Buscar

A (in)tangibilidade contratual: o pacta sunt servanda X teorias revisionistas - Uma reflexão acerca dos arts. 317, 478 a 480, do Novo Código Civil e do art. 6º, VI, do CDC

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 11 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A (in)tangibilidade contratual: o pacta sunt servanda X teorias revisionistas - Uma reflexão acerca dos arts. 317, 478 a 480, do Novo Código Civil e do art. 6º, VI, do CDC 
Luciane Maria Padoin Dias�
O princípio da obrigatoriedade dos contratos� ou também denominado pacta sunt servanda, partindo-se de uma visão exclusivamente liberal, informa que os contratos devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve ser obedecida. Em outras palavras, implica na impossibilidade das partes desvincularem-se do contrato, ou seja, o disposto no contrato tem valor de lei entre as partes estipulantes�. 
Perquirindo-se sobre a origem do princípio da obrigatoriedade dos contratos, tem-se que o mesmo advém do direito canônico. Segundo Caio Mário da Silva Pereira, apud Arnaldo Rizzardo�, os canonistas imbuídos do espiritualismo cristão, interpretavam a norma de direito romano animados de um inspiração mais elevada. No tocante ao contrato, raciocinaram que o seu descumprimento era uma quebra de compromisso, equivalente à mentira; e como esta constituía ‘peccatum’, faltar ao obrigado atraía as penas eternas. Não podia ser, para os jurisconsultos canonistas, predominante a sacramentalidade clássica, mas sobretudo prevalecia o valor da palavra, o próprio consentimento.
John Gilissen� afirma, quanto à origem desse princípio, que já no início do séc. XVII, o teólogo espanhol Suarez (1548-1617) insistia sobre o livre-arbítrio e considerava que a regra pacta sunt servanda era o princípio de base de todo o direito natural. Mas foi sobretudo o jurista holandês Grócio que desenvolveu a nova teoria: a vontade é soberana; o respeito da palavra dada é uma regra de direito natural; pacta sunt servanda é um princípio que deve ser aplicado não apenas entre os indivíduos, mas mesmo entre as nações. 
No Código Napoleônio de 1804, a obrigatoriedade dos contratos tornou-se dispositivo legal: Art. 1.134/1. As convenções formadas legalmente valem como lei para aquelas que as fizerem.
A obrigatoriedade, segundo Cláudia Lima Marques�, vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor frente à tutela jurisdicional. Ao juiz não cabe modificar e adequar à equidade o contrato, ao contrário. Aliás, como corolário da liberdade e autonomia da vontade, a força obrigatória dos contratos fica limitada às pessoas que dele participam, isto é, os efeitos só atingem as partes participantes do ajuste. 
Através desse princípio o contrato torna-se intangível, impossibilitando sua revisão via judicial; somente podendo ser alterado por vontade comum das partes�.
Nesse sentido, Rogério Ferraz Donnini� explica que, para a prestação assumida num contrato não se tornasse, algumas vezes, a ruína de um dos contraentes e, quase sempre, o enriquecimento sem causa do outro, diante de um acontecimento imprevisível e extraordinário, é que foi criada a cláusula rebus sic stantibus, modernamente denominada teoria da imprevisão. Trata-se da flexibilização do princípio da intangibilidade contratual, visando o equilíbrio das prestações, por meio de intervenção judicial que tem por objetivo a revisão da avença ou sua resolução.
