Buscar

direito e democracia v12n1

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 170 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 170 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 170 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Presidente
Adilson Ratund
Vice-presidente
Jair de Souza Junior
DIREITO E DEMOCRACIA
Indexador: LATINDEX
Editor
Anderson Vichinkeski Teixeira
Conselho Editorial
Membros internacionais
André-Jean Arnaud (Paris X-Nanterre)
Etienne Picard (Université de Paris I/França)
Fabio Saponaro (Unitelma Sapienza/Itália)
Giuseppe Tinelli (Università Roma Tre/Itália)
Reitor
Marcos Fernando Ziemer
Vice-Reitor
Valter Kuchenbecker
Pró-Reitor de Administração
Levi Schneider
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Erwin Francisco Tochtrop Júnior
Pró-Reitor de Graduação, Extensão
e Assuntos Comunitários
Ricardo Willy Rieth
Pró-Reitor Adjunto de Graduação
Pedro Antonio Gonzalez Hernandez
Capelão Geral
Gerhard Grasel
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero
Luigi Ferrajoli (Università Roma Tre/Itália)
Raúl Cervini (Universidad de la Republica de Uruguay)
Wanda Capeller (Toulouse/França)
Membros nacionais externos
Aldacy Rachid Coutinho (UFPR)
Cláudio Brandão (UFPE)
Cláudio Muradás Homercher (Uniritter)
Eduardo Reale Ferrari (USP)
Elaine Harzheim Macedo (PUCRS)
Gerson Luiz Carlos Branco (PUCRS)
Ielbo Marcus Lôbo de Souza (UNISINOS)
Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR)
José Maria Rosa Tesheiner (PUCRS)
Luís Afonso Heck (UFRGS)
Miguel Reale Jr. (USP)
Nereu José Giacomolli (PUCRS)
Vladimir Passos de Freitas (UFPR)
Membros nacionais internos
Anderson Vichinkeski Teixeira (ULBRA)
Ângelo Roberto Ilha da Silva (ULBRA)
Jayme Weingartner Neto (ULBRA)
Leonel Pires Ohlweiler (ULBRA)
Wilson Antônio Steinmetz (ULBRA)
EDITORA DA ULBRA
Diretor: Astomiro Romais
Coordenador de periódicos: Roger Kessler Gomes 
Capa: Everaldo Manica Ficanha
Editoração: Roseli Menzen
E-mail: editora@ulbra.br
Solicita-se permuta. We request exchange.
On demande l’échange. Wir erbitten Austausch.
Endereço para permuta
Universidade Luterana do Brasil
Biblioteca Martinho Lutero
Setor de aquisição
Av. Farroupilha, 8001 - Prédio 05
92425-900 - Canoas/RS
D598 Direito e Democracia: revista do Centro de Ciências Jurídicas / 
Universidade Luterana do Brasil. - Vol. 1, n. 1 (2000)- . - 
Canoas : Ed. ULBRA, 2000- . 
v. ; 23 cm.
Semestral.
A partir do vol. 1, n. 2 (2000), o subtítulo foi modificado para 
Revista de Ciências Jurídicas.
ISSN 1518-1685
1. Direito - periódicos. 2. Ciências jurídicas. I. 
Universidade Luterana do Brasil.
CDU 34(05)
DIREITO E DEMOCRACIA
Revista de Ciências Jurídicas - ULBRA
oVol. 12 - N 1 - Jan./Jun. 2011
ISSN 1518-1685
O conteúdo e estilo lingüístico são de responsabilidade 
exclusiva dos autores. Direitos autorais reservados.
Citação parcial permitida, com referência à fonte.
Sumário
2 Editorial
 Doutrina nacional
3 O direito à saúde perante o Poder Judiciário 
 Giovani Clark; Wander Henrique de Almeida Costa
21 Refl exões sobre a responsabilidade civil do transportador rodoviário urbano 
 Sérgio Alves Boscaíni; Luiz Gonzaga Silva Adolfo
41 Os direitos humanos na encruzilhada biopolítica 
 Murilo Duarte Costa Corrêa
65 Signos distintivos e desenvolvimento: como utilizar os direitos de propriedade 
intelectual para a proteção da sociobiodiversidade amazônica
 Kelly Lissandra Bruch
79 O dever de colaboração (entre e das partes) no processo civil-constitucional e a 
efetiva prestação da tutela jurisdicional executiva: o dever fundamental do executado 
de nomear bens passíveis de penhora 
 Alexandre Grandi Mandelli; Christian Frau Obrador Chaves
106 Crimes passionais: direito e psicopatologia 
 Ariane Sommer Torres Rufatto 
 Doutrina estrangeira
124 La tassazione degli enti non residenti in Italia 
 Fabio Saponaro
153 El contrato de transporte de personas como contrato de adhesión 
 Marinêz De Oliveira Xavier
 Conferência
159 Quando o pensamento é privatizado: liberdade de expressão, direitos autorais e 
censura 
 Alexandre Nodari
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 20112
Editorial
Com grande honra apresentamos o primeiro número do décimo segundo volume 
da Revista Direito e Democracia, gerida pelo Curso de Direito da Universidade 
Luterana do Brasil. Aproveitamos o ensejo para saudar a entrada no Conselho Editorial 
Interno dos professores Jayme Weingartner Neto e Luiz Gonzaga Silva Adolfo. No 
Conselho Editorial Internacional contamos agora com as presenças dos ilustres 
professores Giuseppe Tinelli, Fabio Saponaro e Raúl Cervini, os quais passaram a 
contribuir para a maior internacionalização da nossa Revista. 
Na seção Doutrina Nacional, contamos com um artigo de Giovani Clark e 
Wander Henrique de Almeida Costa sobre o direito à saúde perante o poder judiciário. 
De Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Sérgio Alves Boscaíni vem uma análise sobre a 
responsabilidade civil do transportador rodoviário urbano.
Direitos humanos e biopolítica é tema estudado por Murilo Duarte Costa 
Corrêa. Os direitos de propriedade intelectual para a proteção da sociobiodiversidade 
amazônica é objeto de estudo para Kelly Lissandra Bruch. De Alexandre Grandi 
Mandelli e Christian Frau Obrador Chaves contamos com um estudo sobre o dever 
fundamental do executado de nomear bens passíveis de penhora. Os crimes passionais, 
em um diálogo entre Direito e Psicologia, é tema do artigo de Ariane Sommer Torres 
Rufatto. 
Na seção Doutrina Estrangeira, o nosso novo conselheiro, Fabio Saponaro, 
apresenta estudo acerca da tributação de empresas não residentes na Itália. O contrato 
de transporte de pessoas como contrato de adesão se constitui em tema enfrentado 
em artigo de Marinêz De Oliveira Xavier. 
Por fi m, Alexandre Nodari trata de liberdade de expressão, direitos autorais e 
censura em texto base preparado para conferência no II Congresso Internacional de 
Direitos Humanos da ULBRA.
Reiteramos nossa satisfação em receber trabalhos de quem tiver interesse 
em vê-los publicados nesta revista. Os artigos poderão ser remetidos para: 
revistadireitoedemocracia@gmail.com
Anderson Vichinkeski Teixeira
Editor
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 3
O direito à saúde perante o Poder Judiciário
Giovani Clark
Wander Henrique de Almeida Costa
RESUMO
Este artigo serve à reflexão sobre as constantes interferências do Poder Judiciário no Poder 
Executivo para corrigir situações de déficit no gozo de direitos sociais pela sociedade.
A análise da possibilidade de interferência é enfocada dentro da doutrina da Separação de 
Poderes e do processo democrático, e esta situação, num primeiro momento, está em desacordo 
com o pensamento filosófico iluminista, contrário à intervenção de uma esfera de Poder de Estado 
em outro; todavia, verifica-se que a interferência é necessária para atenuar a desigualdade social 
que macula o paradigma do Estado Democrático de Direito.
Na falta de efetivação do Direito à Saúde por intermédio de políticas públicas omissas, 
ocorre uma desenfreada privatização da saúde que restringe o acesso à saúde para milhares de 
brasileiros. Dessa forma, deve-se demonstrar que um caminho importante para a sociedade é a 
judicialização da saúde, minimizando os impactos sociais da inexistência de uma política pública 
eficaz para a saúde. 
Para Rousseau, “O pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade que eles se 
comprometem todos nas mesmas condições e devem todos gozar dos mesmos direitos”. Todavia, 
quando no Estado de Direito Brasileiro determinados Direitos Sociais são negados, infirma-se no 
tecido social uma desigualdade que deve ser repelida tendo em vista que, apesar de simbólica a 
igualdade social, é necessária a existência de meios, se não para alcançá-la e realizá-la plenamente, 
pelo menos para diminuir o abismo social existente e transformar o paradigma do Estado 
Democrático de Direito num idealismo jurídico quase real.
Palavras-chaves:Constituição. Direitos sociais. Poder Judiciário.
The right to health before the Judiciary
ABSTRACT
This article serves to reflect on the constant interference of the judiciary in the executive 
branch to address deficit situations in the enjoyment of social rights by the society.
The analysis of interference is examined within the doctrine of Separation of Powers and the 
democratic process and the situation at first is at odds with the Enlightenment philosophical thought, 
contrary to the intervention of a sphere of power in another state, however there is that interference 
is necessary to mitigate social inequality that blights the paradigm of a democratic state.
In the absence of realization of the Right to Health through public policy is missing 
an unbridled privatization of health that restricts access to healthcare for thousands of 
Giovani Clark é Doutor em Direito Econômico pela UFMG. Professor dos Cursos de Graduação em Direito na 
PUC Minas e na UFMG. Professor do Programa de Pós-Graduação da PUC Minas. Presidente da Fundação 
Brasileira de Direito Econômico.
