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Aula 2 MPL Reflexões sobre o Bilhete Mensal — CartaCapital

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09/06/2016 MPL: Reflexões sobre o Bilhete Mensal — CartaCapital
http://www.cartacapital.com.br/sociedade/reflexoes­sobre­o­bilhete­mensal­5091.html 1/7
Sociedade
MPL: Reflexões sobre o Bilhete Mensal
Não é porque é uma tarifa mensal que o novo Bilhete Único deixa de lado
a lógica excludente de qualquer tarifa: só vai continuar usando o
transporte quem pode pagar por ele.
por Movimento Passe Livre ­ São Paulo — publicado 26/11/2013 05h33
Prefeitura de São Paulo
Para o pobre dificuldade é a real 
A liberdade dos carros correndo na radial 
Quem não pode faz um investimento
mensal 
Uma cota considerável quando soma o total
Rincon Sapiência, “Transporte Público”
O transporte público em São Paulo sempre
se organizou ao redor da jornada de
trabalho: o sistema funciona basicamente
para levar e trazer as pessoas do emprego.
As linhas de ônibus existem em função desse movimento periferia­centro, centro­periferia,
no início da manhã e no fim da tarde – quando todos os ônibus saem das garagens. O único
momento e o único itinerário de circulação pela cidade é, na maioria das vezes, o
deslocamento para o trabalho. O Vale Transporte consolida essa lógica: só garante ao
trabalhador a condução para o serviço. Levar os filhos ao hospital, visitar a mãe em outro
canto da cidade, aproveitar os parques, os cinemas, os teatros, fazer compras, tudo isso
está fora daquela garantia.
Uma cidade só existe para quem pode se movimentar por ela – não é à toa que foram os
problemas do transporte coletivo que motivaram a revolta popular que varreu o país em
junho. A proposta do Bilhete Único Mensal surge para enfrentar a limitação do
deslocamento à jornada de trabalho. Ele pretende dar ao trabalhador a oportunidade de
Bilhete único mensal vai começar a valer
neste sábado 30
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usufruir da cidade muito além do momento restrito e do itinerário limitado do transporte
casa­trabalho. O mesmo gasto mensal possibilita ao usuário circular livremente pelo
sistema de ônibus, deixando de estar amarrado à cota do Vale Transporte ou ao que restou
do salário no final do mês.
O valor do Bilhete Mensal equivalerá, segundo a Prefeitura, a cerca de 47 viagens na tarifa
unitária (ou 50, no caso do bilhete mensal integrado com metrô e trem). Hoje, são 140 reais.
Contudo, o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, já afirmou que esse preço aumentará
proporcionalmente com a tarifa unitária. Não é porque é uma tarifa mensal que o novo
Bilhete Único deixa de lado a lógica excludente de qualquer tarifa: só vai continuar usando o
transporte quem pode pagar por ele.
O preço do Bilhete Mensal só para ônibus corresponde a pouco menos do que gasta hoje
um trabalhador que tem uma jornada semanal de seis dias, já o bilhete integrado ultrapassa
os gastos com essa mesma jornada de trabalho. O usuário que faz menos de 47 viagens
(ou 50, no caso de integração com trilhos) no mês, ao aderir ao sistema, terá um custo que
não tinha anteriormente, e que pode ser difícil de pagar. Dessa forma, o Bilhete Mensal
torna­se mais um bônus para aqueles que já utilizam muito o transporte público, do que
uma política de inclusão daqueles já excluídos diariamente do transporte. Vale lembrar que
55% dos usuários não recebem Vale Transporte. Como fica a situação deles, dos
trabalhadores informais, dos autônomos, dos desempregados, daqueles que, além de não
receberem o benefício, não têm qualquer garantia de renda fixa? A ampliação do
deslocamento para além da jornada de trabalho (que o programa pretende realizar) se
mostra, assim, restrita somente aos trabalhadores formais, a uma certa faixa de renda. A
própria prefeitura admite em sua estimativa que apenas 17% dos usuários do sistema de
transporte coletivo de São Paulo podem usufruir do benefício – 860 mil pessoas das cerca
de 5 milhões que rodam as catracas todos os dias.
