Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 RELAÇÕES INTERNACIONAIS WILLIAMS GONÇALVES Professor dos PPGs. Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade Federal Fluminense 1 Introdução A análise das relações internacionais passou a ter sua importância reconhecida no início do século XX. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial, o estudo das relações internacionais estivera a cargo de diplomatas, historiadores e juristas. A partir dessa data a situação mudou: notáveis esforços passaram a ser realizados no sentido de fazer, das Relações Internacionais, um campo de estudo específico e autônomo. Na prática, isso tem se traduzido no trabalho de definir, com alguma precisão, os limites da realidade das relações internacionais, bem como de produzir um dispositivo conceptual que resulte em análises integradas, as quais, por sua vez, possam permitir ir além das análises parciais produzidas pela Economia Internacional, pelo Direito Internacional, pela História Diplomática e pela Política Internacional. É cada vez maior o reconhecimento que as relações internacionais são extremamente complexas e abrangentes para serem submetidas às estreitas medidas estabelecidas por essas disciplinas. Ainda que cada uma delas possa iluminar aspectos relevantes da realidade, somente uma análise que combine, de modo articulado, conceitos elaborados por esses campos específicos poderá compreender sua extensão e sua densidade. Em outras palavras, o grande desafio enfrentado pelas Relações Internacionais é o de assumir sua indispensável multidisciplinaridade. Pode-se dizer, no entanto, que esse desafio tem sido enfrentado e vencido, exclusivamente, pelos acadêmicos do mundo anglo -saxão. Não obstante o conhecimento das Relações Internacionais interessar, em toda parte, àqueles que, de alguma forma, participam das relações internacionais (nomeadamente estadistas, diplomatas, militares e acadêmicos), o fato é que a produção acadêmica do mundo anglo-saxão neste campo, é 2 esmagadoramente superior à produção dos demais centros acadêmicos do mundo, juntos, incluindo os países nos quais há tradição de pesquisa universitário -acadêmica na área das Ciências Sociais. As razões determinantes dessa primazia anglo-saxônica no domínio dos estudos de Relações Internacionais são largamente conhecidas e podem ser decompostas, para fins analíticos, em três ordens, a saber: econômicas, acadêmicas e de poder. Inicialmente, as instituições dos Estados Unidos e da Inglaterra nunca pouparam recursos para apoiar a pesquisa e o ensino das Relações Internacionais. A primeira cátedra universitária dedicada a este campo de estudo, a Woodrow Wilson, financiada pelo cidadão inglês David Davies, foi criada em 1919, na Universidade de Gales. Mais tarde, logo após a Segunda Guerra Mundial, o Estado norte-americano, por meio de suas diversas agências governamentais, destinou somas fabulosas à pesquisa sobre os mais diversos aspectos das relações internacionais. Isso fez com que um grande número de acadêmicos talentosos se sentissem motivados a trilhar o caminho do estudo das Relações Internacionais. Em segundo lugar, apesar das diferenças existentes entre os mundos acadêmicos norte-americano e inglês, ambos assumiram o desafio tanto de definir o objeto específico das Relações Internacionais, como o de trabalhá-lo cientificamente. Nos Estados Unidos, a ciência das Relações Internacionais nasceu a partir dos estudos de Ciência Política; isso significa dizer que ela assumiu, desde o seu nascimento, um caráter eminentemente prático. Em sintonia com a tradição acadêmica desse país, na área da Ciência Política, as Relações Internacionais foram pensadas para resolver problemas concretos enfrentados pelo Estado, em detrimento da especulação puramente teórica. Na Inglaterra, por seu turno, o percurso foi diferente. Lá, as Relações Internac ionais nasceram da cooperação acadêmica entre os diferentes segmentos universitários e a diplomacia. Dessa experiência, formou-se uma tradição de estudo das Relações Internacionais que, muito antes de se resumir à defesa dos interesses nacionais britânicos, atribuiu significativa importância aos fatores culturais como relevantes aspectos componentes das Relações Internacionais. Em terceiro e último lugar, estão as razões de poder. Não é por mero acaso que as Relações Internacionais tenham se desenvolvido como estudo moderno tanto na Inglaterra (potência que exerceu o papel hegemônico durante o século XIX e início do século XX), 3 como nos Estados Unidos, que despontaram como a grande potência no início do século XX, vindo a se transformar em superpotência logo depois da Segunda Guerra Mundial. Pelo contrário, o estudo moderno das Relações Internacionais afigurou-se, às elites norte- americanas e inglesas, como tarefa indispensável ao entendimento do mundo em mudança e, desse modo, à manutenção do poder que detinham. Essa conclusão de que o mundo havia mudado, fazendo-se necessário conhecê- lo melhor para continuar a exercer o poder e realizar seus respectivos interesses nacionais, levou as delegações diplomáticas dos Estados Unidos e da Inglaterra, presentes na Conferência de Paz de Paris, a assumirem a responsabilidade de criar centros de pesquisa neste