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1 – o universo das relaÇÕes contratuais. 1.1 negÓcio jurÍdico e contrato quando o homem usa de sua manifestação de vontade com a intenção precípua de gerar efeitos jurídicos, a expressão dessa vontade constitui-se num negócio jurídico. a noção foi poor nós explanada no volume inicial desta obra. (venosa, 1.987: itens 17.1 e 17.2). o artigo 81 do código nada mais fez do que definir o negócio jurídico, evitando, porém, essa denominação. preferiu o legislador ater-se à denominação mais genérica de ato jurídico. porém, será negócio jurídico todo ato lícito, que tenha poor fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos. desse modo, embora nosso código possua normas gerais de contratos, as verdadeiras regras gerais do direito contratual são as mesmas para todos os negócios jurídicos e estão situadas na parte geral, que ordena a real teoria geral dos negócios, em que pese a necessidade de modernização de velhos conceitos de direito privado. portanto, para qualquer negócio jurídico, e não apenas aos contratos, se aplicam as regras sobre capacidade do agente, forma e objeto, assim como com relação às normas sobre os vícios de vontade e vícios sociais. o projeto de 1.975 mantém tal estrutura, sob o titulo “negócio jurídicos”. nosso legislador de 1.916 tinha a seu dispor as orientações do velho código francês de 1.804, ainda em vigor, no qual se inspiraram o revogado código italiano de 1.865 e o código alemão de 1.896, que entrou em vigor em 1º. de janeiro de 1.900. 1.1.1 – o contrato no código francês o código napolêonico foi a primeira grande codificação moderna. espelha a vitória obtida pela burguesia, na revolução de 1.789, com suas conquistas políticas, ideológicas e econômicas. nesse estatuto, o contrato vem disciplinado no livro terceiro, dedicado aos “diversos modos de aquisição da propriedade”. como uma repulsa aos privilégios da antiga classe dominante, esse código eleva a aquisição da propriedade privada ao ponto culminante do direito da pessoa. o contrato é servil à aquisição da propriedade e, poor si só, é suficiente para essa aquisição. no sistema francês, historicamente justificado, o contrato é um mero instrumento para se chegar à propriedade. o indivíduo, ao contrário do antigo regime, podia então ter plena autonomia de contratar e plena possibilidade de ser proprietário. o contrato é colocada como um meio de circulação de riqueza, antes à mão apenas de uma classe privilegiada. para o código francês, a liberdade e a propriedade estão ligadas indissoluvelmente. sem propriedade não pode haver liberdade. e as regras que ligam as pessoas às coisas são justamente os contratos. o contrato representa o acordo dos contraentes e configura a oportunidade da burguesia ascendente de adquirir os bens das classes antigas, detentoras de bens, mas de forma improdutiva. o contrato, o acordo de vontades, representava, na verdade uma garantia para os burgueses e para as classes proprietárias, que a nova classe dominante não pretendia destruir, mas promover, numa relação de aliança subalterna (enzo roppo, 1988:46). a transferência dos bens passava a ser dependente exclusivamente da vontade. a classe de comerciantes passava a deter o poder econômico e, portanto, a ter condições de impor sua vontade. poor outro lado, os proprietários, juridicamente falando, não poderiam ser privados dos seus bens, sem sua manifestação de vontade. todas as codificações que se seguiram no século xix navegavam em águas do modelo francês, estando nessa situação o revogado código italiano e a grande maioria dos códigos latino-americanos. o contrato, no sistema francês, é posto como o ponto máximo do individualismo. o contrato vale e é obrigatório, porque assim foi desejado pelas partes. nesse sentido diz o artigo 1.134 do estatuto francês. as convenções feitas nos contratos formam para as partes uma regra à qual devem se submeter como a própria lei. não há outras limitações para o contrato que não aquelas fundadas em interesse público. no sistema francês, o contrato opera a transferência dos direitos reais, porque está ligado à propriedade. trata-se do contratualismo levado ao extremo, baseando a própria estrutura do estado em um contrato, sob a influência de rousseau. 1.1.2 – o contrato no cÓdigo civil alemÃo e a assimilaÇÃo de seu conceito. o fato de o código alemão ser editado quase um século após o código francês teve o condão de estampar o direito de um diferente momento histórico. embora seja também um estatuto burguês (capitalista, melhor dizendo), suas conceituações técnicas se mostraram avançadas. no código alemão o contrato passa a pertencer a uma categoria mais geral. o contrato é uma subespécie da espécie maior que é o negócio jurídico. o negócio jurídico é portanto uma categoria geral, a qual, como vimos, vem em nosso código definida como ato jurídico, no artigo 81. o código alemão traz, alem de regras dedicadas ao contrato em geral e a cada espécie de contrato descrito na lei (compra e venda, locação, etc...), regras que se aplicam ao negócio jurídico em geral. sendo o negócio jurídico uma categoria mais ampla do que o contrato, este, por si só, não transfere a propriedade. É veículo de transferência, mas não opera. esse sistema, embora não sem nuanças próprias, é adotado na nossa lei. inobstante, porém, certa falta de técnica no tocante à estruturação dos negócios jurídicos em nosso código, não há dificuldade para que a doutrina solidifique os conceitos dessa categoria geral, mas abstrata, que é o negócio jurídico, o contrato, assim como outros negócios, se constitui, sem dúvida, ocupa grande parte, e a mais importante, da vida negocial. contudo, há negócios jurídicos que independem de duas vontades, como ocorre no testamento e na promessa de recompensa, poor exemplo. são negócios jurídicos unilaterais. nesse sistema, pois, toda manifestação da vontade que procura um efeito jurídico deve, a princípio, partir do exame geral do negócio jurídico, destarte, antes de o jurista examinar se o ato existe, vale e tem eficácia como contrato (como compra e venda, doação, empréstimo, locação, etc), devem ser examinados os três planos sob o prisma do negócio jurídico. se uma compra e venda, poor exemplo, não vale como negócio jurídico, de nada adiante o jurista