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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO REDE NACIONAL DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA (RENAFORM) CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM EDUCAÇÃO DO CAMPO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL WAGNER JOSÉ DE AGUIAR A INTERSETORIALIDADE NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NA ATUAÇÃO DOS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E DE MEIO AMBIENTE: POTENCIALIDADES E LIMITES RECIFE 2016 WAGNER JOSÉ DE AGUIAR A INTERSETORIALIDADE NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DO CAMPO NA ATUAÇÃO DOS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E DE MEIO AMBIENTE: POTENCIALIDADES E LIMITES RECIFE 2016 Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável, da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE como requisito para a obtenção de título de Especialista em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável, orientada pela Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Tenório Salvador da Costa Ficha catalográfica A282i Aguiar, Wagner José de A intersetorialidade na política de educação do campo na atuação dos conselhos de desenvolvimento rural sustentável e de meio ambiente: potencialidades e limites. / Wagner José de Aguiar. – Recife, 2016. 63 f. : il. Orientadora: Maria Aparecida Tenório Salvador da Costa. Monografia (Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável) – Universidade Federal Rural de Pernambuco, Departamento de Educação, Recife, 2016. Inclui referências e apêndice(s). 1. Educação do campo 2. Intersetorialidade 3. Conselhos gestores I. Costa, Maria Aparecida Tenório Salvador da, orientadora II. Título CDD 370 4 UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO MONOGRAFIA A INTERSETORIALIDADE NA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO DE CAMPO NA ATUAÇÃO DOS CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL E DE MEIO AMBIENTE: POTENCIALIDADES E LIMITES Esta monografia foi julgada adequada como parte dos requisitos para obtenção do título de Especialista em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável, aprovada pela banca examinadora da Universidade Federal Rural de Pernambuco. _____________________________________________ Prof.ª Maria Aparecida T. S. da costa Coordenadora do curso de Especialização em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável Data da apresentação: 18/03/2016 Horário: 9 horas Local: Sala de Seminários do Depto. Educação - UFRPE Banca Examinadora: Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Tenório Salvador da Costa ________________________________ (Orientadora) Prof.ª MSc. Andréa Alice da Cunha Faria ________________________________ (Examinadora Interna) Prof. Dr. Fernando Joaquim Ferreira Maia _________________________________ (Examinador Externo) Prof.ª Dr.ª Anna Paula de Avelar Brito Lima _________________________________ (Examinadora Suplente) 5 “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica”. Paulo Freire 6 AGRADECIMENTOS A DEUS, por constantemente me iluminar nas minhas caminhadas, por me prover a sabedoria necessária às minhas escolhas e por ter permitido que eu chegasse até aqui; Ao Ministério da Educação, por ter priorizado a oferta e realização de uma pós-graduação em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável, em nível de especialização, em meio a tantas outras prioridades da educação brasileira; À Universidade Federal Rural de Pernambuco, casa na qual conclui minha formação inicial como licenciado em ciências biológicas tendo, na minha incompletude, retornado a ela para dar continuidade a minha formação, cursando uma especialização; Ao comitê gestor local do Renaform ao qual, no nome da Prof.ª Flávia Peres, cumprimento e agradeço a toda a sua equipe, pela seriedade, pela disponibilidade e pelo empenho no atendimento às nossas necessidades enquanto corpo discente do curso; À coordenação da pós-graduação em Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável a qual, nos nomes da Prof.ª Maria Aparecida Costa e da Prof.ª Irenilda Lima, cumprimento e agradeço a todos/as docentes e à tutoria, pela disponibilidade, pelo comprometimento e pelo cuidado com a nossa formação enquanto cursistas; À professora Maria Aparecida Costa, pela acolhida, pelo apoio, pela confiança e pela seriedade nas orientações necessárias ao longo da produção deste trabalho: muito aprendi com as reflexões e sugestões compartilhadas; Aos/às colaboradores/as da pesquisa, funcionários/as da secretaria de educação e conselheiros/as do CME, do Condesb e do Condema de Brejo da Madre Deus, pela confiança e disposição em contribuir na realização da pesquisa. Espero que o conhecimento socializado constitua uma importante contribuição à educação do campo do município; À conselheira e ambientalista, Elizabeth Szilassy, pela constante colaboração e pela oportunidade dada de conhecer um pouco da realidade do campo na região brejeira; Ao Sr. Dedé, morador e comerciante do Sítio Tambor, pela carona de moto oferecida do Sítio Açudinho até o distrito sede, durante a última atividade de campo: essa foi a única forma que encontrei para agradecer a sua colaboração desinteressada; Aos membros da banca examinadora, pela disponibilidade, pelas observações feitas no decorrer da defesa e pelas contribuições agregadas à versão final deste trabalho; A todos/as colegas de turma os/as quais, nos nomes de Chirleide, Ivone, Ana Lídia e Mônica, agradeço pelo companheirismo e pela oportunidade de termos compartilhado tantas ideias e alegrias: os sábados, sem vocês, não serão mais os mesmos; A todos/as familiares os/as quais, no nome de minha noiva Renata Alves, agradeço pelo incentivo, pelo apoio e pela paciência nas ausências necessárias; A todos/as colegas e amigos/as, acadêmicos/as e não-acadêmicos/as que, cientes da minha dedicação ao curso de especialização, sempre me incentivaram a busca pela realização dos meus sonhos; E a você que, no contato com essa produção, buscou conhecer um pouco mais sobre a educação do campo, na pretensão de contribuir para uma educação mais democrática e para um desenvolvimento rural mais justo: obrigado por aderir a essa luta!!! 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1- Localização de Brejo da Madre de Deus e adjacências....................... 25 Figura 2 - Registro das duas principais paisagens naturais do município........... 26 Quadro 1- Matrículas nas escolas do campo da rede municipalde Brejo Madre de Deus.............................................................................................. 30 Figura 3 - Escolas do campo multisseriadas localizadas na região brejeira e na região semiárida................................................................................ 31 Figura 4 - Professores/as no II Seminário Estadual de Educação do campo em Gravatá e no Fórum de Educação do Campo, no município................. 34 Quadro 2 - Metas de educação do campo no PME............................................... 37 Quadro 3 - Estratégias previstas no Plano Municipal de Convivência com o Semiárido voltadas à educação do campo............................................. 40 Quadro 4 - Aspectos educacionais na atuação do Condesb................................... 40 Figura 5 - Divulgação do PNAE e do PAA na 15ª Feira do Verde....................... 41 Quadro 5 - Temáticas educacionais na atuação do Condema................................. 44 Figura 6 - Participação das escolas na 15ª Feira do Verde.................................... 45 Figura 7 - Participação de alunos nas atividades da sementeira da Escola São Domingos.............................................................................................. 45 Figura 8 - Participação das escolas no plantio de mudas de plantas nativas durante a Semana do Meio Ambiente................................................... 46 Figura 9 - Reunião de representantes do Condema com a secretaria de educação do município.......................................................................................... 47 Quadro 6 - Principais limites e potenciais para a ação intersetorial na implementação da política de educação do campo............................... 52 8 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS CMDRS Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável CME Conselho Municipal de Educação Condema Conselho Municipal de Meio Ambiente Condesb Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Brejo da Madre de Deus DL Desenvolvimento Local DS Desenvolvimento Sustentável EJA Educação de Jovens e Adultos Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística PAA Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar PME Plano Municipal de Educação PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNE Plano Nacional de Educação PNEC Política Nacional de Educação do Campo PNLD Programa Nacional do Livro Didático Pronaf Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................... 