campo. Tal compromisso foi honrado logo no ano seguinte (1920): foram criados, na Inglaterra, o Royal Institute of International Affairs, e, nos Estados Unidos, o Council of Foreign Relations. Dessa primazia anglo-saxã, nas Relações Internacionais , decorrem alguns efeitos acadêmicos e políticos extraordinariamente importantes, que podem ser sintetizados nas idéias de acúmulo de poder e de luta pela conservação da posição hegemônica. Ao se dedicar, com grande afinco, ao estudo das Relações Internacionais, os anglo-saxãos elaboraram hipóteses, formularam teorias e definiram os conceitos que se universalizaram, tais como aqueles que lhe são específicos, ou seja, criaram o léxico das Relações Internacionais. Qualquer pessoa que se interesse por este campo de estudo, em qualquer parte do mundo, deve, obrigatoriamente, exercer algum domínio sobre esse léxico ; caso contrário, não conseguirá estabelecer diálogo com os que se dedicam à pesquisa nessa área. Por assim dizer, o conhecimento tanto da língua inglesa, como da produção acadêmica norte-americana e inglesa nas Relações Internacionais constitui condição indispensáve l para iniciar toda espécie de debate acadêmico. Por outro lado, justamente por terem criado o léxico das Relações Internacionais e por reunirem o maior número de centros de pesquisa, os acadêmicos anglo-saxãos definem o nível de excelência da análise e impõem os termos do debate. Isso significa, enfim, que não dispõem unicamente do poder político para satisfazer seus respectivos interesses nacionais, como também, do poder sobre o próprio discurso das Relações Internacionais. Esse poder de determinar o que é relevante e, assim, impor a direção a ser dada à pesquisa, torna-se muito mais visível nos momentos nos quais ocorrem grandes mudanças no sistema internacional, tal como aconteceu no início da década de noventa, quando 4 terminou a Guerra Fria e o sistema internacional, de bipolar, passou a ser unipolar. A vitória estratégica dos Estados Unidos sobre a União Soviética (e sobre o mundo por ela comandado) levou não apenas à mudança da “agenda política internacional”, como também, correlativamente, à mudança de enfoque do mundo acadêmico sobre as questões internacionais. Imediatamente, por não se ter previsto as grandes modificações ocorridas no sistema internacional, passou-se a considerar a teoria Realista como imprestável paraa análise. Segundo o novo enfoque dominante, para empreender análises válidas, era necessário recuperar o instrumental liberal, com ênfase no livre-comércio, na generalização dos princípios liberal-democráticos e no esvaziamento do Estado-providência. Além da óbvia idéia de obsolescência do projeto socialista, passou-se, também, a entender que as questões de defesa da soberania e de segurança haviam dado lugar às questões econômicas globais ; isto é, a problemática geopolítica teria sido substituída pela problemática geoeconômica. Considerou-se, igualmente, que o problema das relações econômicas assimétricas entre as grandes potências capitalistas e os pequenos Estados, bem como o fenômeno da dependência econômica, na verdade, não tinham existência real, uma vez que se constituíam em mera manifestação ideológica do tempo da Guerra Fria. Desse modo, por considerar que o fim dessa guerra havia apagado todas as diferenças entre os Estados que comp unham o sistema internacional, decidiu-se que não havia mais porque falar de Terceiro Mundo, de luta pelo desenvolvimento, tampouco de reforma das instituições econômicas internacionais. Enfim, em consonância com os novos interesses demonstrados pelas grandes potências, especialmente pelos Estados Unidos, o mundo acadêmico desses Estados redirecionou a curiosidade intelectual, com vistas a melhor servir a esses novos interesses. Ao mesmo tempo, pelo efeito hegemônico, passou a pautar as linhas de pesquisa do restante do mundo, especialmente dos países da periferia. Isso posto, conscientes dos interesses que cercam o estudo das Relações Internacionais, obje tivamos, neste texto, introduzir algumas questões que possam, de alguma maneira, contribuir para o melhor entendimento da questão. Pretendemos, pois, apresentar a origem e a evolução das Relações Internacionais, o perfil das suas correntes teóricas mais importantes, além de discutir os conceitos mais correntes na bibliografia especializada. 5 2 Definição Recorrer às definições, não é a melhor forma de apresentar uma disciplina. Além de ser difícil encontrar uma que seja capaz de exprimir o conteúdo da disciplina com a objetividade e a abrangência necessárias, qualquer uma das definições que venha a ser escolhida será, inevitavelmente, alvo das mais diversas contestações. Isso porque as definições não são (e jamais poderão ser) neutras. Quem se propõe a definir, o faz à luz de alguma teoria. O resultado, desse modo, sempre deverá exprimir uma determinada concepção teórica, mesmo que não a explicite. Apesar disso, não se pode deixar de apresentá- las, mesmo que seja somente para contestá-las mais adiante. Nesse sentido, o objetivo a cumprir, com as definições, a seguir transcritas, não é exatamente o de dizer o que são as Relações Internacionais na verdade, mas sim, o de tentar desfazer algumas dúvidas que surgem com certa