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GRADUAÇÃO 2012.1 DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I AUTOR: LEONARDO DE ANDRADE COSTA COLABORAÇÃO: ANA ALICE DE CARLI Sumário Direito Tributário e Finanças Públicas I AULA 1 – PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA. AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL. ...................................................................... 3 AULA 2 – ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO NA FEDERAÇÃO. ..................................................................................... 23 AULA 3 – O ESTADO FINANCEIRO, A REPÚBLICA E O FEDERALISMO FISCAL. A DISTRIBUIÇÃO DE FUNÇÕES ENTRE OS PODERES101. . 40 AULA 4 – O PLANEJAMENTO E AS LEIS ORÇAMENTÁRIAS (PPA, LDO E LOA) ...................................................................... 55 AULA 5 – OS CRÉDITOS ORÇAMENTÁRIOS E ADICIONAIS ............................................................................................. 83 AULA 6 – A DESPESA PÚBLICA, A EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO E A RESPONSABILIDADE FISCAL. ............................................ 98 AULA 7 – O FINANCIAMENTO DOS GASTOS, AS OPERAÇÕES DE CRÉDITO E A DÍVIDA PÚBLICA EM FACE DO EQUILÍBRIO FISCAL. .. 116 AULA 8 – AS TRANSFERÊNCIAS CONSTITUCIONAIS E A PARTILHA DE RECEITA TRIBUTÁRIA NO FEDERALISMO FISCAL BRASILEIRO .....127 AULA 9 – A RECEITA PÚBLICA NO ÂMBITO DA TEORIA GERAL DOS INGRESSOS PÚBLICOS. ................................................. 146 AULA 10 – O TRIBUNAL DE CONTAS E O CONTROLE DA EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA. ......................................................... 167 AULA 11 – O PODER DE TRIBUTAR, A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E A CAPACIDADE TRIBUTÁRIA ATIVA ................................. 180 AULA 12 – A PARAFISCALIDADE COMO TÉCNICA ADMINISTRATIVA PARA DESENVOLVER ATIVIDADES DE INTERESSE PÚBLICO E O TRIBUTO NA CR-88 ...................................................................................................... 210 AULA 13– ASPECTOS ECONÔMICOS DA TRIBUTAÇÃO E OS DIFERENTES SUBSTRATOS DE INCIDÊNCIA: O PATRIMÔNIO, A RENDA E O CONSUMO..................................................................................................................................... 225 AULA 14 – A POLÍTICA FISCAL E A EXTRAFISCALIDADE: A NECESSÁRIA COMPATIBILIZAÇÃO ENTRE EFICIÊNCIA ECONÔMICA, JUSTIÇA DISTRIBUTIVA E A CONVENIÊNCIA ADMINISTRATIVA DOS TRIBUTOS. ............................................................... 255 AULA 15 – A RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA, OS ELEMENTOS E AS DIVERSAS FASES DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. O MOMENTO DE FIXAÇÃO DO REGIME JURÍDICO-TRIBUTÁRIO. .................................................................................... 287 AULA 16 – AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS DO PODER DE TRIBUTAR. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS. A LEGALIDADE E A NECESSÁRIA PONDERAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA JUSTIÇA FISCAL. ............ 313 AULA 17– A ISONOMIA E A CAPACIDADE ECONÔMICA DO CONTRIBUINTE. DO MÍNIMO EXISTENCIAL E DO NÃO CONFISCO. ......... 336 AULA 18 – A IRRETROATIVIDADE, AS ANTERIORIDADES E A LIBERDADE DE TRÁFEGO. ...................................................... 352 AULA 19 – ASPECTOS GERAIS DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS, DA NÃO INCIDÊNCIA E DAS ISENÇÕES. ................................. 368 AULA 20 – A IMUNIDADE RECÍPROCA, DOS TEMPLOS, DOS PARTIDOS POLÍTICOS, DOS SINDICATOS, DAS ENTIDADES DE EDUCAÇÃO E DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ......................................................................................... 395 AULA 21 – A IMUNIDADE DOS LIVROS, JORNAIS, PERIÓDICOS E O PAPEL DESTINADO A SUA IMPRESSÃO E AS DEMAIS VEDAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR ............................................................................ 427 AULA 22 – AS FONTES DAS NORMAS TRIBUTÁRIAS: A LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA. A CONSTITUIÇÃO E A EMENDA CONSTITUCIONAL. AS DENOMINADAS “CLÁUSULAS PÉTREAS” ............................................. 447 AULA 23 – AS LEIS COMPLEMENTARES, OS DECRETOS LEGISLATIVOS, OS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS, AS LEIS ORDINÁRIAS E DELEGADAS, AS MEDIDAS PROVISÓRIAS E AS RESOLUÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL E DO SENADO FEDERAL. .........472 AULA 24 – O REGULAMENTO E OS ATOS DO PODER EXECUTIVO COM FORÇA DE LEI MATERIAL. AS DEMAIS NORMAS COMPLEMENTARES. ......................................................................................................................................... 499 ANEXO – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E EXERCÍCIOS ............................................................................................ 502 AVALIAÇÃO: DUAS PROVAS ESCRITAS (P1 E P2) COM CONSULTA EXCLUSIVA À LEGISLAÇÃO DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 3 1 Nos termos em que será examinado nesta aula, as Finanças Públicas e o Direito Financeiro possuem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade fi nanceira do Estado. No entanto, a disciplina jurídica é normativa e emi- nentemente prática, ao passo que a ci- ência das fi nanças é especulativa, não possuindo caráter disciplinador, pois é pré-normativa e atinente ao campo da economia. Não quer dizer, entretanto, que a ciência jurídica possua um fi m em si mesma e possa ser estudada, compreendida e aplicada sem a perma- nente interação com os outros campos do conhecimento formal e da realidade que se interpenetram. De fato, a ca- pacidade humana de compreender a realidade é limitada, o que suscita as inevitáveis segmentações dos objetos e relações sob exame e bem assim a cria- ção de modelos simplifi cados e parciais para a sua análise. 2 Vide artigo 2º da Constituição da Re- pública Federativa do Brasil de 1988, de agora em diante simplesmente CR-88, cujo Título IV intitula-se “Da Organi- zação dos Poderes”. A parte relevante do tema para o presente estudo será apresentada na Aula 3 e detalhado na Aula 4. 3 No caso brasileiro, a adoção da forma de Estado Federado está expressa, em especial, nos artigos 1º, 18 e 60, §4º, I, da CR-88. O Federalismo Fiscal será introduzido na Aula 2 ocasião em que será iniciado o estudo do Capítulo II, do Título VI, da CR-88 (art. 163 a 169), intitulado “Das Finanças Públicas”. O exame do atual regime de repartição de receitas tributárias na Federação brasileira será aprofundado na Aula 8 e a apresentação do sistema de atri- buição de competências tributárias entre os entes políticos no Brasil será realizado na Aula 11, ocasião em que será iniciada a análise do Capítulo I, do Título VI, da CR-88, denominado “Do Sistema Tributário Nacional” - art. 145 a 162 da CR-88. 4 O estudo da dinâmica e da ratio subja- cente ao processo político democrático é de fundamental importância para a compreensão de quais deveriam ser, sob o ponto de vista teórico, as atri- buições de cada um dos denominados Poderes da República na defi nição e execução das políticas públicas a serem implementadas pelos entes políticos, assim como o papel do planejamento e dos orçamentos na sociedade bra- sileira. 5 Vide art. 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Essa questão é importante, por exem- plo, para a compreensão dos possíveis efeitos sobre o exercício da compe- tência tributária privativa dos entes políticos subnacionais (Estados, Distrito Federal e Municípios), na hipótese em AULA 1 – PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA. AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS EM FACE DA EVOLUÇÃO SOCIAL. 1.1 PRÉ-COMPREENSÃO DO TEMA A compreensão de cada parte que compõe o objeto de estudo das Finanças Públicas1 e do Direito Tributário (juízo deôntico prescritivo do dever-ser), assim como da interação de seu conjunto e a realidade social (juízo ôntico descritivo do ser), pressupõe o entendimento de alguns elementos de natu-reza estruturante da atividade fi nanceira do Estado e bem assim do caráter multifacetado dos orçamentos, das despesas públicas, dos tributos e das de- mais receitas públicas não tributárias. Conforme será visto, esses temas podem ser examinados a partir do ponto de vista estritamente normativo, do enfoque exclusivamente econômico ou, ainda, da perspectiva em que o Direito, a Economia e a Política se correlacio- nam e interpenetram. Destacam-se entre esses elementos, todos essenciais ao entendimento da matéria e cuja análise efetivar-se-á ao longo do curso: 1. os princípios fundantes do ordenamento jurídico brasileiro volta- dos para a pulverização e contenção do exercício dos poderes esta- tais, destacando-se entre eles o sistema de distribuição de funções, de independência e de harmonia entre os denominados “Poderes” da República2, assim como a Forma de Estado3 Democrático4 de Direito, usualmente denominados de Princípios Republicano, Fe- derativo e Democrático, respectivamente, além da Forma e do Sis- tema de Governo5 implementados; 2. a função de planejamento exercida pelo Estado6 e a sua ligação com as fi nanças públicas por meio dos orçamentos,7 instrumentos neces- sários para a realização da atividade fi nanceira pública; 3. as diversas estratifi cações, fases e dinâmica dos gastos públicos bem como das múltiplas fontes para o seu fi nanciamento; 4. os diferentes substratos econômicos8 de incidência de tributos e os correspondentes eventos juridicamente qualifi cados pela norma tri- butária9 a ensejar a instauração da relação jurídica-tributária, isto é, a interligação entre as denominadas “bases econômicas de tributa- ção” e as correlatas “hipóteses jurídicas de incidência dos tributos”; 5. as múltiplas possibilidades de repercussão econômica dos tributos sobre os diversos agentes econômicos, os chamados contribuintes de fato, que arcam com o ônus ou encargo fi nanceiro do tributo (eg. consumidores fi nais de bens e serviços, proprietários, locadores, DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 4 que os tratados internacionais de natu- reza tributária fi rmados pelo presiden- te da República Federativa do Brasil, o qual é ao mesmo tempo chefe do Poder Executivo da União e chefe de Estado – da República Federativa do Brasil, esta- beleçam isenções e benefícios fi scais de tributos estaduais e municipais. Sobre o tema importante ressaltar a decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, no Recurso Extraordinário (RE) 229.096-0, acórdão que será examinado na Aula 24. 