O Bilhete Semanal poderia atender às necessidades de quem não pode pagar de uma vez
o valor mensal. Mas o que garante que quem não pode desembolsar 140 reais por mês
disporá de um quarto desse valor semanalmente?
Se a finalidade do Bilhete Mensal fosse vender uma livre circulação dos usuários pela
cidade por um preço realmente mais acessível, um bilhete diário, que os usuários
comprassem somente em dias mais vantajosos, poderia atender às necessidades de um
maior número de pessoas. Até agora essa possibilidade não foi sequer mencionada. Muitas
das cidades que adotam bilhetes com viagens ilimitadas, como Nova Iorque, cujo modelo
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inspirou o projeto paulistano, além de cobrarem um preço desproporcional pela opção
semanal, também não dispõem de uma modalidade diária.
Não estaria aí um aspecto fundamental do sistema que faz diminuir o número de usuários
beneficiados, restringindo sua utilização?
Ademais, nas principais cidades que adotam esse tipo de tarifa, um único e mesmo preço
dá acesso a toda a rede de transportes metropolitanos, não só aos ônibus. A integração do
Bilhete Mensal com o sistema de transporte sobre trilhos, estadual, terá o preço exorbitante
de 230 reais. Segundo o ex­secretário de Transportes Carlos Zarattini, entretanto, “o metrô
e a CPTM, que são empresas estatais, não têm custo adicional para transportar esses
passageiros. Nos horários de pico, já funcionam com carga máxima. Nos demais horários
têm capacidade ociosa. Então para o metrô e a CPTM o custo é absolutamente zero”. A
diferença do preço funcionaria simplesmente para conter um aumento de usuários num
sistema já superlotado? Para excluir, assim, da integração ilimitada uma parcela da
população que não pode arcar com 230 reais mensais?
Para custear o Bilhete Mensal, a prefeitura calcula que serão necessários 400 milhões de
reais, o que representa mais de 30% do atual subsídio municipal destinado às empresas de
ônibus. Ela avalia, entretanto, que o programa não vai gerar impacto na quantidade de
usuários nos horários de pico: “nossa percepção é de que o fluxo de novos passageiros
deve ocorrer no horário que o sistema está ocioso, como no almoço, à noite e nos fins de
semana”, afirmou Haddad no início do ano. Então onde está, novamente, o gasto extra das
empresas que justifica os R$400 milhões? Haverá aumento da frota, da oferta, das linhas?
Ou se trata apenas de aumentar o lucro das empresas?
Talvez esse gasto se justifique, como pode alegar a prefeitura devido à remuneração dos
empresários, que são pagos por passageiro, a cada vez que gira a catraca. Mas com a
renovação das concessões, que venceram em junho, não poderia ser negociada uma nova
forma de financiamento do sistema, já que o gasto das empresas diz respeito ao número de
ônibus e à quilometragem rodada, e não à quantidade de passageiros?
Podemos pensar o que significa a opção por direcionar esse montante para subsidiar uma
tarifa mensal e não para o subsídio da tarifa comum. Por que gastar R$400 milhões para
subsidiar a tarifa daqueles que podem pagar R$140 ou R$230 em um mês, isto é, apenas
17% dos usuários, ao invés de subsidiar a tarifa de todos? E frente a isso, não seria
falacioso o atual discurso da Prefeitura, que tem se negado a atender  diversas
reivindicações sociais sob a justificativa de ter gasto o que  tinha e o que não tinha com o
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congelamento da tarifa?
A  redução da tarifa de ônibus comum ­ para todos ­ em junho custou aos cofres públicos
menos de R$250 milhões de reais, um custo inferior ao da implementação do Bilhete
Mensal. Ainda assim, ao  invés de admitir o papel das manifestações nas recentesmudanças da politica de transportes da cidade, o prefeito insiste em utilizar o ônus que o
congelamento gerou ao orçamento para desmobilizar outras lutas. Até mesmo o aumento
do IPTU ­ que até 2017 vai trazer aos cofres da prefeitura mais de R$ 4 bilhões ­ vem sendo
justificado em função da redução, e não como um projeto político para a cidade. Por que
jogar nas costas da conquista popular apenas os ônus com os quais tem arcado a
prefeitura?