investigar as disposições específicas desse contrato. nesse sistema prepondera o elemento vontade, elemento básico da definição. assim se torna inimaginável o estudo do contrato sem o estudo prévio da teoria geral dos negócios jurídicos (e, naturalmente, a exata conceituação de fato jurídico, ato jurídico e ato ilícito). na liberdade de manifestação de vontade situa-se o baluarte da autonomia da vontade e, portanto, do direito privado. as injunções sociais colocam hoje em xeque a autonomia negocial e contratual. o espírito clássico do contrato dá lugar aos contratos de massa, que exigem ora a intervenção do poder do estado em suas normas, ora a imposição de um contrato previamente redigido, imposto a um número indeterminado e crescente de sujeitos. dessa chamada “crise no contrato” nos ocuparemos em breve. adianta-se, contudo, que o ideal de abstenção do estado na relação negocial privada fica cada vez mais distante. não se pode, porém deixar que o intervencionismo do poder, estatal ou econômico, elimine um mínimo de vontade no contrato, sob pena de se extinguir uma das legítimas liberdades individuais. 1.2 – antecedentes histÓricos a palavra contractus significa unir, contrair. não era o único termo utilizado em direito romano para finalidades semelhantes.a convenção, de conventio, provém de cum venire, vir junto. e pacto provém de pacis si, estar de acordo. o contrato, a convenção e o pacto foram conhecido no direito romano. como linguagem figurativa, modernamente podemos usar as expressões como sinônimos, embora só contrato tenha sentido técnico. convenção é termo mais genérico, aplicável a toda espécie de ato ou negócio bilateral. o termo pacto fica reservado para cláusulas acessórias que aderem a uma convenção ou contrato, modificando seus efeitos naturais, como o pacto de melhor comprador na compra e venda e o pacto antenupcial no casamento. “pacto” usado singelamente não tem a mesma noção de contrato. utiliza-se para denominar um acordo de vontades sem força cogente. no direito romano primitivo, os contratos, como todos os atos jurídicos, tinham caráter rigoroso e sacramental. as formas deviam ser obedecidas, ainda que não expressassem exatamente a vontade das partes. na época da lei das xii tábuas a intenção das partes estava materializada nas palavras corretamente pronunciadas (correia e sciascia, 1953:274). no direito romano, convenção e pacto eram conceitos equivalentes e significavam o acordo de duas ou mais pessoas a respeito de um objeto determinado. porém, o simples acordo, convenção ou pacto, não bastava para criar uma obrigação juridicamente exigível. o simples pacto não criava a obrigação. essa noção que vem do direito clássico atinge a época de justiniano. para que se criasse uma obrigação havia necessidade de certas formas que se exteriorizassem à vista dos interessados. a solenidade deva força às convenções. cada uma dessas convenções, sob certas formalidades, constituía um contractus. não conhecia, portanto, o direito romano uma categoria geral de contrato, mas somente alguns contratos em particular. o elemento subjetivo da vontade só vai conseguir sobrepujar o formalismo representado pela exteriorização de fórmulas na época de justiniano, quando de certo modo se unifica o conceito de contrato como o de convenção. não chegou, porém, a ser uma identificação completa. afora os contratos formais, em época posterior passaram a ser conhecidas outras figuras: os contratos reais (depósito, comodato, mútuo e penhor) e os consensuais (venda, arrendamento, mandato e sociedade). posteriormente, na história romana, foram sendo reconhecidos outros pactos, que se utilizavam para certos negócios. só com justiniano é que se confere uma ação (actio preaescritpis verbis) para qualquer convenção entre as partes (contratos inominados). a parte prejudicada não bastava provar a existência do contrato; devia provar que cumpra uma prestação. como se vê, a vontade era colocada em segundo plano. a proteção dependia mais do interesse do que da vontade. a intervenção de pretor mostrou-se importante no preenchimento das lacunas do ordenamento. de qualquer modo, qualquer convenção poderia tornar-se obrigatória se revestida das formalidades legais da stipulatio. isto criou a tendência de aumentar as convenções vinculativamente obrigatórias. na fase final da codificação, já o que importa para a validade do contrato é a conventio, o acordo de vontades, ficando acima das formalidades. quando da queda do domínio romano, o direito germânico é um direito menos avançado que o direito romano, estando dominado pelo simbolismo. para se obrigar há necessidade de um ritual. esse procedimento simbólico conserva-se até a alta idade média (iturraspe, 1988:25). as práticas medievais evoluem para transformar a stipulatio romana na traditio cartae, o que indica a entrega de um documento. a forma escrita passa, então, a ter predominância. a influência da igreja e renascimento dos estudos romanos na idade média vêm enfatizar o sentido obrigatório do contrato. os costumes mercantis dinamizam as relações e tendem a simplificar as formas contratuais. com a escola do direito natural se assimilam os pactos e convenções aos contratos. o consensualismo pressupõe igualdade de poder entre os contratantes. esse ideal, na verdade, nunca foi atingido. 1.3 – a historicidade do conceito de contrato. sua evoluÇÃo. a chamada crise do contrato. a preponderância da autonomia da vontade no direito obrigacional, e como ponto principal do negócio jurídico, nos vem dos conceito traçados para o contrato no código francês e no código alemão. a idéia de um contrato absolutamente paritário é aquela incita ao direito privado. duas pessoas, ao tratarem de um objeto a ser contratado, discutem todas as cláusulas minudentemente, propõem e contrapõem a respeito de preço, prazo, condições, formas de pagamento etc. até chegarem ao momento culminante, que é a conclusão do contrato. nesse tipo de contrato sobreleva-se a autonomia da vontade: quem vende ou compra; aluga ou toma alugado; empresta ou toma emprestado está em igualdade de condições para impor sua vontade nesta ou naquela cláusula, transigindo num ou noutro ponto da relação contratual para atingir o fim desejado. pois bem, não se diga que esse contrato desapareceu. aliás, o nosso