11 CAPÍTULO I: DESENVOLVIMENTO E PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO.................................................. 15 1. Educação do campo: um paradigma em contraposição ao desenvolvimento rural hegemônico................................................................................................................. 15 2. Desenvolvimento rural no Brasil: em busca de um viés contra-hegemônico........ 18 3. Conselhos gestores como agentes da intersetorialidade na educação do campo.... 22 CAPÍTULO II: TRILHA METODOLÓGICA...................................................... 25 1. Caracterização da pesquisa..................................................................................... 25 2. Universo investigado.............................................................................................. 25 3. Instrumentos e procedimentos adotados............................................................... 28 CAPÍTULO III: PONTOS DE CHEGADA........................................................... 30 1. O estado da política de educação do campo no município................................... 30 2. Aspectos educacionais na atuação do Condesb e do Condema............................ 39 3. A ação intersetorial na educação do campo sob a ótica dos conselhos................. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................... 54 REFERÊNCIAS........................................................................................................ 56 APÊNDICES............................................................................................................. 61 10 RESUMO Este estudo insere-se no âmbito das políticas públicas para a educação do campo na relação com a construção de uma perspectiva contra-hegemônica de desenvolvimento rural. Ao partir do pressuposto de que o intercâmbio de ações setoriais entre órgãos gestores da educação e do desenvolvimento rural sustentável pode contribuir para o fomento da sustentabilidade nas políticas e práticas educacionais, teve por objetivo analisar as possibilidades e os limites para a produção intersetorial da política de educação do campo, considerando o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável e o Conselho Municipal de Meio Ambiente como agentes do processo de implementação local. A pesquisa teve lugar no município pernambucano de Brejo da Madre de Deus, situado no agreste central e dotado de características peculiares que justificam sua escolha, como o fato ter a agropecuária como forte base econômica, de ser territorialmente mais rural que urbano e, consequentemente, possuir 85% de suas escolas municipais situadas no campo. Foram conduzidas entrevistas junto a representantes de órgãos gestores locais, como a secretaria de educação e os conselhos municipais de educação, desenvolvimento rural sustentável e meio ambiente, além de realizadas análises de planos municipais e documentos específicos dos conselhos. Os resultados apontam para uma realidade em que a implementação local da política de educação do campo tem se dado entre dificuldades e possibilidades, não havendo uma coordenação ou políticas educacionais específicas para o campo. Paralelamente, os conselhos investigados têm apresentado algumas inserções de aspectos educacionais na sua atuação, muitas vezes materializados em ações educativas com a participação direta das escolas municipais. Ao mesmo tempo em que potencialidades são identificadas na ação dos colegiados, limites são visíveis ao fortalecimento de uma ação intersetorial, como a falta de um incentivo a continuidade das parcerias feitas. Nessa perspectiva, apontamentos são feitos com vistas ao incentivo de experiências intersetoriais. Palavras-chave: Educação do campo; Intersetorialidade; Conselhos Gestores. ABSTRACT This study is inserted in the context of the public policies for the education of the field in the relation with the construction of a counter-hegemonic of rural development. While proceeding from the assumption of what the exchange of partial actions between manager organs of the education and of the sustainable rural development can contribute to the incitement of the sustentability in the policies and education practices, it had since objective analysed the means and the limits for the interpartial production of the politics of education of the field, considering the Municipal Council of Sustainable Rural Development and the Municipal Council of Environment like agents of the process of local implementation. The research took place in the city of Brejo da Madre de Deus, located in Agreste Central of Pernambuco and endowed with peculiar characteristics that justify their choice, as indeed have agriculture as a strong economic base, to be territorially more rural than urban,and consequently, have 85% of municipal schools located in the field. Interviews were conducted with representatives of local governing organs, such as the education department and the municipal councils of education, sustainable rural development and environment, and carried out analysis of municipal plans and specific documents of the councils. The results point to a reality in which the local implementation of the policy of education of the field has been given among difficulties and possibilities, and there is no coordination or specific educational policies to the field. In parallel, the investigated councils have presented some inserts educational aspects of its activities, often materialized in educational activities with the direct participation of the municipal schools. At the same time potential are identified in the action of collegiate, limits are visible to strengthen intersectoral action, such as the lack of an incentive to continuity of partnerships made. In this perspective, notes are made with a view to encouraging intersectoral experiences. Keywords: Education of the field; Intersectoriality; Manager councils. 11 INTRODUÇÃO A implementação das políticas públicas de educação do campo no Brasil representa um grande desafio contemporâneo. Ainda que consideradas as conquistas alcançadas no âmbito político-institucional, com as Diretrizes Operacionais da Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB nº 1/2002) e com a Política de Educação do Campo (Decreto nº 7.352/2010), persiste o obstáculo do não- cumprimento desses marcos regulatórios pelos municípios e estados (MUNARIM, 2011). Nesse contexto, cabe considerar a continuidade do fechamento massivo das escolas no país, a exemplo das mais de quatro mil fechadas somente no ano de 2014 1 . A luta pela educação do campo é um movimento que vai de encontro à manutenção da lógica da educação rural, ou seja, de um modelo educacional voltado à instrumentalização dos atores do campo para o serviço que atenda aos interesses do crescimento urbano e industrial. É a chamada educação “no campo”, isto é, uma educação exógena, trazida de fora, desvinculada das raízes do lugar. Nesse modelo, a escola tem a função restrita de fornecer aos indivíduos os conhecimentos mínimos para a sua inserção no mercado de trabalho (capitalista), pouco preocupando ao sistema educacional a função no preparo para o exercício da cidadania e o desenvolvimento pleno da pessoa, tal qual o disposto constitucionalmente no direito à educação. Por outro lado, o paradigma da Educação “do campo” vem ao encontro da necessidade do reconhecimento das particularidades do modo de vida na ruralidade. Sua preocupação reside na construção de um projeto formativo e de desenvolvimento vinculado ao lugar, comprometido com as reais necessidades das pessoas, das histórias, das lutas, caracterizando-se como uma educação endógena. Nessa direção, a finalidade do processo educativo não se resume ao trabalho, numa perspectiva de “formação da mão-de-obra”, mas constitui um princípio pedagógico da prática de aprendizagem, na medida em que o trabalho é vinculado à produção social do campo. Dessa forma, a implementação da política de educação do campo traduz um movimento de resistência ao desenvolvimento rural capitalista. A mudança de paradigma da educação rural (ou no campo) para a educação do campo não pode ser vista apenas em função da análise crítica da escola rural, mas considerá-la dentro da sua relação com o território e com os projetos de desenvolvimento existentes para a tal realidade. Partindo do entendimento de a 1 Endereço da notícia: http://www.bancariospe.org.br/noticia_aparece.asp?codigo=13544#.Vjt_LPmrSUk. Acesso em: 5 nov. 2015. 