Wander Henrique de Almeida Costa é Mestrando em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação da 
Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Pesquisador da Fundação Brasileira de Direito Econômico. Chefe 
da Assessoria Jurídica do Conselho Regional de Enfermagem de Minas Gerais.
Direito e Democracia v.12 n.1 p.3-20 jan./jun. 2011Canoas
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 20114
Brazilians. Thus, it should be demonstrated that an important pathway for the legalization 
of society is the health, minimizing the social impacts of the lack of an effective public 
policy for health.
For Rousseau “The social compact between citizens establishing such an equality, that they 
commit all the same conditions and everyone should enjoy the same rights.”, but when the rule of 
Brazilian law certain social rights are denied to invalidate the social fabric an inequality that must 
be rejected in view that despite the symbolic social equality requires the existence of means but 
to reach it and carry it at least to reduce the social divide that exists in society and changing the 
paradigm of the Democratic State of law in a legal idealism almost real.
Keywords: Constitution. Social rights. Judicial power.
1 O CONTRATO SOCIAL E A SEPARAÇÃO DE PODERES 
COMO FUNDAMENTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO 
DE DIREITO
A teoria atualmente denominada de mecanicista pela literatura nacional,1 que busca 
interpretar os fundamentos da sociedade, tem como fonte basilar o pensamento do francês 
Jean-Jacques Rousseau. O fi lósofo publicou em 1762 um ensaio que tratava das origens e 
dos fundamentos da sociedade, denominado Contrato Social, segundo o qual, em linhas 
gerais, os homens, em busca de sobrevivência nos primórdios da humanidade, a partir de 
um acordo racional e natural de vontades, em busca de melhores e maiores condições de 
sobrevivência, diante de um mundo bastante hostil, agregaram-se em sociedade através 
de um pacto social. A primeira sociedade humana observada foi a família, e nela nada 
além de alimentação e sexualidade importava. 
Aduz o fi lósofo que os homens, ao chegarem a um ponto em que a natureza lhes 
sobrepujava em forças, verifi caram que somente sobreviveriam caso se agregassem com 
os outros, formando assim, a partir de um conjunto de forças, a garantia da preservação da 
espécie. Para Rousseau, o homem natural era livre; todavia, o homem social agregado a 
uma sociedade também era livre, embora houvesse um comprometimento com os outros 
de sua espécie, uma vez que a sociedade lhe garantira direitos fundamentais essenciais 
como a vida, a liberdade e a propriedade.
O texto introduz a ideia de que o homem nasce naturalmente livre, mas logo se 
põe escravo (ROUSSEAU, 1978, p.22): “o homem nasce livre, mas por toda a parte 
encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais escravo do 
que eles.”. Para Rousseau, o homem, ao se associar a outros homens para superar as 
1 De acordo com FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros; FERREIRA E COSTA, Mônica Aragão Martiniano. Aulas 
de Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p.43, utilizando-se de ensinamentos de Paulo Bonavides, 
“a teoria mecânica e a teoria orgânica são as teorias históricas mais signifi cativas que buscam interpretar os 
fundamentos da sociedade. Os mecanicistas, que se fundamentam na razão como diretriz da convivência humana, 
dizem que a base da sociedade é o consenso, o acordo de vontades, com apoio na vontade livre e criadora dos 
indivíduos. Os organicistas entendem que o homem jamais nasceu livre, defendem o princípio da autoridade 
que envolve o indivíduo desde o seu nascimento, amparando-o, governando-o, e do qual jamais conseguirá se 
desligar inteiramente”.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 5
forças da natureza, perdia momentaneamente sua liberdade; todavia, logo a readquiria, 
uma vez que o pacto social lhe devolvia seu estado de liberdade inicial: 
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a pessoa e os bens de 
cada associado com toda a força comum, e pela qual cada um, unindo-se a todos, 
só obedece, contudo, a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes. Esse 
o problema fundamental cuja solução o contrato social oferece. (ROUSSEAU, 
1978, p.32) 
A teoria mecanicista de Rousseau (1978, p.39) deduz afi nal que o pacto social 
substitui a igualdade natural por uma igualdade moral e legítima tornando os homens 
iguais por convenção e de direitos, afastando-se a desigualdade natural originária na força 
individual ou no gênio pessoal de cada indivíduo.
Logo que formado o pacto social inicial, “esse ato associativo produz, em lugar 
da pessoa particular de cada contratante, um corpo moral e coletivo, composto de tantos 
membros quantos são os votos da Assembleia2 (ROUSSEAU, 1978, p.33)”, ou seja, 
forma-se para Rousseau a pessoa pública, o Estado, e os membros da Assembleia recebem 
coletivamente “o nome de povo e se chamam, em particular, cidadãos, enquanto partícipes 
da autoridade soberana, e súditos enquanto submetidos às leis do Estado (ROUSSEAU, 
1978, p.33-34).
Neste instante, verifi ca-se o rompimento do pensamento iluminista com o padrão 
de comportamento contemporâneo dos séculos XVII e XVIII. Compreendendo-se a 
época em que viviam ainda num período pré-moderno, tinham como soberanos os 
príncipes dos Estados Nacionais possuidores, como diziam, do Poder Divino da união 
direta com Deus.
Neste tempo, os reis de França, da Espanha, da Inglaterra e outros dominavam os 
territórios e seus habitantes, mas se a sociedade se formou sob o paradigma de um pacto 
social, o giro iluminista fomentava a igualdade como fundamento da sociedade, onde não 
havia senhor nem escravo, todos eram iguais, uma vez que os homens nasceram livres, e 
a mera convenção política e moral não retirava essa condição das pessoas.
A grande difi culdade enfrentada pelos fi lósofos iluministas foi demonstrar à 
sociedade contemporânea que todos eram iguais. Tal problema não ocorreu (teoricamente) 
com os primeiros colonos americanos quando chegaram ao “Novo Mundo”. Estes, livres 
da autoridade dos reis e dos soberanos europeus de forma natural, percebiam a igualdade 
entre os homens. 
2 Como o contrato, essa ‘Assembleia’ e esses ‘votos’ não têm existência concreta, mas apenas simbolizam a 
tomada de consciência de sua condição pelos componentes do corpo social”. Nota de Lourival Gomes Machado, 
1978, p.33.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 20116
Para os recém-chegados ao “Novo Continente”, o sentimento de igualdade foi 
facilmente percebido e agregado aos sentidos, posto que os soberanos não vieram com 
eles, e na “nova terra” não havia entre os passageiros dos navios ninguém realmente 
diferente, e a convivência em pequenos navios durante semanas acabavapor reduzir à 
igualdade o que poderia ainda haver de autoridade e superioridade.
Por isso, os pactos de igualdade e a divisão de terras fl oresciam entre os colonos 
que chegavam ao ‘Novo Mundo”, e um dos mais signifi cativos foi realizado a bordo do 
navio inglês Mayfl ower, em 11 de novembro de 1620, na costa marítima da Virgínia, 
quando os colonos fi rmaram um pacto de igualdade pouco antes de desembarcar nos 
Estados Unidos. 
Neste sentido ressalta Rousseau:
O pacto social estabelece entre os cidadãos uma tal igualdade, que eles se 
comprometem todos nas mesmas condições e devem todos gozar dos mesmos 
direitos. Igualmente, devido à natureza do pacto, todo o ato de soberania, isto é, 
todo o ato autêntico da vontade geral, obriga ou favorece igualmente todos os 
cidadãos, de modo que o soberano conhece unicamente o corpo da nação e não 
distingue nenhum dos que a compõem. (ROUSSEAU, 1978, p.50) 
Mas, formado o pacto social, os homens, apesar da inexistência de causas fáticas 
reais para perderem seu estado inicial de igualdade, adentravam em um estado de 
desigualdade uma vez que o homem-social só é feliz pelo discurso de terceiro. Dessa 
forma acentua o fi lósofo Rousseau:
A desigualdade não é legítima do ponto de vista natural. O homem selvagem 
conhece o repouso e a liberdade: seu próprio testemunho basta-lhe para ser feliz. 
Não possuem sentido, para ele, as palavras poderio e reputação. O homem policiado 
conhece o trabalho e a escravidão. Só é feliz pelo testemunho de outrem. Vive 
para as aparências: suas virtudes, no fundo, não passam de vícios disfarçados. 
(ROUSSEAU, 1978, p.212) 
Através do Contrato Social o homem se transforma em homem-moral quando 
se importa com o discurso das convenções, da riqueza e da ambição. Para Rousseau a 
instituição da propriedade foi o primeiro passo da humanidade em direção à desigualdade. 
E tudo começou com o desenvolvimento da metalurgia e da agricultura que fi xou o 
homem em locais determinados e fez com que se buscasse uma fonte de alimento cada 
vez com maior intensidade.
Através do trigo se alimentavam os metalúrgicos e serviam-se da sobra para o 
escambo de manufaturas. A posse das terras para a agricultura fez com que alguns, 
mais talentosos e corajosos, se tornassem homens ricos. E “a riqueza suscita a ambição, 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 7
a concorrência, a rivalidade de interesses, a herança e a dominação universal.” 
(ROUSSEAU, 1978. p.210).
A riqueza origina outras instituições também. Sendo o poderio da força 
insufi ciente para manter as riquezas acumuladas, o homem rico, “a fi m de legitimar 
a sua posse, imagina dar aos homens máximas e instituições além das naturais.” 
(ROUSSEAU, 1978, p.210), e, assim, criam-se associações, governos, e perde-se, 
enfi m, a liberdade. Tem-se que com a proliferação das sociedades o direito civil é 
implantado dentro delas, mas o direito natural continua a regular as relações entre 
as sociedades (necessidades dos homens pobres se chocam com os interesses dos 
homens ricos), daí as guerras nacionais.