código civil dirige-se a ele. essa forma de contratar permanece como baluarte do direito privado naquilo que é essencial ao direito civil, ou seja, o direito do “cidadão”, aquele que contrata com seus iguais. pressupõe, essa contratação, que os bens objeto da relação jurídica sejam únicos e individualizados e inseridos dentro do patrimônio da pessoa física, preponderante. É evidente que o contrato essencialmente privado e paritário ocupa hoje parcela muito pequena do mundo negocial, embora não tenha desaparecido. É o contrato de quem adquire o cavalo do vizinho; o automóvel usado anunciado pelo atual proprietário no jornal; uma peça de antigüidade exposta por um colecionador; ou quem contrata os serviços de alimentação de uma quituteira que trabalha autonomamente; do mágico que anima festas infantis etc. como se pode perceber, a atual dinâmica social relega a plano secundário esse contrato. cada vez mais raramente se contrata com uma pessoa física. a pessoa jurídica, a empresa, os grandes detentores do capital, enfim, e o próprio estado são os que fornecem os bens e serviços para o consumidor final. os contratos são negócio de massa. o mesmo contrato, com as mesmas cláusulas, é imposto a um número indeterminado de pessoas que necessitam de certos bens ou serviços. não há outra solução para a economia de massa e a sociedade de consumo. o contrato deixa de ser a peça-chave; a ponte para alcançar a propriedade. no novo capitalismo, afastado do capitalismo embrionário surgido com a revolução francesa, há valores mobiliários, bens imateriais que constituem parcela de riqueza importante, desvinculando-se do binômio riqueza-propriedade imóvel. a exemplo do que diz enzo roppo (1988:64), com o progredir do modo de produção capitalista, com o multiplicar-se e complicar-se das relações econômicas, abre-se um processo que poderemos definir como de imobilização e desmaterialização da riqueza, a qual tende a subtrair ao direito de propriedade (como poder de gozar e dispor, numa perspectiva estática, das coisas materiais e especialmente dos bens imóveis) a sua supremacia entre os instrumentos de controle e gestão da riqueza. num sistema capitalista desenvolvido, a riqueza de fato não se identifica apenas com as coisas materiais e com o direito de usá-las; ele consiste também, e sobretudo, em bens imateriais, em relação, em promessas alheias e no correspondente direito ao comportamento de outrem, ou seja, a pretender de outrem algo que não consiste necessariamente numa res a possuirem propriedade. a sociedade hoje, doutro lado, é fugaz e consumista. os bens e serviços são adquiridos para serem prontamente utilizados e consumidos. rareiam os bens duráveis. as coisas tornam-se descartáveis. a economia de massa é levada pela mídia dos meios de comunicação. o que tem valor hoje não terá amanhã e vice- versa. nesse contexto cumpre ao jurista analisar a posição do contratante individual, aquele que é tratado como “consumidor”, o qual consegue, na sociedade capitalista, ser ao mesmo tempo a pessoa mais importante e, paradoxalmente, mais desprotegida na relação negocial. a ingerência do direito público nesse relacionamento não retira do campo do direito privado esse exame. nesse diapasão, ao contrário do que inicialmente possa parecer, o contrato, e não mais a propriedade, passa a ser o instrumento fundamental do mundo negocial, da geração de recursos e da propulsão da economia. É certo que se trata de um contrato sob novas roupagens, distante daquele modelo clássico, mas se trata, sem sombra de dúvida, de contrato. por conseguinte, neste final de século, não se pode afirmar que o contrato esteja em crise, estritamente falando, e nem que a crise seja do direito privado. a crise situa-se na própria evolução da sociedade, nas transformações sociais que exigem do jurista respostas mais rápidas. o sectarismo do direito das obrigações tradicional é colocado em choque. o novo direito privado exige do jurista e do juiz soluções prontas e adequadas aos novos desafios da sociedade. e o direito das obrigações, e em especial o direito dos contratos, que durante tantos séculos se manteve avesso a modificações de seus princípios, está a exigir reflexões que refogem aos dogmas clássicos. enquanto se cuida de uma sociedade predominantemente agrícola, a propriedade e o poder patriarcal desempenham o instrumento principal da circulação de recursos. essa economia apresenta um aspecto estático que perdurou durante séculos e ainda perdura teimosamente em alguns rincões de nosso país. É justamente nos bolsões onde grassa a miséria que esse sistema perdura. a propriedade agrícola concentra o poder e a riqueza nas mão de poucos. quando se cuida de sociedade dinâmica, o perfil da geração de recurso já é determinado não mais pela propriedade mas sim pela empresa. no mundo atual a empresa se imistui na vida de cada indivíduo. os processos econômicos explodem com pequeno espaço temporal nos vários países. com o esfacelamento do mundo comunista, este final de século transcende a tudo que se podia imaginar com relação à nova sociedade. uns com mais, outros com menos vigor, todos querem se inserir no contexto da produção e consumo da empresa. não há mais fronteiras para o capital. abastado é aquele que consegue produzir e consumir. pobre aquele que não produz e não consome. À empresa, pouco interessando as barreiras representadas pelas fronteiras geográficas ou políticas, interessa que todos consumam. À empresa, pequena, média, ou grande, nacional ou multinacional, interessa que todos possam participar de sua atividade: que todos possam consumir, enfim contratar. o contrato torna-se hoje, portanto, um mecanismo funcional e instrumental da empresa. o estado, não sem custo em nosso país, percebe que bens e serviços devem ser atribuídos à empresa. o estado-empresário sempre se mostrou um péssimo gerenciador. o exemplo não é só nosso, mas de todas as repúblicas socialistas que tiveram de abruptamente abrir mão de um ferrenho regime econômico, sob o risco de um total desastre. a empresa de uma só pessoa desaparece. as pessoas jurídicas são coletivas. os entes coletivos procuram pulverizar a responsabilidade dificultando a identificação do contratante. tudo esta a se modificar no direito contratual. a própria estrutura da empresa é contratual. participar