freqüência, quando o assunto envolve questões internacionais. Por essa razão, buscar-se-á distinguir Relações Internacionais das outras disciplinas que apresentam uma dimensão internacional, tais como a Política Internacional e a Política Externa. Para iniciar, serão apresentadas determinadas definições, cujos autores são conhecidos estudiosos das Relações Internacionais. Iniciamos com Phillipe Braillard e Mohamma-Reza Djalili, que afirma que “as relações internacionais podem ser definidas como o conjunto de relações e comunicações que os grupos sociais estabelecem através das fronteiras.”1 Para Michael Nicholson, amplamente, relações internacionais concerne a relacionamentos e interações que não podem ser observados exclusivamente no contexto de um Estado tal como Inglaterra ou China. Estritamente, relações internacionais estuda interações sociais em contextos onde não existe 1 BRAILLARD, Philippe; DJALILI , Mohammad-Reza. Relations Internationales : Que sais -je? Paris : PUF, 1988. p. 5. 6 poder soberano para intrometer-se ou mediar e que está fora de qualquer jurisdição governamental.2 Daniel Colard, por sua vez, afirma que “o estudo das relações internacionais engloba as relações pacíficas ou belicosas entre Estados, o papel das organizações internacionais, a influência das forças transnacionais e o conjunto das trocas ou das atividades que cruzam as fronteiras dos Estados.”3 Joshua Goldstein, por fim, diz que, estritamente definido, o campo das relações internacionais concerne aos relacionamentos entre aqueles governos do mundo, que são Estados- membro da ONU. Mas esses relacionamentos não podem ser entendidos isoladamente. Eles estão fortemente conectados com outros atores (como as organizações internacionais, corporações multinacionais, e indivíduos); com outras estruturas sociais (incluindo economia, cultura e política doméstica); e com as influências históricas e geográficas.4 Pode-se constatar que as definições diferem umas das outras; e, justamente por esse motivo nem todas contêm os mesmos elementos. Alguns aspectos presentes em uma definição já não aparecem em outras. Contudo, é possível perceber que todas têm o mesmo sentido o qual é conferido pela idéia de relacionamentos múltiplos. Todos os autores citados, de um modo ou de outro, transmitem a idéia de que as relações internacionais envolvem numerosos e variados atores atuando em todo o mundo. Vistas dessa forma, as Relações Internacionais supõe o estudo do conjunto de interações. É evidente que a melhor maneira de decompor o conjunto para proceder à análise, é tarefa que depende do instrumental teórico a serviço do analista. A cada dispositivo teórico corresponde uma diferente maneira de perceber as relações internacionais. É aqui que reside a importância da teoria, qual seja: distinguir o principal do acessório, revelando o que é significativo para, assim, conduzir o analista a mais correta interpretação, mediante tal procedimento, produzir o esperado conhecimento da realidade das relações internacionais. No entanto, antes de seguir adiante, com a apresentação das definições oriundas dessas disciplinas aparentadas, seria interessante desfazer, o quanto antes, uma certa ambigüidade que, não raro, confunde quem se inicia no estudo das Relações Internacionais. 2 NICHOLSON, Michael. International Relations: A Concise Introduction. London: MacMillan Press, 1998. p. 2. 3 COLARD, Daniel. Les Relations Internationales de 1945 à nos jours . Paris : Armand Colin, 1999. p. 5. 4 GOLDSTEIN, Joshua S. International Relations . New York: Longman, 1999. p. 3. 7 A ambigüidade é que as Relações Internacionais estudam as relações internacionais. Isto é, a disciplina e a realidade que essa disciplina busca conhecer têm o mesmo nome. Para contornar essa ambigüidade e, dessa forma, possibilitar o entendimento do discurso, os estudiosos convencionaram diferenciar o nome da disciplina do nome do objeto mediante o uso de iniciais maiúsculas para a primeira (Relações Internacionais) e de iniciais minúsculas para o objeto do conhecimento (relações internacionais). No próximo passo, para a definição de Política Internacional, surgem problemas de outro tipo: verifica-se, neste caso, a existência de evidentes imprecisões. Em primeiro lugar, é possível considerar a Política Internacional como o estudo da estrutura e funcionamento dos sistemas políticos estrangeiros. Pode-se citar, como exemplo , o caso do cientista político brasileiro que se dedica ao estudo da estrutura e do funcionamento do sistema político dos Estados Unidos ou, conforme o interesse, de qualquer outropaís. Segundo essa idéia a respeito do que é Política Internacional, os exemplos podem se multiplicar; porém, o sentido será sempre o mesmo, qual seja, como agem e reagem politicamente outros povos diante dos novos desafios que a realidade vai apresentando. A segunda possibilidade de definição de Política Internacional, abre-se no sentido de entendê- la como o estudo da lógica interna e da prática das ideologias políticas. Neste caso, podem servir de exemplo os estudos que se fazem sobre formações ideológicas como socialismo, neoliberalismo, terceira via, populismo e a aplicação prática dessas ideologias sob a forma de programas políticos e regimes