As premissas e normas que regulam os estatutos das sociedades são mais vantajosas 
para os ricos do que para os pobres, que não têm nada mais a perder. Para Rousseau, 
o segundo passo para a desigualdade após a criação da propriedade é a criação dos 
magistrados “para fazer observar as deliberações do povo” (ROUSSEAU, 1978, p.211) e 
o terceiro passo para a criação da desigualdade é o despotismo, a partir do aparecimento 
do senhor e do escravo. 
O despotismo fecha o círculo da evolução. Com efeito, reencontra todos os 
caracteres do estado de natureza: os homens, então, são iguais por não valerem 
nada: o direito do mais forte vence; a moralidade reduz-se a uma obediência cega; 
não existe mais virtude de costumes, nem noção do bem. Um tal estado legitima 
todas as revoluções. (ROUSSEAU, 1978, p.212) 
Enfi m, criadas as sociedades através do Contrato Social, ao menos num primeiro 
momento se percebe uma igualdade real entre os homens, os quais, senhores e 
possuidores de sua liberdade, indicam governantes que não passam de representantes 
do povo pactuado socialmente e condutores dos destinos do Estado. Todavia, a fi m de 
conter o despotismo, torna-se necessária a existência de leis escritas longe do alcance 
dos monarcas, e aí neste ponto se apresenta a ideia do constitucionalismo consumada 
na máxima de que o povo, para ser livre, tem que viver em um Estado onde existam 
leis escritas e imutáveis pelos governantes. 
Nas refl exões de Charles Montesquieu (1979), o ideal para se manter um Estado 
livre da opressão e da arbitrariedade é manter um equilíbrio de forças entre os poderes, 
em um sistema denominado de freios e contra freios, onde um poder se equilibra com o 
outro, lançando assim a ideia da separação dos Poderes do Estado (Legislativo, Executivo 
e Judiciário), que convivem de forma independente e harmônica entre si.
Com base nos referenciais doutrinários iluministas, expostos resumidamente 
acima, parcela signifi cativa dos juristas fi xa e concebe os seus fundamentos essenciais 
para a formação do Estado Democrático de Direito, consagrando, preambularmente, 
em nosso Texto Constitucional de 1988, os seguintes ditames para o Estado brasileiro: 
“assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 20118
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma 
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.”. 
Ora, para se consumar os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade e bem-estar, 
pactuou-se, na Constituição de 1988, dentre outros direitos, o direito inalienável à saúde 
(curativa e preventiva), ou seja, o homem tem um direito inato de desfrutar de uma boa 
saúde como condição de vida digna e de bem-estar, incumbindo-se o Estado de prover 
tal direito. 
O desafi o do Estado brasileiro é trazer para a realidade socioeconômica o ideal 
normativo-jurídico constitucional de executar ações que visem assegurar e garantir a 
todos a promoção e recuperação da saúde de forma universal, plural e igualitária.
Apesar de termos usado os ensinamentos de Rousseau ao tratarmos do surgimento 
do Estado, sempre aceitos e difundidos entre os teóricos do Direito, isso não signifi ca 
alinhamento a eles, seja parcial ou totalmente. Apenas utilizamos essas premissas para 
demonstrar como parte considerável da doutrina justifi ca a construção e o surgimento 
do Estado. Por ora, no estágio Democrático de Direito.
Em nossa visão, poderíamos utilizar dos estudos de Marx (1987) e Engels (1984), 
que ensinam que o Estado surgiu para evitar uma luta estéril entre classes proprietárias 
e não proprietárias dos bens de produção, e apesar da luta não terminar com tal luta a 
construção do Estado evita a destruição imediata dos homens. Essa é a teórica mais 
apropriada em nossa ótica, mas ela é minoritariamente acatada entre os juristas e não foi 
a escolhida para fundamentar o artigo. 
2 DIREITO À SAÚDE: ORIGENS E EVOLUÇÃO
NO ESTADO BRASILEIRO
O Estado de Direito Brasileiro passou por sete constituições. A primeira delas 
ainda no Império foi outorgada pelo Imperador Dom Pedro I3. A nação brasileira, ao 
romper com o Império e se transformar em República, teve sua primeira Constituição 
promulgada em 1891, discutida e votada pelos “representantes do povo”. A Constituição 
de 1891 teve vigência até 1934, quando foi promulgado a nova Carta Política onde se 
inseriram os direitos sociais. 
Com o advento da ditadura implantada na denominada Era Vargas, foi outorgada 
a Constituição de 1937, em pleno sistema político de arbitrariedade denominado de 
Estado Novo. 
3 Historicamente se sabe que o Imperador queria e pediu à Assembleia Constituinte que inserisse no texto 
constitucional a subordinação do Poder Legislativo ao Executivo/Moderador,em face da resistência dos constituintes 
em aceder a este desejo. Logo após discutir com a Assembleia Constituinte Dom Pedro I mandou o Exército invadir 
o plenário em 12 de novembro de 1823, prendendo e exilando diversos deputados, em um episódio que fi cou 
conhecido como “A Noite da Agonia“. A Assembleia Constituinte foi substituída por uma comissão de dez pessoas 
nomeada pelo Imperador, que a portas fechadas elaborou o texto constitucional em conformidade com os desígnos 
do imperador, logrando ele uma vitória pessoal neste episódio e outorgando a constituição, fazendo com que o 
“Estado de Direito” brasileiro, nascesse com esta mácula, fruto do autoritarismo e da arbitrariedade.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 9
Em 1946 foi promulgada com a redemocratização da Nação uma nova Constituição, 
restabelecendo as liberdades expressas na Constituição de 1934. Com a implantação do 
regime militar, outras duas Constituições, em 1967 e 1969 (Emenda Constitucional) 
foram outorgadas durante os vergonhosos anos de chumbo. Todavia, em 1988, o Brasil 
retornou à normalidade democrática instituindo-se o denominado Estado Democrático 
de Direito com a Constituição de 1988.
Somente a partir da terceira Constituição, em 1934, se começou a falar em saúde em 
nossas Cartas Magnas. Naquele texto constitucional, insere-se no artigo 10 a competência 
concorrente da União e dos Estados para cuidar da saúde e da assistência públicas. 
Na Constituição de 1937, altera-se a competência legislativa concorrente entre 
União e Estados, competindo dessa feita, privativamente, à União legislar sobre normas 
fundamentais de defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança. Aos 
Estados era permitido somente suplementarmente, em caso de defi ciências ou omissões, 
legislar sobre a proteção da saúde. 
O tema saúde é mantido na Constituição de 1946 tal e qual foi tratado em 1937, 
alterado, todavia, na Carta de 1967, onde, além de fi xar a competência privativa da 
União para legislar sobre saúde, se vê a inserção de um embrião de planejamento no 
setor ao dispor da competência da União para estabelecer planos nacionais de educação 
e saúde.
Por sua vez, a Constituição de 1969 (Emenda Constitucional) começa a ensaiar 
algumas mudanças em relação às Cartas Políticas anteriores ao dispor que, além de 
elaborar um planejamento estratégico, os Municípios devem gastar pelo menos 6% em 
Programas de Saúde das verbas que recebem da União oriundas do Fundo de Participação 
dos Municípios. 
A Constituição de 1988 rompe com a tradição liberal e pluraliza a atenção à saúde. 
Inclui a saúde como direito social da pessoa humana (artigo 6º CR), consubstanciando 
como direito de todos à saúde e dever do Estado prestá-la aos cidadãos (artigo 196 da 
CR). Preserva as fontes de custeio, possibilitando inclusive a intervenção da União nos 
Estados e Municípios (art. 34, alínea “e” e art. 35, III da CR), caso não haja a aplicação 
fi nanceira das receitas estatais mínimas nos programas de atenção à saúde. 
A partir dessa revisão histórica das constituições nacionais se constata que somente 
em 1988, com o advento do Estado Democrático de Direito, a saúde foi tratada claramente 
como um direito inerente ao ser humano, sendo um dever do Estado fornecê-la aos 
cidadãos de forma a preservar direitos fundamentais como a vida, liberdade, igualdade 
e dignidade.
Para garantir o acesso plural à saúde aos brasileiros, o art. 198 da Constituição 
cria como Programa Público de Saúde uma rede regionalizada e hierarquizada que se 
constitui no Sistema Único de Saúde (SUS), organizado de forma descentralizada, com 
direção única em cada esfera de governo. Determina ainda que o SUS será fi nanciado com 
recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal 
e dos Municípios, além de outras fontes. 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201110
Todavia, apesar de longo o caminho percorrido desde 1988, a insegurança na 
consumação deste direito é a nota lamentável, uma vez que os recursos para garantia da 
universalização da saúde são instáveis e escassos. 
Para corrigir essa situação de instabilidade de fontes de custeio das Políticas Públicas 
da Saúde, e transformar o Projeto de universalização da saúde em realidade, foi editada 
a Emenda Constitucional nº. 29/2000, que tem a pretensão de assegurar, através do texto 
normativo-constitucional, a garantia da participação da União, dos Estados, do Distrito 
Federal e dos Municípios no fi nanciamento das ações e dos serviços de saúde pública. 
Os comandos constitucionais estabelecem, agora, limites mínimos de aplicação em 
saúde para cada unidade federativa. Mas para isso precisa ainda ser regulamentada (a dita 
Emenda Constitucional) via Lei Complementar, já em debate no Congresso Nacional. 
O novo texto defi nirá quais tipos de gastos são da área de saúde e quais não podem ser 
considerados gastos no setor. 