de uma empresa é ser parte de um contrato. valer- se dos serviços e produtos da empresa também é contratar. em tudo isso vê-se o declínio do conceito originário de negócio jurídico que afirmamos no início deste trabalho. a autonomia da vontade não mais se harmoniza com o novo direito dos contratos. a economia de massa exige contratos impessoais e padronizado; doutro modo o individualismo tornaria a sociedade inviável. o estado, por sua vez, com muita freqüência ingressa na relação contratual privada, proibindo ou impondo cláusulas. tudo isto vem colocar em choque o contrato como dogma do liberalismo. o binômio liberdade-igualdade que forjou esse liberalismo no direito das obrigações tende a desaparecer. há vontades que se impõem, quer pelo poder econômico, quer pelo poder político. em razão dessas modificações, a força obrigatória dos contratos não se aprecia tanto à luz de um dever moral de manter a palavra empenhada, mas sob o aspecto de realização do bem comum. o homem moderno já não mais aceita o dogma no sentido de que seja justo tudo que seja livre (guillermo borda, manual, 1989:16). dentro destes prismas aqui delineados devemos iniciar o estudo e o exame do direito contratual. todas as afirmações feitas na obra que encetamos devem ser vistas em consonância com estas linhas introdutórias. 1.4 o contrato no cÓdigo de defesa do consumidor. a constituição de 1988 contemplou, pela primeira vez em nossa ordem jurídica, os direitos do consumidor. no inciso xxxii, do artigo 5º, dispôs a carta: o estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. nesse dispositivo estado está como denominação genérica de administração, poor todos seus entes públicos. no artigo 24, quando a constituição trata de competência legislativa, concorrente da união, dos estados e do distrito federal, menciona, no inciso viii, responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. não bastasse isso, a constituição federal tornou a defesa do consumidor um princípio geral da ordem econômica (art.170,v). ainda, o artigo 48 das disposições transitórias determinou que o congresso nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da constituição, elaborasse o código de defesa do consumidor. assim sendo, foi promulgada a lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1.990, código de defesa do consumidor, que entrou em vigor cento e oitenta dias a contar da publicação, ocorrida no diário oficial da união de 12 de setembro de 1.990. esse diploma veio atender os reclamos de proteção da contratação em massa aqui enfocada e colocou nosso país no rol das mais modernas legislações protetivas dessa negociação. até a vigência dessa lei, os mecanismos de proteção do contratante-consumidor, baseados na velha lei civil e no estatuto processual de inspiração clássica, mostravam-se emperrados e obsoletos, mormente na esfera dos procedimentos. a jurisprudência, salvo as honrosas exceções de sempre, não procurava fugir desse sectarismo. até o advento desse diploma pode-se afirmar que o consumidor é pessoa desamparada perante a economia de massa e o poder econômico, público e privado. o cdc permitiu que se afugentasse a crise de identidade desse grande anônimo da economia moderna, mas seu personagem fundamental. esse cliente no mais das vezes abstrato na azáfama dos negócios obtém definição, extensão e compreensão amplas no seu estatuto: consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final (artigo 2º). vários temas são inovadores na lei consumista, destacando-se a responsabilidade objetiva pelo fato do produto o do serviço, as práticas abusivas, aproteção contratual, além de novos instrumentos processuais permitindo a ação coletiva. no dizer de josé geraldo brito filomeno, ao analisar o âmbito da matéria, basicamente, há preocupação fundamental de se proteger os interesses econômicos dos consumidores, fornecer aos consumidores informações adequadas para capacitá-los a fazer escolhas acertadas de acordo com as necessidades e desejos individuais, educar o consumidor, criar possibilidades de real ressarcimento ao consumidor, garantir a liberdade para formar grupos de consumidores e outros grupos e organizações de relevância e oportunidade para que estas organizações possam apresentar seus enfoques nos processos decisórios a elas referentes (1991:19). esse desiderato o diploma atendeu plenamente. no campo dos contratos que poor ora nos interessa, foram trazidos para o bojo da lei, além de instrumentos eficazes em favor do consumidor no tocante à responsabilidade objetiva do fornecedor e possibilidade de inversão do ônus da prova carreada para o fornecedor, princípios de direito contratual que a doutrina tradicional já adotava de há muito, na exegese de proteção do contratante mais fraco. nesse diapasão encontramos na letra expressa dessa lei, entre outros, o princípio geral da boa-fé (artigo 51,iv), da obrigatoriedade da proposta (artigo 51,viii), da intangibilidade das convenções (artigo 51, x, xi e xiii). ao coibir a vantagem exagerada do fornecedor, o cdc reaviventa os princípios tradicionais da lesão nos contratos e da excessiva onerosidade (artigo 51, § 1º). destarte, em qualquer exame contratual que se faça, inserido o negócio no universo desse microssistema jurídico, não pode mais o intérprete se prender unicamente aos princípios tradicionais de direito privado, devendo necessariamente trazer à baila em seu silogismo para aplicação da lei ao caso concreto os novos princípios. na realidade, como apontada, esses princípios nada apresentam de novo, nada afirmam que a doutrina já não conhecesse. apenas estando doravante expressos na letra da lei oferecem um caminho mais seguro para o julgador. 