6 O Estado atua, além do planejamen- to, que será objeto de estudo na Aula 4, na fi scalização e no incentivo, e bem assim como agente normativo e regulador da atividade econômica (art.174 da CR-88), na prestação de serviços públicos (art. 175 da CR-88), na exploração da atividade econômi- ca (art. 173 da CR-88), em regime de monopólio ou não (art. 177 da CR-88), no exercício do poder de polícia (art. 78 da Lei nº 5.172/66, norma deno- minada de Código Tributário Nacional (CTN) pelo Ato Complementar n 36/67 e recepcionada com status de lei com- plementar pela CR-88, conforme será examinado a partir da Aula 8). 7 O Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). 8 São três os substratos econômicos de incidência tributária: o Patrimônio, a Renda e o Consumo. Ressalte-se, entretanto, que determinado tributo formulado e desenhado para atingir determinada base econômica pode in- cidir, no mundo real, sobre outro subs- trato diverso, por força das condições de mercado ou, ainda, em função das normas jurídicas aplicáveis ou mesmo de sua interpretação. A matéria será inicialmente examinada na Aula 11 e aprofundada nas Aulas 13 e 17. 9 Na aula 15 será examinada a técnica adotada pelo Código Tributário Nacio- nal (CTN) sob o ponto de vista jurídico de incidência para criar a relação e a obrigação tributária, o que se realiza pela utilização tanto de situações de fato como de situações jurídicas previamente qualifi cadas pelo orde- namento. 10 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição Tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coordenador). Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1. Ensina o eminente autor: “A imposição tributária, como decorrência das necessidades do Estado em gerar recursos para sua manuten- ção e a dos governos que o adminis- tram, é fenômeno que surge no campo da Economia, sendo reavaliado na área das Finanças Públicas e normatizado pela Ciência do Direito. Impossível se faz o estudo da imposição tributária, locatários, industriais, produtores agrícolas, comerciantes, presta- dores de serviços em suas diversas modalidades, fi nanceiros, manual etc.), e que podem ser ou não a mesma pessoa designada em lei como o sujeito passivo da relação jurídica-tributária (o denominado contribuinte de direito, que possui o débito com o Fisco e tem o dever de extinguir o crédito tributário); 6. os limites à atuação do Estado atual em face dos direitos e garantias do cidadão contribuinte; 7. as fontes da legislação tributária, as diferentes estruturas normativas de imposição10 e a aplicação da norma jurídica tributária à luz da indissociável correlação entre o Direito e a Economia. A necessidade do prévio entendimento desses elementos, que englobam múltiplas disciplinas, decorre do fato de que as Finanças Públicas e a Tri- butação são subsistemas tanto do Direito como da Economia, e, ao mesmo tempo, expressão e resultante de um longo processo de sedimentação Política e Cultural de determinado povo, localizado em território defi nido em dado momento histórico, sob as inevitáveis infl uências das múltiplas interações dinâmicas de âmbito local, regional e global. No entanto, se por um lado existe o requisito do exame multidisciplinar e interdisciplinar das questões envolvidas, deve-se destacar que as normas econômicas não possuem caráter impositivo formal por força de sua simples existência, razão da indispensabilidade da norma jurídica, pois somente esta reveste a coercitividade muitas vezes necessária à realização e disciplina da ati- vidade fi nanceira estatal e, ao mesmo tempo, pode, também, fi xar os limites e os parâmetros para a atuação do Estado de Direito, reduzindo o risco de descumprimento11 das “regras do jogo” pelas partes que interagem nas rela- ções fi nanceiras e tributárias. Cumpre, ainda, ressaltar que o estudo das Finanças Públicas possui cará- ter expeculativo e abrange toda a atividade fi nanceira do Estado, isto é, os orçamentos, as despesas, a dívida pública bem como as diferentes formas de fi nanciamento dos gastos públicos, destacando-se entre elas os tributos, as receitas decorrentes do patrimônio do próprio Estado e o crédito público. Destaque-se, entretanto, que, diferentemente do que ocorre com o Direito Financeiro, o estudo das Finanças Públicas não tem caráter normativo, ten- do em vista ter como objetivo precípuo a análise econômica e o estudo dos possíveis impactos da atividade fi nanceira do Estado. Já o Direito Tributário, que no passado recente se encontrava formalmen- te inserido no escopo de estudo do Direito Financeiro, cuida tão somente do tributo e da relação jurídica tributária. Dessa forma, a disciplina jurídica dos tributos se ocupa apenas de um subconjunto pertencente ao âmbito da estrutura da matéria fi nanceira estatal, tendo em vista tratar tão somente de DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 5 em sua plenitude, se aquele que tiver de estudá-la não dominar os princípios fundamentais que regem a Economia (fato), as Finanças Públicas (valor) e o Direito (norma), uma vez que pretender conhecer bem uma das ciências, desco- nhecendo as demais, é correr o risco deum exame distorcido, insufi ciente e de resultado, o mais das vezes incorreto.” 11 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Di- reito I. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983. Tradução de Gustavo Bayer. p. 110 e 115. Assevera o autor que: “a normatização dá continuidade a uma expectativa, independentemente do fato de que ela de tempos em tem- pos venha a ser frustrada. Através da institucionalização o consenso geral é suposto, independentemente do fato de não existir uma aprovação indivi- dual (...) O direito não é primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas. O alívio consiste na disponibilidade de cami- nhos congruentemente generalizados para as expectativas, signifi cando uma efi ciente indiferença inofensiva contra outras possibilidades, que reduz con- sideravelmente o risco de expectativa contrafática”. A contenção e os limites da atuação estatal na seara tributária serão abordados durante todo o curso, em especial após a Aula 16. 12 ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro & Direito Tribu- tário. 15 ed. atual. com alterações no CTN e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p.151. “Parece-nos indiscutível a autonomia do Direito Tributário porque possui conceitos, princípios e institutos jurídicos que lhe são próprios e distin- tos dos demais ramos do direito”. O au- tor examina detalhadamente a questão no Capítulo VI, p. 135-162. 13 Amaro, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. rev. e atual. São Pau- lo: Saraiva, 2005. p.1. Cf. ensina o autor: “Dado o extraordinário desenvolvimen- to do direito atinente aos tributos, ga- nhou foros de ‘autonomia’ o conjunto de princípios e regras que disciplinam essa parcela da atividade fi nanceira do Estado, de modo que é possível falar no direito tributário, como ramo ‘autônomo’da ciência jurídica, segrega- do do direito fi nanceiro. Veremos, mais adiante, a relatividade da ‘autonomia’ do direito tributário, a exemplo do que se dá com os demais ramos do direito.” 14 A redação original do artigo 8°, XVII, c, da Constituição de 1967 possuía a seguinte redação: “Art. 8° - Compete à União: I - (...); XVII – legislar sobre: a) (...); c) normas gerais de direito fi nanceiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário”. A alínea “c” foi alterada pela Emenda Constitucional n° 1, de 1969, que passou a expressar: “c) normas gerais sobre orçamen- uma espécie de receita pública coativa de regime jurídico diferenciado. No entanto, o Direito Tributário desenvolveu-se de tal forma nos últimos 40 anos que a maior parte da doutrina12 aponta no sentido da sua “autonomia”, ainda que relativa13, haja vista que os tributos gozariam de: 1. autonomia científi ca – existência de um conjunto de regras, prin- cípios e institutos próprios, inaplicáveis aos outros ramos do direito (ex: o lançamento para constituir o crédito tributário, o qual será objeto de estudo nos próximos semestres; os princípios da anterio- ridade clássica e nonagesimal, a serem estudados na Aula 18 etc.); 2. autonomia normativa – As Constituições de 1946 (art. 5°, XV, b) e de 196714 (art. 8°, XVII, c) apenas fi xavam a competência da União para legislar sobre normas gerais de Direito Financeiro, o qual se consubstancia como a disciplina jurídica da atividade fi nanceira, sem haver menção expressa ao Direito Tributário. A Carta Magna de 1988, por sua vez, confere status diferenciado ao Direito Tributá- rio. O artigo 24, I, da CR-88 dispõe que compete à União, aos Es- tados e ao DF legislar concorrentemente sobre Direito