12 educação do campo é uma construção de sujeitos sociais, um dos princípios da educação do campo tem sido a sustentabilidade, o qual representa um valor enfatizado nos tempos atuais, e no qual políticas e projetos, públicos e privados, têm se ancorado. Na perspectiva da consolidação de um desenvolvimento rural contra-hegemônico, grande parte das escolas ainda demonstra dificuldades em internalizar a questão da sustentabilidade nas suas políticas e práticas curriculares, posto que não se percebem como sujeito do/no desenvolvimento rural. Dito isso, parte-se do pressuposto que o diálogo intersetorial entre órgãos gestores da educação e do desenvolvimento rural sustentável poderia contribuir para um maior debruçar sobre as necessidades do campo por parte das políticas e práticas educacionais locais, favorecendo a atuação de uma escola identificada com o seu território. A partir dessas considerações, foi-se delineando a seguinte problemática de pesquisa: quais as possibilidades e os limites para uma ação intersetorial que envolva o Conselho Municipal de Educação (CME), o Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) e o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema), como partícipes na implementação local da política pública de educação do campo? Frente a essa problematização, a investigação teve lugar no município de Brejo da Madre de Deus, situado no agreste pernambucano. Com uma população de aproximadamente 48 mil habitantes, o município possui uma extensão de 762 km 2 , sendo territorialmente mais rural que urbano. A zona rural é divida em dois contextos distintos: a região semiárida, que ocupa quase 90% do território municipal, com o predomínio da caatinga; e a região de brejo de altitude (região brejeira), correspondente a 10%, com a presença de mata atlântica. Além dessas particularidades que diversificam a vida no campo, há um esforço local pela adoção de práticas sustentáveis de cultivo e produção, o que levou o município a ser reconhecido como a Capital da Agroecologia 2 . Nesse contexto, uma das ações do município é a Feira do Verde, promovida desde 2001 pelo Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Brejo da Madre de Deus (Condesb) e apoiada por diferentes instituições. Com a finalidade de fortalecer a agricultura familiar e promover a conscientização ambiental da população local, a ação tem abrangido a comercialização de produtos orgânicos, artesanatos, produtos in natura e beneficiados, mudas de plantas ornamentais e árvores frutíferas. Nos últimos anos, a feira também tem contado com a mobilização e participação das escolas do município 2 Reconhecimento feito pelo governo do estado de Pernambuco, através da Lei 14.612/2012, de autoria do deputado Manoel Santos (in memorian) 13 na socialização de conhecimentos relacionados aos diferentes temas, ligados à sustentabilidade na realidade do campo (AGUIAR; COSTA, 2015). Foi no contato com essa experiência que se constituiu o problema de pesquisa deste trabalho, uma vez que a maior parte das escolas do município é da zona rural. Uma primeira consideração na realização da pesquisa relaciona-se ao reconhecimento da educação do campo como um direito social assegurado na Constituição Federal de 1988, tendo sua base ideológica fortalecida pelos dispositivos criados ao longo da primeira década do século XXI. Considerando o papel das políticas públicas no desenvolvimento de uma sociedade, a educação do campo precisa ser refletida e promovida pelos seus atores, engajados e ativos (SILVA; BASSI, 2012). Nessa mesma direção, a opção pela abordagem a partir dos conselhos gestores converge com o entendimento de que a gestão democrática da educação do campo é uma construção que se materializa na aproximação entre Estado e sociedade (PIRES, 2013).A opção em estudar a política de educação do campo a partir de uma perspectiva intersetorial se justifica pela importância de se reconhecer que não se pode garantir uma política pública de educação desarticulada de outras políticas voltadas ao campo (SANTOS; PALUDO; OLIVEIRA, 2009). Dessa forma, a visão de educação do campo sustentada nesse trabalho não se resume à garantia das condições objetivas ao funcionamento de uma escola rural, mas assenta-se numa visão de escola do campo que precisa constituir um espaço de crítica às injustiças e às violações de direitos, cujo projeto formativo seja orientado para a aprendizagem e o exercício da cidadania. Diante dessa breve contextualização, este estudo teve por objetivo geral analisar as possibilidades e os limites para a produção intersetorial da política de educação do campo, tendo o CMDRS e o Condema como agentes partícipes na implementação local dessa política pública. De modo específico, foram vislumbrados os seguintes objetivos: • Identificar na política municipal de educação a existência de aspectos que sinalizem a atenção à educação do campo; • Investigar a inserção dos conselhos municipais, destacados para a pesquisa, na política pública de educação do campo; • Analisar o entendimento da secretaria de educação e de conselheiros do CMDRS e do Condema quanto às possibilidades e aos limites para a intersetorialidade na política de educação do campo do município; 14 • Apresentar proposições que subsidiem um tratamento intersetorial para a política de educação do campo, em função das condições locais identificadas. O trabalho encontra-se organizado em três capítulos. O primeiro é dedicado à fundamentação teórica, agregando e discutindo contribuições teóricas em torno da educação do campo, dos paradigmas de desenvolvimento e do papel dos conselhos gestores, na perspectiva de uma educação consoante a busca por um desenvolvimento rural contra-hegemônico. O segundo capítulo faz um detalhamento acerca da metodologia empregada no desenvolvimento da pesquisa, trazendo uma caracterização do universo estudado, dos instrumentos e procedimentos adotados na investigação. O terceiro capítulo sistematiza e discute os principais resultados do estudo, à luz da produção teórica considerada. Por fim, são apresentadas as considerações finais, nas quais os resultados gerados pela pesquisa possibilitaram indicar proposições para o fortalecimento de uma ação intersetorial em favor da educação do campo. 15 CAPÍTULO I: DESENVOLVIMENTO E PARTICIPAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA EDUCAÇÃO DO CAMPO 1. Educação do campo: um paradigma em contraposição ao desenvolvimento rural hegemônico A emergência do paradigma da Educação do Campo é um reflexo do reconhecimento das especificidades que permeiam o direito à educação no contexto rural, conquista decorrente da luta dos movimentos sociais do campo. No Brasil, o direito educacional tem assento em diferentes dispositivos, como a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), convergente para o reconhecimento da educação como direito. É um direito fundamental de natureza social, ao ponto em que sua implementação demanda a escolha de alvos prioritários, buscando corrigir as desigualdades sociais (DUARTE, 2007). Segundo o censo demográfico do IBGE de 2010, o nível de analfabetismo nas zonas rurais (23,2 %) equivaleu a mais que o triplo do evidenciado nas zonas urbanas (7,3%), traduzindo-se em indícios da precariedade educacional ainda existente no contexto rural. Para Molina e Freitas (2011), tal condição estaria associada ao fato de haver um tratamento inferiorizado das questões relacionadas à zona rural pelos gestores públicos, ao ponto de muitas escolas rurais receberem o que sobra das escolas da cidade, como o mobiliário e os meios de transporte. Somado a isso, outras dificuldades podem ser mencionadas, como a falta de professores qualificados e valorizados e a carência de recursos de apoio ao trabalho pedagógico. De início, esses aspectos podem ser considerados como condições objetivas necessárias ao funcionamento normal de qualquer escola, ao ponto de que a luta por uma educação do campo esteja se dando em favor de uma causa mais ampla, a de superação da educação rural na direção do alcance de uma soberania educacional (MUNARIM, 2011). Na lógica da educação rural, os sujeitos do campo são convertidos em mão-de-obra operária destinada à cidade, a escolarização serve de “adaptação do homem ao produtivismo e à idealização de um mundo do trabalho urbano” (OLIVEIRA; CAMPOS, 2012, p. 240). Ideologicamente, é um paradigma de educação a serviço do desenvolvimento rural capitalista pela desterritorialização do campo. Na perspectiva da educação rural, Pires (2013) sintetiza que anteriormente ao ano de 1998, a legislação brasileira concebia a educação para os povos do campo numa 16 ótica essencialmente instrumental e assistencialista, pois a educação oferecida não era reconhecida como um direito social, mas numa ajuda ou retribuição de favor dos menos favorecidos da sociedade, havendo uma transferência da responsabilidade do Estado para a iniciativa privada, em troca de incentivos fiscais. Do ponto de vista do ordenamento social, a educação oferecida era instrumentalizada para controlar o comportamento da sociedade, a fim de atender interesses econômicos e políticos do modelo de desenvolvimento rural hegemônico. O Movimento por uma Educação do Campo surge em contraponto à educação rural, impulsionado por organizações e movimentos sociais do campo, reivindicando uma educação como direito social. No início é formada a Articulação Nacional por uma Educação do Campo, que existiu desde a primeira Conferência Nacional de Educação do Campo realizada em 1998, até a segunda Conferência realizada em 2004. Nesse intervalo, um dos focos de crítica do movimento foi o Plano Nacional de Educação – PNE 2001/2010 (Lei nº 10.172/2001) no qual a política educacional para o campo foi abordada de forma inadequada e insuficiente (BRASIL, 2007). Segundo Munarim (2011), o referido PNE refletiu o período das reformas educacionais vivenciadas na época, fundamentadas na imposição dos organismos internacionais aos países de capitalismo dependente, a exemplo do Brasil. Dessa forma, esse PNE foi permeado pela lógica de mercado e, configurou-se em um instrumento a favor do desenvolvimento rural capitalista, uma vez que foi durante sua implementação que se constata o fechamento massivo 3 de escolas do campo pelas gestões locais (municípios e estados). O reflexo disso tem sido o realce de uma identidade urbanocêntrica na educação acessada pelas crianças e jovens do campo. Nesse mesmo intervalo, o movimento alcançou conquistas importantes, como a criação de instrumentos legais que dispõem sobre uma educação que atenda às especificidades do campo. Dentre estes, destacam-se: a Resolução CNE/CEB nº 1/2002, que estabelece as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo; do Parecer CEB nº1/2006, que reconhece os Dias Letivos da Alternância; e, o Decreto nº 7.352/2010, que dispõe sobre a Política Nacional de Educação do Campo (PNEC) e sobre o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – Pronera. 