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O CONTROLE JUDICIAL DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO DIREITO COMPARADO Mauro Cappelletti Capítulo 1 – Delimitação do tema §1 O controle de constitucionalidade tem-se difundido no mundo do direito como um instrumento de defesa contra a volta de uma “época do terror”, de opressão e de tirania. Todas as manifestações da “justiça constitucional” têm em comum a função da tutela e da atuação judicial dos preceitos constitucionais §2 A diferença entre controles políticos e judiciais de constitucionalidade é que nestes, o controle é feitos por um ou mais órgãos judiciais, enquanto que aquele é feito por órgãos políticos – notadamente do executivo ou do legislativo. (Cargos eletivos) Usualmente, em sistemas que possuem o controle político, este é feito de forma preventiva, antes que a lei entre em vigor. A França é o país onde existe um controle mais tipicamente político. Conseil Constitutionnel *Na França, a ideia que vigora é a da separação dos poderes e a consequente inoportunidade de qualquer interferência do poder judiciário na atividade legislativa das “assembléias populares”.1 *O controle se insere no próprio processo de formação da lei. Assume, pois, a mesma natureza [política] *Na Itália existe um mecanismo similar ao brasileiro, no qual o presidente, no momento de promulgação de uma lei pode remetê-la de volta ao Congresso para que submeta a lei a uma nova deliberação. §3 Nos países socialistas, também é comumente utilisado o controle político. A ideia base, no entanto, é justamente contrária à ideologia francesa, de negação da “doutrina burguesa” de separação dos poderes, que devem ser reunidos em um órgão supremo, de direta emanação popular. Dessa forma, as leis, enquanto emanadas por esse órgão – Soviet Supremo, Assembléia Popular -, representam a vontade do povo, sendo inadmissível um controle exercido por órgão extra-parlamentar. A Assembléia Popular “representa a suprema fonte jurídica, a nenhum, senão a este mesmo órgão, pode ser atribuído o poder de controlar a legitimidade constitucional de suas próprias deliberações. §4 – Instituto da Cassação francês – controle de legalidade. Nascido durante a revolução, foi um meio pelo qual se poderia impugnar “uma senteça afetada por certos erros de processo ou, também, de direito substancial.” Ou seja, consistia na anulação das sentenças proferidas com desrespeito às ordenanças régias. No plano ideológico, vinha em conformidade com as ideologias de onipotência da lei, igualdade formal entre os cidadãos e da rígida separação dos poderes. 1 Cap. III §8 O Tribunal de Cassation foi, então, instituído “para evitar que os órgãos judiciários, no exercício de suas funções, invadissem a esfera do poder legislativo, subtraindo-se à estreita e textual observância da lei. *Aproximação entre legalidade e legitimidade. *”Foi uma típica expressão da desconfiança profunda dos legisladores revolucionários nos juízes franceses” *Já no início do século XIX o Tribunal de Cassation francês foi se transformado, cada vez mais em prol da ideia de sujeição da lei ordinária do parlamente a uma lex superior, ou seja, menos positivista. Com o Código de Napoleão, foi reconhecido aos juízes o poder de interpretação, em oposição à ideia de juiz como a “boca da lei”. *Partindo dessa evolução, a Cour de Cassation tornou-se o que é hoje: “a suprema corte reguladora da interpretação jurisprudencial”. Capítulo II – Precedentes §1 O controle judicial advém da necessidade de impor um limite ao próprio legislador, e de torná-lo efetivo através de um controle judicial. A constituição americana marca o início da época do constitucionalismo, ou seja, da concepção de supremacia das leis constitucionais em relação às leis ordinárias e do dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à constituição.2 Existiu, entretanto, em sistemas mais antigos, a ideia de supremacia de uma lei ou de um dado corpo de leis em relação às outras leis que hoje chamaríamos de ordinárias. §2 – Antiga grande civilização Ateniense Nómos (lei em sentido estrito) X Pséfisma (“decreto” das assembléias) “Modificação das leis (nómoi) vigentes não podiam ser feitas a não ser através de um procedimento especial”. Assim, a lei deveria representar uma situação fixa, “alheia às vissitudes da vida política e das decisões improvisadas das