Tributário e, também, Direito Financeiro, de forma apartada e individualizada. Ainda, o artigo 163, I, e o artigo 146, ambos da CR-88, conferem à lei complementar a atribuição, respectivamente, para dispor sobre Finanças Públicas e estabelecer normas gerais em matéria de legisla- ção tributária; e 3. autonomia didática – a maioria dos cursos universitários no Brasil oferecem o curso de Direito Tributário, não sendo abordada a ma- téria fi nanceira ou apenas examinada tangencialmente. Em suma, apesar do Direito Financeiro e as Finanças Públicas possuírem o mesmo objeto de estudo, isto é, a atividade fi nanceira do Estado (AFE), a primeira disciplina é eminentemente normativa e a outra marcadamente especulativa. Em sentido análogo, o estudo dos tributos é objeto de exame tanto do Direito Tributário como da Tributação, apesar do enfoque do pri- meiro ser jurídico e do segundo ser econômico. Inquestionável, entretanto, que somente é possível compreender os tributos e a tributação no contexto das Finanças Públicas em sua interação com a Política, o Direito e a Econo- mia, fenômenos indissociáveis15 e usualmente analisados separadamente por comodidade ou questões de ordem didática. O quadro abaixo sumariza de forma esquemática o objeto de estudo do curso bem como a interação entre as diversas disciplinas mencionadas: DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 6 to, despesa e gestão patrimonial e fi nanceira de natureza pública; de direito fi nanceiro; de seguro e previ- dência social; de defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário”. Já a Emenda Constitucional n° 7, de 1977, que conferiu nova redação ao dispo- sitivo, dispunha: “c) normas gerais sobre orçamento, despesa e gestão patrimonial e fi nanceira de nature- za pública; taxa judiciária, custas e emolumentos remuneratórios dos serviços forenses, de registros públi- cos e notariais; de direito fi nanceiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; de regi- me penitenciário”. O inciso II e IV, do citado artigo 24 da atual Carta de 1988, estabelecem competência legislativa concorrente dos entes políticos para legislar sobre “orçamento” e “custas dos serviços forenses”. 15 Para a compreensão do tema recomenda-se a revisão da Aula 3 do Material didático de Direito Constitu- cional I (2010.2) – intitulada Conceito de Sistema. 16 FERREIRA, Aurélio Buarque de Ho- landa, Novo Aurélio Século XXI: o di- cionário da língua portuguesa/ Aurélio Buarque de Holanda. 3ª ed. totalmente revista e ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999. “fi nanças. A situação econômica de uma instituição, empre- sa, governo ou indivíduo, com respeito aos recursos econômicos disponíveis, esp. dinheiro, ou ativo líquido; ou con- dição fi nanceira”. 17 O artigo 48, II, da Constituição da Re- pública de 1988 fi xa a competência do Congresso Nacional para dispor sobre “emissões de curso forçado” e o arti- go 315 do Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.2002) estabelece que “as dívidas em dinheiro deverão ser pa- gas no vencimento, em moeda corren- te pelo valor nominal” salvo os casos previstos em legislação especial, a teor do disposto no artigo 318 do mesmo CC. Já o artigo 1° da Lei n° 10.192/2001 determina que o pagamento das obrigações pecuniárias exequíveis no território nacional deve ser realizado em real, ressalvadas as exceções pre- vistas na legislação. Nos termos dos artigos 5° e 42 da Lei n° 8.666/1993, a qual dispõe sobre as licitações e os contratos públicos, todos os valores, preços e custos utilizados em licitações devem ter como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvada a hipótese de concorrência de âmbito in- ternacional, cujo edital deve ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigên- cias dos órgãos competentes. 18 Sob o ponto de vista jurídico Caio Má- rio da Silva Pereira pontua que “A idéia de patrimônio não está perfeitamente aclarada entre os modernos juristas, 1.2 AS FINANÇAS EM SEUS MÚLTIPLOS ASPECTOS Fixadas essas noções preliminares, torna-se importante salientar o sentido e o alcance da expressão fi nanças para melhorcompreensão da matéria. Em sentido comum16, as fi nanças expressam a situação de uma pessoa natural ou jurídica, de direito público ou de direito privado, relacionadas aos recursos econômicos disponíveis. Os bens e direitos, meios necessários para a satisfação dos mais variados desejos e objetivos de quem os possui, podem ter diversos graus de liquidez, ou seja, a pessoa pode dispor desde moeda corrente nacional17 ou estrangeira até imóveis de difícil alienação, seja em função das exigências legais para a autorização de sua disposição ou em função de condições de mercado. Por outro lado, é importante ressaltar a necessidade de que seja também identifi cada, para as mesmas pessoas, titulares dos ativos, a existência e o montante de possíveis obrigações vinculadas a essas disponibilidades, isto é, se há também obrigações e dívidas assumidas, tendo em vista a relevância de que seja determinada a posição patrimonial líquida (capital próprio).18 Assim, a determinação da posição econômica e fi nanceira de uma pessoa, de direito público ou privado, requer: (1) a defi nição de mecanismos para a quantifi cação monetária19 dos ativos e passivos, à exceção daqueles valores mantidos em caixa ou depositados em instituições fi nanceiras, bem como dos passivos já expressos em moeda corrente; e (2) de um sistema para a sua evidência, controle e gerenciamento ao longo do tempo. Idealmente, o sistema adotado para evidenciar as fi nanças, públicas ou privadas, deve compreender grupos de contas que expressem a realidade da atividade da organização, um regime de registro e contabilização dos atos e fatos relevantes, bem como demonstrativos fi nanceiros que possibilitem o DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 7 talvez em razão de não ter o direito romano fi xado com segurança as suas linhas. Segundo a noção corrente, pa- trimônio seria o complexo das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente. (...) Daí dizer-se que o patrimônio não é apenas o conjunto de bens. (...) Noutros termos, o patri- mônio se compõe de um lado positivo e de outro negativo. A idéia geral é que a noção jurídica de patrimônio não importa balancear a situação, e apurar qual é o preponderante. Por não se te- rem desprendido desta preocupação de verifi car o ativo, alguns se referem ao patrimônio líquido, que exprime o sal- do positivo, uma subtração dos valores passivos dos ativos. Ao economista in- teressa a verifi cação. Também ao jurista tem de cogitar dela às vezes, quando tem de apurar a solvência do devedor, isto é, a aptidão econômica de resgatar seus compromissos com os próprios haveres. Mas, em qualquer hipótese o patrimônio abraça todo um conjunto de valores ativos e passivos, sem inda- gação de uma eventual subtração ou de um balanço”. In. PEREIRA,Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19ª ed. Volume I. Rio de Janeiro. Ed. Foren- se, 2002. p. 245. 19 Princípio Contábil do denominador comum monetário. efi ciente controle e a gestão da atividade da entidade e, ao mesmo tempo, aptos a informar adequadamente a situação: (a) Patrimonial, em determinado momento do tempo, bem como as suas variações entre períodos determinados (mutações ou varia- ções patrimoniais); (b) Financeira, propriamente dita, adequada ao gerenciamento de liqui- dez de curto prazo e do fl uxo de caixa necessário ao fi nanciamento das atividades operacionais correntes e de investimentos, bem como da estrutura de capital e de solvência de longo prazo; e (c) Orçamentária, que expresse se foram, e em que grau, atingidas as metas estabelecidas, além de permitir o gerenciamento das ações planejadas, tendo em vista que o orçamento moderno (orçamento- programa) é instrumento essencial de ligação entre o planejamento das ações e as fi nanças, permitindo a operacionalização efetiva e concreta dos planos de trabalho, na medida em que os monetariza, isto é, quantifi ca-os em moeda permitindo o estabelecimento de cronogramas físico-fi nanceiros. Nesse sentido, cabe salientar que o correto entendimento dos mecanis- mos de quantifi cação monetária dos bens, direitos e obrigações, assim como das respectivas demonstrações fi nanceiras que os evidenciam, é pressuposto à compreensão das Finanças Públicas e, em especial, de aspectos essenciais da tributação da renda, que ao lado do consumo e do patrimônio consubstan- ciam os substratos econômicos de incidência tributária (vide nota 8). Também é preliminar ao exame da matéria a distinção entre dois modelos de medidas adotados em análise econômica, denominadas, respectivamente, (1) stock measure, relacionado ao conceito de estoque, e (2) fl ow measure, vin- culado à quantifi cação de fl uxos. O fl uxo é defi nido ao longo de um período específi co de tempo (por ano, mês, dia etc.), ao passo que o estoque refere-se a um dado momento no tempo, e não durante e ao longo de um dado perí- odo de tempo. Essa análise permite o acompanhamento da execução do que foi programando, por meio da verifi cação da execução dos orçamentos, o que explicita a situação patrimonial e fi nanceira em um dado momento do tempo e ao longo do período. Assim, em termos gerais e de forma esquemá- tica, visando à compreensão dos elementos constitutivos básicos da análise da situação patrimonial e fi nanceira de uma organização, pode-se representar o que se deseja alcançar no momento da seguinte forma: DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 8 Ao fl uxo de receitas é contraposto o conjunto de despesas do período, o que permite determinar a situação líquida do patrimônio, ao fi nal do cada