políticos em todos os Estados do mundo. Desse tipo de estudo de Política Internacional, derivam os estudos comparados, que propiciam, ao pesquisador, a oportunidade de refletir sobre a coerência e os efeitos produzidos pela prática política. As duas definições acima, na verdade, não oferecem problemas de entendimento. Os problemas surgem quando determinados autores passam a falar de Política Internacional, atribuindo, a esses estudos, o sentido de Relações Internacionais. Essa assimilação de uma definição pela outra costuma ser feita, na maior parte das vezes, por autores que se apóiam na teoria Realista para analisar as relações internacionais. Tal confusão é comum entre esses autores, porque, na concepção deles, o que de fato interessa conhecer sobre o meio internacional são as relações políticas que os Estados entretêm. Para 8 eles, embora as relações entre os Estados comportem interesses muito diversificados (econômicos, sociais e culturais), a linguagem que exprime os interesses do Estado é sempre a política. Isto é, a política é a linguagem própria do Estado. Conquanto sempre esteja se manifestando a respeito dos seus interesses econômicos, sociais e culturais, o Estado o faz mediante o uso de políticas orientadas para cada um desses interesses. Nesse sentido, todos os interesses estão embutidos nas relações políticas que o Estado sustenta com os demais. Assim, de acordo com essa interpretação, Política Internacional nada mais é do que as próprias Relações Internacionais. Por fim, resta definir Política Externa, a qual, para P. A. Reynolds, pode ser definida “como o conjunto de ações de um Estado em suas relações com outras entidades que também atuam no cenário internacional, com o objetivo, a princípio, de promover o interesse nacional.”5 Para Marcel Merle, “a Política Externa é [...] a parte da atividade do Estado que é voltada para fora, isto é, que trata, em oposição à política interna, dos problemas que existem além das fronteiras.”6 Como o próprio nome indica, de maneira inequívoca, a Política Externa constitui um dos fatores que compõem as relações internacionais. É mediante a sua formulação, que o Estado define as prioridades, expectativas e alianças para atuar no quadro das relações internacionais. Ainda que não seja propósito deste texto entrar na discussão sobre o conceito de Política Externa, vale assinalar que as definições acima contêm duas questões polêmicas. A primeira delas, formulada por P. A. Reynolds, diz respeito à idéia de interesse nacional. Esse conceito, exaustivamente examinado por Joseph Frankel7, ocupa posição central na teoria Realista de Hans J. Morgenthau8. De maneira simplificada, pode-se dizer que a mais séria objeção a esse conceito é a de que as decisões de política externa , tomadas pelos governantes, são resultado de um processo decisório do qual participam diversos grupos, os quais, por sua vez, procuram fazer com que a sua visão particular dos problemas se 5 REYNOLDS, P. A. Introduccion al Estudio de las Relaciones Internacionales. Madrid : Tecnos, 1977. p. 46. 6 MERLE, Marcel. La Politique Étrangère. Paris: Presses Universitaire de France, 1984. p. 7. 7 FRANKEL, Joseph. National Interest. London: Pall Mall Press, 1970. 8 MORGENTHAU, Hans J. Politics Among Nations : The Struggle for Power and Peace. New York: Alfred A. Knopf, 1985. 9 sobreponha à dos demais grupos que competem no processo de formulação de políticas. Isso significa dizer que há rejeição à idéia realista, segundo a qual o Estado funciona no meio externo conforme uma racionalidade situada acima das contradições que agitam a nação. A segunda questão polêmica, contida na definição de Marcel Merle, refere-se à relação externo/interno. Neste caso, a discussão gira em torno do tema relativ o à existência de dois campos distintos, ou seja, as políticas interna e externa têm autonomia uma face à outra, ou uma constitui a simples extensão da outra? Resta, ainda, o questionamento acerca da predominância de uma sobre a outra, ou seja, a política externa determina a política interna, ou é por ela determinada? 9 3 Relações internacionais como objeto de estudo Como ocorre em todas as demais Ciências Sociais, parte dos estudiosos das Relações Internacionais está permanentemente envolvida na reflexão epistemológica sobre a definição do seu objeto de estudo, num exercício absolutamente necessário , uma vez que a realidade está em permanente mutação. A dinâmica das relações internacionais, constantemente determinando o surgimento de novos atores e a abertura da discussão de novas questões internacionais, representa contínuo desafio à capacidade analítica das teorias estabelecidas. Daí a razão porque se apresenta, como absolutamente necessária, a tarefa de rever os pressupostos e os instrumentos conceituais da disciplina, pois, do êxito de la, depende o avanço da ciência e a conseqüente elevação do nível de conhecimento sobre a realidade estudada. E o principal desafio que se oferece àqueles que se dedicam a esse trabalho, é justamente responder, com precisão, à seguinte pergunta: o que é a realidade das relações internacionais? Todos aqueles que têm investido nessa reflexão sabem o quanto uma resposta categórica e definitiva a essa pergunta é difícil. Difícil, antes