1.5 relaÇÃo negocial alcanÇada pelo cÓdigo de defesa do consumidor. reflita-se que essa lei protetiva, em linhas gerais, não conflita com os postulados básicos do direito contratual e do direito privado. quando o cdc, poor exemplo, considera nula cláusula contratual incompatível com a boa-fé ou com a equidade (artigo 51,iv), nada mais faz do que trazer para o direito positivo dogma tradicional do direito contratual. nunca se duvidou na doutrina tradicional e na jurisprudência que os contratos devam ser interpretados segundo o princípio da boa-fé. ainda, na ausência de legislação específica protetiva, a jurisprudência procurava dar a correta interpretação e integração dos contratos, de molde a concluir pelo verdadeiro equilíbrio entre as partes. muito se estudou a respeito no tocante aos contratos de adesão. dentro da orientação geral desse código, tudo é no sentido de que intenção do legislador foi partir para a defesa sistemática do consumidor, como destinatário de produtos e serviços. tanto que o artigo 29, ao tratar das práticas comerciais e da proteção contratual, dispões: para fins deste capítulo e do seguinte (proteção contratual) equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele prevista. para o intuito da lei, portanto, basta que se identifiquem o consumidor e a relação de consumo, e o negócio estará sob o pálio do cdc. em vista desse assertiva, fica, a nosso ver, em segundo plano, a necessidade de tipificação na relação jurídica da figura do fornecedor de serviços (definida aliás com largo espectro no artigo 3º), bem como o aspecto de ato de consumo final. basta que se apresente o consumidor na relação negocial e que nessa relação esteja presente o caráter de sua vulnerabilidade, conceituada como regra programática do legislador e princípio geral do cdc (artigo 4º,i). ainda que se resista a essa orientação, como o faz parte da doutrina, especificamente no que tange aos princípio de direito contratual da lei consumerista, o intérprete será levado a aplicá- los, senão porque enquadrou o negócio jurídico na relação de consumo, mas porque subsidiariamente deve integrar o contrato no sistema jurídico. destarte, avultará a importância da conceituação de consumidor e de vulnerabilidade em cada caso concreto. ainda que de aparente perplexidade, o âmbito buscado pela lei do consumidor permite e conduz a essa conclusão, isolando-se dessa interpretação a distinção que normalmente se faz no tocante a consumo e insumo (nesse último, conceituado como fator de produção, estaria excluído o alcance da lei do consumidor). a nossa entender os conceitos de vulnerabilidade e de consumidor suplantam qualquer outro tecnicismo. em monografia sobre a proteção do consumidor, maria antonieta zanardo donato conclui a respeito: prescinde-se, pois, de qualquer atuação do consumidor. a idéia que o conceito nos emite é a de passividade do consumidor. basta a sua exposição para ser alcançado e tutelado pela norma (1994:263). há que se inserir a relação de consumo. essa abrangências é mais ampla do que os próprios limites do contrato porque atinge também as fases pré e pós-contratual. a lei do consumidor é exemplo claro do desaparecimento da utilidade da divisão clássica do direito em privado e público. hoje, mais do que ontem, os ramos se interpenetram. o cdc é exemplo característico de um direito social, nem público, nem privado. o exame da teoria geral dos contratos e dos contratos em espécie não ficará mais completo sem a premissa básica que ora se coloca, qual seja, verificar o alcance do pacto dentro do código de defesa do consumidor. 2 princÍpios gerais do direito contratual. contrato de adesÃo. novas manifestaÇÕes contratuais. 2.1 a autonomia da vontade. na introdução deste trabalho vimos como evolui o conceito da autonomia da vontade. esse princípio clássico, inspirado no código francês, de que o contrato faz lei entre as partes, é colocado hoje sob nova berlinda. desapareceu o liberalismo que colocou a vontade como o centro de todas as avenças. no entanto, a liberdade de contratar nunca foi ilimitada, pois sempre esbarrou nos princípios de ordem pública. essa liberdade de contratar pode ser vista sob dois aspectos. sob o prisma da liberdade propriamente dita de contratar ou não, estabelecendo-se o conteúdo do contrato, ou sob o prisma da escolha da modalidade do contrato. a liberdade contratual permite que as partes se valham daqueles modelos contratuais constantes do ordenamento jurídico (contratos típicos), ou criem uma modalidade de contrato de acordo com suas necessidade (contratos atípicos). em tese, a vontade contratual somente sofre limitação perante um norma de ordem pública. na prática, existem imposições de ordem econômica que dirigem e impõem a essa vontade. no entanto, a interferência do estado na relação contratual privada mostra-se crescente e progressiva. como examina orlando gomes (1983:94), no século xix, a disciplina do contrato concentrava-se na manifestação de vontades, no exame dos vícios do consentimento. o que importava era verificar se o consentimento era livre. no contrato de nossa época, a lei prende-se mais à contratação coletiva, visando impedir que as cláusulas contratuais sejam injustas para uma das partes. assim, a lei procurou dar aos mais fracos uma superioridade jurídica para compensar a inferioridade econômica. nem sempre o estado se mostrou bem sucedido na tarefa. a excessiva intervençãona ordem econômica privada ocasiona distorções a longo prazo. a legislação do inquilinato é exemplo típico. a denominada proteção ao inquilino desestimula as construções e, consequentemente, faltam imóveis para locar. a atual lei inquilinária (lei nº. 8.245/91) procura corrigir a distorção. nas legislações pretéritas, atingia-se exatamente o oposto do pretendido pela lei. como é lenta a tarefa legislativa, um vez distorcida a economia, dificilmente se volta ao estágio anterior, principalmente porque o cidadão passa a desconfiar do estado, o que, a qualquer momento, pode intervir em seu patrimônio privada. o complexo problema, porém, não é só nosso, e atinge também as legislações de economia mais desenvolvida, o que, contudo, não nos deve servir de consolo. no contrato, portanto, há normas cogentes que não poderão ser tocadas pela vontade das partes. há normas supletivas que operarão no silêncio dos contratantes. 