exercício, bem como as variações patrimoniais entre dois momentos determi- nados no tempo. Cabe ressaltar, entretanto, a possibilidade de existir fl uxo fi - nanceiro sem impacto no Patrimônio Líquido, o que será examinado durante o curso. No exemplo, não foi alterada a situação do passivo ao longo do perí- odo a fi m de facilitar essa análise inicial. Saliente-se, que parte da difi culdade da gestão e do controle fi nanceiro e patrimonial, público e privado, decorre do fato de que a despesa ou a receita gerada em determinado exercício – sob o ponto de vista jurídico ou econômico – nem sempre é realizada fi nancei- ramente no mesmo período, podendo ocorrer, portanto, desconexões entre: (1) o fl uxo monetário; e (2) a contabilização do evento que altera a situação patrimonial líquida. Nesse sentido, importante frisar que o curso deste semestre se inicia com esta visão geral da matéria e da Atividade Financeira do Estado ao longo da história. Até a Aula 10 serão abordados os diversos temas atinentes ao campo tradicionalmente defi nido como pertinente ao Direito Financeiro e às Finan- ças Públicas, tais como o Financiamento dos Gastos e a Receita Pública no âmbito da Teoria Geral dos Ingressos Públicos, a Despesa Pública, a Respon- sabilidade Fiscal, os Orçamentos (a Lei do Orçamento Anual – LOA, a Lei do Plano Plurianual – PPA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO), o Con- trole da Execução Orçamentária, a Dívida Pública e o sistema de Repartição Constitucional de Receitas Tributárias. Uma vez apresentados os elementos que compõem o campo fi nanceiro e bem assim o delineamento do perfi l do Federalismo Fiscal brasileiro e do sistema de repartição de funções entre os denominados Poderes da República, a partir da Aula 11, com o estudo do DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 9 20 Fábio Nadal e Marcio Cozatti apontam no sentido de que “a necessidade públi- ca não se confunde com necessidade individual (cujo grupamento dá lugar às necessidades gerais que são, por ex- celência, homogêneas) e necessidade coletiva (não revestida de homogenei- dade e que surge da contraposição de interesses)”. NADAL, Fábio e COZATTI, Márcio Faria. DireitoFinanceiro sim- plifi cado para concursos públicos. São Paulo: Impactus, 2008. p. 19. 21 Importante salientar a existência da denominada reserva do possível, adota- da pela jurisprudência alemã, princípio associado à constatação de que todos os direitos têm custo e que os recursos públicos são limitados, razão pela qual haverá sempre e em qualquer circuns- tância a necessidade de escolha entre o que será e o que não será realizado pelo Poder Público. SCHWABE, Jürgen (Organizador). Cinqüenta Anos de Jurisprudência do Tribunal Consti- tucional Federal Alemão. Tradução Leonardo Martins e outros. Montivideo: Fundação Konrad Adenauer, 2005. p. 660-664.BVERFGE 33, 303. De fato, a própria Convenção Americana sobre Direitos Humanos, denominado Pacto de San José da Costa Rica, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo 27, de 25.09.1992 e promulgada pelo Decreto 678, de 06.11.1992, estabelece em seu art. 26, intitulado “desenvolvimento progressivo”, que: “os Estados partes comprometem-se a adotar as provi- dências, tanto no âmbito interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica, a fi m de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recur- sos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” 22 BALEEIRO, Alimoar. Uma introdução à ciência das fi nanças. 16ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 3-4. Poder de Tributar e da Competência Tributária, será iniciado o estudo especí- fi co da Tributação e do Direito Tributário em seus aspectos estruturais, o que envolve o exame da Parafi scalidade, dos substratos econômicos de incidência, da Extrafi scalidade e da formação da relação jurídica-tributária. Na aula 16 é iniciado o estudo das denominadas limitações constitucionais ao Poder de Tributar, o que pressupõe a distinção entre os institutos da isenção, da não incidência e das imunidades tributárias. De fato, ao lado dos diversos prin- cípios que visam proteger o contribuinte, as imunidades consubstanciam, de acordo com a linguagem constitucional, limitações constitucionais ao Poder de Tributar. Por fi m, será examinado o conceito de legislação tributária e as suas diversas espécies, considerando a necessidade de estudar a sua aplicação no espaço e no tempo, matéria que será aprofundada nos próximos semestres – Direito Tributário e Finanças Públicas II e III. 1.3 AS NECESSIDADES PÚBLICAS E A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO. Os indivíduos possuem interesses e demandas variadas, as quais, em seu conjunto, formam o que se denomina de necessidades gerais ou sociais20. Nesse sentido, as demandas coletivas seriam a resultante abstrata do soma- tório das necessidades individuais. O Estado, entretanto, considerando, por um lado, a limitação21 dos recursos disponíveis (naturais, humanos, tecno- lógicos, fi nanceiros etc.), e, por outro, as demandas individuais e sociais in- fi nitas, elege, por meio do processo político, que varia de forma e conteúdo no tempo e no espaço, aquelas para as quais alocará esforços visando ao seu atendimento: são as chamadas necessidades públicas. Assim, uma vez fi xado normativamente o dever do Estado em realizar apenas algumas demandas coletivas politicamente determinadas – as políticas públicas-, o que ocorre modernamente por meio dos orçamentos, conforme será estudado nas próxi- mas aulas, as mesmas se convolam e transmudam em necessidades públicas, a serem satisfeitas por meio dos serviços públicos, os quais se qualifi cam como o conjunto de bens e pessoas sob a responsabilidade do Estado. Os ser- viços públicos, que são instrumentos do Estado para o alcance dos fi ns a que se propõe, se realizam, atualmente, quase que exclusivamente, por meio da utilização da atividade fi nanceira do Estado. Nesse sentido ensina Aliomar Baleeiro22 que: se, em tempos remotos, foi usual, e hoje, excepcionalmente, ainda se verifi ca a requisição pura e simples daquelas coisas e serviços dos súditos, ou a colabo- ração gratuita e honorífi ca destes nas funções governamentais em verdade, na fase contemporânea, o Estado costuma pagar com dinheiro os bens e o trabalho necessários ao desempenho da sua missão. É o processo da despesa pública, que DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 10 23 Art. 3º I, II, III e IV da CR-88. 24 VASCONCELLOS, Marco Antonio S. e GARCIA, Manuel E. Fundamentos de Economia. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 91. 25 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 7. Assevera o autor que: “A expressão atividade fi nanceira tem a mesma extensão do termo “fi nanças” que, sur- gindo na Idade Média por derivação da palavra fi nare, é sinônimo de fi nanças públicas, e não se aplica às fi nanças privadas.” substitui, com vantagem, o da requisição, o da gratuidade de cargos, o do apos- samento dos cabedais dos inimigos vencidos, embora de tudo isso ainda perdu- rem resquícios, notadamente em tempo de guerra. A regra, hoje, é o pagamento em moeda e, por isso, constitui atividade fi nanceira a que o Estado, as províncias e municípios exercem para obter dinheiro e aplicá-lo ao pagamento de indivídu- os e coisas utilizadas na criação e manutenção de vários serviços públicos. No atual contexto brasileiro, de determinação pelo processo político de- mocrático das denominadas necessidades públicas, a serem atendidas pelo insubstituível instrumento da atividade fi nanceira do Estado moderno, é im- portante destacar que o poder constituinte originário defi niu ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil23: “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, ida- de e quaisquer outras formas de discriminação”. Para alcançar tais manda- mentos constitucionais, o poder público disciplina as relações econômicas e sociais, planeja e executa uma série de ações, entre as quais se destaca a política macroeconômica, cujos objetivos, correlatos àqueles fundamentais constitucionalmente qualifi cados, podem ser sumarizados como: (a) a busca de alto nível de emprego; (b) a estabilidade de preços; (c) a distribuição equi- tativa da renda; e (d) o crescimento econômico. Os principais instrumentos utilizados na condução da política macroeconômica para atingir esses fi ns são “as políticas fi scal, monetária, cambial e comercial, e de rendas”24, todas integrantes da denominada atividade fi nanceira do Estado, caso adotado um conceito amplo25 para o termo. De fato, inquestionável a relevância e a inter- penetração de cada uma dessas políticas econômicas, em especial para atingir consistência e coordenação entre as políticas públicas que ensejam as despe- sas do governo e as metas macroeconômicas, matéria cujo exame detalhado extrapola o objeto deste curso. Nessa toada, serão abordados nesse semestre apenas os aspectos mais relevantes dessas questões, na medida em que o estu- do dos instrumentos diretamente relacionados (1) à obtenção das receitas e fi nanciamento dos gastos, (2) à realização das despesas, (3) ao planejamento orçamentário e à gestão fi scal e patrimonial do Poder Público suscitem uma análise mais detalhada dos aspectos macroeconômicos que se imbricam. As- sim, pode-se representar grafi camente o objeto de estudo das próximas aulas pela fi gura que se segue: DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 11 26 HARADA, Hiyoshi, Direito Financeiro e Tributário. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.p. 4. 27 BALEEIRO. Op. Cit., p. 4. 28 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. Volume V. O Orçamento na Constituição. 