de tudo, em virtude da imaterialidade do objeto que se deseja conhecer. Ao contrário do que é comum no âmbito das ciências naturais, as relações internacionais não tem existência física; elas são, por assim dizer, uma abstração; uma vez que só existe como produto do pensamento. Desse 9 MERLE, op. cit. 10 modo, por não constituírem uma realidade sensível, sua definição acaba por ser arbitrária, tendo em vista que, cada qual se julga capaz de determinar, com maior correção, os contornos das relações internacionais como objeto de conhecimento. Convém, no entanto, ter cautela. Afirmar que a definição de relações internacionais, como objeto de conhecimento, é arbitrária, não significa dizer que ela é aleatória. A definição é arbitrária, porque o objeto não se auto-evidencia. Ele requer que se o destaque e o separe de tudo o mais que o cerca e possa, com ele, se confundir. Nesse aspecto, a situação do estudioso das relações internacionais não é confortável como a do biólogo dedicado ao estudo dos seres marinhos: este não precisa dispender muito esforço para apresentar o peixe como seu objeto de conhecimento. Porque, apesar dessa denominação ter- lhe sido atribuída pelos homens e não por eles próprios, os peixes são imediatamente reconhecidos, sem suscitar controvérsias. Por mais que o tamanho, a forma e a cor possam variar, o fato é que as características básicas identificadoras do animal como peixe , estão sempre evidentes. Por outro lado, a definição das relações internacionais como objeto de estudo não é aleatória porque, independentementeda orientação seguida, alguns elementos característicos impõem-se como obrigatórios a qualquer uma das definições que venha a ser elaborada. Por essa razão, elas guardam muitas semelhanças entre si e, no mais das vezes, apresentam distinções sutis. Por exemplo, por mais ampla e inclusivamente que se queira definir o objeto das relações internacionais, não há como deixar de considerar as relações políticas entre os Estados como seu componente importante. Entretanto, a afirmação que o cidadão comum, não investido de qualquer função oficial de seu Estado, possa ser ator das relações internacionais, já não goza mais da mesma aceitação entre as linhas teóricas que compõem o universo da disciplina. Essas variadas definições da realidade das relações internacionais podem ser sintetizadas em dois grandes grupos: o primeiro deles é aquele cujas definições compreendem os fenômenos paz e guerra; armas nucleares e desarmamento; imperialismo e nacionalismo; as relações assimétricas entre sociedades ricas e sociedades pobres; preservação do meio ambiente; combate ao narcotráfico; combate ao terrorismo internacional; defesa dos direitos humanos; influência das instituições religiosas; organizações internacionais, processos de integração regional; formação e fragmentação 11 dos Estados; comércio e ação das corporações multinacionais; raça e gênero em todo o mundo; desenvolvimento e transferência de tecnologia; globalização. O segundo grupo apresenta as relações internacionais como o resultado das relações entre os Estados. Enquanto, no primeiro grupo de definições, a realidade das relações internacionais é apresentada como extremamente ampla, incluindo fenômenos que dizem respeito a diversos domínios da vida em sociedade e relativos a situações tanto de conflito como de cooperação, no segundo grupo, essa realidade é apresentada como, fundamentalmente, constituída por conflitos entre os interesses respectivos a cada Estado. No primeiro grupo, qualquer um dos fenômenos citados pode assumir a condição de objeto de análise das Relações Internacionais; no segundo, por sua vez, tais fenômenos são concebidos como produto das relações diplomáticas, militares e estratégicas que os Estados (China, Bélgica, Venezuela, Alemanha, Japão, Estados Unidos, p. e.) estabelecem entre si. As disparidades apresentadas por esses conjuntos das possíveis características das definições possíveis de relações internacionais são, contudo, mais aparentes do que reais. E o que faz com que as diferenças sejam apenas aparentes é a idéia de anarquia – a qual, de fato, passa a ser o elemento unificador de todas as variadas concepções da realidade das relações internacionais. Para esse efeito, anarquia significa a inexistência de uma autoridade central, com legitimidade para criar leis e dispor de poder para fazer com que essas leis sejam obedecidas. Em virtude dessa ausência de algo como um governo mundial, que centralize as decisões, as relações e interações internacionais assumem uma importância fundamental para o conhecimento da realidade internacional. Embora, como será visto mais adiante, haja dive rgências entre as correntes teóricas, o aspecto mais importante é que as principais delas encaram a figura jurídico-política do Estado como a referência principal. A ausência de um poder que desempenhe, em escala internacional, o papel que o Estado desempenha em escala nacional constitui, para as diversas orientações teóricas, a pedra angular das Relações Internacionais. Essa característica específica permite afirmar não só a existência do objeto de conhecimento denominado relações internacionais, mas, também, que esse objeto não se confunde com outros objetos de conhecimento que contêm algumas características iguais. As possibilidades de uso de diversas definições da realidade das relações internacionais, entretanto, não se apresentam, para o estudioso da matéria, como mera 12 questão de conveniência. Pelo contrário, a opção por qualquer uma das definições determina um correspondente conjunto de conseqüências, as quais, vale dizer, são de ordem teórica e metodológica, pois a maneira como definimos a realidade é a mesma maneira como a entendemos, de tal modo que, entre a realidade e sua definição, encontra-se sempre presente a teoria. 