assembléias”. Aristóteles considerava que a lei deveria ser algo acima das paixões humanas. Bases da doutrina da supremacia das leis e da ilegitimidade da lei injusta “O decreto(pséfisma), qualquer que fosse o seu conteúdo, deveria ser legal, seja na forma, seja na substância” §3 – Época Medieval A ideia de que o jus naturale era uma norma superior, de derivação divina, na qual todas as outras normas deveriam ser estipuladas. Assim, o ato soberano que fosse contrário aos limites impostos pelo direito natural era considerado nulo e não vinculatório. A concepção medieval, então, definia claramente a distinção entre duas ordens de normas: a do jus naturale – superior e inderrogável – e a do jus positum, que deveria estar em conformidade com a primeira. Concepção Jusnaturalista (separação entre os conceitos de legalidade e legitimidade) 2 Caso Marbury VS Madison (Juíz John Marshall) “a alternativa entre constituições rígidas e constituições flexíveis – que podem ser modificadas por leis ordinárias – e a necessidade de escolha entre uma e outra das duas soluções encontram-se enunciadas com insuperável clareza” Se a constituição é superior aos atos legislativos, é preciso concluir que um ato legislativo contrário à constituição não é lei. O direito natural funcionava como um representante de “direitos inatos” que serviriam de “limites e de preceitos cogentes para o próprio legislador”. Locke – o poder legislativo, apesar de ser soberano, deve respeitar os limites do direito natural Os parlements franceses formularam uma doutrina que teve grande influência na obra de Montesquieu em relação ao controle de legitimidade das leis ainda no antigo regime. Dizia respeito à impotência do Soberano legislador de promulgar leis que hoje chamaríamos de inconstitucionais. (ou seja, que fossem contrárias a preceitos superiores) *Embora o constitucionalismo moderno represente uma superação do jusnaturalismo, pode-se afirmar que os preceitos, hoje incorporados às constituições, de liberdade política e civil foram conquista do jusnaturalismo. *Essa distinção estava mais no plano filosófico-teórico, abstraído dos concretos acontecimentos do cotidiano da vida e sem a devida concreção jurídica. *”Para chegar, em outras palavras, àquela que eficazmente foi chamada a “positivização” do direito natural e, portanto, à sua subsunção na esfera do direito positivo, era preciso atingir, na verdade, a tempo mais próximos de nós”. Isso vai acontecer, notadamente, com a Constituição Americana que afirmará os preceitos inatos, ou naturais, como preceitos positivos, e oferecerá uma garantia efetiva de respeito e tutela destes direitos. §4 – Qual o precedente que mais diretamente inspirou o controle americano? O sitema americano, marcado pela judicial review, ou supremacia do poder dos juízes é exatamente o oposto do sistema inglês da absoluta supremacia do Parlamento. Paradoxalmente, a supremacia do parlamento na Inglaterra favoreceu o nascimento da supremacia dos juízes nos Estados Unidos. Doutrina de Lord Coke - A tradição inglesa era de que a lei não fosse criada, mas somente afirmada ou declarada pela vontade do Soberano. A common law, ou seja, a lei fundamental, poderia ser completada pelo legislador, nunca violada. O juiz ocupava o papel de árbitro entre o Rei e o Parlamento (princípio da razoabilidade),que deveria garantir a supremacia da common law tanto sobre o parlamento quanto sobre o rei. Essa doutrina foi abandonada com a revolução inglesa, e, assim, proclamada a verdadeira supremacia do parlamento. As colônias inglesas, notadamente os Estados Unidos, foram constituídas a partir de Companhias de Comércio, que eram regidas segundo cartas ou estatutos da Coroa, que podem ser consideradas as primeiras constituições das coroas, seja porque eram vinculatórias ou porque regulavam a vida jurídica da colônia. Dessa forma, essas “constituições” dispunham que as colônias poderiam aprovar suas próprias leis desde que não fossem contrárias aos regulamentos ingleses, por consequência, à vontade do parlamento inglês. (Supremacia da lei inglesa = supremacia do parlamento inglês). O rei determinava, inclusive, que as leis da colônia contrárias aos regulamentos não deveriam ser aplicadas pelos juízes. Assim, da mesma forma que declarava-se a supremacia dos regulamentos ingleses sobre as leis da colônia, determinou-se quanto a Carta