3ª ed. revista e atualiza- da. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.1. Identifi ca o autor que: a “Constituição Orçamentária é um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da Monetária, sendo uma das Subconstituições que compõem o quadro maior da Constitui- ção de Estado de Direito, em equilíbrio e harmonia com outros subsistemas, especialmente a Constituição Econômi- ca e a Política” Nessa mesma linha de pensamento, Kyoshi Harada26 conceitua a “ativida- de fi nanceira do Estado como sendo a atuação estatal voltada para obter, gerir e aplicar os recursos necessários à consecução das fi nalidades do Estado que, em última análise, se resumem na realização do bem comum” (grifo nosso). Aliomar Baleeiro27, por sua vez, adotando conceito mais amplo, defi ne que a “atividade fi nanceira consiste em obter, criar, gerir e despender o di- nheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público” (grifo nosso). De fato, a própria CR-88 estabelece a competência da União para emitir moeda, atri- buição a ser exercida exclusivamente por meio do Banco Central, em seu artigo 164, dispositivo inserido no Capítulo II, do Título VI, da CR-88, inti- tulado “Das Finanças Públicas”. Dessa forma, tanto o eminente autor como a Constituição incluem a política monetária diretamente no escopo da análise da atividade fi nanceira do Estado, o que será realizado neste curso apenas de forma tangencial. Pode-se concluir pelo que foi até aqui exposto, que a atividade fi nanceira é meramente instrumental, na medida em que apenas viabiliza a consecução das políticas públicas, as quais traduzem os objetivos estatais fi xados pelo processo político (ex: educação, saúde, segurança pública, transporte etc.). Portanto, a atividade fi nanaceira não constitui uma fi nalidade do Estado ten- do em vista não possuir um fi m em si mesma. Assim sendo, sob o ponto de vista jurídico, o objeto de estudo do semestre será a Constituição Financeira, a qual, segundo a melhor doutrina, é compos- ta pelas Constituições Tributária, Orçamentária e Monetária28 (artigos 145 a 169 da CR-88), além dos dispositivos pertinentes à fi scalização orçamentária dos Municípios (artigo 31 da CR-88); ao controle interno, externo e social da execução orçamentária e da Administração Pública (artigos 70 e seguintes da CR-88), ao orçamento do Poder Legislativo (artigos 51, IV, e 52, XIII, da DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 12 29 ADAMS, Charles. For good and evil: the impact of taxes on the course of civilization. 2nd ed. United States: Madison Books, 2001. p. 1-2. Revela o autor: “Taxes are the fuel that makes civilization run. There is no known civilizations that did not tax. The fi rst civilization we know anything about began six thousand years ago in Su- mer, a fertile plain between the Tigris and Euphrates rivers in modern Iraq. The dawn of history, and tax history, is recorded on clay cones excavated at Lagash, in Sumer. The people of Lagash instituted heavy taxation during a ter- rible war, but when the war ended, the tax men refused to give up their taxing powers. From one end of the land to the other, these clay cones say, ‘there were the tax collectors.’ Everything was taxed. Even the dead could not be buried unless a tax was paid. The story ends when a good king named Urukagina, ‘established the freedom’ of the people, and once again, ‘There were no tax collectors’. This may not have been a wise policy, because shortly thereafter the city was destroyed by foreign invaders. There is a proverb about taxes on other clay tablets from this lost civilization which reads: You can have a Lord, you can have a King, but the man to fear is the tax collectors” (grifo nosso). CR-88), do Poder Judiciário (artigo 99) e do Ministério Público (artigo 127). Antes, porém, serão examinados, de forma sucinta, os principais períodos e características mais relevantes da história dos tributos e das fi nanças públicas, o que certamente auxiliará a compreensão da realidade e o atual estágio de desenvolvimento da matéria. 1.4 BREVE HISTÓRICO DOS TRIBUTOS E DAS FINANÇAS PÚBLICAS. A leitura de diversos episódios marcantes em todo o curso da história da humanidade revela uma verdade inquestionável, independentemente do lugar objeto da pesquisa, os tributos as fi nanças públicas sempre tiveram e continuam a ter infl uência determinante no curso das civilizações. A primeira civilização de que se tem conhecimento29 concreto, cerca de seis mil anos atrás, era denominada Sumer, uma localidade entre os rios Tigre e Eufrates, no que hoje é o Iraque. Os acontecimentos históricos lá ocorridos revelam a grande infl uência dos tributos já naquela época, e estão gravados em hieróglifos encontrados em escavações em Lagash, localizado em Sumer. Após um período de incidência tributária de forma generalizada e bastante gravosa, um rei, chamado Urukagina, determinou a “liberdade”, por meio da extinção dos coletores do rei. O que parecia ser a solução de todos os proble- mas ensejou um fi nal amargo para o bondoso monarca e àqueles até então submetidos à tirania fi scal: a localidade, após alcançada a almejada “liberda- de”, foi totalmente destruída por invasores externos. Abaixo, reproduz-se a fi gura (extraída do livro de Charles Adams, p. 2, vide nota 21) contendo os símbolos que registraram e informam a existência da lei libertadora de Urikagina. DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 13 30 ADAMS. Op. Cit. p. 5. Destaca o autor que: “Egyptian civilizatian was highli- ghted by its enduring length. An advan- ced form of civilized life was in full bloom along the Nile before 3000 b.c., and it perpetuated itself until the fall of Rome”. 31 CICERO, Marcus Tullius. On Duties II. In: Cícero. On the Good life. Tradução Michael Grant . New York: Penguin Classics, 1971. p. 162. Disponível em: http://books.google.com.br. Pesquisa realizada em 01.01.2009. Esse exemplo refl ete um problema crucial, a necessidade de recursos para implementação de uma organização mínima e de proteção contra invasores – questão que, mesmo após a criação dos denominados Estados-Nações Ab- solutistas continuou a se fazer presente. Já na civilização egípcia, caracterizada por sua longevidade30, em contra- ponto à experiência libertária ocorrida em Lagash, era possível identifi car, após o descobrimento de escritos e desenhos dentro de pirâmides e tumbas milenares, a existência de períodos de forte “pressão” de fi scais dos faraós para garantir-lhes o recebimento da parcela de 20% (vinte por cento) a eles pertencentes. Constata-se por meio de fi guras e escritos milenares que nada era ocultado, nem mesmos os ovos sob as aves. Por sua vez, o grande jurista Marcus Tullius Cícero31 (106 – 43 a.C) difun- diu no Império Romano a ideia grega contra os chamados tributos diretos, nos seguintes termos, um ano antes de sua morte (44 a.C): When constant wars made the Roman treasury run short, our forefathers of- ten used to levy a property tax. Every eff ort must be made to prevent a repetition of this; and all possible precaution must be taken to ensure that such a step will never be needed … But if any government should fi nd itself under necessity of levying a tax on property, the utmost care has to be devoted to making it clear DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 14 32 CAMPOS, Diogo Leite de. A Jurisdici- zação dos Impostos: Garantias de Ter- ceira Geração. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Refl exão Multidisci- plinarsobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 87-88. 33 GALVÊAS, Ernani. Breve História dos Tributos. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Tributo. Refl exão Multidisci- plinar sobre a sua natureza. São Paulo: Editora Forense, 2007, p. 318. 34 ADAMS. Op. Cit. p. 164. Um dos ca- pítulos da Magna Carta trata da livre circulação de mercadorias, conforme se extrai do texto, in verbis: “Let all merchants have safety and security to go out of England, to come into England, and to remain in and go about through England, as well by land as by water, for the purpose of buying and selling, wi- thout payment of any evil or injust tolls, on payment of ancient and just customs”. Conforme aponta o autor tal normativa foi seguida pelos Estados Unidos e Ca- nadá: “the United States and Canadian constitutions adopted this principle of internal free trade. Commerce moving within the nation cannot be taxed. Fre- edom to travel in and out the country cannot be curtailed. The Russians fi nd diffi cult to understand why the West em- phasizes this basic human right. Magna Carta is the source.” 35 Cf. pontua Ana Alice De Carli, in: Bem de Família do Fiador e o Direito Hu- mano Fundamental à Moradia. Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2009: “Na seara da promoção e positivação dos di- reitos humanos, pode-se apontar como marco histórico, a Carta Magna inglesa, de 1215, a qual consagrou alguns direi- tos-garantias como o habeas corpus, o devido processo legal, a propriedade privada, e o princípio da legalidade. Não obstante, a questionável legitimi- dade da referida Constituição - pois, na verdade, consubstanciou apenas a concretização dos interesses da bur- guesia -, ela representa um capítulo da história do constitucionalismo inglês.”