A essência da cláusula rebus sic standibus, que é um cláusula implícita em todo contrato, é viabilizar a revisão contratual, em virtude de sobrevinda à contratação de condições que impeçam a alguma das partes o cumprimento fiel da obrigação ou a sobrecarreguem de forma a criar um sacrifício insuportável. Etimologicamente, rebus sic stantibus é uma locução latina e que significa o mesmo estado das coisas�. Quanto à sua origem é difícil apontá-la. Donnini� refere, quanto à origem dessa cláusula, que a possibilidade de revisão existe há muito tempo, notavelmente no Código Hamurabi (2.300 a.C.), na Babilônia. Por outro lado, alguns doutrinadores atribuem aos canonistas e glosadores, na Idade Média. Porém, referida cláusula afirmou-se mesmo nos séculos XIV a XVI, e teve seu período máximo de aplicação no século XVIII. A admissão do princípio era possível, nesse período, a exemplo do que hoje ocorre nos contratos que dependiam do futuro, contratos esses de prestações continuadas ou de trato sucessivo, que seriam dependentes da situação fática existente quando da celebração da avenca. Entretanto, há doutrinadores que sustentam não ser esse princípio limitado apenas à existência de prestações continuadas, na medida em que sua aplicação era mais generalizada. 
Osvaldo de Carvalho Monteiro� diz ser obscura a criação desta teoria. Destaca que o direito romano apenas lançou seus germes, tendo a regra passado mesmo no embrião para o direito canônico, que a formulou sob a influência da filosofia escolástica, com os discípulos de S. Tomaz. Mas este princípio admitido na doutrina não chegou a constituir regra jurídica no direito romano. 
Posteriormente, no final do século XVIII e início do século XIX, com o advento do liberalismo – império do individualismo jurídico e, por conseguinte, da rigidez contratual, houve um declínio na utilização dessa cláusula; uma vez que o princípio da pacta sunt servanda era incompatível com a revisão contratual.
Após a Primeira Guerra Mundial, com a instabilidade econômica mundial (gerada pela própria guerra), conforme aduz Donnini�, fez ressurgir a cláusula rebus sic standibus, que, por obra dos tratadistas do final do século XIX, já era conhecida como teoria da imprevisão. Esta tem como escopo investigar a revisão ou resolução dos pactos, por meio do juiz, pela superveniência de fatos imprevistos e imprevisíveis por ocasião da formação do vínculo contratual, e que modifiquem o estado de fato no qual ocorreu a convergência da vontades, causando onerosidade excessiva para um dos contratantes.
Ratificando o ressurgimento da cláusula, Osvaldo de Carvalho Monteiro�, comentando, em um artigo escrito em 1943, portanto, ainda sob fortes efeitos do período de guerra, sobre a aplicação da teoria da imprevisão no direito inglês, após a primeira Grande Guerra, utiliza um trecho de uma publicação daquele país, onde se constata o seguinte:
A imensa deslocação dos negócios produzidos pela grande guerra induziu, ou trouxe à luz, um outro desenvolvimento da doutrina que uma radical mudança de circunstâncias pode libertar um contratante de suas obrigações. Esse novo desenvolvimento é conhecido como a doutrina frustration of adventure. Quando, por exemplo, um contrato celebrado antes da guerra teve, por efeito da guerra, o cumprimento tornado ilícito, fisicamente impossível, ou exequível, somente com um prejuízo ruinoso do devedor, as Côrtes, em circunstâncias não muito bem definidas, exoneraram o devedor do cumprimento dessas obrigações. É uma extensão da doutrina de rebus sic stantibus, que se entendeu governar a aplicação dos tratados internacionais. É uma doutrina perigosa, mas quase inevitável em certos tempos. 
O autor, citado no parágrafo anterior, demonstra o pensamento pós-guerra, uma vez que fora escrito no afã desse período. É interessante observar, no final do texto, a afirmação de que a teoria da imprevisão é uma doutrina perigosa, mas quase inevitável em certos tempos. Tal afirmativa decorre do choque entre a lei – no caso o princípio da obrigatoriedade dos pactos – e a realidade. Em outras palavras, a imutabilidade dos contratos não correspondia mais à realidade da qual se apresentava. O período pós-guerra alterou a economia dos países europeus, o que implicou na necessidade dos contratos serem revistos para adaptar-se à nova situação econômica; tornando-se, assim, inevitável a aceitação desse teoria, embora perigosa, não havia outra solução.