3 “De acordo com o Censo Escolar, existiam 107.432 escolas no território rural em 2002. Em 2009, o número desses estabelecimentos de ensino reduziu-se para 83.036, significando o fechamento 24.396 escolas no meio rural, e os dadosde 2010 registram a existência de 78.828 escolas.” (MOLINA; FREITAS, 2011, p. 29). 17 Outra conquista foi a criação do Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec) em 2010, com a diluição da Articulação Nacional de 1998 (MOLINA; FREITAS, 2011). Diante dos desafios ainda existentes, cabe considerar que a luta é por uma mudança paradigmática; portanto, uma construção, para a qual se deve reconhecer os avanços no campo da legislação e da execução de políticas. Nessa direção, iniciativas como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), o ProJovem Campo – Saberes da Terra e o Programa de Apoio às Licenciaturas em Educação do Campo (Procampo) refletem práticas reais que vêm ao encontro do fortalecimento da identidade territorial da escola e, concomitantemente, ao cumprimento do direito à educação do campo (MOLINA; FREITAS, 2011). Na perspectiva de um desenvolvimento rural contra-hegemônico, os marcos legais e as políticas públicas em educação do campo trazem como princípio a sustentabilidade. Nas Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo (BRASIL, 2002), mencionam-se: Art. 4° O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da educação escolar com qualidade social, constituir- se-á num espaço público de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e ecologicamente sustentável. Art. 8º As parcerias estabelecidas visando ao desenvolvimento de experiências de escolarização básica e de educação profissional, sem prejuízo de outras exigências que poderão ser acrescidas pelos respectivos sistemas de ensino, observarão: II - direcionamento das atividades curriculares e pedagógicas para um projeto de desenvolvimento sustentável. Na mesma direção, o Decreto nº 7.352/2010 considera: Art. 2º São princípios da educação do campo: I – respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia; II – incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para as escolas do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho. Nesse âmbito, um desafio tem sido a materialização da sustentabilidade nas práticas educativas da escola do campo, numa perspectiva que relacione educação do campo e o desenvolvimento local e na qual a escola se identifique com o meio no qual está inserida (SANTOS; NEVES, 2012). Na direção da superação do desenvolvimento 18 rural hegemônico é preciso levar em conta que as políticas públicas, ao mesmo tempo em que devem implementar prioridades reconhecidas pelos atores sociais, também devem cumprir a função de facilitar e garantir a discussão pública, levando os atores sociais a condição de participantes ativos da mudança (SEN, 2010). Essa afirmação estende-se também às políticas educacionais, na medida em que imprime à instituição escolar e ao setor educacional o compromisso com o desenvolvimento do seu território. Dessa forma, o paradigma da educação do campo traz como grande marca a crítica à hegemonia desenvolvimentista, orientada pelo modo de produção capitalista e projetada na direção de uma sociedade globalizada. Nesse contexto, analisar e compreender a educação do campo na sua relação com a construção de uma perspectiva de sustentabilidade apropriada ao campo requer uma discussão teórica que parta de uma reflexão em torno das principais concepções e perspectivas de desenvolvimento. Afinal, são essas concepções que norteiam a formulação e a implementação das políticas públicas voltadas à realidade do campo, a exemplo das políticas públicas educacionais. 2. Desenvolvimento rural no Brasil: em busca de um viés contra-hegemônico Discutir a noção de desenvolvimento implica considerar, inicialmente, que qualquer paradigma de desenvolvimento é uma construção teórica, cujo processo é dinâmico e busca continuamente melhorias (KRONEMBERGER, 2011). Nessa direção, pode-se afirmar que qualquer esforço de adjetivar uma perspectiva de desenvolvimento – a exemplo de desenvolvimento rural – jamais refletirá uma noção absoluta. Afinal, o conceito atual do “rural” pode ter um significado distinto da ideia disseminada no passado; da mesma forma, o “rural” no discurso governamental pode ter uma concepção diferente do rural no discurso empresarial que, por sua vez, é diferente do rural na concepção de uma comunidade tradicional do campo. Segundo Santos (2001), a noção de desenvolvimento tinha uma identificação com a de crescimento econômico, embora os indicadores econômicos ainda sejam enaltecidos quanto se fala em desenvolvimento. Sendo assim, muitos países tendiam a mensurar o seu desenvolvimento em função dos níveis da renda per capita. Ou seja, quanto maior fosse a renda da população de um determinado lugar, mais desenvolvido este seria considerado. Contudo, a literatura recente tem mostrado que, mesmo nos países mais ricos, populações vivem em situação de pobreza e de privação no acesso a serviços básicos, o que levou à necessidade de adoção de outros parâmetros de desenvolvimento, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 19 Nessa direção, uma das contribuições atuais tem sido a concepção do desenvolvimento como liberdade, defendida pelo economista indiano Amartya Sen. Segundo essa concepção, a noção de desenvolvimento não exclui o indicador da renda, mas ao mesmo tempo reconhece que há outras necessidades do desenvolvimento às quais o fator econômico é incapaz de atender, como a liberdade política e os direitos civis básicos (SEN, 2010). Assim, poder-se-ia afirmar que não é o fato de uma pessoa ser financeiramente estabelecida que lhe assegurará o poder de participar de uma decisão tangente a uma questão pública, embora grande parte dos excluídos das tomadas de decisões ainda sejam os financeiramente desprovidos. Não obstante, em realidades onde a disparidade social e econômica é acentuada, o fator da renda ocupa uma posição de prioridade para a questão do desenvolvimento, especificamente a sua distribuição. Para Santos (2001), a pobreza rural no Brasil tem sido encarada por programas de assistência social incapazes de prover a geração de renda. Nessa perspectiva, o autor acrescenta que “os problemas do campo são de ordem econômica, de acesso aos mercados e de políticas voltadas para o desenvolvimento das suas populações” (Ibid., p. 226). É importante destacar que a pobreza rural é, também, decorrente da histórica lógica de desenvolvimento como crescimento econômico. Segundo Bonnal (2013, p. 43), a pobreza rural no Brasil é consubstancial do seu modelo de colonização e de desenvolvimento econômico e social, tendo como determinantes: “(i) a falta de terra; (ii) a falta de capacidades humanas; (iii) a falta de outras formas de capital; (iv) o acesso e a participação limitados nos mercados; (v) a privação de renda e de acesso aos serviços básicos; (vi) a falta de infraestruturas; e (vi) a falta de trabalho”. Em síntese, o desenvolvimento rural que perdura dos tempos da colônia até os dias atuais é baseado na concentração de terras pelas elites latifundiárias e na expansão de um modelo de agricultura voltado ao acúmulo privado das riquezas, somado a um processo histórico de exclusão social eviolação dos direitos humanos. Para superar essa visão de desenvolvimento, a partir da qual o campo é reduzido a um espaço destinado à produção agrícola em larga escala ou à interiorização da atividade industrial, alguns conceitos teóricos podem subsidiar o fortalecimento de uma perspectiva contra-hegemônica, a exemplo da noção de território. Sustentada nas teses do geógrafo francês Claude Raffestin, Lima (2012) define o território como consequência da apropriação (concreta ou