Sabemos que o processo de fi nanciamento está entre os principais problemas do 
SUS, uma vez que não estão assegurados concretamente os parâmetros sobre os gastos 
em saúde, colocando em risco uma das maiores conquistas da sociedade brasileira. 
A aprovação da Emenda Constitucional nº 29, em 2000, foi mais um passo na 
consagração do dito direito ao cidadão brasileiro, representando uma importante conquista 
da sociedade na construção do SUS, pois se estabeleceu a vinculação de recursos nas três 
esferas de governo no processo de fi nanciamento do SUS e logicamente da saúde.
A Emenda Constitucional nº. 29/2000 estabelece que os gastos da União devam 
ser iguais ao do ano anterior, corrigidos pela variação nominal do Produto Interno Bruto 
(PIB). Os Estados devem garantir 12% de suas receitas para o fi nanciamento à saúde. Já 
os municípios precisam aplicar pelo menos 15% de suas receitas.
Apesar do Artigo 198 da CR defi nir, em seu parágrafo 3º, a criação da Lei 
Complementar, estabelecendo percentuais, normas de fi scalização, avaliação e 
controle das despesas com saúde nas esferas Federal, Estadual, Municipal e no Distrito 
Federal, o texto constitucional não contempla as fontes de recursos federais e a base 
de cálculo de forma adequada. A falta de defi nição do processo de fi nanciamento da 
saúde criou a necessidade da regulamentação da referida Emenda Constitucional, 
como referimos acima. 
Para isso se apresentou em 20/3/2007 no Senado Federal o PLS (Projeto de Lei do 
Senado) nº 121/07 através do qual serão defi nidos os valores mínimos a serem aplicados 
anualmente por Estados, Distrito Federal, Municípios e União em ações e serviços públicos 
de saúde, os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de 
fi scalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo. 
Em 08/05/2008, após ser aprovado no Senado, o PLS nº 121/2007 foi remetido para 
a Câmara dos Deputados, onde, naquela Casa, está tombado como PLP (Projeto de Lei 
Complementar) nº 306/2008. Atualmente o PLS nº 306/2008 está pronto para ser levado 
à votação na Câmara dos Deputados.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 11
De todo modo, a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29/2000 
permitirá que os recursos aplicados nas ações e serviços de saúde não sofram “desvio de 
fi nalidade”, visto que a lei defi nirá o que poderá ser considerado como despesas da área 
da saúde, como já faz a Resolução 322/2003 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Ou 
seja, será introduzido um componente qualitativo na análise dos gastos com as ações e 
serviços de saúde, visto que, até o momento, o componente quantitativo (percentual de 
aplicação) não foi sufi ciente para garantir a efi cácia dos serviços prestados, alocando-se, 
conforme denúncias recebidas pelo CNS, despesas de outra natureza para comprovar 
o cumprimento do percentual mínimo.
Consubstancia-se o Direitoà Saúde como um dos direitos sociais mais importantes 
para o ser humano, afi nal segundo Rousseau (1978:209), “o único móvel das ações 
humanas é o bem-estar”. Ora, o preâmbulo da Carta de 1988 garante que o Estado 
Democrático se destina a assegurar o bem-estar.
Para o ateniense Epicuro, nascido logo após a morte de Platão, por volta de 347, a 
C., fundador da corrente fi losófi ca denominada de Epicurismo, a fi nalidade da vida é o 
gozo. Felicidade é não sentir dores no plano físico do corpo e haver total tranquilidade 
e serenidade de espírito, consubstanciando isso na suprema maneira de viver.
Costa, ao apontar um pluralismo simbólico na Constituição de 1988, ressalta que:
Temos no Brasil exemplo de que as políticas púbicas não se submetem ao texto 
constitucional. Trata-se pois de um caso típico de legislação simbólica a norma 
constitucional (art. 196) que explicita que ´saúde é direito de todos e dever 
do Estado´, garantido através de políticas que assegurem o acesso universal e 
igualitário das ações de prevenção, proteção e recuperação da saúde, uma vez 
que referido acesso normativo-jurídico não se aplica à realidade existencial em 
sociedade. (COSTA, 2010, p.131) 
É neste sentido, acentua Neves (2007, p.30), ao tratar das constituições simbólicas 
que são feitas a partir de “textos cuja referência manifesta à realidade normativo-jurídico, 
mas que servem primária e hipertrofi camente a fi nalidades políticas de caráter não 
especifi camente normativo-jurídico”.
Sem qualquer embaraço, portanto, pode-se dizer que o texto constitucional, ao se 
referir ao dever do Estado de garantir saúde aos cidadãos, o faz apenas simbolicamente, 
porque serve somente para a fi nalidade política de caráter não normativo-jurídico, 
concebendo-se no ideário popular um Estado poderoso, paternalista, mas que, na verdade, 
é omisso, incapaz e inefi caz ao se omitir na construção e manutenção de um direito 
necessário e imprescindível para o cidadão. 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201112
3 JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE: ORIGENS, 
VIABILIDADE E CONSOLIDAÇÃO
Como constamos na verifi cação dos textos constitucionais a partir de 1824, somente 
em 1988 a saúde recebeu status de direito social agregando-se no rol de direitos do cidadão 
e se constituindo, por conseguinte, como dever/responsabilidade do Estado garanti-la 
aos cidadãos.4 Conforme articulam Gandini, Barione e Souza (2007),5 “a omissão e/
ou inefi cácia do Estado na prestação dessa assistência médico-farmacêutica deu azo 
ao fenômeno que vem sendo denominado judicialização da saúde”. Essa terminologia 
jurídica signifi ca que, após provocado pelo cidadão, o Judiciário efetiva a prestação do 
atendimento à saúde mediante uma sentença, motivada por impetração de Mandado de 
Segurança, por exemplo, que obriga o Executivo.
A grande questão que se apresenta é constatar se o Judiciário poderia interferir 
de tal maneira junto ao Executivo, uma vez que o mesmo dispõe teoricamente do 
poder discricionário que lhe garante distinguir e selecionar, com liberdade de escolha, 
a oportunidade e a conveniência de realizar o ato administrativo, ou seja, o Executivo 
pode alegar em sua defesa que aguarda o momento mais oportuno para praticar o ato 
administrativo reclamado judicialmente pelo cidadão.
Verifi ca-se, portanto, que existe um confronto de regras constitucionais e princípio de 
natureza administrativa, fi cando em desvantagem este último, uma vez que notadamente 
o Judiciário tem enfrentado o dilema em favor do direito à saúde do cidadão.
Por outra sorte, tem-se ainda de se verifi car como se dá a interferência do Judiciário 
em face da imprevisibilidade orçamentária para enfrentar as mazelas e necessidades sociais 
do ponto de vista do Executivo, inclusive para garantir o acesso universal e igualitário 
das ações de saúde aos cidadãos brasileiros.
Segundo os comandos constitucionais, especifi camente os elencados nos incisos I, 
II e VI do artigo art. 167 da CR de 1988, é vedado o início de programas ou projetos não 
incluídos na Lei Orçamentária Anual, bem como a realização de despesas que excedam 
os créditos orçamentários; e ainda a transposição, o remanejamento ou a transferência 
de recursos de uma categoria de programação para outra, ou também de um órgão para 
outro, sem prévia autorização do Legislativo.
Todavia, tal argumento foi descartado pelo Supremo, conforme anotam Gandini, 
Barione e Souza:
Nesse sentido, vale destacar a importante decisão do Min. Celso de Mello, do 
Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Pet. 1.246-SC, vejamos:
´(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifi ca 
como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da 
4 O termo cidadão é aplicado aqui em seu sentido lato uma vez que alcança o universo de todos os brasileiros.
5 Artigo elaborado em 2007. Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/16694
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 13
República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa 
fundamental, um interesse fi nanceiro e secundário do Estado, entendo – uma vez 
confi gurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador 
uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à 
saúde humana.´
Portanto, como fi cou demonstrado, “o simples argumento de limitação orçamentária, 
ainda que relevantes e de observância indispensável para a análise da questão, 
não bastam para limitar o acesso dos cidadãos ao direito à saúde garantido pela 
Constituição Federal. (2007) 
Afeta ainda a judicialização da saúde, o choque entre o Princípio da Reserva do 
Possível e o Princípio do Mínimo Existencial. O primeiro deles aponta que o Estado se 
reserva no direito de somente garantir direitos sociais os quais forem possíveis de serem 
prestados. Arrima-se o Estado no Princípio da Reserva do Possível atendendo aos aspectos 
das Leis Orçamentárias e da Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000) 
para restringir a prestação de direitos sociais. Em contrapartida, viola-se o Princípio do 
Mínimo Existencial em face da omissão do Estado na concretização de direitos sociais 
devidos ao cidadão. 
Escreve Gutschow6 sobre o tema: 
Com efeito, as Constituições são criadas, segundo a doutrina maciça, em última 
análise, exatamente para esse fi m, qual seja, o de assegurar a dignidade da pessoa 
humana. Assim, nos termos do artigo 7º, IV, da CR, o mínimo existencial será 
o conjunto de bens e utilidades básicas imprescindíveis para uma vida com 
dignidade, tais como a saúde, a moradia e a educação fundamental. Assim, através 
de metas prioritárias, o Estado deve conciliar o Mínimo Existencial e a Reserva 
do Possível. Caso reste comprovado que o Poder Público não tenha condições 
orçamentárias, não se poderá razoavelmente exigir, considerada a restrição material 
existente, a imediata efetivação do comando constitucional. Dessa forma, sob 
pena de se transformar em decisão despida de qualquer efeito concreto, caberá 
ao Poder Judiciário, mediante prova apresentada pelo Poder Público, investigar 
a real capacidade material de que existe disponibilidade orçamentária para o 
cumprimento, aferindo, portanto, se razoavelmente era possível a implementação 
do direito prestacional previsto na Lei Maior. (GUTSCHOW, 2008) 
Conforme ainda aponta Gutschow (2008), deve ocorrer, portanto, uma ponderação 
de valores pelo Judiciário para verifi car o pedido do cidadão, uma vez que existe a 
necessidade de se garantir o direito constitucional que se denomina Mínimo Existencial, 
mas também como fazer para obrigar alguém dar alguma coisa que de não dispõe, ou 
seja, como ofender o Princípio da Reserva do Possível. 