A teoria da imprevisão proporcionou o surgimento de outras teorias revisionistas, dentre as quais a teoria da base do negócio jurídico, idealizada pelo alemão Paul Oertmann�, a qual foi, posteriormente mais desenvolvida por Karl Larenz. Essa prevê, segundo expõe Donnini�, que, enquanto estiver vigendo a base do negócio, vale dizer a manifestação mental dos contraentes no momento da conclusão do ajuste, conhecidaintegralmente e não repelida pela outra parte, os contraentes estarão a eles vinculados. Se, todavia, for rompida a base negocial, não mais corresponderá à vontade emanada pelas partes por ocasião da conclusão do contrato. 
No Brasil, não houve a previsão da teoria da imprevisão pelo Código de 1916, ficando, a cargo da doutrina e da jurisprudência disseminá-la no ordenamento jurídico brasileiro. 
Doninni� ressalta que a doutrina não é pacífica quanto à aceitação dessa teoria�. Alguns doutrinadores clássicos, como Carvalho Santos, Carvalho de Mendonça, Pereira de Cordis e Castro Magalhães, entendem pela inaplicabilidade da teoria. O fundamento dessa não aceitação é buscada nos ensinamentos do jurista francês Georges Ripert, para quem o contrato está intimamente ligado à idéia de segurança, e a admissão de sua revisão ou resolução seria tirar da própria avença sua utilidade.
Por outro lado, continua o doutrinador acima referido� explanando que a maioria dos autores entende que a teoria da imprevisão pode ser invocada no ordenamento jurídico pátrio, visto que, embora não exista dispositivo expresso que a contemple, não há, da mesma forma, qualquer disposição que afaste a sua aplicação. 
No Recurso Especial nº 94692�, pode-se verificar a recepção da teoria da imprevisão quando tratar de caso de superveniência de inflação�.
Contudo, revendo decisões mais recentes, percebe-se que não é pacífica a aceitação da teoria da imprevisão, especificamente quando se trata de inflação, conforme pode-se verificar nas decisões oriundas do Superior Tribunal de Justiça. Tal entendimento pode ser vislumbrado no Recurso Especial de nº 87226�. 
Devido a sua grande aplicação nas decisões visando (re)compor o equilíbrio contratual entre as partes, o novo Código Civil, não podendo abster-se de acolher essa nova realidade, nos arts. 317, 478 a 480, acabou por prever a possibilidade de rever e resolver o contrato.
 Antes do novo Código Civil, a Lei 8.078/90, também fruto do contexto jurídico-social, trouxe às relações de consumo a possibilidade de revisar o contrato, ao dispor, no artigo 6º, V, que é direito básico do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Quanto a esse artigo, a doutrina diverge se houve a adoção ou não da teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic stantibus. Tal dúvida reside no fato de que a teoria da imprevisão exige, para sua aplicação, a ocorrência de acontecimentos superveniente após a conclusão do contrato e que os mesmos sejam imprevisíveis e extraordinários, causando para uma das partes onerosidade excessiva e extrema vantagem para a outra. 
Entendendo que o referido artigo não adota a teoria da imprevisão, Fabiana Rodrigues Barletta� expõe que a revisão contratual positivada no artigo objeto desta análise visa a restaurar o equilíbrio do contrato e tornar possível o alcance de sua finalidade objetiva. Neste sentido, este dispositivo recebeu influências da teoria da quebra da base objetiva de Larenz, avançando ainda mais por desconsiderar por completo a previsibilidade ou a imprevisibilidade das transformações, firmando-se, pois, no requisito objetivo da excessiva onerosidade superveniente. Por esta razão, pode-se dizer que o dispositivo em pauta contém positivada a “teoria da onerosidade excessiva”.
Também segue a mesma linha de raciocínio, Cláudia Lima Marques�, ao comentar que a norma do art. 6º do CDC, avança ao não exigir que o fato seja superveniente ou irresistível, apenas exige a quebra da base objetiva do negócio, a quebra de seu equilíbrio intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações, ao desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elemento autorizador da ação modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual, que agora apresenta a mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário, irresistível, fato que podia ser previsto e não foi.