constitucional, a mesma nulidade e inaplicabilidade às leis em contraste come ela. O controle americano não foi, então, “um gesto de improvisação, mas, antes, um ato amadurecido através dos séculos de história: história não apenas americana, mas universal.” Capítulo III – Análise Estrutural – Aspecto subjetivo (órgãos aos quais pertence o controle) §1 – Sistema difuso (americano) X Sistema concentrado (austríaco) No sistema difuso o poder de controle pertence a todos os órgãos jurídicos, que o exercitam de forma incidental, na ocasião da decisão das causas de sua competência. No sistema concentrado o poder se concentra em um único órgão judiciário. §3 – A ratio por trás do sistema difuso A função dos juízes é a de interpretar as leis e aplicá-las ao caso concreto (subsunção) Assim, no método interpretativo vale o princípio: “lex superior derogat legi inferiori”, aplicado quando há um contraste entre uma determinação ordinária e uma lei constitucional, tida como superior. “Conclui-se que qualquer juiz , encontrando-se no dever de decidir um caso em que seja “relevante” uma norma legislativa ordinária contrastando com a norma constitucional, deve não aplicar a primeira e aplicar, ao invés, a segunda.” §4 – A ratio por trás do sistema concentrado O modelo austríaco foi imitado, sobretudo, em países de civil law. Nesse sistema, em que não existe o princípio, típico da common law, do “stare decisis”, a introdução do método americano levaria à consequência de que uma mesma lei poderia não ser aplicada por alguns juízes e aplicada por outros, devido à inexistência da vinculação. “Poderiam formar-se verdadeiros “contrastes de tendências” entre órgãos judiciários de tipo diverso”. Isso tudo geraria um grave conflito entre os órgãos e uma insegurança no direito. Outro inconveniente é que, mesmo depois de diversas declarações de inconstitucionalidade, um sujeito interessado na nulidade de uma lei deveria novamente entrar em juízo, pois o sistema difuso aplica-se ao caso concreto, incidentalmente. Assim, para solucionar esses problemas da aplicação do controle difuso em países de civil law, instaurou-se, nesse países principalmente, um sistema concentrado, no qual a prerrogativa de controle constitucional é dada a um órgão supremo da justiça com eficácia erga omnes. §5 O princípio da vinculação dos precendentes nos EUA, atua como se a decisão, embora incidental, tivesse eficácia erga omnes, pois o mesmo entendimento, a partir da decisão de uma corte superior, deverá ser aplicada nas instâncias subordinadas. §6 “Tornava-se necessário, nos países da Europa continental, encontrar um órgão judiciário que se pudesse confiar a função de decidir sobre as questões de constitucionalidade das leis, com eficácia erga omnes e, por isto, de modo tal a evitar aquele perigo de conflitos e de caótica incerteza do direito, de que se falou antes.” Criou-se na Áustria uma especial Corte Constitucional, que deu início ao sistema concentrado de controle de constitucionalidade em um órgão criado com essa função específica. Assim, diferencia-se da Supreme Court dos EUA, que não é propriamente uma corte constitucional, mas sim a última instância do judiciário. Entende-se neste sistema que os juízes comuns são incompetentes para conhecer, mesmo com eficácia limitada ao caso concreto, da validade das leis. Eles devem sempre ter como boas as leis existentes (tendência positivista presunção de validade das leis com efeito para todos os juízes, com exceção da corte constitucional) §7 Mesmo que o controle americano seja o de um controle difuso que pertence a todos os juízes, inferiores e superiores, a última palavra através do sistema das impugnações acaba por competir às cortes superiores, cujas decisões, por força da regra do stare decisis, são, depois, vinculatórias. A diferença entre a Supreme Court americana e a Corte Constitucional austríaca está, como dito anteriormente, que esta tem função exclusivamente constitucional, os procedimentos são estabelecidos ad hoc, ou seja, com foco na questão da constitucionalidade e só para isto. A Supreme Court americana não é nada mais que a última instância do poder judiciário e a ela se chega não através de procedimentos especiais, mas da natural existência de impugnações e recursos. Assim, tem-se que Supreme Court é um órgão de jurisdição ordinária. 