4 Relações Internacionais como disciplina A disciplina Relações Internacionais é jovem, tendo em vista que o seu nascimento se deu logo após a Primeira Guerra Mundial,** um acontecimento que constituiu a razão fundamental para o seu surgimento. Em virtude do novo caráter industrial e tecnológico, que a revestia, a Primeira Guerra Mundial foi a primeira guerra total, onde já não distinguia mais, com clareza, frente e retaguarda, combatentes e civis. Ao findar, deixou um rastro de devastação sem precedentes. Enquanto todas as guerras européias, entre 1802 e 1913, haviam produzido o total de 4,5 milhões de mortos, a Primeira Guerra Mundial, sozinha, foi responsável por cerca de 10 milhões de homens mortos, a maioria com menos de 40 anos de idade; 10 milhões de refugiados; 5 milhões de viúvas; e 9 milhões de órfãos. Somente na famosa batalha do Somme, franceses, ingleses e alemães perderam, juntos, quase um milhão de homens. No plano material, a destruição resultou, em 1920, numa significativa redução da produção industrial (de 1/4 ), em relação a 1913.10 Por essa razão, quando o conflito chegou ao fim, os líderes das potências vencedoras foram fortemente pressionados, pela opinião pública de seus respectivos países, para punir, duramente, os responsáveis pela guerra e, também, para tomar as providências necessárias a fim de que outra guerra como aquela não voltasse a acontecer. Assim, em função da enorme capacidade bélica decorrente das conquistas tecnológicas do capitalismo oligopolista, como também o alcance geográfico mundial do conflito, percebeu-se a necessidade de ser promovido o ** Essa data de nascimento é contestada por Brian C. Schmidt (The Political Discourse of Anarchy: A Disciplinary History of International Relations. Albany: State University of New York Press, 1998), Esse autor considera que a disciplina nasceu bem antes da Primeira Guerra, como derivação da discussão acadêmica dos cientistas políticos norte-americanos sobre a Teoria do Estado. 10 LOWE, Norman.Guía Ilustrada de la Historia Moderna.Mexico: Fondo de Cultura Económica, 1995. p. 44. 13 conhecimento da realidade das relações internacionais, particularmente dos mecanismos que engendram as guerras. Para cumprir essa finalidade, como já foi dito nas linhas iniciais do presente texto, foi criada, em 1919, na Universidade de Gales (Aberyswyth), a Cátedra Woodrow Wilson de Política Internacional, a primeira cátedra de Relações Internacionais do mundo, a qual foi financiada pelo filantropo David Davies e ocupada por Alfred Zimmern (1879 – 1957) e, mais tarde, em 1936, por Edward Hallett Carr (1892 – 1982). No ano seguinte (1920), cumprindo compromisso assumido pelas duas delegações presentes à Conferência de Paz de Paris de “levar a efeito o estudo sistemático das relações internacionais”, foram criados, na Inglaterra, o Royal Institute of International Affairs e, nos Estados Unidos, o Council of Foreign Relations.11 As relações internacionais, na verdade, sempre foram estudadas. Melhor dizendo, desde que o sistema europeu de Estados formou-se, a partir da Paz de Westphalia (1648), estadistas e intelectuais em geral passaram a se dedicar à reflexão sobre os fenômenos da paz e da guerra entre os Estados. Pensadores da estatura intelectual de Nicolau Maquiavel,Immanuel Kant, Jean-Jacques Rousseau, como tantos outros mais, demonstraram a grande importância desses fenômenos para a definição das instit uições políticas. Portanto, o fato para o qual se procura, aqui, chamar a atenção, é o de que a decisão das elites intelectuais européia e norte-americana de fazer, ao fim da Primeira Guerra Mundial, das relações internacionais, um objeto de ciência, não constituiu algo rigorosamente inovador. O que se considera digno de registro é a nova maneira como estudiosos e estadistas passaram a encarar o estudo das relações internacionais. Antes da guerra, as respostas para os problemas internacionais eram elaboradas segundo a ótica do Direito Internacional, da Diplomacia e da História Diplomática. A Primeira Guerra Mundial, em virtude de sua abrangência, serviu para mostrar que essas abordagens estavam inteiramente superadas, uma vez que já não eram mais capazes de produzir respostas satisfatórias. Para dar conta dos novos problemas internacionais, suscitados pela expansão da rede de trocas e de fluxos de capitais da economia internacional, bem como pelo surgimento de novas potências, fora do perímetro europeu, com ambições de virem a desempenhar papel de destaque no cenário 11 BROWN, Chris . Understanding International Relations . London: MacMillan Press, 1997. p. 24. 