Realmente, dizer-se que o artigo 6º, inciso V, do CDC adotou a teoria da imprevisão seria ir de encontro ao sistema protetivo que envolve a figura do consumidor, pois seria exigir-lhe provas muitos difíceis a serem produzidas – isto é, provas de cunho subjetivo quanto à previsibilidade e extraordinalidade. Por conseguinte, é de entender que tal dispositivo abriga a teoria da base objetiva do negócio, sendo necessário auferir a excessiva onerosidade superveniente.
De forma diversa, o novo Código Civil recepcionou a teoria da imprevisão e a da base objetiva, porém em artigos (em Títulos) diversos. 
O art. 478 trata da possibilidade da resolução, dispondo que, nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. A partir desse dispositivo, pode-se extrair os seguintes requisitos, considerando-se que o artigo só prevê a possibilidade de resolução contratual: a) contrato de execução continuada ou diferida; b) a prestação de uma das partes torna-se excessivamente onerosa; c) e a prestação da outra extremamente vantajosa; e d) ocorrência da superveniência de acontecimentos extraordinário e imprevisíveis.
Antes de serem tecidos comentários acerca dos aludidos requisitos, mister se faz levantar a seguinte questão: o artigo 478, ao não prever a possibilidade de revisão contratual, excluiu-a? 
Como o cerne da teoria da imprevisão é possibilitar a revisão ou a resolução contratual, não parece que o dispositivo ora mencionado teve o condão de excluir a primeira hipótese. Ainda mais considerando que, se é possível a resolução, que é uma medida mais drástica, ao por fim a relação contratual, não haveria o porquê negar a via revisional que vem a viabilizar a continuação do contrato.
O princípio da função social, que é uma das principais alavancas para a implantação da nova ordem contratual de cunho social, também autoriza a entender pela aplicabilidade da hipótese de revisão contratual; pois, se o contrato deve atender a sua função social, havendo, assim, desajustes por forças estranhas às partes, não há como a justiça negar o reaproveitamento (a revisão) do contrato, estabelecendo condições (obrigações) passíveis de serem cumpridas. 
Ainda justificando a possibilidade revisionista, o art. 317, do CC, remete que quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte , de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. 
Pela leitura do artigo supramencionado, é de ser suscitado que houve a adoção da teoria da base do negócio para a revisão do contrato, e não a teoria da imprevisão, que acolhe outros requisitos.
Além disso, não se poderia conceber a idéia de que somente a parte beneficiária pode pleitear a revisão do contrato, conforme estabelece o art. 479, CC. Logo, se ao réu (considerando-o que seja a parte não prejudicada) foi-lhe concedida a via revisional, a mesma não poderia ser negada à parte prejudica, sob pena de infringir o princípio constitucional da igualdade (ou isonomia). 
Esboçada a crítica acima, retomam-se, agora, comentários em torno dos requisitos expostos no art. 478, CC. O primeiro requisito consiste na exigência de se tratar de contratos de execução continuada ou diferida, isto é de contratos cujas prestações se protaem no tempo.�
O segundo requisito – onerosidade excessiva – consiste na alteração da obrigação de uma das partes durante a execução do contrato, decorrente de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, tornando-a um considerável sacrifício. Esse sacrifício corresponde a idéia de inviabilidade econômica na continuaçãodo cumprimento da obrigação contratual.� 
O terceiro requisito – benefício exagerado para a outra parte contratante - vem a ser a vantagem patrimonial que a outra parte recebe em razão do sacrifício da outra. O exemplo da queda da ponte reflete isso, pois, caso o preço do transporte não fosse reajustado, os alunos seriam beneficiados (pelo fato de serem transportados por um percurso maior) em face do sacrifício patrimonial a ser suportado pela empresa com o aumento do itinerário. 
Contudo, nem sempre esse requisito se faz presente, uma vez que o fato da prestação se tornar excessivamente onerosa para uma das partes não significa que a outra seja beneficiada exageradamente. Imagine-se a seguinte situação, que é apresentada pela autora Bierwagen�: um pequeno empreiteiro do interior que se compromete a construir um único imóvel, e que, no curso do contrato, vê-se surpreendido pela dobra no preço do cimento na região, forçada pela presença de uma empreiteira que inicia a construção de um grande condomínio. A onerosidade excessiva experimentada pelo pequeno empreiteiro não se reflete em favor do dono da obra, que receberá o mesmo produto anteriormente contratado, não havendo dessarte, exagerada vantagem. 
