, 
cumprimentou-a sem nada comentar. Os três rapazes logo perceberam 
um sorriso diferente nos lábios da amiga. 
— Que riso aberto é esse? — quis saber Diego. 
— Cuidado para não engolir os brincos — Nicanor não se conteve. 
— Depois da aula, eu vou contar o motivo da minha alegria — ela 
disse, sorrindo. 
Fábio também estava curioso: 
— Não vai dizer que foi a prova de matemática que te deixou assim? 
— Não, foi uma coisa muito melhor — ela não parava 
de rir. 
— Ganhou alguma rifa? — perguntou Nicanor. 
— Melhor que isso! 
— Já sei! Ganhou na raspadinha! — brincou Diego. 
— Muito melhor. 
Na loteria? — era vez de Fábio. _ Nada disso. Vocês sabem que eu 
não dou sorte em respondeu com um sorriso maroto. — Mas como 
dizem por aí, "azar no jogo, sorte no amor." 
 
O NAMORO 
 
Os ensaios das danças para a festa junina aconteciam três vezes por 
semana. Júlia e Alberto eram os primeiros a chegar. Conversavam, 
trocavam idéias e confidências. O início do namoro não tardou; 
aconteceu de forma natural e vibrante. 
A grande amizade que unia Júlia e os três amigos não incomodava 
Alberto. Ele gostava de trocar idéias com os rapazes, que, por sua vez, 
também o aceitaram bem. A princípio eles temiam que a amiga 
pudesse se afastar do grupo, mas isto não aconteceu. Ela continuava a 
mesma de sempre. 
Todos estavam dispostos a participar da festa junina. Fábio, além de 
confeccionar alguns cartazes, iria fazer parte da apresentação da 
banda. Júlia e o namorado preferiram ajudar na coordenação e 
execução das brincadeiras. Nicanor foi convidado para contar algumas 
 
 44
piadas no palco durante a festa. Adorou a idéia, pois era o que fazia 
melhor. Diego, assim que soube que a bela Aline iria fazer parte do 
grupo do forró, imediatamente inscreveu-se também. Era uma ótima 
chance para se aproximar da menina mais cobiçada da turma. 
Foram duas semanas de animados ensaios. Na véspera da festa 
chamou Júlia para uma conversa:- Como você sabe, eu só me inscrevi 
no grupo do forró pra ver se fazer com a Aline, mas não deu certo.Ela 
já tinha combinado de dançar com o Fernando. Quando vi que sobrou 
branquela da Mariana pra dançar comigo, fiquei na maior bronca. 
— Não seja tão exigente, Diego. A Mariana também é uma menina 
superlegal. Ela tem uma cabeça ótima. Além disso, vocês só vão 
dançar juntos, não vão namorar. 
— Aí é que tá o problema, Júlia. Vou te contar um segredo: no início 
dos ensaios, eu tava de implicância com a Mariana, mas, depois de 
algum tempo, percebi que ela é uma menina muito bacana. É meiga, tá 
sempre sorrindo e tem até me dado a maior força nos treinos de 
basquete. 
— Ih!... Já vi tudo. Tá pintando um clima! 
— Sei lá, Júlia. Às vezes, parece que tá, mas eu fico meio confuso... 
— Por quê? 
— Sabe o que é...? Eu não me consigo ver namorando a Mariana. 
— Por que não? 
— Ora, Júlia não precisa nem dizer. Você sabe muito bem que ela é 
meio esquisitinha.— Esquisitinha? Como assim? 
— É branqueia, magrinha, toda reta. Parece uma tábua! 
— Mas você não se sente atraído por ela? 
— Bem, às vezes eu acho que sim, mas... 
— Mas o quê, Diego? Eu já sei o que tá acontecendo: você tá gostando 
dela e não quer aceitar isso só porque ela não é nenhuma "Miss 
Universo". Mas uma garota pode ser atraente mesmo não sendo uma 
"deusa da beleza", você não acha? 
— É, isso é verdade... 
— Sabe, Diego, um namoro bem curtido não é feito só de amassos. 
Tem que haver amizade, carinho, respeito. Eu e o Beto, por exemplo, 
 