Dessa perspectiva, é fundamental compreender a política do Bilhete Mensal como a de um
investimento desigual dos recursos públicos que privilegia aqueles que possuem maior
renda e, portanto, já têm maior acesso ao transporte público. Qual é o recorte que a
Prefeitura faz com esta política?
Segundo o secretário de transportes Jilmar Tatto, a proposta está voltada para o “morador
típico” da cidade]. Mas quem é esse “morador típico” para a prefeitura? Nos termos do
prefeito, “o objetivo do programa é uma mudança de cultura. Temos que perder esta ideia
de que ônibus é coisa de pobre. É um novo conceito de civilidade”.
Para aqueles que estão fora deste recorte, para os “atípicos”, que penam para pagar a
condução para o trabalho, outra redução da tarifa unitária seria bastante significativa. Por
que não é esta a opção da prefeitura? A quem – e às custas de quem – querem “dar”, como
afirma Zarattini, “a oportunidade de andar pela cidade, e usufruir um sem número de
atividades de lazer gratuitas nos finais de semana, como shows, passeios [...]”? Querem dar
essa “oportunidade” a quem tem dinheiro, às custas de quem não tem.
O acesso à cidade surge no discurso que sustenta a proposta como “oportunidade” e não
como direito. Não é como direito universal conquistado, mas como benefício concedido que
aparece a livre circulação pela cidade. Não há aí uma apropriação invertida do debate
acumulado na sociedade sobre mobilidade e direito à cidade? Será que esse discurso do
“benefício concedido” não é a nova roupagem da velha forma de tratar o transporte como
mercadoria à venda? Quem puder pagar ganhará a oportunidade de experimentar a
mobilidade como se fosse direito. Talvez essa seja exatamente uma resposta política à
relevância alcançada pelo tema nos últimos anos que utiliza um discurso levantado por
diversas mobilizações por transporte público como simples disfarce para a manutenção da
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mesma lógica excludente.
Junto ao Bilhete Mensal a prefeitura está implementando um pacote de medidas de
“racionalização”, que incluem, entre outras, a criação de 11 novos terminais, com
seccionamentos e a extinção de um terço das linhas de ônibus da cidade. Segundo o
governo municipal, estas medidas aumentarão a velocidade média dos veículos, conferindo
maior eficiência ao sistema. – Maior eficiência, porém, para quê e para quem?
Historicamente, a racionalidade que orienta a “racionalização” do transporte é a da
mercadoria: esse tipo de obra maximiza o lucro das empresas e piora o dia­a­dia da
população. A construção do terminal Campo Limpo, por exemplo, gerou protestos na região
depois que os passageiros que dependiam somente de uma condução em seu
deslocamento cotidiano foram obrigados a tomar, no corredor, linhas que unificam o trajeto
até o terminal, onde é preciso enfrentar novas filas para embarcar mais um vez em ônibus
lotados até os bairros. O mesmo aconteceu no Grajaú, no Jardim Ângela, e mais
recentemente em São Mateus, regiões onde a população continua em luta contra o corte de
linhas.
Ao transferir o tempo gasto pelos usuários dentro dos ônibus para fora, para os terminais, o
aumento da velocidade dos corredores almejado pela prefeitura transfere os custos das
empresas para a população, cujo tempo total perdido na viagem por vezes aumenta. O que
se reduz, portanto, são as despesas das concessionárias e cooperativas, cuja remuneração
– feita por passageiro – cresce com itinerários mais curtos, unificados e mais lotados, que
obrigam o mesmo usuário a trocar de veículo e girar a catraca duas vezes. A política de
construção de terminais se revela assim, uma política de transferência dos custos da
ineficiência do sistema de transporte da cidade para os usuários. Quando o acesso à cidade
é um benefício e não uma conquista, ele é concedido seguindo a lógica de quem concede,
numa direção inteiramente diferente do direito ao transporte construído a partir das
necessidades dos usuários.
Por que esse acesso amplo e irrestrito à cidade, prometido pelas “novas” políticas de
transporte da prefeitura, não passa pela gestão direta do sistema pela população? Quem
melhor do que os próprios usuários e trabalhadores para organizar um transporte público de
verdade, voltado para suas necessidades? Se a gestão não admite a participação das
pessoas como sujeitos, é porque as toma como objetos, como coisas, simples meios de
realização de interesses que lhes são alheios.