2.2 a forÇa obrigatÓria dos contratos. um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servanda. o acordo de vontades faz lei entre as partes. essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. o ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumpri o contrato ou a indenizar pela perdas e danos. não tivesse o contrato força obrigatória e estaria estabelecido o caos. decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz intervir nesse conteúdo. essa é a regra geral. as atenuações legais que a seguir estudaremos não alteram a substância desse princípio. a noção decorre do fato de terem as partes contratado de livre e espontânea vontade e submetido sua vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi desejada. ao iniciarmos o estudo das obrigações, vimos que existe um estímulo que nos impulsiona a conseguir algo. do sopesamento desse estímulo com as limitações psíquicas teremos a noção do homem equilibrado, ou do bonus pater familias (venosa, 1983, v. 2: item 1.1). nesse diapasão, messineo (1983, t, i:57) diz que o contrato é um produto espiritual. uma vez que livremente pactuado, deve ser seguido, isto é, opera o respeito da palavra dada, na qual se traduz a chamada confiança pública. porém o produto espiritual não prescinde de conteúdo econômico. daí a íntima relação do direito contratual com os direitos reais. 2.3 o princÍpio da relatividade dos contratos. a regra geral é que o contrato só ata aqueles que dele participaram. seus efeitos não podem nem prejudicam nem aproveitar a terceiros. daí se diz que com relação a terceiros o contrato é res inter alios acta, aliis neque nocet neque potest. no entanto, há que se ter em mente ser o contrato coisa palpável, tangível, percebido poor outras pessoas que dele não participaram. essa pala razão pela qual orlando gomes (1983:44) distingue efeitos internos dos contratos. poor estes o contrato somente afeta os partícipes do negócio. ninguém pode tornar-se credor ou devedor contra sua vontade. no entanto, como todo princípio gera, abrem-se, ora e vez, exceções. há obrigações que estendem seus efeitos a terceiros. são efeitos externos. tal é o caso das estipulações em favor de terceiros (artigos 1098 a 1100), que aqui estudaremos, assim como convenções coletivas de trabalho e fideicomisso constituído poor atoa inter vivos. esse princípio de relatividade não se aplica tão somente em relação às partes, mas também em relação ao objeto. o contrato sobre bem que não pertence aos sujeitos não atinge terceiros. essa regra geral pode também sofrer exceções. nesse sentido, conclui-se que o contrato, não produz efeito com relação a terceiros, a não ser nos casos previstos na lei. há que se entender por parte contratual aquele que estipulou diretamente o contrato, esteja ligado ao vínculo negocial emergente e seja destinatário dos seus efeitos finais. poor outro lado, deve ser considerado como terceiro, com relação ao contrato, quem quer que apareça estranho ao pactuado, ao vínculo e ao efeitos finais do negócio (serio maiorca, 1981:333). não se deixe de lado, contudo, a noção de que sendo o contrato um bem tangível, deite ele repercussões reflexas, as quais, ainda que indiretamente, tocam terceiros. há outras vontades que podem ter participado da avença e não se isentam de determinados efeitos indiretos do contrato, como no caso de contrato firmado poor representante. também aquele que redige o contrato, ou aconselha a parte a firmá-lo, pode vir a ser chamado por via reflexa para os efeitos do negócio. 2.4 o princÍpio da boa fÉ nos contratos. a questão atine mais propriamente à interpretação dos contratos. o código italiano possui norma que estabelece que no desenvolvimento das tratativas e na formação do contrato as partes devem portar-se com boa-fé (artigo 1337). o aspecto guarda muita importância com relação à responsabilidade pré-contratual que também estudaremos. coloquialmente, podemos afirmar que esse princípio se estampa pelo dever das parte de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isto porque mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais. importa pois examinar o elemento subjetivo em cada contrato. a parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo da sua elaboração. a vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. pode ocorre4 que a parte, posteriormente, se veja em situação de impossibilidade de cumprimento. cabe ao juiz examinar em cada caso se o descumprimento decorre de boa ou má-fé. ficam forma desse exame o caso fortuito e a força maior, que são examinados previamente, no raciocínio do julgador, e incidentalmente podem ter reflexos no descumprimento do contrato. na analise do princípio da boa-fé dos contratantes, devem ser examinados as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico. É ponto da interpretação da vontade contratual. 2.5.2 o contrato de adesÃo. É típico contrato que se apresenta com todas as cláusulas predispostas poor uma das partes. a outra parte, o aderente, somente tem a alternativa de aceitar ou repelir o contrato. essa modalidade não resiste a uma explicação dentro dos princípios tradicionais de direito contratual, como vimos. o consentimento manifesta-se, então, poor simples adesão às cláusulas que foram apresentadas pelo outro contratante. há condições gerais nos contratos impostas ao público interessado em geral. assim é o empresário que impõe a maioria dos contratos bancários, securitários, de , de transporte de pessoas ou coisas, de espetáculos públicos etc. isto não significa que, poor exceção, esse empresário, em situações excepcionais, deixe de contratar, sob a forma tradicional um seguro, um financiamento bancário ou o transporte de determinada pessoa ou coisa. não é, no entanto, a regra geral. para o consumidor comum em geral não se abre a discussão ou alteração das condições gerais dos contratos ou das cláusulas predispostas. enquanto não houver adesão ao contrato, as condições gerais dos contratos não ingressam no mundo jurídico. há condições gerais de contratos, no entanto, que podem emanar da vontade paritária das partes, do poder regulamentar do estado ou da atividade de terceiros. destarte, podem haver condições gerais nos contratos sem que haja necessariamente contrato de adesão. portanto, o contrato de adesão é contrato com cláusulas predispostas, mas não é o único. orlandogomes (1983a, m:81:121) prefere a terminologia cláusulas gerais dos contratos, porque o termo cláusula é mais afeto ao direito contratual, enquanto que condição tem outro sentido técnico. outros falam em cláusulas uniformes, ou mencionam os termos “contratos standard”, como no direito alemão. a terminologia “condições gerais dos contratos” vem sendo aceita pela doutrina para qualificar essas cláusulas padronizadas, o que não implica afastar o termo contrato de adesão, expressão consagrada na nossa doutrina e