. Cumpre, realçar, que o princípio da le- galidade tributária antecede a própria noção de legalidade em sentido lato. to the entire population that this simply has to be done because no alternative exists short o complete national collapse. Cabe salientar, entretanto, que o Império Romano é um exemplo clássico de como a exigência de tributos com fundamento apenas na força, sem referência ao valor justiça, transforma o direito de propriedade em um sistema de servi- dões sobre o homem, conforme assevera o professor Diogo Leite Campos32: Eis, pois, o legado de Roma em matéria fi scal: o imposto como produto e instrumento da opressão, crescendo à medida que se desenvolve a máquina po- lítico-administrativa; assente na força pura, sem referência à justiça. O imposto ‘nasceu’ em Roma caracterizado pela odiositas, fundado sobre a sua essência de mal necessário, de limitação do Direito pela força do ‘princeps’, de instrumento de dominação, ‘de império’. Enquanto as relações civis retiravam a sua força da justiça que realizavam como instrumento de cooperação entre homens livres e iguais. O carácter do imposto como produto e instrumento de um sistema de dominação foi evidente desde a grave crise do que o Império Romano atravessou a partir do século III. No decurso do principado de Diocleciano a economia e a sociedade são organizadas em termos de acampamento militar. O imperador estabelece a coacção como único instrumento de estabilização. Impõe-se uma es- cala de preços máximos para uma imensa lista de bens e serviços, estabelecendo como única sanção, para infractores, a morte. Simultaneamente, os impostos, destinados a manter uma máquina administrativa e militar crescente, aumenta- ram rapidamente. Criou-se um conjunto de impostos para fi nanciar o aparelho administrativo e militar; um imposto geral sobre as vendas; um imposto sobre o rendimento; múltiplas prestações de serviços obrigatórias (transporte, fabri- co de pão etc.). As atividades profi ssionais foram organizadas em corporações, elementos e instrumentos do Estado, com carácter coactivo e hereditário. Na última fase da sua história, a romanidade transforma-se numa comunidade em que todos trabalham, mas ninguém para si próprio. A propriedade mantém-se, é certo, como o ‘fundamento inamovível das relações humanas’; mas a sua função deixou de ser ligada ‘naturalmente’ à satisfação das necessidades de seu titular, para satisfazer os interesses públicos. Dando um salto na cronologia da história, outro momento merece desta- que na abordagem que se estabelece neste curso é o século XIII d.C., o qual, para alguns autores33, representa o início da sistemática tributária que se con- sagra na atualidade, uma vez que foi a partir da promulgação da Carta Mag- na inglesa de 121534 que a legalidade ascendeu como princípio norteador das relações tributárias, impondo ao Rei João-sem-Terra o dever de observar limites para a criação de tributos. Na realidade, tal documento35 é decor- rência da indignação dos barões proprietários de terras que forçaram King DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 15 36 ADAMS. Op. Cit., p. 163. Esclarece o autor que: “John’s attempt to stretch the revenue devices of the realm had failed, but not entirely. Extra taxation could be collected with consent. In time the consent concept expanded. A rising class of wealthy commoners were cal- led to meet in a House of Commons, to approve taxation for commoners in the same way the Great Council, approved taxation for the nobility. The king now became a politician. When extra revenue was needed, he did not need to steal it or arbitrarily increase taxation, he would call together his two councils of taxpayer representatives and present a case for more taxation.” 37 GALVÊAS. Op. Cit., 318. 38 Idem. Ibidem. p. 318-319. 39 TORRES. Op. Cit. p. 3-4. John a assinar a Magna Carta, pois já não concordavam com os constantes desrespeitos do monarca aos costumes tributários da realeza impondo-lhes excessiva carga tributária. De fato, tributação adicional somente poderia ser exigida com consentimento36, cujo conceito foi se alterando e expandindo ao longo do tempo, haja vista que a anuência da classe comum então ascendente economicamente passou também a ser exigida. No mesmo período, isto é, ainda no século XIII, conforme ressalta Gal- vêas37, o rei Eduardo I foi compelido a ir além e aceitar a norma segundo a qual “nenhum tributo poderá ser lançado pelo rei, sem o consentimento dos arcebis- pos, bispos, condes, barões, cavaleiros, burgueses e todos os homens livres...”. Alguns séculos depois, já no ano de 1628, a Inglaterra edita o Bill of Ri- ghts, o qual proclama que “a partir desta data, nenhum cidadão será obrigado a conceder qualquer dádiva ou empréstimo ao soberano, ou a pagar qualquer tributo, sem a aprovação do Parlamento”; ou seja, concretizou-se o princípio da legalidade consubstanciado no imperativo categórico no taxation without representation (aliás, tal expressão foi largamente difundida pelos americanos no período da revolução americana). Conforme preleciona Galvêas38 a re- ferida norma-princípio é a base em que se fundam os orçamentos públicos dos países modernos. Destaque-se, no entanto, nos termos apontados pelo professor Ricardo Lobo Torres39 que: É inútil procurar antes das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII a fi gura do orçamento. No mundo patrimonial já surgia a autorização dos esta- mentos e das cortes para a cobrança de impostos. Na Inglaterra a partir de 1215 e em Portugal, mas remotamente, tornava-se necessário o consentimento para que o Rei pudesse lançar tributos, que tinha o caráter extraordinário e só se justi- fi cavam quando insufi cientes os ingressos dominiais. Mas esses impostos, a rigor, não se confundem com os que permanentemente passam a ser cobrados a par- tir da instauração da estrutura liberal de Governo, posto que eram apropriados privadamente, sem a nota da publicidade que marca os tributos permanentes. Era difícil distinguir a Fazenda do Rei ea do Estado, as despesas do Rei e do Reino, as rendas da Coroa e do Reino. Assim sendo, não havia necessidade nem de autorização para a cobrança dos ingressos dominiais nem para a realização da despesa, pelo que descabe cogitar de orçamento no Estado Patrimonial. (grifo nosso) Portanto, o período denominado de Patrimonialismo é caracterizado pelo Estado protetor contra as guerras e invasões externas, sendo as fi nanças fun- damentadas em rendas patrimoniais e dominiais dos príncipes bem como da exploração das colônias. A receita extrapatrimonial de tributos nesse pe- ríodo é secundária e excepcional, não havendo a necessidade de autorização parlamentar para a sua efetivação, tampouco para a realização das despesas, DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 16 40 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elemen- tos de Teoria Geral do Estado. 16. ed. atual. ampl. São Paulo: Editora Saraiva, 1991. p. 233. 41 Ver GALVÊAS. Op. Cit., 318-320. motivo pelo qual não existia orçamento sequer em sua concepção tradicional, confundindo-se e entrelaçando-se as fi nanças do Rei e a do Estado. O século XVIII, por sua vez, foi marcado pela independência americana e pela revolução francesa, a qual proclama a proteção de alguns direitos hu- manos fundamentais – em especial a propriedade e a liberdade –, uma vez que o Estado era visto como “inimigo da liberdade individual, e qualquer restrição ao individual em favor do coletivo era tida como ilegítima”, prele- ciona Dallari.40 A Declaração de Independência dos Estados Unidos da America, de 4 de julho de 1776, proclama entre as razões da insatisfação com o King of Great Britain: “For imposing taxes on us without our consent”. A Constituição dos Estados Unidos, por sua vez, ratifi cada em julho de 1787, estabelece em seu artigo 1º, seção 8, que: Th e Congress shall have the Power 1. to lay and collect taxes, duties, im- posts and excises, to pay the debts and provide common defense and general welfare of the United States; but all duties, imposts and excises shall be uniform throughout the United States. (grifo nosso) Na mesma linha, a Constituição francesa de 03.09.1791 foi categórica na contenção da prerrogativa impositiva, tendo em vista a necessidade de reno- vação anual da autorização parlamentar para tributar: Titre V, art. 1 er: Les contributions publiques seront délibérées et fi xées chaque année par le Corps Legislatif, et ne pourront subsister au dela du dernier jour de La session suivante, si elles n’ont pás été expressément renouvelée. Se com o constitucionalismo nasce a idéia de orçamento incorporando as garantias normativas da liberdade, por outro lado a marca do período era a intervenção mínima do Estado na seara privada, apontando a liberdade con- tratual como um direito natural das pessoas. Com efeito, o pensador Adam Smith sustentava que as relações econômicas deveriam ser regidas pelo prin- cípio da liberdade de negociar, sem a participação do Estado. Era a denomi- nada fase do Estado Liberal – caracterizado como Estado Mínimo ou Estado de Polícia –, cuja premissa sob o aspecto econômico era por alguns denomi- nada como a primazia da mão invisível do mercado para reger a economia. A Revolução Industrial também merece realce, porquanto trouxe mudan- ças de diversas ordens, inclusive no campo da tributação, possibilitando a imposição de tributos sobre a produção industrial, sobre o consumo, bem como sobre o lucro e a renda auferida dos titulares de propriedade, acen- tua Galvêas41. DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 17 42 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 2002.Forense. Rio de Janeiro, 2002. p. 361. “Fiscal. Derivado do latim, de fi scus, é vocá- bulo que nos vem do Direito Romano com a signifi cação de relativo ao fi sco ou ligado ao fi sco, em que continua a ser tido, tomado adjetivamente. Como substantivo, designa a pessoa a quem se comete a função ou atribuição de vigiar ou zelar o cumprimento ou a exe- cução de certas leis, preceitos ou regu- lamentos de ordem fi scal ou tributária, ou empenhar-se pelo cumprimento de regras jurídicas e disciplinares em cer- tos estabelecimentos públicos ou par- ticulares, e para manter a regularidade na exação de certos atos de negócios, que devem ser executados ou pratica- dos por outrem”. 