abstrata) do espaço em face de um objetivo, refletindo relações de poder, sejam elas existenciais ou produtivistas. Dessa forma, 20 pensar o campo como território significa compreendê-lo como espaço de vida, ou como um tipo de espaço geográfico onde se realizam todas as dimensões da existência humana. O conceito de campo como espaço de vida é multidimensional e nos possibilita leituras e políticas mais amplas do que o conceito de campo ou de rural somente como espaço de produção de mercadorias. (GRACINDO, 2006, p. 14). Nesse sentido, Beduschi Filho e Abramovay (2004) defendem que o maior desafio do planejamento para o desenvolvimento rural brasileiro consiste na superação da lógica de repartição setorial de recursos por uma lógica territorial, numa perspectiva em que o território seja considerado como ator social e não como um neutro receptáculo geográfico de projetos idealizados exogenamente. Essa distinção é fundamental no sentido de considerar que, tradicionalmente, as políticas territoriais têm sido reduzidas à redistribuição de recursos para as localidades por uma autoridade ou agência central, despertando a necessidade de uma abordagem alternativa que leve em conta as potencialidades locais, como a capacidade criativa dos atores sociais do contexto (Ibid.). Dessa maneira, passa-se a buscar uma perspectiva de desenvolvimento rural que considere as experiências vividas pelos sujeitos do campo, que os reconheça em suas identidades e necessidades reais, que assegure o pleno direito ao território e ao usufruto dos recursos ambientais disponíveis, que os promova na direção de um sentimento de pertença e de ampliação de suas liberdades. Ou, como bem traduziu Sen (2010, p. 77), uma perspectiva na qual “as pessoas têm de ser vistas como ativamente envolvidas – dada a oportunidade – na conformação de seu próprio destino, e não apenas como beneficiárias passivas de frutos de engenhosos programas de desenvolvimento”. Nesse contexto, algumas concepções de desenvolvimento, como de Desenvolvimento Sustentável (DS) e Desenvolvimento Local (DL), passam a ser empregadas como paradigmas alternativos ao modelo de desenvolvimento orientado para a produção de mercadorias e concentração de riquezas. A noção de DS tem suas origens na década de 1980, concebida pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas, e consagrada no Relatório “O nosso futuro comum” em 1987. Segundo a definição adotada, seria um modelo de desenvolvimento que possibilitaria às gerações atuais satisfazer suas necessidades, sem comprometer a capacidade de suprimento das gerações futuras. 21 Nessa perspectiva, o DS abrangeria três dimensões 4 : a ambiental, a econômica e a social, sendo materializado pelo equilíbrio dessas dimensões (KRAMA, 2008). Não obstante, leituras como a de Silva e Lima (2010) colocam a necessidade de questionar a viabilidade do DS dentro de uma hegemonia capitalista, uma vez que a dimensão econômica tem se demonstrado prevalente sobre as outras dimensões do desenvolvimento. Nesse sentido, alguns autores têm proposto a adoção do termo “sociedades sustentáveis” no lugar de DS (LIMA, 2009; LOUREIRO, 2012). Já a noção de DL foi impulsionada no Brasil a partir da década de 1990, como um reflexo da popularização das Organizações Não-Governamentais (ONGs) e da descentralização das políticas públicas pela Constituição de 1988 (KRONEMBERGER, 2011). Pode ser definido como “um processo endógeno de mudança, que leva ao dinamismo econômico e à melhoria da qualidade de vida da população, em pequenas unidades territoriais e agrupamentos humanos” (BUARQUE, 2008, p. 25). Nesse sentido, trata-se de uma perspectiva próxima da lógica de desenvolvimento territorial, anteriormente situada nas contribuições de Beduschi Filho e Abramovay (2004), ao incluir o reconhecimento do território e a participação social. Dentro dessa abordagem, um dos enfoques trazidos para um desenvolvimento rural contra-hegemônico tem sido o agroecológico. Segundo Caporal e Pertersen (2012), a Agroecologia fornece bases para processos de transição de uma agricultura convencional para modelos mais sustentáveis, que se desenvolvam localmente e impliquem em propostas coletivas de mudança social. Do ponto de vista da construção de um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável, a agricultura familiar assume uma posição estratégica, por se tratar de uma atividade que envolve geração de emprego, diminuição do êxodo rural, produção de alimentos com reduzidos danos ambientais e crescimento socioeconômico local (SANTOS, 2001). A Agroecologia no Brasil traz como marca o forte vínculo com a causa da agricultura familiar camponesa, configurando-se em “um campo social e científico de disputa na sociedade, em defesa de mudanças estruturais no campo, aliando-se aos históricos movimentos camponeses e da agricultura familiar (com e sem-terra)” (CAPORAL; PETERSEN, 2012, p. 66). Embora tenha nascido com foco no combate ao uso dos agrotóxicos, a ciência agroecológica aponta para o entendimento de que a opção 4 Algumas abordagens, como a dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, consideram uma quarta dimensão, a institucional. 22 por uma agricultura sustentável ultrapassa a simples substituição de insumos ou a diminuição do uso de agrotóxicos (CAPORAL; COSTABEBER; PAULUS, 2011). O desenvolvimento rural brasileiro caminha na coexistência de dois paradigmas contrastantes, o do agronegócio e o da agricultura familiar, e que, até então, o governo tem buscado mostrar que é possível manter essa coexistência (CAPORAL; PETERSEN, 2012). Se a perspectiva agroecológica é trazida como uma das bases de um desenvolvimento contra-hegemônico, é impossível a concretização deste sem haver um robusto projeto educacional cujas bases sejam as da formação para a cidadania, para a autonomia, para o trabalho, para a liberdade. Por isso mesmo, fenômenos como o fechamento massivo das escolas do campo, têm levado a crença de que muitas políticas governamentais têm atuado na contramão da construção de um desenvolvimento rural contra-hegemônico. Nesse contexto, é imprescindível a gestão democrática das políticas públicas, através de instâncias colegiadas como os conselhos gestores. 3. Conselhos gestores como agentes da intersetorialidade na educação do campo O fortalecimento de um sistema democrático é uma questão fundamental no processo de desenvolvimento (SEN, 2010). Uma forma de materialização desse sistema têm sido os conselhos gestores. Segundo a Política Nacional de Participação Social, o conselho gestor ou conselho de políticas públicas consiste em uma “instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas” (BRASIL, 2014). Desse modo, constituem-se em “canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticasque dizem respeito à gestão de bens públicos” (GOHN, 2011, p. 7). O surgimento dos conselhos gestores no Brasil se deu partir da Constituição Federal de 1988, evento tido como marco para a institucionalização dos conselhos e a atribuição da sua competência deliberativa. Anteriormente a estes, outros formatos de conselhos existiam no país, como os conselhos comunitários e populares, os quais não possuíam assento institucional e nem tinham o poder de decisão ou controle sobre as políticas (PRESOTO; WESTPHAL, 2005). Mas, é partir dessas experiências que os conselhos gestores surgem como conquista da luta popular contra a ditadura militar de 1964 e pela democratização do Estado e da sociedade (RAICHELIS, 2000), tendo importante potencial na constituição os sujeitos democráticos. Nessa direção, 23 a participação da sociedade civil organizada em conselhos permite o exercício do controle social sobre as políticas governamentais, a formulação e proposição de diretrizes, o estabelecimento de meios e prioridades de atuação voltadas para o atendimento das necessidades e interesses dos diversos segmentos sociais, a avaliação das ações e a negociação do direcionamento dos recursos financeiros existentes. (PRESOTO; WESTPHAL, 2005, p. 70). Para um país com uma organização político-administrativa similar à brasileira, fundamentada na união indissociável entre os Municípios, os Estados e o seu Distrito Federal, a instituição dos conselhos gestores consistiu em um movimento fundamental na descentralização e na democratização da gestão pública. Mais que uma redistribuição de atribuições, a descentralização das políticas públicas, acompanhada da instituição de conselhos municipais, agrega uma contribuição em termos de abrir possibilidades para o fortalecimento do poder local, além de diminuir a distância entre os formuladores das políticas e o seu público alvo (DIEGUES, 2013). Desse modo, os conselhos gestores existem nas três esferas: nacional, estadual e municipal. Dentre as principais funções dos conselhos gestores, destacam-se duas: consultiva e/ou deliberativa. Quando consultivo, o conselho gestor tem a função de emitir parecer e sugestões sobre as políticas, não dispondo do poder de decisão. Na condição de deliberativo, possui o poder de discutir e decidir sobre a orientação das políticas