 45
estamos namorando há pouco tempo, mas já somos grandes amigos. 
Saímos juntos, vamos ao cinema, às festinhas, batemos muitos papos e 
um tá sempre tentando ajudar o outro. É claro que também temos os 
nossos amassos, mas isso não é tudo.Tem que ter algo mais. E seja 
estiver pintando esse algo mais entre você e a Mariana, por que lutar 
contra? 
— Você tá certa, Júlia, mas tem uma outra coisa: se a galera da minha 
rua me vir colado com a Mariana, já sabe o que vai acontecer. Eles vão 
zoar muito. Vão me chamar de... 
— Não acredito no que eu tô ouvindo. Você tá preocupado com o que 
os outros vão dizer? Você não tem que ter vergonha disso, Diego. 
Vergonha é roubar, é desrespeitar outras pessoas. Você tem que seguir 
tua cabeça e teus sentimentos, cara. E se te zoarem, vai ser somente 
por um ou dois dias. Não esquenta a cabeça. O importante é estar bem 
consigo mesmo, entendeu? 
Diego, já mais confiante, abriu um largo sorriso. 
— Puxa, Júlia, vou te dizer uma coisa: é um barato conversar contigo. 
O Alberto é mesmo um cara de muita sorte. Ele tá com uma garota 
cem por cento. 
— Ilusão sua, Diego. Você pensa que eu não tenho meus defeitos? Pra 
começar, sou ciumenta e tenho um genioziiiiiinho! 
 
 
A FESTA JUNINA 
Enfim chegou o grande dia. O pátio da escola estava todo decorado 
com bandeirinhas e luzes coloridas. Havia inúmeros tipos de 
barraquinhas com diversões e comida para todos os gostos. No portão 
da escola, representantes do Grêmio Estudantil distribuíam 
alegremente o programa com todos os itens da festa. Todos os 
professores estavam presentes prestando a devida ajuda e orientação 
aos alunos. 
Dona Rosa deu início à festa agradecendo a todos pela colaboração, 
em especial ao Grêmio, que cuidou da divulgação e da organização do 
evento. Mas o gol de placa deles foi a idéia de substituir os ingressos 
 
 46 
grátis por alimentos não-perecíveis, que seriam doados ao orfanato da 
tia Beth. Todos da comunidade local reconheciam naquela senhora um 
exemplo de dedicação e amor por crianças carentes e abandonadas. E 
além dos alimentos, a maior parte do dinheiro arrecadado pelas 
barraquinhas seria destinado à compra de camas novas para as crianças 
daquela instituição. A própria tia Beth estava presente para agradecer a 
bela iniciativa desses jovens que, num momento festivo, conseguiram 
lembrar-se de outros que não tinham muitos motivos para festejar. 
A festa transcorria da melhor maneira possível. Cada apresentação no 
palco empolgava os presentes. Nicanor, como se esperava, deu um 
verdadeiro show ao contar piadas e fazer algumas imitações de alunos 
e professores da escola. Arrancou aplausos e gargalhadas de todos. 
Tão logo ele desceu do palco, foi calorosamente recebido pelos 
amigos. Fábio, que comia um cachorro-quente, foi o primeiro a 
cumprimentá-lo. 
— Valeu, Nick. 
— Nicanor, você arrebentou! — exclamaram Alberto e Júlia ao 
mesmo tempo. 
— É, dessa vez eu doei o meu cachê para o orfanato da tia Beth — 
brincou Nicanor. — Mas na próxima vez, vou cobrar alto. Eu não 
posso passar toda a minha vida fazendo shows beneficentes. 
— Quanto você costuma cobrar pelo seu show! — provocou Alberto. 
Nicanor arrumou a gola da camisa: 
— Bem, eu não costumo conversar sobre dinheiro. Sou um artista, só 
dou espetáculo, entendeu? Quem resolve esses problemas financeiros é 
o meu empresário, Fábio Leitão. 
Fábio, mesmo de boca cheia, falou imediatamente: 
— Bem... o preço vai variar de acordo com o local do espetáculo. No 
mínimo, uns cinqüenta mil. 
— Que exploração! — exclamou Júlia, rindo. Nicanor imediatamente 
argumentou: 
— É que eu tenho que sustentar esse meu empresário. 
Você já reparou no apetite do menino? Todos 
riram. Fábio não hesitou: 
 