inserida no código de defesa do consumidor: contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (artigo 54). a necessidade de criar situações negociais homogênea e numerosas predispõe, portanto, um esquema contratual, isto é, um complexo uniforme de cláusulas. esse contrato standard, poor mimetismo e pela lei do mínimo esforço, atinge também relações a priori essencialmente paritárias. exemplos disso são os contratos de locações de imóveis, cujos impressos são vendidos em larga escala. esses contratos surgem como uma necessidade de tornar mais rápidas as negociações, reduzindo custos. reduz-se assim a iniciativa individual. os contratos com cláusulas predispostas surgem então, como fator de racionalização da empresa. o predisponente, o contratante forte, encontra nessa modalidade contratual um meio para expandir e potencializar sua vontade. cabe ao legislador, e particularmente ao julgador, traçar os limites dessa imposição de cláusulas, tendo em vista a posição do aderente, o contratante fraco. daí se concluir que não se pode defender hoje uma total liberdade contratual, porque a sociedade não mais a permite. paradoxalmente, a plena liberdade contratual, nos dias atuais, se converteria na própria negação dessa liberdade, concluindo-se que a liberdade contratual destrói-se a si própria, determinando a sua própria negação (enzo roppo, 1988:318). 2.5.3 o contra tipo. como acenamos acima, conquanto as partes estejam, na prática, em igualdade econômica, podem se valer de contrato com cláusulas predisposta. o contato-t6ipo aproxima-se do contato de adesão pela forma com que se apresenta. distingue-se do contrato de adesão porque aqui, no contrato-tipo, as cláusulas, ainda que predispostas, decorrem da vontade paritária de ambas as partes. assim contratam, poor exemplo, as empresas de determinado setor da indústria com um grupo de fornecedores, podendo ou não ser representadas poor associações respectivas. no contrato-tipo o âmbito dos contratantes é identificável. no contrato de ade4são as cláusulas apresentam-se predispostas a um número indeterminado e desconhecido, a priori, de pessoas. se a elaboração das cláusulas for unilateral, estaremos perante um contrato de adesão e não de um contato-tipo. isto é importante porque na interpretação haverá critério diverso. no contrato de adesão, na dúvida, interpreta-se em favor do aderente. assim como o contrato de adesão, poor suas características, o contrato-tipo requer a forma escrita. 2.5.4 o contrato coletivo. os contratos coletivos são, em nossos dias, a forma de regulamentação da atividade entre patrões e empregados. como dessas relações decorre a paz social, ganham enorme importância essas modalidades de contratos. o desenvolvimento do capitalismo e da indústria não mais permite uma relação individual e isolada entre empregado e empregador. a relação isolada traria como resultado prejuízo para o empregado, a parte mais fraca, com conseqüente convulsão social. as associações e sindicalismo assumem a rotina de estabelecer o relacionamento entre essas duas partes, facções na verdade, daí surgindo normas regulamenta as a atividade de determinado grupo de trabalhadores. unem-se as partes em ambos os lados, poor parte dos empregados e poor parte dos empregadores. regulamenta-se todo um setor da atividade laboral e empresarial. os contratos coletivos ganham terreno em muitas atividades, relegando para plano secundário os princípios tradicionais dos contratos. porém, o princípio de formação do negócio jurídico não deixa de ser contratual, mas, uma vez concluída a vontade, passa a existir uma verdadeira norma jurídica à qual ficará sujeita toda uma relação de trabalho. o contrato coletivo perfaz-se acordo de vontades de duas pessoas jurídicas de direito privado. se no contrato clássico há lei entre as partes, no contrato coletivo há lei com relação às pessoas ligadas aos entes coletivos participantes do negócio. nesse sentido deve ser entendida a afirmação de que no acordo coletivo há norma jurídica. o alcance dessa norma será mais ou menos amplo, dependendo da amplitude de representác1ao das pessoas envolvidas. na chamada convenção coletiva imperfeita, poor exemplo, estipula-se entre um sindicato e os empregados de determinada empresa. aqui a norma que emana do acordo regula claramente relações jurídicas concretas. esse concretismo mais e mais se dilui, à medida que se amplia o universo de alcance do acordo, chegando próximo a uma norma abstrata. o sentido negocial desse fenômeno, em qualquer hipótese, porém, fica bem claro. isto se mantém ainda que haja necessidade de aprovação estatal para a funcionalidade do acordo. a matéria situa-se dentro do campo de estudo do direito do trabalho. no entanto, há tendência de se ampliar o alcance das contratações coletivas. o código de defesa do consumidor (lei nº. 8.078/90) autoriza a convenção coletiva de consumo. dispõe o artigo 107: as entidades civis de consumidores e as associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica podem regular, poor convenção escrita, relações de consumo que tenham poor objeto estabelecer condições relativas ao preço, à qualidade, à quantidade, à garantia e característica de produtos e serviços, bem como à reclamação e composição do conflito de consumo. § 1º. a convenção tornar-se-à obrigatória a partir do registro do instrumento no cartório de títulos e documentos. § 2º. a convenção somente obrigará os filiados às entidades signatárias. § 3º. não se exime de cumprir a convenção o fornecedor que se desligar da entidade em data posterior ao registro do instrumento. essa negociação coletiva tem o nítido caráter contratual. não atingirá senão os filiados à entidades participantes. a coletividade é restrita, portanto. trata-se de importante instrumento de ordenação coletiva de relações jurídicas. da conscientização do povo consumidor surgirá sua utilização prática. o contrato, destarte, passa a integrar a sociedade como instrumento coletivo. esse instrumento utilizado pela coletividade terá o condão de pré-ordenar os contratos de cláusulas predispostas inseridos na atividade econômica interessado, assim como faz o acordo coletivo de trabalho, com relação à relações de trabalho. 