públicas a serem executadas pelo governo (MARTINS et al., 2008). Outras funções são atribuídas aos conselhos gestores, como a de normatização e a de fiscalização (KLEBA et al., 2010). São atribuições gerais de um conselho: i) definição de planos de trabalho e cronogramas de reunião; ii) produção de diagnósticos e identificação de problemas; iii) conhecimento de estruturas burocráticas e de mecanismos legais do setor; iv) cadastramento de entidades governamentais e não- governamentais; v) discussão e análise de leis orçamentárias e elaboração de proposições; vi) acompanhamento de ações governamentais através de relatórios, visitas de campo e entrevistas com os dirigentes e usuários dos serviços (TEIXEIRA, 2000, p. 112). A expansão dos conselhos gestores no Brasil se dá a partir dos anos de 1996/1997. Nesse período, a transferência de recursos para os municípios passou a ser feita em função da existência de um conselho (GOHN, 2002). Dessa forma, a maioria das secretarias setoriais deveria obrigatoriamente dispor de um conselho gestor. É o que se observou em diferentes âmbitos da gestão pública, a exemplo da política agrária, através dos Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável, criados com fins de 24 recebimento de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) pelos municípios (ABRAMOVAY, 2001). No contexto educacional, a criação dos conselhos gestores representa uma possibilidade para a participação comunitária na discussão das questões educacionais do município, uma vez que a tradição dominante era restringi-la aos atores internos da escola (dirigentes, professores, etc.), ainda que seja visível uma baixa apropriação dessas instâncias pela população, dado o seu caráter recente (GOHN, 2011). Nessa perspectiva, uma das dificuldades enfrentadas pelos conselhos municipais de educação tange ao exercício de muitas atribuições técnico-burocráticas, e que têm dificultado um olhar mais amplo a sobre a educação como um todo (GUIMARÃES, 2006). Na direção de uma educação voltada ao desenvolvimento rural de base local, a ideia sustentada neste estudo é de que outros conselhos gestores poderiam interagir com os CME, a exemplo dos CMDRS e dos Condema, pelo fato destes estarem inseridos na discussão relativa ao desenvolvimento local sustentável. Da mesma forma que na política educacional admite-se a dificuldade de fomentar nas escolas rurais a identidade com o campo e o trato da sustentabilidade, os CMDRS tendem a ser estritamente setoriais, o que acaba por comprometer a execução de uma política municipal integrada (BEDUSCHI FILHO; ABRAMOVAY, 2004). Uma possibilidade enxergada para o fortalecimento da educação do campo seria a abordagem intersetorial. Segundo Nascimento (2010), a intersetorialidade parte do entendimento de que as políticas setoriais nem sempre apresentam soluções completas, havendo a necessidade de comunicação para identificar as necessidades e os benefícios a serem oferecidos. Nessa perspectiva, a abordagem intersetorial enquanto nova lógica da gestão pública municipal visa “superar a fragmentação das políticas e considerar o cidadão na sua totalidade, nas suas necessidades individuais e coletivas”, totalidade essa que passa pelas relações sociedade-natureza (JUNQUEIRA, 1998, p. 15). De acordo com Comerlatto et al. (2007, p. 268), a intersetorialidade inclui “espaços comunicativos, capacidade de negociação e intermediação de conflitos para a resolução ou enfrentamento final do problema principal e para a acumulação de forças, na construção de sujeitos, na descoberta da possibilidade de agir”. Nesse contexto, os conselhos podem desempenhar um papel crucial – no caso em questão, na aproximação das políticas setoriais da educação, da agricultura e de meio ambiente, a fim de potencializar uma política de educação do campo compreendida desde o seu território. 25 CAPÍTULO II: TRILHA METODOLÓGICA 1. Caracterização do estudo Este estudo é fruto de uma pesquisa qualitativa 5 , uma vez que considera a existência de “uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito” (CHIZOTTI, 2003, p.79). A escolha pela abordagem qualitativa deveu-se ao fato desta ser a mais apropriada à pesquisa educacional, uma vez que “a produção de conhecimentos sobre os processos educativos é a interpretação – estudada, fundamentada, analisada, refletida – da realidade investigada, sem perspectiva de neutralidade” (TOZONI-REIS, 2008, p. 159). 2. Universo investigado A pesquisa foi realizada no município pernambucano de Brejo da Madre de Deus, situado na Região Agreste Central. Localizado a 198 km a oeste da cidade de Recife, o município está inserido no alto trecho da bacia hidrográfica do rio Capibaribe, limitando-se com os municípios: a norte com Santa da Cruz do Capibaribe e Taquaritinga do Norte; a sul com Belo Jardim, Tacaimbó e São Caetano; a leste com Caruaru, e a oeste com Jataúba (Figura 1). Criado no ano de 1833, o município é atualmente dividido em cinco distritos: Distrito Sede, Barra do Farias, Fazenda Nova, Mandaçaia e São Domingos (CONDEPE-FIDEM, 2014; PERNAMBUCO, 2014). Figura 1 - Localização de Brejoda Madre de Deus e adjacências Fonte: Google Maps 5 A natureza de alguns dados da pesquisa requereu um tratamento quantitativo. 26 Devido a sua inserção numa área de brejos de altitude, o município apresenta dois dos seis pontos mais elevados do estado de Pernambuco, a Serra da Boa Vista (1.195 metros – o mais elevado do estado) e a Serra dos Caboclos (1.180 metros). Nessas áreas, também são encontradas nascentes importantes de dois importantes rios pernambucanos, o Capibaribe e o Ipojuca. Ademais, a região brejeira do município abriga um importante resquício de mata atlântica, a mata do Bitury, a qual tem uma parte protegida em Reserva de Patrimônio Particular Natural (RPPN). Mas, a paisagem natural predominante é a semiárida, com a presença do bioma Caatinga (Figura 2). Figura 2 - Registro das duas principais paisagens naturais do município (à esquerda, a região brejeira, com vegetação de mata atlântica; à direita, a região semiárida com vegetação da caatinga). Fonte: arquivo do autor (2016) O município tem a sua base econômica na agropecuária, a qual se diferencia em dois ramos principais: na região semiárida, a agricultura é voltada ao cultivo do milho e do feijão, enquanto que a pecuária é voltada à bovinocultura, à caprinocultura e à ovinocultura. Já na região brejeira, que apresenta um clima ameno (subúmido) e as precipitações são mais elevadas que na anterior, a agricultura é voltada ao cultivo de olerícolas e frutíferas, enquanto que a pecuária ocorre através da piscicultura, da apicultura e da meliponicultura. Outra base é o turismo cultural e religioso, com destaque para a Paixão de Cristo, realizada anualmente no distrito de Fazenda Nova. No tocante às políticas de desenvolvimento rural sustentável, o município conta com uma secretaria municipal de agricultura e dois conselhos municipais atuantes, compreendidos como relevantes para esta pesquisa, são eles: o CMDRS e o Condema. a) Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDRS) 27 Os CMDRS são regulamentados pelo Decreto de nº 3.508/2000, tendo a sua maioria sido criada a partir de 1997, como condição de recebimento de recursos do Pronaf pelos municípios (ABRAMOVAY, 2001), a fim de promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural, formado pelos agricultores familiares. Nessa direção, são colegiados voltados à participação e ao controle social na definição, implantação e avaliação das políticas de desenvolvimento rural municipal, com vistas ao aumento da produção, emprego e qualidade de vida no campo (MOURA, 2007). No caso do município estudado, o CMDRS é conhecido pela sigla Condesb (Conselho de Desenvolvimento Sustentável de Brejo da Madre de Deus) e foi fundado no ano de 2001, através da Lei municipal nº 093/2001. É um conselho deliberativo, de composição paritária, formado por membros do poder público (legislativo e executivo), de organizações não-governamentais e da sociedade civil organizada (associações, cooperativas, sindicatos de trabalhadores rurais – atualmente participam 16 associações, duas cooperativas e dois sindicatos). Dentre suas funções, menciona-se a promoção de articulação entre as políticas municipais voltadas para o desenvolvimento rural. b) Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema) Os Condema são regulamentados pela Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente. A maior parte desses Conselhos surgiu no país a partir de 1997, após a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama 237/97, que estabeleceu a criação de conselhos de meio ambiente pelos entes federativos como uma das condições para exercer a competência do licenciamento ambiental (FERREIRA; FONSECA, 2014). Assim como nos demais setores, os Condema possuem um papel na descentralização das políticas públicas, na perspectiva de fortalecer a participação e controle social sobre as políticas ambientais. Embora, a área ambiental possua muitas dificuldades para sua implementação (ÁVILA; MALHEIROS, 2012; LEME, 2010). Quanto ao Condema de Brejo da Madre de Deus, este foi criado em 2009, através da Lei nº 238/2009. É um conselho consultivo e deliberativo, de composição paritária, formado por 13 membros, representantes do poder público e da sociedade civil. A composição do Condema, comparada ao Condesb, demonstra ser mais ampla ao incluir a participação de outras secretarias municipais, como a secretaria de educação. Nessa perspectiva, o Condema tem o papel de promover e colaborar na execução de programas intersetoriais de proteção ambiental do município. 