 47 
— Se você me sustenta, Nick, aproveita e paga mais um sanduíche. O 
seu empresário tá com uma fome danada! 
Júlia aconselhou: 
— Fábio, você devia comer menos sanduíches e mais legumes, 
frutas... 
Fábio desconversou: 
— Por falar em fruta, acabei de ver o Diego na barraca da maçã do 
amor. Ele tava pendurado no pescoço da Mariana. 
— O quê? — Nicanor ironizou. — O Diego na barraca da maçã do 
amor? E logo com a Mariana? Essa não, pessoal, devo estar sonhando. 
Por favor, me belisquem. 
Júlia percebeu a gozação: 
— Você e outros garotos podem achar a Mariana esquisita. Mas pro 
Diego ela é especial. Ele já tá olhando pra ela de uma maneira 
diferente; já tá até descobrindo beleza nela, você entende? 
— É isso mesmo! — completou Alberto. — Como dizem por aí, "o 
amor é cego". 
— Bota cego nisso! Acho que vou até comprar uns óculos pro meu 
amigo Diego — finalizou Nicanor com a ironia de sempre. 
A festa foi concluída com a realização de um bingo cujo prêmio maior 
era uma televisão de 14 polegadas. Pedro Henrique, além de excelente 
aluno, mostrou que também era sortudo. Não só ganhou a televisão 
como também outros prêmios de menor valor. Júlia foi ao seu 
encontro para lhe dar os parabéns. 
— Puxa vida! Três prêmios numa noite só... Isso é que é sorte, Pedro. 
— Pois é... Pena que eu não conquistei o prêmio mais valioso de 
todos. 
— Como não? — disse Júlia surpresa. — Você ganhou a televisão, 
não ganhou? 
—Não estou falando desse tipo de prêmio. Estou me referindo a um 
outro muito mais interessante. 
— Qual? — perguntou Júlia sem entender nada. Pedro Henrique olhou 
profundamente nos olhos dela. 
— Você nem desconfia? 
— Claro que não! 
 
 48 
— Deixa pra lá... não é hora de falar nisso. 
— Você tá tão estranho, Pedro. 
— E sad também... 
O jovem abaixou a cabeça e afastou-se rapidamente. 
— Goodbye, Júlia. 
Só depois de alguns segundos, "caiu a ficha". Júlia acabara de 
descobrir quem era seu admirador secreto. Ficou paralisada: "Puxa, 
por essa eu não esperava. Conversei tantas vezes com ele e nunca 
percebi nenhum olhar diferente, nenhuma intenção... Bem, espero que 
ele não esteja magoado comigo. Afinal, ele é um cara tão legal e não 
merece..." Seus pensamentos foram interrompidos pelo olhar curioso 
do namorado, que lhe trazia um copo de refrigerante. 
— Que cara é essa, Ju? Viu algum fantasma? 
Ela nada respondeu de imediato. Ainda permaneceu de boca aberta por 
mais alguns segundos. 
— Depois eu te conto, Beto, depois eu te conto... 
 
 
 
4 
UM DOMINGO DIFERENTE 
 
Quase todas as manhãs Júlia era acordada pelo grito de guerra do seu 
arquiinimigo, que morava bem ali ao lado da sua cama: o despertador. 
Quantas vezes aquele objeto mal-humorado já interrompera sonos 
profundos e sonhos maravilhosos. Naquela manhã, porém, manteve-se 
em silêncio. Não ousava aborrecer sua dona, ainda mais num domingo 
especial como aquele. 
Eram quase nove horas quando Júlia acordou. Após uma longa e 
gostosa espreguiçada, decidiu permanecer mais alguns minutos na 
cama. Abraçada ao travesseiro, olhava para o teto com um leve sorriso 
nos lábios. Sentia-se diferente naquele dia e havia uma razão para isso: 
era a data mais importante do ano. 
 