Com a observação feita no parágrafo anterior, entende-se que a falta de caracterização da vantagem exagerada não afasta a aplicação do disposto no art. 478, CC; eis que não se pode negar a via revisional ou resolutiva sob o pretexto de não estar presente tal vantagem. Ademais não se pode negar solução a quem quer cumprir o contrato, mas se vê impedido por situação estranha à vontade das partes e que lhe cause um considerável prejuízo patrimonial. 
 E o último requisito é a ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis supervenientes à conclusão do contrato. Esses acontecimentos se caracterizam pela impossibilidade das partes previrem-nos no momento do ajuste.
Vistos os requisitos, a que se destacar outro ponto questionável, o qual diz respeito ao art. 479, CC, que prevê a possibilidade de revisão contratual quando o réu oferecer proposta com o fim de modificar eqüitativamente as condições do contrato. Desse dispositivo, lança-se a seguinte questão: oferecendo o réu proposta para modificar o contrato, poderá o juiz, considerando-a eqüitativa, modificar o contrato sem a concordância do autor?
Compreendendo-se que o art. 479 atribui ao juiz um poder revisionista, poderá, então, acolher a proposta do réu e modificar o contrato, obrigando o autor a cumprir o contrato nos moldes fixados pela sentença.
Oportunamente, pode-se questionar a seguinte situação: partindo-se do fato do autor ter ingressado com uma demanda pleiteando a resolução do contrato, poderá o juiz prolatar uma decisão que extrapola o pedido do autor, qual seja, a revisão e imposição de novas condições contratuais. Se agir assim, restará caracterizada uma decisão extra petita, ofendendo a matéria processual. 
Contudo, não se pode compreender que ocorrerá uma irregularidade processual, pois o processo não pode (e não deve) estar desvinculado da nova ordem contratual que se estabelece. Aliás, o processo é instrumento de aplicação do direito material, por isso aquele deve adaptar-se a este. 
Dessa forma, não se pode negar, a partir da nova visão que o direito vem assumindo (visão socializante), o poder revisionista do juiz, podendo este, com o intuito de manter a relação contratual, solucionar o caso concreto estabelecendo os novos critérios a serem observados pelas partes contratantes. Aliás, essa é a interpretação mais coerente com a sistemática do novo Código, pois o contrato deve atingir sua função social – o restabelecimento do contrato em nível de equiparidade entre as partes é cumprir com sua função social (!).
Por derradeiro, faz-se uma outra ponderação, a qual diz respeito ao art. 480, CC. Esse artigo prevê que, nos contratos unilaterais, a parte que tem o dever obrigacional poderá pleitear que sua prestação seja reduzida, ou alterando o modo executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva. 
Tomando-se o aludido artigo, detecta-se que, quando se tratar de contrato unilateral de execução continuada ou diferida, resta provar a onerosidade excessiva, não necessitando a exagerada vantagem. Além disso, o artigo proporciona o revisão ou a resolução do contrato. Assim, comparando com o art. 478, CC, percebe-se um nítido tratamento desigual, pois neste só há a previsão da resolução e há exigência da onerosidade excessiva e a extrema vantagem. 
Considerações finais
O contrato, hoje, não mais pode ser visto como um negócio jurídico intocável nos moldes do princípio liberal da pacta sunt servanda​, eis que o ordenamento jurídico reconhece a possibilidade da sua revisão. Notadamente, o Código Civil veio a acolher a possibilidade de rever e resolver o contrato por fatores ocorridos após a conclusão do negócio.
Quanto à viabilidade da revisão, encontra-se no art. 317, do CC, o seu fundamento. Em razão do seu texto, pode-se compreender que foi recepcionada a teoria da base objetiva do negócio, bastando a demonstração dos motivos imprevisíveis e a desproporção entre o valor da prestação devida auferível momento da sua execução.
Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 6º, V, adota a teoria da base objetiva como motivadora da revisão do contrato.
No que pertine à resolução do contrato por onerosidade excessiva, percebe-se que o art. 478, CC absorveu na íntegra a teoria da imprevisão. Contudo, nos artigos que se seguem (arts. 478 e 479, CC), observam-se certas incongruências. A primeira diz respeito à diferença de tratamento entre o autor da ação e o réu, cabendo a esse o direito subjetivo à revisão do contrato. A segunda refere-se ao tratamento diferenciado entre contrato bilateral e unilateral. Ao segundo é somente exigido a prova da onerosidade excessiva, não necessitando a exagerada vantagem; enquanto ao primeiro impõe-se a demonstração da onerosidade excessiva, da exagerada vantagem, além dos demais requisitos do art. 478, CC.
Em face de desigual tratamento, parece que não há um justo motivo para se beneficiar os contratos unilateriais; por conseguinte o artigo 480 deve ser interpretado de forma a contribuir ao entendimento de que o art. 478 não excluiu a via revisional, como também permite a sua aplicação quando restar configurada a onerosidade excessiva e não restar caracterizada a vantagem exagerada, como no exemplo dado acima. Tal interpretação parte da aplicação do princípio constitucional da isonomia. Aliás, está-se diante do Direito Civil Constitucional!
Referências Bibliográficas
BIERWAGEN, Mônica Yoshiato. Principios e regras dos contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
BITTAR, Carlos Alberto (coord). Contornos atuais da teoria dos contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993.
DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
GILISEN, John. Introdução histórica ao Direito. 3 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 1995. 
MONTEIRO, Osvaldo de Carvalho. Cláusula “Rebus Sic Standibus”. Revista Forense. Rio de Janeiro, ano XL, v. XCIV, fasc. 476, p. 242, abr/1943. 
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988, v. 1.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
TEPEDINO, Gustavo (coord). Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
� Professora da Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA, é mestre em Direito Público e Especialista em Direito Imobiliário pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. 
� GILISSEN, John. Introdução histórica do Direito. 3 ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001, p. 737-738.
� Vislumbrando-se esse princípio no ordenamento pátrio, ressalta-se o entendimento doRelator Min. Ari Pargendler, proferido no seu voto no Recurso Especial nº 223.122, acerca da utilização da comissão de permanência em decorrência de dívida originária de contrato bancário de cheque especial. Refere o ministro que a jurisprudência do STJ posicionou-se no sentido de que, nesses contratos, não há limitação da taxa de juros, prevalecendo o que foi pactuado. Analogicamente, em razão da inadimplência, deve-se seguir o mesmo princípio, isto é, pacta sunt servanda. Se no contrato foi estipulada a cobrança de comissão de permanência em virtude de inadimplência, a cláusula é válida, porque não afronta a lei. Assim incide comissão de permanência desde o vencimento do débito. (Recurso especial nº 7 223.122 – MG – Dj 28/02/1999). 
� RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Aide, 1988, v. 1.
� GILISSEN, 2001, p. 738.
�MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 38.
� A partir da dessa concepção liberal do contrato – intangibilidade do pacto - evidentemente, se há caso de nulidade contratual, poderá o juiz declarar tal nulidade, contudo, tal hipótese não é de revisar o contrato. Poderá causar a nulidade, por exemplo, quando o agente foi incapaz, o objeto foi ilícito ou não for observada a forma prescrita ou defesa em lei. 
� DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 8.
� SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p 32.
� DONNINI, 2001, p. 19. 
� MONTEIRO, Osvaldo de Carvalho. Cláusula “Rebus Sic Standibus”. Revista Forense. Rio de Janeiro, ano XL, v. XCIV, fasc. 476, p. 242, abr/1943. 
� DONINNI, 2001, p. 21.
� MONTEIRO, 1943, p. 243.