14 internacional, fazia-se, então, necessária a criação de nova disciplina, a qual deveria, por assim dizer, exprimir, em sua abordagem, a amplitude que passara a caracterizar a nova realidade das re lações internacionais. Desde que o projeto de construção da disciplina de Relações Internacionais foi lançado, os estudiosos têm procurado definir, com o maior rigor possível, os limites de seu objeto de estudo. Além disso, têm procurado elaborar os instrumentos teórico-conceituais que tornem possível a análise desse mesmo objeto. Não há dúvida de que a grande dificuldade enfrentada nessa tarefa de configuração da nova disciplina é assegurar- lhe o indispensável caráter interdisciplinar. Ou seja, definir os contornos de uma disciplina capaz de produzir uma visão integrada do meio internacional; uma disciplina cujo alcance vá além das visões parciais da Economia Internacional, do Direito Internacional, da História Internacional e da Política Internacional. Es se desafio, vale assinalar, tem se renovado à medida que as relações internacionais têm evoluído, tornando-se a cada dia mais complexas. Assim o foi, depois da Segunda Guerra Mundial, ocasião em que os estudiosos tiveram que passar a levar em conta o advento das armas nucleares e a luta iniciada pelos povos colonizados em favor de sua independência face às metrópoles européias. Assim tem sido, a partir da última década do século XX, com os estudiosos tentando elucidar a nova estrutura do sistema internacional e, ao mesmo tempo, decifrar o fenômeno da globalização e de seus surpreendentes efeitos gerais. Essa procura do perfil teórico-conceitual ideal das Relações Internacionais, com vistas à obtenção das mais confiáveis análises da realidade, tem ocasionado grande disputa intelectual que, por sua vez, tem levado o campo teórico da disciplina à situação de fragmentação. Tantas são as propostas teóricas que vêm sendo apresentadas, que se torna até difícil classificá-las. A maneira que aqueles dedicados ao estudo da evolução teórica da disciplina, encontraram para mapear esse campo teórico, foi utilizar o conceito de paradigma. Tomado de empréstimo do filósofo da ciência Thomas Kuhn12, esse conceito tem servido para classificar as teorias segundo seu vínculo a determinados modos de perceber a constituição e a dinâmica do meio internacional.*** 12 KUHN, Thomas S . A Estrutura das Revoluções Científicas . São Paulo: Perspectiva, 1982. *** Barry Buzan, p. e., assim define paradigma: “Paradigmas são escolas de pensamento que têm sido constituídas mediante abordagens no estudo das relações internacionais que exploram alguns níveis, setores e normas em detrimento de outros. Cada paradigma é um tipo de lente compósita, que possibilita uma visão 15 Apesar das dúvidas a respeito da adequação do conceito à realidade teórica das Relações Internacionais, uma vez que foi elaborado em função de outra realidade científica, seu uso, segundo alguns autores13, estaria plenamente justificado face à incomensurabilidade de cada uma das diferentes correntes teóricas. Isto é, se cada corrente teórica delimita o objeto ‘relações internacionais ’ de maneira a valorizar certos componentes, os quais, por seu turno, são desvalorizados por outra corrente, que dá prioridade a outros componentes, as análises resultantes do uso dessas teorias serão diferentes uma das outras e, enfim, não haverá como compará-las em sua validade, tendo em vista o fato de os focos da análise não terem sido os mesmos. Para simplificar: diferentes teorias produzem diferentes análises e, como não existe linguagem neutra para julgar a superioridade de uma teoria sobre a outra, a escolha da melhor só pode ser determinada pelo livre arbítrio do analista. Assim, conquanto Thomas Kuhn tenha formulado o conceito paradigma para explicar a ascensão e queda das grandes formulações teóricas, seu uso, no âmbito das Relações Internacionais, estaria justificado em função dessa realidade de fragmentada constituição. O uso do conceito paradigma não é suficiente, contudo, para resolver a questão do mapeamento do campo teórico das Relações Internacionais: se, de um lado, o conceito ajuda, ao agrupar as teorias assemelhadas, de outro, cria algumas dificuldades, à medida que há muitas divergências quanto aos próprios paradigmas. Por exemplo, Ole Waever14 considera a existência de três paradigmas: Realismo, Pluralismo/Interdependência e Marxismo/Radicalismo. Graham Evans e Jeffrey Newham15 consideram os sete paradigmas seguintes: Realismo, Behaviorismo, Neorealismo, Neoliberalismo, Teoria do Sistema Mundial, Teoria Crítica e Pós-Modernismo. Charles W. Kegley, Jr. e Eugene R. Wittkopf16 enumeram seis paradigmas: História Imediata (Current History), Liberal Idealismo, Realismo, Behaviorismo, Neorealismo e Neoliberalismo. Robert Jackson e Georg seletiva das relações internacionais. Igual a qualquer outra lente, a leitura através dela permite que determinadas características apareçam mais fortemente, enquanto outras características quase desapareçam”. 13 WAEVER, Ole . The rise and fall of the inter-paradigm debate. In: SMITH, Steve; BOOTH, Ken; ZALEWSKI, Marysia (Eds.).Interntional theory: positivism & beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. p. 149-185. 14 Ibidem. 