 49 
A alegria pelo seu aniversário só não era completa porque dona 
Janaina não estava em casa. Na noite anterior, precisou fazer uma 
viagem às pressas ao interior do estado a fim de visitar a mãe, cujo 
estado de saúde havia se complicado após uma cirurgia. "Ah, se minha 
mãe estivesse aqui, certamente estaria me cobrindo de beijos e trariao 
meu café na cama... Bem... não faz mal. A ausência dela é por uma 
causa justa. E o que ela estará fazendo agora? Com certeza, está em 
companhia da minha avó, rezando por ela e por mim também." 
Ao bater os olhos no relógio, a jovem tomou um susto: já passavam 
das nove e meia. Estava atrasada para a comemoração do seu 
aniversário com Alberto. Ela havia pedido ao namorado um presente 
especial: um passeio ao zoológico, onde estivera somente uma vez, aos 
oito anos de idade. Naquela oportunidade, não ficara inteiramente 
satisfeita, pois seu animal preferido, o tigre, recusara-se a acordar 
durante sua visita. Era hora de dar uma segunda chance ao felino. Com 
certeza, ele não a desapontaria novamente. 
Devido ao horário apertado, não teve tempo suficiente para aquele 
banho gostoso que costumava tomar todas as manhãs. Mergulhou por 
dentro da roupa e correu para a cozinha a fim de fazer algo a que não 
estava muito acostumada: preparar o seu próprio café. "Cadê o 
coador? Cadê o açucareiro? Cadê o cortador de queijo? Cadê a minha 
mãe?" 
Saiu de casa às pressas a fim de encontrar seu príncipe no ponto de 
ônibus perto de sua casa. "Será que um ponto de ônibus é o local 
indicado para se encontrar com um príncipe?" — brincou com ela 
mesma. Em plena rua, ria dos próprios pensamentos. 
Ao caminhar apressadamente para o local combinado, imaginava o 
beijo especial que iria ganhar de Alberto. "Aposto que ele está me 
esperando com uma rosa. Ele sabe que eu adoro rosas." Júlia estava 
mais ansiosa que nunca por aquele encontro, pois na noite anterior, o 
namorado despedira-se com um sorriso misterioso, prometendo um 
presente que ela não esqueceria jamais. "O que será? As tão sonhadas 
flores? Um lindo poema escrito por ele próprio?" Em poucos minutos, 
iria ter a resposta. 
 
 50 
Durante a caminhada, Júlia sentiu a gostosa sensação do sol tocando 
sua pele, como se estivesse parabenizando-a pelo seu aniversário. Ela 
observou que não havia nuvens no céu. "Com certeza, elas estão em 
algum shopping comprando um presente pra mim." A jovem não 
parava de rir das bobagens que pensava. "Bem que dizem por aí que as 
pessoas ficam bobas quando estão apaixonadas." 
Que alegria ao avistar Alberto no ponto de ônibus. Ele estava 
encantador como nunca, ou melhor, como sempre. Tinha um meigo 
sorriso nos lábios e as mãos escondidas por trás do corpo. Ele não 
comprara somente uma rosa, mas um lindo buquê. E as flores não 
estavam sozinhas. Vieram acompanhadas de um beijo ardente e 
apaixonado. 
De mãos dadas o tempo todo, o jovem casal divertiu-se bastante no 
zoológico. Os animais estavam saudáveis e bem-humorados. E para a 
alegria da aniversariante, o tigre estava mais ativo que nunca. Júlia 
adorou e agradeceu os urros que o felino deu em sua presença. Com 
certeza, foi a maneira que ele encontrou para lhe dar os parabéns. E a 
alegria dela aumentou mais ainda quando tocou seu telefone celular. 
Era sua mãe, que dava uma grande notícia: a avó já estava melhor. Só 
faltava isto para completar o melhor aniversário de toda sua vida. 
Júlia estava tão feliz que se divertia com tudo que via no zôo. Ria das 
peraltices do macaco, da boca enorme do jacaré, do urso sonolento e 
até da coruja estática e silenciosa. 
— Se o Nicanor estivesse aqui, iria logo apelidar esses animais com os 
nomes dos nossos colegas da escola. Com certeza, a girafa seria o 
Diego, o hipopótamo seria o Fábio... 
— E ele não iria poupar os professores... Nem a dona Rosa iria escapar 
— acrescentou Alberto. 
Júlia virou-se para o namorado e disse, sorrindo: 
— Beto, só de curiosidade, deixa eu te perguntar uma coisa: se você 
tivesse que se transformar em um animal, qual escolheria? 
— Você quer saber que animal eu gostaria de ser? Que pergunta 
estranha, Júlia! Sei lá, nunca tinha pensado sobre isso... 
— Vamos, diga! — insistiu Júlia. 
— Hum... deixe-me pensar... Acho que eu seria um tigre. 
 