6 Artigo elaborado em 2008. Disponível em http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.17103.
Direito eDemocracia, v.12, n.1, jan./jun. 201114
Neste aspecto o Juiz se socorre da Teoria da Ponderação de Valores aperfeiçoada 
por Alexy (2009), segundo a qual os princípios são mandatos de otimização que devem 
ser aplicados na medida do possível.
Diante disso se verifi ca que o Poder Judiciário, cioso do confronto entre os Princípios 
do Mínimo Existencial e da Reserva do Possível, tem sido bastante ponderado e tímido 
às vezes, em sua “Judicialização da Saúde”, não se verifi cando julgamentos ousados que 
determinem aos entes estatais a locação de grandes recursos fi nanceiros como para construir 
hospitais e postos de saúde em locais de grande carência e necessidade da efetivação do 
Direito à Saúde. Também não existe qualquer decisão dos tribunais impondo cortes em 
gastos públicos volumosos e questionáveis (pomposas verbas para a publicidade ofi cial 
ou em grandes obras públicas com suspeitas fundadas de superfaturamento investigadas 
pelos Tribunais de Contas) a fi m de serem utilizados na saúde.
Ademais, os ditos serviços são ponderadamente viabilizados por ordem judicial 
quando atendem apenas as situações emergenciais, e aí se impõe, através da determinação 
ao Estado (Executivo) o fornecimento de medicamentos, realização de intervenções 
cirúrgicas, internações, colocação de pessoal técnico especializado em hospitais, tudo de 
forma pontual e que culmina por não ter grandes impactos orçamentários para o Estado. 
Vejamos alguns julgados em prol do Direito à Saúde:
EMENTA. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AÇÃO ORDINÁRIA. 
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CONTROLE E TRATAMENTO 
DE DISTÚRBIOS RESPIRATÓRIOS GRAVES. DIREITO A PRESTAÇÃO 
INTEGRAL DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. SENTENÇA MANTIDA. É 
assegurado ao cidadão, desprovido de recursos fi nanceiros7, o direito a uma 
prestação integral dos serviços públicos de saúde, aí incluído o fornecimento 
de medicamentos para tratamento de doença grave, em obediência às garantias 
fundamentais, consagradas pela Constituição Federal. (TJMG; APCV 0865174-
26.2009.8.13.0112; Campo Belo; Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Mauro Soares 
de Freitas; Julg. 17/02/2011; DJEMG 03/03/2011).
EMENTA. 1. Adriano de Cupis, no merecidamente clássico / Diritti delia 
Personalità, lecionou que a tutela complementar da vida, da integridade física e da 
saúde reclama a garantia dos meios econômicos e fi nanceiros idôneos a prover os 
cuidados necessários à preservação ou reintegração desses bens da personalidade, 
e observou que o Estado se obriga a assegurar o fornecimento desses meios para 
tornar possível a gratuidade da cura dos necessitados. 2. “O art. 196 da Constituição 
Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e 
garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua 
promoção, proteção e recuperação. O direito à saúde, como está assegurado na 
Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no 
7 Verifi ca-se, neste julgado, que o Magistrado aponta que o direito somente é concedido dadas as difi culdades 
fi nanceiras do cidadão para custear por si só os serviços de saúde.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 15
sentido de reduzi-lo ou de difi cultar o acesso a ele” (RE 226.835 – STF – 1a Turma 
– Ministro Ilmar Galvão). (TJSP; APL 0114205-05.2008.8.26.0053; Ac. 4948651; 
São Paulo; Décima Primeira Câmara de Direito Público; Rel. Des. Ricardo Dip; 
Julg. 31/01/2011; DJESP. 
EMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. 
PROSSEGUIMENTO DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA 
NO PODER DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ARTIGOS 2º, 
6º E 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. O direito à saúde é prerrogativa 
constitucional indisponível, garantido mediante a implementação de políticas 
públicas, impondo ao estado a obrigação de criar condições objetivas que 
possibilitem o efetivo acesso a tal serviço. 2. É possível ao poder judiciário 
determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de políticas 
públicas constitucionalmente previstas, sem que haja ingerência em questão 
que envolve o poder discricionário do poder executivo. Precedentes. 3. Agravo 
regimental improvido. (STF; AI-AgR 734.487; PR; Segunda Turma; Relª Min. 
Ellen Gracie; Julg. 03/08/2010; DJE 20/08/2010; p.56)
Verifi ca-se, portanto que as intervenções do Poder Judiciário nas políticas públicas 
a fi m de garantir a promoção da saúde têm sido realizadas de forma sutil e ponderada, 
uma vez que, sem agir de forma mais densa em searas de grande vulto de despesas, vêm 
aplicando pontualmente medidas de forma a assegurar aos cidadãos, que não dispõem 
de recursos para subsidiar tratamentos ou medicamentos, as medidas necessárias para 
suprir a omissão estatal de viabilizar a saúde aos cidadãos. 
No Brasil é claro que o Estado jamais efetivou na prática o Direito à Saúde à 
população, nem mesmo com o advento da Carta Política de 1988, onde está consagrado 
textualmente o dito Direito Social. Contudo, com a implementação do neoliberalismo 
de regulação (CLARK; SOUZA, 2008), introduzido entre nós a partir do início dos anos 
90, a saúde virou mercadoria e não Direito, bem como serviço cobiçado para engordar 
os lucros privados.
Ademais, existe uma política econômica estatal deliberada e contínua de precarizar e 
não expandir os serviços públicos de saúde a fi m de criar um rendoso mercado consumidor 
e de benefi ciar a iniciativa privada. Dessa forma, os benefi ciários da saúde são apenas 
aqueles que podem pagar por ela, via planos ou seguros saúde, por exemplo. Isso sem 
privatizar postos de saúde ou hospitais públicos. 
As políticas econômicas regulatórias não se limitaram a transferir cobiçadas 
atividades e serviços estatais, via privatização e desestatização, para a iniciativa 
privada, criou ainda “novos mercados” para ela, dilatando os seus lucros. Os 
setores que continuaram nas mãos dos poderes públicos, digo, não sofreram claras 
ações de privatização, exemplifi cando, no caso brasileiro, as áreas de educação, 
saúde, previdência social e segurança pública, tiveram seus serviços sucateados 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201116
e desprovidos dos investimentos governamentais, ampliando, ainda mais, os 
mercados para os donos do dinheiro.
Portanto, o Estado Democrático de Direito, com suas políticas econômicas de 
regulação, não só transferiu diretamente seus serviços e atividades econômicas 
ao setor privado, mas, também, age concomitantemente precarizando e reduzindo 
a sua inserção em setores de sua responsabilidade. Todavia, a iniciativa privada 
“atende”, apenas, aos consumidores capazes de pagarem os preços exigidos por 
ela, fi cando os sofridos serviços públicos para as camadas pobres e miseráveis da 
população. (CLARK, 2009, p.19) 
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Consideramos a refl exão sobre a Judicialização da Saúde no Estado Democrático 
de Direito e procuramos identifi car empiricamente a existência incipiente de ação 
judicial ante a suposta indevida ingerência de um poder na esfera de atuação de outro 
Poder (Executivo). Afi nal dentro das políticas públicas a serem implementadas pelo 
Executivo existe a possibilidade, dentro da ótica do principio de discricionariedade, 
de selecionar a oportunidade e a conveniência de implantar suas políticas. Isso dentro 
de uma visão restrita da divisão das funções do Estado e limitada da Constituição 
de 1988.
Outras barreiras existem e se apresentam frente ao acesso à saúde pelos cidadãos. 
São elas: a obediência à Lei Orçamentária, o respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal 
(Lei Complementar n. 101/2000) e a aplicação do Princípio da Reserva do Possível, onde 
se declara o conhecimento da necessidade de disponibilizar um direito para o cidadão 
mas face à impossibilidade material de o fazê-lo difere-se para outra oportunidade a 
concessão do mesmo. 
Em sua defesa o cidadão apresenta-se comocredor de um direito agregado ao 
Princípio do Mínimo Existencial o qual sem a sua fruição culmina por permitir a perda 
de toda dignidade da pessoa humana. Não é possível viver com dignidade se não 
usufruímos de uma boa saúde. 
Consideramos a vida como o maior dos bens de que o homem possui e de não 
ser possível ter uma vida digna e prazerosa a não ser de forma saudável. Uma vida 
afetada por doenças, dores e toda espécie de males impede uma existência serena e 
com bem-estar. 
Lembre-se de Rousseau que dizia que o “único móvel das ações humanas é o 
bem-estar”, e muito antes dele, rememoremos também Epicuro, pregava o gozo como 
fi nalidade da vida do homem. Enfi m é insuportável uma existência atormentada pela 
dor, pelo medo, pela submissão. 