15 EVANS, Graham ; NEWHAM, Jeffrey.The Penguin Dictionary of International Relations .London: Penguin Books, 1998. p. 275. 16 KEGLEY, Charles W. ; WITTKOPF, Eugene R. World Politics : Trend and Transformation. New York: St. Martin’s Press, 1997. p. 18. 16 Sorensen17 destacam quatro paradigmas: Realismo, Liberalismo, Sociedade Internacional e Economia Política Internacional. E, por último, Hedley Bull18 indica apenas três paradigmas: Hobbesiano ou Realista, Kantiano ou Universalista e Grotiano ou Internacionalista. Como a classificação desses autores deixa transparecer, há paradigmas cuja nomeação é unânime, como é o caso do Realismo; há outros que recebem nomes diferentes, tais como Liberalismo/Liberal Idealismo/Pluralismo/Interdependência; e, ainda,há aqueles que só aparecem em uma classificação, como são os casos de Teoria do Sistema Mundial, de Sociedade Internacional e de Economia Política Internacional. Vale observar, enfim, que essa lista poderia ser aumentada e tornada ainda mais confusa, se outros autores fossem arrolados. Ainda que haja um interesse crescente, por toda a parte, em relação às Relações Internacionais, a discussão teórica, tal como o quadro acima revela, permanece como uma discussão entre acadêmicos norte-americanos e ingleses, confirmando as palavras de Stanley Hoffmann, no sentido de que Relações Internacionais é uma disciplina norte- americana .19 Como já foi visto, esse interesse dedicado, pela academia norte-americana, às Relações Internacionais deve-se, em grande medida, aos esforços iniciados depois da Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, ao assombroso investimento realizado pelo Governo dos EUA em pesquisas, publicações e viagens, logo depois da Segunda Guerra Mundial.20 Na ocasião, aquele governo buscou estimular a formação de especialistas em todas as áreas (conhecimento de regiões, de países e de questões internacionais), de modo que o conhecimento, por eles produzido, se configurasse na base para a ação externa e, naturalmente, para a execução do projeto hegemônico do Estado. Nesse sentido, a discussão teórica na qual estão envolvidos os estudiosos norte-americanos não deve ser 17 JACKSON , Robert; SORENSEN, Georg. Introduction to International Relations .Oxford: Oxford University Press, 1999. p. 34. 18 BULL, Hedley. The Anarchical Society: A Study of Order in World Politics. London: MacMillan Press, 1977. p. 24. 19 HOFFMANN, Stanley. An American Social Science: International Relations. In: DER DERIAN, James (Eds.). International Theory: Critical Investigations. London: MacMillan Press, 1995. p. 212-241. 20 PLATIG, E. Raymond. International Relations as a Field of Inquiry. In: ROSENAU, James N. (Ed.). International Politics and Foreign Policy: a reader in research and theory. New York: The Free Press, 1969. p. 6-19. Neste artigo, o autor apresenta o volume de recursos investidos e discrimina as áreas de pesquisa beneficiadas. 17 interpretada como mera disputa de preferências pessoais e de rivalidades de grupos universitários. Essa contenda, na verdade, tem um pano-de-fundo político: o trabalho de preservação do status quo internacional. Subjacente à polêmica sobre os paradigmas e sobre a validade do uso de conceitos como equilíbrio de poder, governabilidade internacional e globalização, encontra-se a questão fundamental, relativa ao substantivo apoio da Academia à luta pela conservação da posição hegemônica por parte do Estado norte-americano. Por tais motivos, a primazia norte-americana , no estudo das Relações Internacionais, faz com que a história da disciplina coincida com sua história no ambiente acadêmico norte-americano. 5 A evolução teórica das Relações Internacionais A evolução teórica das Relações Internacionais tem sido marcada por “Grandes Debates”21 – os quais registram o confronto das teorias emergentes com as teorias dominantes. Não por coincidência, o confronto entre novas e antigas teorias tem se seguido a mudanças significativas na estrutura e no funcionamento do sistema internacional. Por entender que a teoria dominante não é capaz de dar conta de elementos novos, que se destacam no curso das relações internacionais, os pesquisadores buscam aprofundar suas reflexões com a finalidade de obter formulações teóricas mais ricas, que abram o caminho para o conhecimento mais verdadeiro da realidade das relações internacionais. O primeiro desses “Grandes Debates” aconteceu ao longo da década de 1930, opondo a corrente dominante Liberal- idealista à corrente emergente do Realismo. A primeira corrente acredita na perfectibilidade humana, no Direito Internacional e nas possibilidades de haver paz entre os Estados. Para os Idealistas, a realização desses ideais depende do aperfeiçoamento das instituições internacionais, o qual, por sua vez, deve resultar da cooperação entre os estadistas. Para a corrente Realista, por outro lado, as 21 GROOM, A. J. R.; LIGHT, Margot. Contemporary International Relations : A Guide of Theory. London: Pinter Publishers, 1994. DEL ARENAL, Celestino. Introducción a las Relaciones Internacionales . Madrid: Tecnos, 1990. MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais . Brasilia, UNB, 1981. BRAILLARD, Philippe. Teoria das Relações Internacionais . Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
Compartilhar