2.5.5 o contrato coativo a expressão contrato coativo contém o máximo de dirigismo contratual. não há como se defender a autonomia da vontade se o contrato é imposto. são dessa natureza as relações entre as concessionárias de serviço público de fornecimento de água, luz, esgoto, gás, telefone e o usuário. a empresa não pode se recusar a contratar com o usuário, quando este se sujeita às condições gerais e desde que existam condições materiais para a prestação de serviço. o usuário não pode prescindir desses serviços, nem mesmo, poor vezes, recusá-los. na verdade, aqui nãose está diante de uma manifestação de dirigismo contratual, mas sim perante uma conseqüência inevitável do privilégio concedido à empresas que detêm o monopólio dos serviços públicos (guillermo borda, 1989:19). o intuito contratual esta praticamente desaparecido nesse negócio jurídico. as cláusulas do negócio são totalmente predispostas. se, poor um lado, a concessionária não pode negar o serviço público, na prática, o usuário não pode também dele prescindir. ambas as partes são forçadas a contratar. a interpretação das cláusulas e o inadimplemento, nesse caso, não podem ser vistos de forma igual aos demais contratos, nem mesmo aos contratos de adesão. existe no fenômeno aparência de contrato e não contrato propriamente dito. trata-se de negócio jurídico guarnecido de normas de direito público. resolvem-se as pendências levando-se em conta princípios de direito público, embora parcela ponderável das cláusulas se situe no âmbito da contratação privada e como tal deva ser encarada. 2.5.6 o contrato dirigido ou regulamentado. em muitos setores da economia, e de forma crescente, o estado imiscui-se nas relações privadas. nessa espécie contratual, o estado impõe determinada orientação estabelecendo cláusulas ou proibindo-as, e delimitando o âmbito da vontade privada. exemplo disso são os tabelamentos de preços. o estado impõe preço mínimo ou preço máximo para certos bens ou serviços. também a legislação do inquilinato e a legislação bancária são exemplos típicos. há normas na relação entre as partes impostas pelo estado. são normas de ordem pública. cabe ao intérprete diferenciar entre o que é dirigido e o que é dispositivo nessas relações contratuais. nem sempre será fácil, à primeira vista, distinguir uma norma imperativa imposta ao contrato. o problema não surge quando o legislador é expresso. quando o legislador utiliza das expressões “é vedado”, não pode, “é nulo” ou equivalentes, a norma é cogente. poor outro lado, quando o legislador se utiliza da expressão “salvo disposição em contrário”, ou fórmula equivalente, é livre a vontade das partes. no silêncio do legislador não há de se inferir automativamente que a norma é dispositiva. uma norma pode ser imperativa poor decorrer do próprio espírito da lei. algumas normas são inderrogáveis apenas com relação a uma das partes contratantes, como é o caso da legislação do inquilinato. a tutela visa proteger o inquilino. então não se permite a derrogação que prejudique essa tutela. assim também ocorre no contrato de trabalho, com relação ao empregado. como conseqüência, tem-se como ineficaz qualquer convenção que atente contra essa normas protetivas, reguladoras de certas jurídicas. no dizer de enzo roppo (1988:193), as normas imperativas desempenham um papel de tipo, digamos, negativo ou destrutivo: no sentido em que anulam o regulamento contrastante com as mesmas, ou então amputam-no, removendo do mesmo previsões ou dispositivos que as partes aí tinham introduzido. a lei determina, pois, o conteúdo do contrato, limitando e delimitando a vontade dos contratantes ou, mais comumente, de determinada classe de contratantes. 2.6 relaÇÕes nÃo contratuais, acordo de cavalheiros. pelo que vimos até agora se destaca a crescente jurisdicização de todas as relações sociais, mormente aquelas que implicam circulação de riquezas. como decorrência, o contrato assoma a todas esferas de relação jurídica, ainda que sob as vestes de contratação com cláusulas predispostas. o homem vê-se hoje atado a um emaranhado de relações negociais de ordem pública e privada, o que, de certa forma, limita sua expansão como ser integrante do organismo vivo que é a sociedade. porém, se o contrato é um instrumento legal no ordenamento jurídico, não é ele o único instrumento de circulação de riqueza. o direito de família e o direito faz sucessões possuem outras formas de transmissão de bens. o conceito de contrato fica então ligado exclusivamente à noção de circulação econômica. como forma de repulsa ao contratualismo, surge no direito anglo-saxão, e hoje se espraia entre nós, a praxe comercial de não se contratar. originalmente, surge no seio de um grupo de empresas a vontade de não contratar. preferem elas disciplinar suas relações com base na palavra dada com uma simples carta de intenções, ou o chamado acordo de cavalheiros (gentlemen’s agreement). até quando os negócios implicam riscos ponderáveis, preferem as partes fugir ao contrato. esse acordo não tem força sancionatória direta. geralmente, as partes envolvidas, além da palavra empenhada, contam com outros meios de coerção para o cumprimento de pacto, de forma indireta. dentre as razões que fazem surgir essa forma de relação destaca-se o fato de que, em determinadas situações, onde os interesses desaconselham qualquer ingerência do judiciário, as trocas econômicas postos à disposição das partes são suficientes para desprezar o emaranhado do contrato. o contrato pode ser fator de lentidão na consecução dos fins almejados, aumentando os custos. no entanto, essa fuga ao contrato, criada pelo espirito prático dos empresários, fica restrita a algumas poucas relações sociais, dificilmente atingindo o homem comum. nem se esqueça que mesmo um acordo desse nível seja estranho ao direito. há princípios gerais, como o abuso de direito e o enriquecimento sem causa, poor exemplo, que podem ser aplicados. o teor do acordo de cavalheiros, poor outro lado, pode dar valiosos elementos de interpretação ao julgador, para a investigação da vontade das partes, quando ocorrer pretensão resistida. o fenômeno, sem dúvida, esta já a merecer maior atenção do jurista. a fuga ao contrato, como fenômeno ainda pouco difundido e estudado em nosso país, não inibe o contratualismo que grassa nas relações jurídicas em geral.
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