No Brasil, a igualdade pontuada pelos Filósofos Iluministas e pela última 
Assembleia Constituinte brasileira é meramente simbólica, posto que o Poder Executivo 
não disponibiliza recursos sufi cientes para dar efi cácia ao artigo 196 da Constituição.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 17
Dispõe o artigo 2º da Constituição Federal de 1988 que os Poderes da República, 
Legislativo, Executivo e o Judiciário, são harmônicos e independentes entre si. Todavia 
não exista ofensa ao dito comando constitucional, o Juiz que em face de uma demanda 
determina ao Executivo que garanta o direito do requerente (via Mandado de Segurança, 
por exemplo) porque de forma incontroversa o direito à saúde é essencial à vida humana, 
assim como prefere e sobrepõe o dito direito aos comandos da Lei Orçamentária, da 
Lei de Responsabilidade Fiscal e, ainda, ao Princípio da Reserva do Possível.
Deste modo, não existe nos auditórios judiciais pátrios a formação de um Estado 
despótico, autoritário e absolutista pela interferência de um Poder Estatal na esfera de 
atuação de outro Poder, uma vez que se anota é a insufi ciência das políticas públicas de 
Saúde, de modo a garantir o dito direito de forma universal e igualitário aos brasileiros, 
como impõe a Constituição de 1988. Ademais, o Judiciário apenas cumpre o seu papel de 
dar a efi cácia ao Texto Constitucional na vida dos indivíduos face a omissão continuada 
e deliberada quanto às políticas públicas de saúde em prol do capital. 
A Judicialização da Saúde alcança, geralmente, os cidadãos que acessam a Justiça 
e, mais especialmente, as pessoas carentes que não dispõem de recursos fi nanceiros para 
buscarem junto à iniciativa privada acesso aos meios de promoção de sua saúde.
Dessa forma, o problema posto no artigo, se estaria ou não o Judiciário ofendendo 
o Princípio da Separação de Poderes quando aquele determina ao Executivo o 
cumprimento de dispositivo constitucional à margem de seu poder discricionário, infere-
se que não há ofensa à democracia uma vez que a Judicialização da Saúde vem sendo 
construída (timidamente) a fi m de atender ao Princípio do Mínimo Existencial. 
Diriam os Filósofos Iluministas que o direito fundamental da liberdade, atrelado 
à vida, estaria afetado ante a omissão estatal de garantir a saúde dos cidadãos de 
forma satisfatória, não havendo, em face disso, qualquer ofensa ao sistema de freios e 
contrapesos teorizado por Charles Montesquieu.
O tema, portanto, é atual, palpitante e polêmico. Permite às mais diversas 
correntes e matizes do pensamento jurídico exporem suas teorias e seus fundamentos 
para justifi carem: ou a ação do Poder Judiciário ou a omissão do Poder Executivo. 
Contudo, o Judiciário somente vem agindo em face de um direito constitucional negado 
na prática a milhares de brasileiros em nome do favorecimento da saúde privada e da 
falácia dos mecanismos de regulação. 
A Judicialização da Saúde que se insere na relação do Poder Judiciário com o 
Direito Constitucional da Saúde é necessária ao cidadão. Já que não fere o Princípio 
da Separação de Poderes e encontra-se ajustada quer no preconizado Pacto Social que 
deu origem à formação das sociedades (na visão dos contratualistas como Rousseau), 
quer no contemporâneo paradigma do Estado Democrático de Direito onde a igualdade, 
a vida e a saúde são os pilares fundamentais de uma sociedade plural. 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201118
REFERÊNCIAS 
AGÊNCIA BRASIL (14/3/2008). Disponível em: <http://www.nominuto.com/noticias/
brasil/estudo-mostra-que-investimentos-em-saude-no-pais-sao-os-mesmos-de-15-anos-
atras-13202/ >. Acesso em: 22 jan. 2010.
AGRA, Walber de Moura. A legitimação da jurisdição constitucional dos direitos 
fundamentais. In: AGRA, Walber de Moura. CASTRO, Celso Luiz Braga de. TAVARES, 
André Ramos (coord.). Constitucionalismo: os desafios no terceiro milênio. Belo 
Horizonte: Editora Fórum, 2008.
ALEXY, Robert. Conceito e Validade do Direito. Organização Ernesto Galzon Valdés. 
Tradução: Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 
2009.
AVILA, Humberto. Teoria dos princípios da definição à aplicação dos princípios 
jurídicos. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de 
uma dogmática constitucional transformadora. 7.ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2009.
______. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do 
Direito Constitucional no Brasil. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n.851, 1 nov. 2005. 
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547 . Acesso em: 19 mar. 
2010.
BOAS FILHO, Orlando Villas. O problema da constitucionalização simbólica (resenha 
do livro: NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins 
Fontes, 2007). Disponível em: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/
Artigos/orlandovillasboas3.pdf. Acesso em 10/7/2010. Acessado in 9/7/2010.
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: 
Ícone, 2006.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999.
CLARK, Giovani. O neoliberalismo de regulação como intervenção do Estado – A 
regulação e a Constituição Brasileira de 1988. In: Lusíada. Economia & Empresa, Lisboa, 
série II, n.9, 2009, p.09-30.
______. O Município em face do direito econômico. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
COSTA, Wander Henrique de Almeida. Estado de Direito Brasileiro e a Pluralização 
Simbólica. In: Revista Destaque Jurídico, v.9, n.1, 2010, p.119/139. 
CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Um olhar crítico-deliberativo sobre os direitos sociais no 
Estado Democrático de Direito. In: GALUPPO, Marcelo Campos (Coord.). Constituição 
e democracia: fundamentos. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.79-123.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 
2007.
ENGELS, Friedrich. A origem da família da propriedade privada e do Estado. Trad. José 
Silveira Paes. 3.ed. São Paulo: Global, l984.
EPICURO. Pensamentos/Coleção A Obra-Prima de cada autor. 2.ed. São Paulo: Martin 
Claret, 2008.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 3.ed. São 
Paulo: Saraiva, 1971.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 19
FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros; FERREIRA E COSTA, Mônica Aragão Martiniano. 
Aulas de Teoria do Estado. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
GALUPPO, Marcelo Campos. A hora de brilhar: direitos fundamentais na trilha da 
literatura. In: GALUPPO, Marcelo Campos (Coord.). Constituição e democracia: 
fundamentos. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.263-276.
GANDINI, João Agnaldo Donizeti. BARIONE, Samantha Ferreira. SOUZA, André 
Evangelista de. A Judicialização do direito à saúde: a obtenção de atendimento médico, 
medicamentos e insumos terapêuticos por via judicial – critérios e experiências (2007). 
Disponível em http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/16694. Acesso em 26/4/2011.
GONTIJO, Luis Carlos. Pluralismo existente no âmbito da democracia brasileira. 
Elaborado em jan. 2009. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=14339. Acesso em 10/7/10. 
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9.ed. Revista e 
atualizada. São Paulo: Malheiros, 2004.
Home Page do Supremo Tribunal Federal/Notícias STF. Disponível em:l><http://www.
stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=122125>. Acesso em: 20 mar. 
2010.
GUTSCHOW, Bruno Alexandre. A reserva do possível – Breve apanhado. Disponível 
em http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.17103. Acesso em 6/3/2011 
HUBERMAN. Leo. História da riqueza do homem. Trad. Waltensir Dutra. 21 ed. Rio 
de Janeiro: Guanabara, 1986.
HOFFE, Otfried. O que é a Justiça? Trad. Peter Naumann. Porto Alegre: EDIPUCRS, 
2003.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: Introdução à problemática científica do direito/
Hans Kelsen; Tradução de J. Cretella jr. E Agnes Cretella. 5.ed. São Paulo: Revista dos 
Tribunais, 2007.
KRELL, Andreas J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha: os 
(des) caminhos de um direito constitucional “comparado.” Porto Alegre: Sergio Antonio 
Fabris, 2002.
MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. In: MARX, Karl. Manuscritos 
Econômicos-Filosóficos e Outros Textos Escritos. 4.ed. Os Pensadores. Seleção: 
GIANNOTTI, José Arthur. Trad. BRUNI, José Carlos et.al. São Paulo: Nova Cultural, 
1987.
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 1.ed., 2.reimpr. Rio de Janeiro: 
Forense, 2003.
MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat, baron de La Brède ET de, 1689-1755. 
Do Espírito das Leis/Montesquieu: introdução e notas de Gonzague Truc; tradução de 
Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues. 2.ed. São Paulo: Abril Cultural, 
1979 (Os pensadores).
ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. O Constitucionalismo contemporâneo e a 
instrumentalização para a eficácia dos direitos fundamentais. Disponível em: <http://
daleth.cjf.jus.br/revista/numero3/artigo10.htm>. Acesso em: 21 jan. 2010.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. 1712-1778. Do contrato social; Ensaio sobre a origem das 
línguas; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201120
Discurso sobre as ciências e as artes. Tradução de Lourdes Santos Machado; introdução 
e notas de Paulo Arbousse-Bastide e Lourival Gomes Machado. 2.ed. São Paulo: Abril 
Cultural, 1978 (Os Pensadores).
SOUZA, Washington Peluso Albino. Primeiras linhas de direito econômico. 6.ed. São 
Paulo: LTr, 2005.
SOUZA, Washington Peluso Albino; CLARK, Giovani. Questões polêmicas de direito 
econômico. São Paulo: LTr, 2008.
______. (Coord.). Direito Econômico e a Ação Estatal na Pós-Modernidade. São Paulo: 
LTr, 2011.
ZANETI JÚNIOR, Hermes. Processo constitucional: o modelo constitucional do processo 
civil brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 21
Refl exões sobre a responsabilidade civil 
do transportador rodoviário urbano
Sérgio Alves Boscaíni
Luiz Gonzaga Silva Adolfo
RESUMO 
O artigo apresenta um estudo sobre a questão da responsabilidade civil do transportador 
rodoviário urbano, com a finalidade de agregar ao conhecimento do leitor um entendimento mais 
atualizado a respeito deste tema.
Palavras-chave: Direito Civil. Responsabilidade civil. Transporte de pessoas. Transportador 
rodoviário urbano.