28 3. Procedimentos, instrumentos e sujeitos pesquisados A pesquisa foi conduzida entre o segundo semestre de 2015 e o primeiro bimestre de 2016, abrangendo o emprego de três técnicas principais, ou seja, a análise documental, a entrevista semiestruturada e a observação direta. a) Análise documental A análise documental corresponde ao tratamento metodológico dos documentos que contém informações sobre o objeto de pesquisa. A análise dos documentos informa, indica e esclarece os conteúdos que elucidarão as questões determinadas pelo pesquisador (FIGUEIREDO, 2007). Dessa forma, cabe ao pesquisador fazer a seleção criteriosa dos documentos, pois só assim será possível administrar melhor o tempo. Essa seleção implica, ainda, na relevância do material recolhido, o que para alguns pesquisadores se traduz numa análise inicial. Com relação à política de educação do campo, foram considerados os seguintes documentos: o plano municipal de educação, notícias publicadas em websites locais e dados disponíveis em plataformas do IBGE e do Censo Escolar do Ministério Educação. Com relação à ação dos conselhos estudados, foram consultados as leis de criação e os seus estatutos, onde se buscou identificar atribuições de cunho educativo ou a representação do setor educacional na composição dos Conselhos pesquisados; o Plano Municipal de Convivência com o Semiárido, coordenado pelo Condesb, e atas das reuniões dos conselhos ocorridas nos últimos cinco anos. Estas foram analisadas em função dos temas das pautas, sendo a frequência dos temas de cunho educacional quantificada com suporte do Microsoft Excel. b) Entrevista semiestruturada Além dos documentos, as informações foram obtidas por meio de entrevistas semiestruturadas, com a finalidade de dar voz aos sujeitos sociais envolvidos nas instituições já citadas. A entrevista semiestruturada se caracteriza por questionamentos básicos, tópicos, relacionados com o tema estudado e organizados num roteiro. Esse tipo de entrevista não é inflexível, pois pode acolher outras questões que surgem da conversa entre entrevistador e entrevistado. Para Triviños (1987, p. 152), a entrevista semiestruturada “[...] favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade [...]”. 29 As entrevistas foram realizadas entre os meses de outubro de 2015 e fevereiro de 2016, com a colaboração de quatro partícipes: uma representante da secretaria de educação (Alfa 6 ), um conselheiro do CME representante dos professores (Beta 6 ), um conselheiro do Condesb representante dos trabalhadores rurais (Delta 6 ), e uma conselheira do Condema representante do poder executivo (Gama 6 ). Anteriormente à realização das entrevistas, foi feita uma breve apresentação do projeto e de um Termo de Consentimento Livre Esclarecido (Apêndice 1), o qual foi assinado pelos sujeitos da pesquisa, atestando a disposição em participar doestudo. No decorrer, as entrevistas foram audiogravadas para posterior transcrição e análise. Nas entrevistas, foram adotados três roteiros específicos, conforme o perfil do/a entrevistado/a: o primeiro (Apêndice 2), aplicado ao/a representante da secretaria de educação, vislumbrou perguntas relacionadas à educação do campo no município, dentro de temas gerais: estrutura e funcionamento, políticas públicas, currículo e prática pedagógica, formação de professores e gestão participativa e intersetorialidade. Na mesma direção, foi adotado um segundo roteiro (Apêndice 3) para o/a conselheiro/a do CME, tendo as perguntas ênfase na realidade do trabalho docente nas escolas do campo e a atenção do CME quanto à educação do campo.O terceiro (Apêndice 4), por sua vez, foi direcionado aos/as conselheiros/as do Condesb e do Condema, com questões relacionadas a inserção de aspectos da educação do campo nas discussões e deliberações desses conselhos. c) Observação direta A técnica da observação possibilita “conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar” (MARCONI; LAKATOS, 2003, p. 190). Quando sistemática, o observador está ciente do propósito, fazendo uso de instrumentos, como anotações. No intuito de levantar informações complementares a respeito da educação do campo no município, foi realizada uma observação durante uma reunião ocorrida em fevereiro de 2016, envolvendo a participação dos conselhos ligados à educação - CME, Conselho de Alimentação Escolar e Conselho do Fundeb, sendo as informações registradas por escrito. 6 Os nomes das letra gregas foram atribuídos aos/as entrevistados/as como forma de preservar sua identidade, em atendimento ao TCLE. 30 CAPÍTULO III: PONTOS DE CHEGADA 1. O estado da política de educação do campo no município Segundo a secretaria municipal de educação, Brejo da Madre de Deus possui 48 escolas municipais, sendo 41 escolas situadas na zona rural (85%). A rede municipal atende aos estudantes da educação infantil, do ensino fundamental, tendo abrangido a Educação de Jovens e Adultos (EJA) 7 , hoje sob a atenção da rede estadual. Segundo o Censo Escolar (Quadro 1), no ano de 2014 era 43 o número de escolas rurais, atendendo a 1.595 estudantes distribuídos no curso da educação infantil (creche e pré-escola) e nos anos iniciais do ensino fundamental. Em 2010 o número de escolas rurais equivalia a 47 unidades, atendendo 2537 estudantes, incluindo o público da EJA. Quadro 1 - Matrículas nas escolas do campo da rede municipal de Brejo Madre de Deus Ano Quantidade de escolas Número de matrículas Creche Pré-escola Anos iniciais Anos finais Educação de Jovens e Adultos 2014 43 88 272 1.235 0 0 2013 44 82 318 1.201 0 85 2012 44 104 412 1.148 0 564 2011 44 54 407 1.283 0 430 2010 47 100 400 1.343 0 694 Fonte: Censo Escolar/INEP. Um aspecto evidenciado nos dados do Censo Escolar foi a não-oferta de matrículas para os anos finais do ensino fundamental. Segundo o representante do CME, o município conta com três escolas do campo que oferecem o curso do ensino fundamental nos anos finais; contudo, essa não tem sido a condição apontada pelo censo. Uma razão estaria no fato de, algumas vezes, as escolas do campo serem consideradas como urbanas em algumas avaliações externas, a exemplo de uma situação retratada pelo/a representante da secretaria de educação: Nós temos uma situação bem interessante. Nossas escolas do campo, estão na área rural. Porém, nós temos uma situação do distrito de Mandaçaia que a escola é do campo, recebe alunos do campo, mas dentro do sistema do MEC, do censo escolar, ela é urbana. A gente ainda não conseguiu fazer essa modificação. Então, o material que vem pra ela, por exemplo, o PNLD Campo: ela não é contemplada pelo PNLD Campo. (Alfa) 7 Em outros contextos tem se adotado a denominação “Educação de Jovens, Adultos e Idosos – EJAI”, em reconhecimento do direito do idoso à educação, previsto na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). 31 Do ponto de vista da sua organização, as escolas são distribuídas em cinco setores (setores A, B, C, D e E), funcionando com equipe docente e funcionários de serviços gerais. A gestão é feita de forma itinerante, havendo por parte da secretaria a designação de um/a coordenador/a para cada setor. Essa coordenação é responsável por acompanhar as escolas abrangidas por cada um dos setores, fazendo o acompanhamento administrativo e pedagógico da escola, tanto através da visita às escolas como realizando atendimento no próprio prédio da secretaria, situada no distrito Sede. A secretaria não dispõe de uma coordenação específica para a educação do campo. Para Martins (2012), a gestão escolar do campo precisa revestir-se das mesmas especificidades com as quais a educação do campo necessita ser considerada e implementada. Contudo, a adoção do modelo de gestão itinerante tem sido comum em muitos municípios, sendo notória a carência de estudos sobre essa prática de gestão e os impactos sobre o alcance de uma gestão educacional democrática. No caso pesquisado, o relato dado quanto ao processo de escolha desse “gestor itinerante” (via designação pelo poder executivo) aponta uma primeira fragilidade quando, numa perspectiva democrática, caberia a comunidade escolar escolher livremente o/a gestor/a escolar. No tocante ao funcionamento das escolas, boa parte delas funciona em formato multisseriado. Segundo D’Agostini, Taffarel e Santos Júnior (2012, p. 315), as escolas multisseriadas se caracterizam como “pequenas, em locais de difícil acesso e conta com baixa densidade populacional; com apenas um professor, todas as séries estudam juntas numa mesma sala de aula”, tendo correspondido a 50% das escolas do campo existentes todo o Brasil em 2011. No município estudado, essas escolas são identificadas principalmente na região brejeira, mas, também na zona semiárida (Figura 3). Figura 3 - Escolas do campo multisseriadas localizadas na região brejeira (à esquerda, registro: novembro/2015) e na região semiárida (à direita, registro: fevereiro/2016) Fonte: arquivo do autor (2016) 32 Nessa direção, o difícil acesso tem sido um fator para a existência das escolas multisseriadas no município, segundo o relatado pela representante da secretaria: São regiões de difícil acesso, subindo as serras. Então, nessas escolas ainda funcionam as turmas multisseriadas [...]