Com cartões pessoais e intransferíveis emitidos a partir de um detalhado cadastro online, a
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prefeitura pretende monitorar os hábitos dos passageiros (o que inicialmente incluía até
mesmo um sistema biométrico de validação nas catracas). Esses dados permitirão
organizar melhor o sistema de transportes em função das necessidades da população? Ou
não seria o contrário, uma forma de utilizar as necessidades da população em função de
uma lógica exterior a elas? Ao transformar os passageiros em um grande e detalhado
banco de dados, a gestão do sistema amplia sua capacidade de se servir deles em função
do aumento de uma eficiência que não está voltada para eles – de se servir deles como
instrumentos para reforçar a própria lógica de instrumentalização.
O reordenamento “racional” da malha de ônibus também aponta, de uma forma diferente,
para o aperfeiçoamento do controle da movimentação dos passageiros a serviço de certos
interesses. Ao promover a simplificação do desenho das linhas estruturais, por exemplo, a
“racionalização” consegue comprimir, acelerar e direcionar, de maneira planejada, a
mobilidade da população em função da lógica privada que domina o sistema de transporte
“público”. Eis aí uma bela maneira de maximizar o lucro das empresas de ônibus e, como já
se descobriu há muito tempo em São Paulo, também uma forma importante de valorização
em outros setores, como o imobiliário. Não podemos perder de vista a inclusão da
reestruturação de linhas, da construção de terminais e corredores, além de investimentos
no metrô, nas operações urbanas e parcerias público­privadas que marcam o projeto
urbanístico da atual prefeitura, e que articulam, a nível municipal, a valorização de um
conjunto de regiões visadas pelo capital imobiliário. A área abrangida corresponde,
basicamente, ao chamado “centro expandido”. Será que o recorte geográfico traçado pelos
investimentos não se aproxima daquele recorte de renda que se insinuava no Bilhete
Mensal? Qual o modelo de cidade – recortada – que se evidencia aí?
Compressão, aceleração e direcionamento, planejados, funcionariam então como
mecanismo de agregação de valor a regiões agora abastecidas por uma circulação mais
eficiente de trabalhadores e consumidores. A “oportunidade” de circulação, concedida pela
Prefeitura, parece recortar um segmento da população, os trabalhadores formais – a
famigerada “nova classe média”? – e uma parte determinada do espaço, que interessa ao
bolso de empreiteiras e incorporadoras.
Estariam alguns elementos dispersos entrando em constelação? Elementos como a
desoneração das empresas que se instalarem no eixo das operações urbanas; as
intervenções urbanísticas ao longo dos trilhos da CPTM, articuladas à valorização
imobiliária do eixo Lapa­Brás;a proposta de desapropriação de quarteirões e cedê­los à
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iniciativa privada em torno dos novos corredores de ônibus como forma de custear as obras;
a previsão, incluída na revisão do Plano Diretor, de grande aumento do potencial construtivo
ao longo desses corredores e das linhas de metrô, permitindo às empreiteiras erguer
prédios com quatro vezes a área do terreno, aumentando o rendimento dos imóveis; e o
próprio montante deslocado para subsidiar o Bilhete Mensal. Todas essas medidas se
alinham ao redor da produção das condições necessárias a um projeto de cidade.
A cidade do Bilhete Mensal, das operações urbanas e das PPPs, para a qual a Prefeitura
está direcionando o investimento público, é uma cidade recortada, a ser desfrutada apenas
por aqueles que têm “oportunidade”: só existe para quem pode pagar por ela e às custas de
quem não pode. A quem tem dinheiro, o governo oferece o bônus de usufruir de “um sem
número” de atividades de lazer, de fazer compras, de consumir a cidade – que é um produto
à venda. Nesse “novo conceito de civilidade”, ônibus não é coisa de pobre, mas peça
fundamental da circulação eficiente de mão de obra e massa consumidora – circulação
comprimida, acelerada e direcionada para uma valorização planejada. Quem experimenta a
cidade como se fosse direito, consumindo­a, faz de conta que é sujeito.

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