Reflections on urban road drivers’ civil liability 
ABSTRACT
This paper presents a study on urban road drivers’ civil liability, aiming to add to the reader’s 
knowledge an updated understanding regarding this issue.
Keywords: Civil Law. Civil liability. Transportation of people. Urban road drivers.
1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
Hoje, no Brasil, o modal rodoviário, com emprego do ônibus, chega a um 
percentual de 93%; já o transporte sobre trilhos, por não ter os investimentos necessários, 
participa com apenas 6% da demanda diária do transporte coletivo no País. Nos países 
desenvolvidos, o transporte urbano é feito preponderantemente sobre trilhos (trens, 
metrôs, etc.), que são responsáveis por 60% da demanda, cabendo ao modo rodoviário 
algo em torno de 30%.
Outro dado importante é a questão dos investimentos. Na década de 1960, por 
exemplo, os investimentos em transporte coletivo representavam cerca de 40% da 
formação bruta do capital fi xo do País. À época, embora com difi culdades, foram 
construídas algumas estradas de ferro dotadas de trens modernos, capazes de transportar 
milhares de passageiros de cada vez. Nas décadas de 80 e 90, os percentuais de 
investimentos despencaram para 10% e 1,7%, respectivamente.
Sérgio Alves Boscaíni é Bacharel em Direito pela Universidade Luterana do Brasil – ULBRA (Gravataí/RS). 
E-mail: sergioab64@hotmail.com
Luiz Gonzaga Silva Adolfo Advogado, Doutor em Direito pela UNISINOS (São Leopoldo/RS). Presidente da 
Comissão Especial de Propriedade Intelectual da OAB/RS na gestão 2010-2012. Membro da Associação Portuguesa 
de Direito Intelectual – APDI. Professor do PPG em Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. 
Professor dos Cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA (Gravataí/RS) e do Instituto Brasileiro 
de Gestão de Negócios – IBGEN (Porto Alegre/RS). Idealizador e Coordenador do Curso de Especialização Lato 
Sensu em Direito da Propriedade Intelectual pela ESADE – Laureate International Universities (Porto Alegre/RS). 
E-mail: gonzagaadolfo@yahoo.com.br
Direito e Democracia v.12 n.1 p.21-40 jan./jun. 2011Canoas
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201122
É patente que a falta de disposição política é a grande responsável pelo 
estado caótico em que se encontra o transporte coletivo no Brasil, fazendo com 
que o trabalhador viaje em tempo demasiadamente longo por dia, muitas vezes, em 
condições desumanas, para ir e voltar de seu trabalho.
Cavalieri Filho (2008, pp.282-283) afi rma que, na Região Metropolitana 
do Rio de Janeiro, para atender à demanda diária de 8 milhões de passageiros, os 
trens suburbanos respondem por apenas 7%, o “metrô” por 3%, as barcas por 2%, 
cabendo aos ônibus os restantes 88%. Atente-se ao fato de cerca de sete milhões de 
passageiros – a população toda da Bolívia – recorrerem diariamente aos ônibus para 
atender suas necessidades de trabalho, educação, consumo, saúde, lazer e se terá a 
ideia da enormidade dos problemas sociais e jurídicos que ocorrem a cada dia no 
campo do transporte coletivo.
Como consequência do grande número de acidentes de trânsito, a responsabilidade 
civil importa-se com essas lides e suas circunstâncias, que são peculiares a cada caso 
concreto. Atualmente, verifi ca-se que o grande número de ações de indenização das 
mais variadas espécies sobrecarrega o Poder Judiciário e, considerando que os danos 
que acarretam a responsabilidade são patrimoniais e extrapatrimoniais, torna-se um 
tema de grande relevância para os estudiosos e para o profi ssional do Direito.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR 
RODOVIÁRIO URBANO
A necessidade presente e constante de locomoção dos povos para os mais diversos 
fi ns exige a presença e efi ciência constantes dos meios de transporte urbano. É evidente 
que o transporte pode apresentar maiores problemas por depender do mundo material: 
rodovias, estradas e ruas, além das condições logísticas, climáticas e de segurança, dentre 
outras.
No transporte de pessoas, o transportador assume a obrigação de levá-las incólumes, 
em perfeitas condições de segurança, até seu destino fi nal. Note-se, porém, que o 
passageiro também deve se submeter às regulamentações próprias de segurança. Em 
outras palavras, a imposição de indenizar depende de culpa que se presume contra o 
transportador, o que não signifi ca ser indiferente ao exame dos fatos se alguma atitude da 
vítima concorreu para o desenlace danoso. Haveria um grande descalabro nas fi nanças das 
fi rmas de transporte caso se ignorassem as repercussões da culpa da vítima na apreciação 
da responsabilidade(RIZZARDO, 2007, p.450).
2.1 Contrato de transporte: sua importância social e jurídica 
e seus elementos
O contrato de transporte de pessoas está disciplinado nos artigos 734 a 742 do 
Código Civil de 2002; pode ser defi nido como negócio bilateral, consensual e oneroso 
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 23
pelo qual o transportador se obriga a, mediante remuneração, transportar a pessoa a 
um destino previamente convencionado (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, 
p.329). Têm-se como características deste contrato a informalidade, sua condição de 
adesão – já que as cláusulas não são discutidas livremente entre as partes – e a cláusula 
de incolumidade que lhe é implícita. Nesse sentido, Venosa (2008, p.156) alerta:
Trata-se de consequência da obrigação de resultado. O transportador assume a 
obrigação de levar a pessoa ou coisa incólume, em perfeitas condições de segurança, 
até seu destino fi nal. Uma vez descumprida essa cláusula, ocorre o inadimplemento, 
afl ora o dever de indenizar. Não basta a coisa ou pessoa chegar ao seu destino; 
deve chegar sã e salva. 
Nenhum contrato terá maior relevância social e jurídica na atualidade do que 
o contrato de transporte de pessoas, principalmente, nos grandes centros urbanos. 
Entretanto, sua dívida social neste campo é enorme, porquanto o transporte coletivo 
no Brasil, apesar de algumas iniciativas em sentido contrário, ainda é defi ciente e 
desumano (CAVALIERI FILHO, 2008, p.282).
As cláusulas restritivas, inclusive as regulamentações que impõem obrigações 
aos usuários, só têm validade e efi cácia se estiverem escritas em algum lugar e se o 
passageiro tiver conhecimento prévio delas. Sem essas condições, o transportador não 
poderá contrapor o direito do transportado (STOCO, 2007, p.284).
À medida que a sociedade passou a experimentar um assustador avanço científi co, 
a área de Transportes foi um dos setores da atividade humana que mais se benefi ciou 
com esse esforço e evoluiu, nos últimos 100 anos, mais do que em todos os séculos 
precedentes. Todavia, o preço desse incremento tecnológico foi o aumento do risco e, 
consequentemente, do dano inserido na responsabilidade aquiliana. Aqui, percebe-se 
muito bem que os proveitos e vantagens do mundo tecnológico são postos em um dos 
pratos da balança; no outro, a necessidade de o vitimado poder responsabilizar alguém 
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p.327).
Também por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu a 
responsabilidade objetiva do fornecedor de serviços, absorvendo toda a relação 
passageiro-transportador. Muito importante, seu artigo 171 equipara todas as vítimas de 
um evento danoso ao consumidor. E, de acordo com o que traz Adolfo (2008, p.78),
Assim, o dano ocasionado ao passageiro durante a vigência do contrato, que pode 
ser na ocasião da compra do bilhete no guichê, na entrada na estação de embarque, 
no momento em que faz um sinal ao transportador, até o instante em que deixa 
o veículo e atravessa a estação de embarque, estará sob a responsabilidade do 
1 “Artigo 17. Para os efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.”
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201124
transportador, estando este obrigado a indenizar qualquer dano sofrido pelo cliente, 
não sendo decorrente de força maior, e invalidando qualquer disposição contratual 
abdicatória desta disposição legal. 
A sociabilidade é uma das principais características do vigente Código Civil, que 
deve ser instrumento para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e solidária. 
A função social do Contrato foi consagrada como cláusula geral de todos os contratos em 
seu artigo 421.2 Com a nova ordem constitucional e o aprimoramento da teoria do risco 
administrativo, nasce a teoria da responsabilidade objetiva nos transportes públicos, por 
danos cometidos a terceiros, por meio de concessão ou permissão e explorados mediante 
contrato entre o prestador e o usuário.
Com o Código de Defesa do Consumidor, entendeu-se, ainda, de modo confl itante, 
tanto pelos doutrinadores quanto pelos Tribunais, que a exploração do transporte fi caria 
sob seu manto e proteção. Assim, ele teria revogado a legislação específi ca, ou seja, leis 
e tratados internacionais específi cos (STOCO, 2007, p.283).
Surgiu, então, o vigente Código Civil, estabelecendo, no artigo 732,3 que os preceitos 
constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais são aplicáveis 
aos contratos de transporte, desde que não contrariem suas disposições. Ao que parece, é o 
geral interferindo no particular, não obstante o princípio assente no ordenamento jurídico, 
o da especialidade, um princípio agasalhado na Lei de Introdução ao Código Civil. 
Assim, a convivência de alguns atos normativos anacrônicos e antagônicos, 
e, ainda, com uma nova ordem civil, tornou-se um verdadeiro tormento. Para Stoco 
(2007, p.283):
Harmonizá-los todos, dar-lhes coerência lógica e descobrir seu signifi cado e 
abrangência através dos critérios disponíveis de interpretação será uma tarefa 
hercúlea e um desafi o incomensurável. [...]. Alguns anos, muita tinta e horas 
indormidas serão necessárias para tão ingente tarefa (que não é de um só), sem se 
descurar do fato de que os entendimentos e os pontos de vista hoje expressados 
poderão não prevalecer amanhã. 