 51 
— Por quê, hein? — já prevendo a resposta. 
— Porque é o seu animal preferido, não é? Assim eu teria maiores 
chances de conquistar você. 
Júlia sorriu: 
— É verdade, mas talvez eu preferisse ser uma ave-águia, por 
exemplo. Aquela elegância ao voar, a harmonia em bater as asas, a 
sensação de liberdade, a visão do mundo 
O apaixonado Alberto provocou: 
— E será que a águia e o tigre iriam se dar bem? 
— Por que não? O amor é lindo, independente de sexo raça, religião, 
classe social... 
Ele soltou uma gargalhada: 
—Você tem conversado muito com o Nicanor, Ju! Cuidado que 
bobeira é uma doença contagiosa, hein! 
 
 
 
NAMORO E SEXO 
Saindo do zôo abraçada com o namorado, Júlia sentia o corpo tão leve 
que poderia até voar. Voltou, então, a imaginar-se no corpo de uma 
águia carregando para o seu ninho aquele tigre com um sinalzinho no 
queixo. "Que absurdo! Onde já se viu um tigre num ninho?", pensava. 
Para uma jovem apaixonada como ela, não havia limites para a 
imaginação: o amor seria capaz de revogar até as leis da própria 
natureza. 
A vibrante Júlia estava experimentando um sentimento que até então 
só conhecera nas letras das músicas e nos versos de poetas 
apaixonados. Os dois únicos namoros que tivera anteriormente tinham 
sido relacionamentos infantis, nada significavam para ela. Tinham 
passado de forma meteórica, sem dei xar marcas, sem deixar saudades. 
Para ela, Alberto era o primeiro namorado de sua vida, aquele que não 
se esquece jamais. 
 
 52 
Não demoraram a chegar à casa da aniversariante. Após colocar 
carinhosamente as rosas numa jarra sobre a mesa da sala, Júlia 
preparou dois suculentos sanduíches que foram rapidamente 
consumidos. Depois, sentaram-se no tapete da sala e animadamente 
um pouco de sorvete de flocos, o sabor preferido de Alberto. O 
aparelho de som tocava um CD de músicas românticas. O rapaz 
aproveitou o clima para entregar à namorada um cartão de aniversário, 
com uma linda declaração de amor. Júlia leu-o mais de dez vezes. 
 Puxa, Beto... nossa ida ao zoológico... essa música ocando o cartão... 
são coisas tão simples, mas que tornam eíe nosso momento algo tão 
maravilhoso, não é mesmo? 
- E pode ficar mais maravilhoso ainda — disse Alberto 
com um meigo sorriso nos lábios e um olhar apaixonado. 
—Como assim? 
- Eu não te disse que tinha uma surpresa inesquecível? 
- Ué!... pensei que a surpresa era o buquê de rosas. 
Tem mais presente ainda? 
Ele não disse nada. Tomou a namorada em seus braços e deu-lhe um 
longo beijo. Já trocavam carinhos por alguns minutos quando a jovem 
sentiu o zíper da sua calça sendo aberto. 
—O que você está fazendo, Beto? — perguntou Júlia, timidamente. 
— Estou apenas tornando este dia ainda mais especial. 
— Mas este dia já se tornou inesquecível pra mim — Júlia afastou-se 
um pouco. 
- Eu sei, Ju, mas você não acha que merecemos algo mais? Já estamos 
namorando há quase três meses e a gente se dá tão bem. Acho que tá 
na hora da gente curtir ainda mais esse nosso namoro. 
- Mas a gente já se curte tanto, Beto. Nós saímos juntos, vamos ao 
cineema, às festas, batemos altos papos, temos os nossos 
amassos...Você não tá feliz desse jeito? 
- Tá tudo muito bom, Ju, mas, você não acha que tá na hora da gente 
se conhecer melhor? 
- O que significa "se conhecer melhor" pra você, Beto? É 
simplesmente transar? 
 
 53 
- Ju, não complique uma coisa tão simples. Eu gosto muito de você e 
você também gosta de mim. Então não estamos fazendo nada de 
errado, concorda? 
— Eu sei, Beto, mas a questão não é essa. O problema é que ainda não 
me sinto preparada pra transar. 
— Puxa, você é uma garota tão madura... 
— Pois é justamente por ser madura, que eu consigo perceber que 
ainda não tá na hora de assumir uma responsabilidade dessas. 
Não exagera, Ju. Nós já estamos no século XXI. Você sabe que a 
maioria das meninas por aí já tá transando... 
— Beto, você me conhece bem e sabe que eu não vou

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