43 ROSA JR. Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tribu- tário. 15. ed. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2001, p. 4-5. A visão clássica e mais difundida desse contexto, que perdura desde a fase fi nal do século XVIII, todo o século XIX até o início do século XX, é no sen- tido de que a atividade fi nanceira do Estado Liberal era neutra, geralmente classifi cada como fi nanças neutras ou fi scais42, pois tinha apenas a função de arrecadar para fazer face às despesas decorrentes das prestações por ele exerci- das, de caráter essencial, como as relacionadas à justiça, política, diplomacia, defesa contra agressão externa e segurança da ordem interna. Os tributos, conforme assevera Luiz Emygdio F. da Rosa Jr43, também eram caracterizados pelo fi m exclusivamente fi scal, posto que a exigência dos mesmos objetivaria tão-somente a obtenção de recursos para fi nanciar a atividade fi nanceira. Assim sendo, a atividade fi nanceira exercida pelo Estado somente visava à obtenção de numerário para fazer face às citadas despesas públicas, isto é, as fi - nanças públicas tinham fi nalidades exclusivamente fi scais. Gaston Jéze resumiu de maneira lapidar o alcance da atividade fi nanceira desenvolvida pelo Estado no período clássico, ao enunciar: ‘Il y a dês dépenses publiques; Il faut lês couvrir’. Assim, as despesas tinham um tratamento preferencial sobre as receitas, uma vez que essas visavam apenas a possibilitar a satisfação dos gastos públicos. Nesse pe- ríodo, portanto, o tributo tinha fi m exclusivamente fi scal porque visava apenas a carrear recursos para os cofres do Estado. Percebe-se que a expressão fi scalidade é utilizada em dois âmbitos e con- textos distintos, isto é, tanto no que se refere ao papel das fi nanças públicas ao longo da história como também em relação às possíveis funções do tribu- to, que é atualmente, na maioria dos países, a principal fonte de receita pú- blica. Sob o ponto de vista histórico das fi nanças públicas em geral, referida doutrina traz vantagens para a compreensão da evolução do papel da ativi- dade fi nanceira do Estado sobre as ordens econômica e social ao longo dos diferentes períodos, enfatizando características que seriam distintas em cada época. É possível vislumbrar alguns pontos positivos na aludida segmentação sob o ponto de vista didático, haja vista marcar de forma clara e precisa, em períodos cronologicamente distintos (1) a fi scalidade – fi nanças neutras e tributos somente com fi nalidade arrecadatória – de um lado; e a (2) extrafi s- calidade e a parafi scalidade – fi nanças ativas e os tributos com fi nalidade não apenas arrecadatória, a partir da segunda década do século XX-. No entanto, apesar dessa vantagem pontual, conforme será examinado abaixo, o estudo de determinados fatos isolados da história nos permite afi rmar que a disso- ciação temporal entre a fi scalidade de um lado e a extrafi scalidade de outro apenas facilita a compreensão da ênfase da intenção com que os tributos foram utilizados em cada período da história, na medida em que os mesmos também foram exigidos com outros objetivos que não meramente arrecada- tórios em diversos momentos antecedentes ao denominado Estado de Bem- DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 18 44 ADAMS. Op. Cit., (1) p. 133-134 e (2) p.333. estar Social intervencionista, ou seja, de forma não neutra ou com fi ns outros que não meramente “fi scais”, ainda que não qualifi cada a política tributária com a denominaçãoreferida (“extrafi scalidade” ou “parafi scalidade”). Nesse sentido apresenta Adams44 diversos exemplos históricos, dentre os quais duas passagens emblemáticas, e que se referem, respectivamente: (1) à utilização de tributos para infl uenciar a religião, como no caso do islamismo na Idade Média e, também, (2) das tarifas aduaneiras e o confl ito Norte e Sul que mar- ca a confederação americana no período que antecedeu a guerra civil: (1) Th e humanity in the tax policy of the Moslems was of utmost impor- tance. Th e Arabs brought peace and gentleness to an overtaxed world. Th ey liberated the old Roman world from decadent, oppressive, and corrupt taxation. Nothing illustrates better than the tax refunds they made to Christians and Jews in Palestine in A.D. 636. At that time the Moslems had conquered most of the lands of Judea, but their forces were overextended, and large body of Roman troops was on the march from Antioch. At a war council the Moslems decided to evacuate most of the conquered territories. After this decision made the Mos- lem leader called in the chief tax collector and gave him these instructions: ‘ You should therefore refund the entire amount of money realized from them that our relations with them remains unchanged but that as we are not in a position to hold ourselves responsible for their safety, the pool tax, which is nothing but the price of protection, is reimbursed to them’. Accordingly, the entire sum collected from the Christian and Jewish communities was refunded to them. Th is aff ected the Christians to such a degree that tears trickled down their faces and, one and all, they passionately exclaimed: ‘May God bring you back to us.’ Th e eff ect on the Jews was still more marked. Th ey cried out with vehemence: ‘By the law ant the prophets, the Roman emperor shall not take this city as long as the spark of life scintillates in our bodies’. It’s too bad the Jews and Moslems today don’t feel that way. Th e Moslems used taxation to bring converts into the faith. Th e spread of Islam has been attributed to the sword and many historians harp on the Moslem cry of ‘Death to the infi del. Th e Koran (9:29) certainly justifi es that course of action. In practice, the Moslems acted to the contrary. Slaughter was not the normal modus operandi of even the most fanatical Moslems. Vanqui- shed people were given three choices: death, taxes, or conversion to the faith. With these options it was not necessary for conquered people to lose their heads or their religion. (…) (2) Th e tariff of 1828 was called ‘the tariff of abomination,’ a biblical term meaning the greatest evil. Prior to that time the tariff was needed to repay the national debt from the wars of 1812 and the revolution itself. By 1832 the na- tional debt was paid and there was no justifi cation for the import taxes at high rates, except to promote a monopoly in the hands of Northern industrialists to raise prices for Southern consumers. Th e South exported about three-quarters of its goods and in turn used the money to buy European goods which carried DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 19 45 BALEEIRO. Op. Cit., p. 30-31. the high import tax. Th is means that the South paid about three-quarters of all federal taxes, most of which were spent in the North. If they didn’t buy foreign goods and pay high taxes the alternative was to buy Northern manufactured products at excessively high prices. Either way Southern money ended up in the North. Th e injustice of this arrangement dominated Southern hostilities toward the North. Said one historian: ‘Indignation against the tariff as an unfair tax injurious to their economy was general throughout the South’ A southerner, a year after the Civil War ended expressed that indignation in a book appropria- tely clalled Th e lost Cause: ‘ In every measure that ingenuity of avarice devise the North exactes from the South a tribute, which could only pay at the expense and the character of an inferiour [sic] in the Union’. Nessa toada, analisando as fi nanças funcionais e a utilização dos impos- tos alfandegários com fi ns extrafi scais em períodos remotos Aliomar Baleei- ro45 pontua: Os progressos das ciências econômicas, sobretudo depois do impulso que lhes imprimiu a teoria geral de Keynes, refl etiram-se na Política Fiscal e esta, por sua vez, revolucionou a concepção da atividade fi nanceira, segundo os preceitos dos fi nancistas clássicos. Ao invés das ‘fi nanças neutras’ da tradição, com seu código de omissão e parcimônia tão ao gosto das opiniões individualistas, entendem hoje alguns que maiores benefícios a coletividade colhera de ‘fi nanças funcionais’, isto é, a ativi- dade fi nanceira orientada no sentido de infl uir sobre a conjuntura econômica. Destarte, o setor público – ‘a economia pública’ não se encolhe numa vi- zinhança pacífi ca e tímida junto às lindes da economia privada. A benefício desta é que deve invadi-la, para modifi cá-la, como elemento compensador nos desequilíbrios cíclicos. Em verdade, a despeito das novidades terminológicas, a ‘Política Fiscal’ é apenas nova aplicação dos instrumentos fi nanceiros para fi ns ‘extrafi scais’. A Política Fiscal, no campo econômico, era bem conhecida dos clássicos para o protecionismo por meio de impostos alfandegários. Alguns advogam para fi ns “sócio-políticos”, como preferia dizer Seligman referindo-se às tendên- cias de reforma social pelo tributo, defendidas por Wagner. Hoje a política anticíclica de modifi cação da conjuntura e da estrutura atrai as atenções em fi nanças extrafi scais. Ademais, sob o ponto de vista econômico, nos termos em que será anali- sado na Aula 14 sobre a extrafi scalidade, os tributos, em regra, ainda que seja possível instituí-los com a intenção exclusiva de obtenção de recursos para os cofres públicos, afetam os preços relativos dos bens e serviços, modifi cam a alocação dos recursos pelos agentes econômicos, alteram as