Segundo Cavalieri Filho (2008, p.290), o Código de Defesa do Consumidor quase 
nada mudou no que diz respeito à responsabilidade civil do transportador de pessoas, pois 
essa já era tida como objetiva desde 1912. O que fez foi mudar o fundamento da obrigação 
que deixa de ser uma relação contratual e se torna uma relação de consumo.
2 “Artigo 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”
3 “Artigo 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem 
as disposições deste Código, os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções 
internacionais.”
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 25
3 A TRÍPLICE RESPONSABILIDADE CIVIL DO 
TRANSPORTADOR DE PESSOAS 
Pelo menos três aspectos distintos podem ser estudados na responsabilidade civil 
do transportador de pessoas, quais sejam: responsabilidade civil em relação a seus 
empregados, responsabilidade civil em relação a terceiros e responsabilidade civil em 
relação aos passageiros.
Cavalieri Filho (2008, p.284) faz a indagação: “Suponhamos um acidente em que 
um pedestre é atropelado e morto, fi cando ainda feridos um passageiro e o trocador, por 
ter o ônibus se desgovernado e batido em um poste”.
Veja-se o estudo a seguir.
3.1 Responsabilidade civil em relação a terceiros
No que tange aos terceiros, a responsabilidade do transportador é extracontratual, 
podendo-se exemplifi car com o táxi que colide com outro veículo ou o ônibus que 
atropela um pedestre; nasce daí, entre ambos, respectivamente, uma obrigação 
decorrente de um ato ilícito de natureza extracontratual, pois não havia antes qualquer 
vínculo entre o autor e a vítima. Sob esse aspecto, a responsabilidade civil do 
transportador decorrente de ato ilícito é aquiliana, incidindo na regra geral do artigo 
186 do Código Civil,4 que consagra a culpa como pressuposto da responsabilidade 
(STOCO, 2007, p.283).
Segundo Stoco, nos casos de atropelamento, é extracontratual a responsabilidade 
das empresas de ônibus com relação ao atropelado. São estranhos até a hora em que 
tem lugar o acidente, e dele decorre o vínculo jurídico ensejador do dever de indenizar 
dentro da seara da responsabilidade subjetiva. O autor ainda diz: “Ora, se o motorista 
de um ônibus atropela um pedestre, não se pode invocar o art. 734 do CC, que trata do 
transporte mediante contrato, e sim o art. 186, que conceitua o ato ilícito, em conexão 
com o art. 927, que dispõesobre a responsabilidade decorrente do ato ilícito” (STOCO, 
2007, p.290).
Com outro entendimento, baseando-se no parágrafo 6o do artigo 37 da Constituição 
Federal,5 Cavalieri Filho (2008, p.284) sustenta que a Constituição estabelece a 
responsabilidade dessas pessoas jurídicas como objetiva, que o transporte coletivo é 
4 “Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar 
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
5 “Artigo 37. Caput. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do 
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade 
e efi ciência e, também, ao seguinte: [...].
§ 6o. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão 
pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra 
o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201126
serviço público, concedido ou permitido, e terceiro é quem, como já visto, não tem 
relação jurídica contratual com o causador do dano. O autor ainda observa que
Esse dispositivo constitucional [...] só se aplica à responsabilidade extracontratual 
porque o texto fala em terceiros – “respondem pelos danos que seus agentes, nessa 
qualidade, causarem a terceiros”, e terceiros é quem não tem relação jurídica 
contratual com o causador do dano. Tal como a responsabilidade do Estado, a do 
transportador em relação a terceiros só pode ser afastada por uma daquelas causas 
que excluem o próprio nexo causal – fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força 
maior e fato exclusivo de terceiros. (CAVALIERI FILHO, 2008, p.284) 
Ao discordar de Cavalieri Filho, Cahali (2007, p.227) destaca que, até mesmo em 
casos de acidente de trânsito envolvendo veículos ofi ciais, o princípio da responsabilidade 
objetiva do Estado tem encontrado certa resistência por parte da jurisprudência. E enfatiza 
o autor:
Isso se compreende quando se considera que, trafegando nas vias públicas, tanto o 
veículo ofi cial como o veículo particular devem fazê-lo em igualdade de condições 
na observância dos regulamentos de trânsito, quando é certo, por outro lado, que 
também a responsabilidade do motorista particular tende a se defi nir como objetiva 
em função da teoria do risco que se representa na utilização de objeto perigoso 
como é o automóvel. 
Stoco (2007, p.295) entende, por outro lado, que o objetivo do referido artigo 
constitucional foi apenas assegurar que as empresas delegatárias de serviço público 
essencial atuem conferindo aos usuários as mesmas garantias que a norma constitucional 
exige da Administração direta dos Estados. Todavia, em incidentes do transportador 
privado com terceiros – não usuários – surge a responsabilidade extracontratual. Nessa 
esteira, o autor ainda diz:
Mostra-se fundamental ponderar que, na hipótese de acidente de trânsito envolvendo 
veículo de transporte coletivo de pessoas pertencente a empresa concessionária 
ou permissionária de serviço público, não há relação contratual, como ocorre 
entre o transportador e o passageiro, quando se tem uma obrigação de resultado 
e, portanto, surge a obrigação de incolumidade do transportador. Apenas quando 
a concessionária exerce atividade típica e privada do Estado a ela delegada é que 
sua responsabilidade se rege pelo art. 37, § 6o, da CF. A exegese desse § 6o assume 
o sentido de que a responsabilidade objetiva ali prevista somente incide quando os 
danos causados a terceiro decorram dos serviços públicos a ele próprio prestados. 
Se a vítima não era destinatária desse serviço, a regra constitucional não encontra 
subsunção na hipótese fática. (STOCO, 2007, p.295)
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 2011 27
Assim, dúvida não resta de que há fortes argumentos tanto para limitar a 
responsabilidade das concessionárias como para lhes dar um espectro de maior 
abrangência. Como se verifi ca, a questão não é pacífi ca e envolve situação complexa de 
difícil elucidação.
3.2 Responsabilidade civil em relação aos empregados
A responsabilidade civil do transportador com relação a seus empregados é 
contratual, havendo todo um sistema do acidente do trabalho a ser examinado (VENOSA, 
2008, p.157). No que tange ao motorista, ao cobrador, ao fi scal e aos demais funcionários 
do transportador, a responsabilidade será fundada no acidente de trabalho por haver uma 
relação contratual trabalhista, cabendo ao INSS efetuar as indenizações devidas. Porém, 
se houver dolo ou culpa por parte do empregador, contra ele poderá ser pleiteada uma 
indenização de Direito comum (CAVALIERI FILHO, 2008, p.285) com base no inciso 
XXVIII do artigo 7o da Carta Magna.6
A existência de relação jurídica de seguro social é a base que sustenta a obrigação 
de reparação acidentária, que é impositiva. Trata-se de responsabilidade objetiva, baseada 
no risco integral, tendo como objetivo ressarcir ao segurado o prejuízo sofrido. Nesse 
sentido, Diniz (2008, p.501) assevera:
Como prevenção do risco de sua atividade empresarial, o empregador contribui 
para a Previdência Social para que esta atenda aos empregados acidentados, 
cobrindo despesas com tratamento e reabilitação, como o auxílio-doença. [...]. 
Consequente-mente, a responsabilidade do INSS é objetiva, pouco importando 
se houve ou não culpa pelo acidente de trabalho por parte do empregador ou do 
empregado. A concessão do benefício acidentário dar-se-á sempre que a vítima 
for empregado e que a causa do acidente estiver relacionada com sua atividade 
laborativa. 
A natureza da responsabilidade por acidente do trabalho é contratual-legal e 
é subjetiva, fundando-se na culpa ou no dolo do patrão, porém a contribuição do 
empregador ao Instituto Nacional de Seguridade Social, que tem natureza impositiva, 
torna a responsabilidade civil do instituto objetiva; não importa, nesse caso, se houve 
culpa ou dolo por parte do empregador ou do empregado. Existe, no fato, exemplo de 
responsabilidade civil objetiva baseada no “risco integral”.
6 “Artigo 7o. [...] 
XXVIII – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição 
social. Seguro contra acidentes de trabalho a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está 
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”
Direito e Democracia, v.12, n.1, jan./jun. 201128
3.3 Responsabilidade civil em relação aos passageiros 
e a cláusula de incolumidade
No transporte de pessoas, há de se levar em conta a cláusula de incolumidade, 
que está implícita no contrato de transporte. Trata-se da consequência da obrigação de 
resultado, pois o transportador assume a obrigação de levar a pessoa incólume até seu 
destino fi nal. Uma vez descumprida, ocorre o inadimplemento, afl ora o dever de indenizar. 
Esse entendimento é muito bem demonstrado em decisão proferida pelo Magistrado Luiz 
Francisco Franco.7 É importante destacar que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça 
do Rio Grande do Sul é fi rme no sentido de que, sendo objetiva a responsabilidade do 
transportador em relação ao passageiro, desrespeitada a cláusula de incolumidade pelo 
transportador e não tendo ele provado a excludente de culpa exclusiva da vítima, a ofensa 
à integridade corporal da autora é sufi ciente para justifi car a concessão de indenização.
Com base nessas premissas, a melhor doutrina e jurisprudência evoluíram no 
sentido de reconhecer ao transportador a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do 
risco. Assim, embora o Decreto Legislativo no 2.681, de 1912, falasse em presunção de 
culpa, esse diploma, realmente, já havia estabelecido uma presunção de responsabilidade 
contra o transportador que só poderia

Outros materiais