. Nós temos localidades aqui que o difícil acesso é enorme, que o professor é da própria comunidade mesmo, porque até pra mandar o professor daqui pra lá já é mais complicado, e se chover já não tem aula, porque o professor é daqui, e ele não vai nem de moto, nem de Toyota, porque é bem distante. (Alfa) Segundo o conselheiro do CME, o município ainda possui muitas escolas multisseriadas, dada a característica territorial do próprio lugar. Como professor de escola do campo, reconhece a complexidade do trabalho pedagógico nesse formato de organização, ao mesmo tempo em que demonstra uma percepção positiva quanto à sua atuação na escola multisseriada: Assim, as pessoas quando falam em multisseriada, veem como algo bem complexo. De fato, você tem um trabalho, uma atenção maior; mas também tem o lado gratificante, é minha experiência com multisseriada. [...] Eu estou gostando, eu não vejo peloque as pessoas falam, pelas dificuldades que as pessoas falam. Eu acho que é bem mais complexo, você tem que ter uma atenção bem mais especial. São várias turmas juntas, vários tipos de atividades, você tem que fazer mais de um planejamento. Mas é bom. (Beta) Um trabalho desenvolvido por Aguiar (2012), em torno da prática docente em uma escola multisseriada do mesmo município, apontou uma percepção semelhante por parte de uma professora. Segundo os resultados do estudo, as dificuldades são visíveis, como a escassez do tempo para dedicação às necessidades individuais de cada estudante e a facilidade de dispersão das crianças em atividades que requerem um grau de concentração. Ao mesmo tempo, os professores demonstraram uma avaliação positiva ao afirmar que a heterogeneidade da turma pode contribuir para uma atividade mais dinâmica. Na mesma direção, professores/as do Cariri paraibano também sinalizaram vantagens da organização multisseriada, como a possibilidade de trabalhar um mesmo conteúdo considerando os diferentes níveis escolares (LEAL, 2012). A respeito da formação dos/das professores/as que atuam na rede, a representante da secretaria de educação alegou que a maior parte dos/das docentes do município possui formação em nível de pós-graduação, bem como ratificou a inexistência de um currículo específico voltado para as escolas do campo. Ao mesmo 33 tempo em que reforça uma situação generalizada, gera um sentimento de surpresa diante do fato do município ser reconhecido como Capital da Agroecologia e ter 85% de suas escolas municipais situadas no campo. Ao passo em que é reconhecida essa condição, alguns esforços são buscados pela secretaria de educação do município: a) Organização das escolas Com relação à infraestrutura, a análise feita pela representante da secretaria de educação é de que a maior parte das escolas possui uma boa organização, uma vez consideradas as reformas feitas em escolas e creches da zona rural 8 . Contudo, não ignora a necessidade ainda existente por parte de algumas unidades, relatando: Em relação à infraestrutura, a maioria das escolas tem uma infraestrutura boa; mas nós ainda temos escolas que ainda estão necessitando com urgência de reforma [...]. Nós temos escolas que têm geladeira, geladeira com água e freezer, todos os eletrodomésticos [...]. Mas também ainda temos aquelas, que estão lá, caindo aos pedaços, porque não chegou a verba. (Alfa) O relato concedido pelo conselheiro do CME, representante do segmento docente, foi convergente com o depoimento acima: Eu trabalhei numa escola no ano passado, que nós trabalhávamos em garagens, que na escola não tinha condições de dar aula. Atualmente, ela está sendo reformada, ainda continua em garagem, mas é uma coisa de bem pouco tempo. (Beta) Com relação à alimentação escolar, existe um cardápio específico para cada nível escolar (educação infantil, ensino fundamental e EJA), sendo a merenda oferecida duas vezes no turno. Boa parte dos itens alimentícios é advinda da produção local, em atendimento ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Dos 30% previstos na lei do PNAE, relatou-se na reunião que em 2015 a taxa de aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar foi de 50%. Segundo websites locais 9 o município foi um dos primeiros a se adequar ao PNAE, através da aquisição de produtos como mel e hortifrutigranjeiros, fornecidos pelas associações e cooperativas locais. Com relação ao material didático, um dos livros adotados pelo município é o da coleção Girassol, destinada às escolas do campo, adquirida por meio do Programa Nacional do Livro Didático Campo (PNLD campo): 8 Notícias em postagens de 2012 e 2013: (http://educacaobrejomdeus.blogspot.com.br/). 9 Notícia nos blog da Escola São Domingos (http://saodomingosdocapibaribe.blogspot.com.br/2010/05/merendaescolardaagriculturafamiliar.html). 34 No PNLD Campo anterior tinha a coleção do Buriti e a Girassol. Esse ano, só foi a Girassol. Então não houve opção, e quando a gente sabe que quando o sistema vem lá de cima pra chegar na base, então tinha que adaptar à Girassol. Tem algumas fragilidades dentro da coleção, mas é o que mais se aproxima no momento e a gente não podia ficar sem o livro [...]. A gente vai ter que dialogar com eles (professores) com o cuidado do olhar que eles têm que ter com aquele livro que, muitas vezes, tá com uma visão bem distorcida do campo, dentro do próprio livro. É isso que a gente tem tentado fazer [...]. (Alfa) De uma forma geral, a situação de boa parte das escolas do campo do município demonstra atender a padrões de um bom funcionamento, dentro dos quesitos da infraestrutura, da alimentação escolar e do material didático. Muitas das ações tomadas como exemplo, conforme as notícias consultadas, se deram após o ano de 2010, marco da instituição da Política Nacional de Educação do Campo (PNEC). Certamente, salvaguardam-se casos em que escolas necessitam de intervenções urgentes, como por exemplo, quando não há mais de uma opção para a escola do livro didático, reconhecido como importante produto de uma política específica, como o PNLD Campo. b) Formação de professores Uma das dificuldades da educação do campo do município tange à inexistência de uma política permanente de formação continuada para os docentes específica para o campo. O que existe é uma investida em ações pontuais, como é o caso do programa Pacto Nacional da Alfabetização da Idade Certa (PNAIC) que, mesmo sendo ofertado a todos/as os/as professores/as do município, dedicou um dos módulos às escolas multisseriadas o que, de certa forma, deu uma abertura ao reconhecimento das especificidades da realidade educacional do campo. Outra ação pontual tem sido a participação em eventos voltados à educação do campo (Figura 4). Figura 4 - Professores/as no II Seminário Estadual de Educação do Campo no município de Gravatá (à esquerda) e no Fórum de Educação do Campo, no município de Brejo da Madre de Deus (à direita) Fonte: Blog da secretaria municipal de educação (2012) 35 No segundo semestre do ano de 2015, foi sinalizado pela representante da secretaria municipal de educação que o município vem buscando uma adesão ao Programa Escola da Terra, o qual já tendo ocorrido numa primeira edição, nesta visa atender o atual corpo docente da rede municipal, conforme o relato abaixo: Atualmente, fizemos uma adesão ao programa Escola da Terra.[...] Nesse processo de ação, a gente está tentando agora, para 2016, conseguir levar professores para ter essa formação que possa direcionar a esse novo olhar [...]. Então, como a maioria das nossas escolas é multisseriada, e não se tem realmente um trabalho especificamente em série, aí essas são as soluções. [...] Os professores vão ter agora a oportunidade de vivenciar, até porque ele é um curso que não vai dar subsídios didáticos [...]. Ele vai dar o suporte de compreensão, o que é a educação do campo, no âmbito da política, no âmbito das questões do meio ambiente, da agroecologia, tudo isso a gente deve reverter em prática na escola. (Alfa). Nessa perspectiva, Silva e Carmo (2008) discutem a importância de políticas de formação para os professores que atuam nas escolas do campo, em especial para aqueles cuja trajetória de formação tenha se dado desvinculada dos movimentos sociais ou descontextualizada com o campo. A partir de uma análise conduzida pelos autores no contexto da zona da mata de Pernambuco, alguns fatores têm sido identificados
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