� Artur Marques da Silva Filho afirma que essa teoria foi lançada em 1921, por Paul Oertmann, e estabelece que a vontadade constitutiva de um negócio jurídico pode ser encaminhada a que o resultado do mesmo negócio não se obtenha em todo caso, senão somente se ocorrerem determinadas circunstâncias especiais. (BITTAR, Carlos Alberto (coord). Contornos atuais da teoria dos contratos. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1993, p.135) 
� DONNINI, 2001, p. 42.
� Ibidem, p. 44-45.
� É adepto à teoria o jurista Pontes de Miranda, onde deixa evidente o seu posicionamento no voto proferido em sede de Recurso Extraordinário, em que trata de revisão de contrato de empréstimo (mútuo) sob alegação de mudança das condições contratuais face à crise econômica em que assolava o país, assim expondo: 
parece-me, porém que aos termos de consagrar no direito positivo brasileiro, sem estar no escrito, a cláusula rebus sic stantibus, devemos tender aos verdadeiros efeitos dela que, nem sempre são totais. No meu “Tratado de Testamentos”, apontei várias casos de aplicação de tal regra. A Corte não entrou na apreciação dos efeitos, mas, está claro que se trata de aplicar a doutrina ao acórdão cuja conclusão estou de acordo inteiramente, conforme a nota que, no momento, dei o meu voto. (Voto transcrito por Osvaldo de Carvalho Monteiro, em artigo sob o título “Cláusula rebus Sic Stantibus”, na Revista Forense vol. 94, pg. 242).
� DONINNI, 2001, p. 46-47.
� Ementa do recurso: CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE REVISÃO DO CONTRATO.CORREÇÃO MONETÁRIA. NÃO-PACTUAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. FATO SUPERVENIENTE.PLANO CRUZADO. PRECEDENTES DA TURMA. DISSÍDIO. CARACTERIZADO.RECURSO PROVIDO. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.(RESP 94692/RJ – DJ 21/09/1998, Rel. Min. Salvio de Figueiredo Teixeira).
� A aplicação da teoria da imprevisão é vista em outras hipóteses, como na revisão de contrato de obras públicas (RESP 35991/SC – DJ 19/05/1997, Rel. Min. Peçanha Martins).
� Ementa do recurso: CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO.A escalada inflacionaria não é um fator imprevisivel, tanto maisquando avençada pelas partes a incidencia de correção monetaria.Precedentes. Recurso não conhecido. (RESP 87226/DF – DJ 05/08/1996, Rel. Min. Costa Leite). 
� BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual por excessiva onerosidade superveniente à contratação positivada no Código de Defesa do Consumidor sob a perspectiva civil-constitucional. In: TEPEDINO, Gustavo (coord) Problemas de Direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 300. 
� MARQUES, 1995, p. 299.
� Contrato de execução diferida é aquele em que as prestações, dada a natureza do negócio, se estendem no tempo, como ocorre no contrato de locação de imóvel residencial, seguro, compra e venda a prazo; enquanto o contrato de execução continuada é aquele realizável em um só ato, sendo que as partes adiam o cumprimento de suas obrigações para um momento posterior à conclusão do negócio, como ocorre na compra e venda cuja entrega da coisa ocorrerá três meses. Muitos doutrinadores, como Sílvio Rodrigues e Maria Helena Diniz, classificam os contratos como instantâneos e de execução diferida no futuro, ou como de execução imediata e continuada, não fazendo a diferenciação das espécies execução continuada e diferida. 
� Veja-se um exemplo para tornar mais nítida essa idéia de sacrifício: um contrato de transporte firmado entre uma empresa de transporte e alunos residentes em determinada cidade que necessitam deslocarem-se para uma outra, em razão da queda de uma ponte existente no itinerário, exige que seja aumentado consideravelmente o percurso. Tal fato ocasionará, sem dúvida, maiores custos à empresa contratante, pois exigirá gasto maior com combustível, manutenção do veículo, entre outros. 
� BIERWAGEN, Mônica Yoshiato. Principios e regras dos contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 70.
�PAGE �
�PAGE �4�

Outros materiais