decisões quanto DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 20 46 ROSA JR. Op. Cit., p. 5-6. à melhor estrutura de fi nanciamento corporativo, distorce a taxa de retorno de determinada atividade econômica em detrimento de outra, independen- temente da intenção do exator. Ou seja, a simples existência dos tributos impacta o comportamento das pessoas, das famílias, das empresas e da socie- dade como um todo, motivo pelo qual é ínsito à tributação redefi nir a alo- cação dos recursos socialmente disponíveis, o que afeta a demanda e a oferta no mercado de fatores de produção e de bens e serviços, razão pela qual, economicamente, a extrafi scalidade (compreendida como outros efeitos além da própria arrecadação) é inerente e indissociável da denominada fi scalidade. Conforme já se pode extrair pelo que acima foi dito, sob o ponto de vista do desenvolvimento histórico das fi nanças, a etapa subsequente é classica- mente denominada de “fase de intervencionismo estatal” ou do “tributo com fi m extrafi scal”, e corresponde ao resultado da crise do Estado Fiscal do início do século XX, em função do descompasso entre a liberdade econômica e a realidade social. As desigualdades eram acentuadas, o que criou um grande hiato entre o discurso de desenvolvimento econômico sem a participação do Estado e o mundo da vida enfrentado por grande parte da massa humana, que se via forçada a trabalhar por baixos salários e com péssimas condições de vida. Como conseqüência de tal situação, já no século XIX, seguido pelo século XX, movimentos sociais surgiram para combater o sistema liberal clás- sico vigente; marcado pelo individualismo exacerbado, momento em que prevaleciam de forma absoluta os valores segurança jurídica, liberdade e igualdade formal. Nesse contexto, exsurgiu o denominado Estado de Bem-estar Social, que traz a lume novosvalores deixados de lado até então no contexto do Estado Liberal Mínimo (ou de polícia), caracterizado como mero espectador ou or- denador distante dos fatos sociais. O Estado Social passa a ser ator decisivo da conduta privada, com fundamento na visão de que a intervenção estatal era conditio sine qua non para o alcance da justiça social e da igualdade ma- terial. Em conexão com esse movimento, os dispositivos orçamentários das Constituições de diversos países foram alterados para abranger a intervenção do Estado na ordem econômica e social. Assevera Luiz Emygdio46 que o Estado passou a intervir na iniciativa pri- vada especialmente pelas seguintes razões: a) grandes oscilações porque passavam as economias (...); b) crises provo- cadas pelo desemprego que ocorria em larga escala nas etapas de depressão, ge- rando grandes tensões sociais; c) efeitos cada vez mais intensos das descobertas científi cas e de suas aplicações; e d) dos efeitos originados da Revolução Indus- trial com o surgimento de empresas fabris de grande porte, com o consequente agravamento das condições materiais dos trabalhadores. DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 21 47 TORRES. Op. Cit. p. 3-6. Nesse cenário, aponta o autor o Estado Liberal clássi- co, na sua versão minimalista, como marco para o surgimento da cultura orçamentária, destacando as mudan- ças ocorridas ao longo de seu percurso histórico. Vale dizer que Estado Fiscal no período clássico, também denominado de Estado Guarda-Noturno, se restrin- gia basicamente às atividades de poder de polícia, à atividade jurisdicional e à realização de alguns serviços públicos, não exigindo, portanto, grande estru- tura tributária. Para intervir na economia o Estado precisou criar novos instrumentos, dentre eles surgiu, formalmente, a fi gura do tributo com natureza extrafi scal, isto é, o tributo deixava de ser reconhecido por seu caráter eminentemente arrecadatório para os cofres do Tesouro, para assumir, concomitantemente, a feição de mecanismo coercitivo, utilizado pelo Poder Público com o fi m de atingir outros objetivos e metas de natureza econômica e social. Nesse sen- tido, merece trazer como exemplos de medidas impositivas de exação com fulcro extrafi scal, as seguintes situações, que variaram ao longo da história: 1) aumento da alíquota do imposto sobre importação dos bens estrangeiros com vistas a fomentar a indústria nacional e garantir as reservas de moedas estrangeiras (instrumento auxiliar da política industrial e cambial); 2) redu- ção das tarifas aduaneiras com o objetivo de reduzir os preços dos produtos e as pressões infl acionárias em âmbito local (instrumento auxiliar da políti- ca monetária); 3) adoção de imposto sobre o patrimônio territorial urbano com vistas à desestimular a especulação imobiliária, a má ou não utilização do imóvel urbano – vide IPTU progressivo, nos termos do art. 182, §4º, da CR-88 (instrumento auxiliar da política urbanística e de ocupação do solo); 4) a utilização do imposto sobre o câmbio, crédito e seguro para auxiliara a política cambial e monetária, etc. O Estado Intervencionista (Social) ganhou força, especialmente por conta dos prejuízos causados pela II Guerra Mundial, período em que havia neces- sidade premente de se otimizar os recursos para fazer face as demandas coleti- vas. No entanto, as exigências sociais impuseram a necessidade de aumentos contínuos da carga tributária e da criação de outras fontes de receitas para dar cabo às políticas públicas, cada vez mais intervencionistas, implicando des- pesas crescentes, em especial pela demanda da Segurança Social/Seguridade Social, abrangendo a Saúde, a Assistência e a Previdência Social. De fato, sob infl uência do keynesianismo, o Estado de Bem-estar Social elevou sobrema- neira o papel dos tributos, o que redundou no paulatino esgarçamento do modelo do Welfare State, nos termos então estruturados. As constantes crises do petróleo, no fi nal dos anos 70, tornaram inviáveis as estruturas do Estado Social, o qual carregava pesado fardo da dívida pública e de orçamentos dese- quilibrados e defi citários. As críticas vinham de todos os setores; em especial do pensamento liberal extremado, que denunciava o aniquilamento da liber- dade por meio da exacerbada intervenção estatal na economia e do crescente peso dos tributos sobre os cidadãos. Com a crise do Estado do Bem-estar Social, confome ensina o professor Ricardo Lobo Torres47: (...) modifi ca-se novamente o perfi l da Constituição Orçamentária. As que já estavam formalmente redigidas, como a da Alemanha, alteram-se substancial- mente em sua interpretação. Nos Estados Unidos inicia-se a discussão sobre a DIREITO TRIBUTÁRIO E FINANÇAS PÚBLICAS I FGV DIREITO RIO 22 48 COSTA, Leonardo de Andrade. Se- minário Brasil Século XXI, em 24 de outubro de 2001, Brasília. O Direito na Era da Globalização. Realização do Con- selho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, p. 117. “Preliminarmente, é importante enfatizar que a matéria tri- butária sempre foi e sempre será con- troversa pois traz dentro de si aspectos jurídicos, econômicos, administrativos, e, principalmente, de relações de poder. Portanto, sua análise deve ser, necessa- riamente, multidisciplinar, e o produto fi nal será sempre a expressão do sopeso entre as diversas variáveis envolvidas, além, é claro, da visão de mundo do pesquisador. Seu estudo, em face do processo de integração de mercados, deve ser desenvolvido em duas dimen- sões: (1) a primeira no que se refere às diferentes formas em que se manifes- ta a integração internacional. Nesse ponto, é importante salientar que o processo de integração não tem sido, historicamente, uniforme, contínuo e linear. Daí decorre o primeiro fator de complexidade para compreensão da questão. Em suma, as diferentes formas em que se manifesta o processo inte- grativo determinam discussões tribu- tárias de natureza distintas e, sem dú- vida, os problemas tributários em face da criação de um Estado supranacional têm grau de complexidade infi nita- mente superior ao do estabelecimento de uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio. (2) uma segun- da dimensão do problema diz respeito às questões tributárias propriamente ditas. Inquestionável, que o estudo dos aspectos tributários em uma economia globalizada deve incluir a análise das tarifas aduaneiras, dos impostos sobre o consumo e, por fi m, a apreciação dos impostos diretos.” 49 BALEEIRO. Op. Cit., p.126. Emenda tendente criar regra obrigatória de equilíbrio orçamentário. (...). O grande problema atual da Constituição Orçamentária consiste em que deve ela ser rica e explícita em princípios jurídicos, de modo a permitir a elaboração da lei anual do orçamento segundo a ideologia do equilíbrio orçamentário e as idéias de economicidade e transparência das despesas, Insista-se em que o aspecto do gasto público é que se torna dramático nas fi nanças públicas contemporâneas. Apesar das acentuadas mudanças ocorridas no sentido da liberalização, privatização e foco do Estado na regulação da economia, reduzindo a face estatal provedora, o denominado neoliberalismo não superou (e nem pode- ria!) de forma absoluta o Estado Social. De fato, o processo histórico, assim como o processo de integração de mercados48, nunca é uniforme, contínuo e linear, sendo certo que, a cada etapa, novas características são incorporadas e diversas facetas do que existia no passado continuam a se fazer presente. Daí a complexidade da realidade atual! Nessa toada, por fi m, importante realçar que o perfi l e as características da receita pública foram delineadas de diversas formas ao longo da história, destacando-se entre elas, conforme ensina Aliomar Baleerio49: “as extorsões sobre povos vencidos; doações (voluntárias) recebidas;
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