3 As normas constitucionais agregam uma polêmica que diz respeito ao conflito entre o passado e um programa de reformas em direção ao futuro, pois contém a indicação daqueles que serão os supremos valores da atividade futura do Estado. Assim, a interpretação dos seus preceitos por juízes mais novos e por juízes mais velhos é, notadamente, diferenciada. Isso se configura como mais um entrave a aplicação do sistema difuso em países que adotam a estrutura de juízes de carreira e justifica a adoção de uma corte constitucional que dê as diretivas de interpretação dos preceitos constitucionais. Nos EUA, os juízes da Supreme Court são indicados ad hoc pelo Presidente, portanto, não existe essa problemática. Os países da Europa continental “preferiram criar especiais órgãos judiciários, inteiramente novos, dotados, porém, como outros órgãos judiciários, de plena independência e autonomia, mas compostos, analogamente à Supreme Court americana, de juízes não de carreira, nomeados ad hoc em escolha feita pelos supremos órgãos legislativos ou executivos do Estado”. Sendo assim, apesar de todas as diferenças no plano teórico-estrutural, entre as cortes americanas e do tipo austríaco, as duas desempenhavam na prática a mesma função constitucional, ou seja, de delimitar a interpretação dos princípios constitucionais às instâncias inferiores.4 §8 – Análise do controle político francês Razões históricas do controle. Antes da revolução, os juízes franceses comumente interferiam na esfera legislativa, o que, comumente, tendia a expressar o arbítrio e o abuso. Isso decorre da concepção do direito entre esses juízes como uma propriedade deles, comparável à propriedade em relação à terra ou à habitação. Estes juízes, estiveram, quase sempre, entre os adversários de qualquer reforma liberal francesa. Razões ideológicas. Doutrina da separação dos poderes de Montesquieu que foi considerada, erradamente na opinião5 do Cappelletti, contrária a qualquer intervenção dos juízes no poder legislativo. Agregada a doutrina de Montesquieu, esteve o pensamento Rousseauniano, pregando a direta manifestação da soberania popular, corroborando com a ideia de que o parlamento representava a soberania nacional e a vontade do povo, e que suas deliberações não poderiam ser cerceadas pelos juízes. Razões Práticas. A demanda histórica da sociedade francesa foi de sempre assegurar uma tutela contraas ilegalidades e abusos do poder executivo e também do judiciário (Cour de Cassation), antes de assegurar uma tutela contra os excessos do poder legislativo. Ainda que a constituição limite os poderes do legislativo, isso se faz concedendo mais poderes ao executivo, não ao judiciário. 3 A relação a corte americana e a austríaca é similar à relação entre STF e STJ no Brasil. O STF é uma corte exclusivamente constitucional e o STJ funciona como a última instância da justiça ordinária. 4 Nota de rodapé 55 da página 87. 5 O controle de constitucionalidade nada mais é do que o respeito à lei emanada da constituição. A doutrina americana que inspirou o sistema difuso estã inspirada não na rígida separação dos poderes, mas na ideologia dos checks and balances, isto é, no recíproco controle e equilíbrio entre os poderes do Estado. Isso explica porque nos EUA, o judiciário possa controlar a legitimidade dos atos legislativos, e, por outro lado, o executivo e o legislativo possam intervir, por exemplo, na indicação dos membros da Supreme Court americana. Os sistemas concentrados, pode-se dizer, são um meio termo entre o sistema difuso norte-americano e o sistema francês. De uma lado, preserva-se a o princípio francês que nega a qualquer juíz o controle sobre a legitimidade das leis, concentrando esse poder em uma corte superior, indicada pelos poderes executivo e legislativo. Por outro, enquanto na França o controle é estritamente político, nesses países adota-se um controle pertencente ao poder judiciário, como nos EUA. Pode-se reconhecer, nas constituições austríaca, italiana e alemã (sistema concentrado) “uma parcial aceitação do sistema dos checks and balances, que daquele montesquieuiano da nítida separação dos poderes do Estado” Capítulo IV – Análise estrutural – aspecto “modal” ou formal (modo como as questões de inconstitucionalidade podem ser arguidas perante os juízes competentes e como são decididas) §1 – Via incidental (sistema americano) No sistema americano, a questão da inconstitucionalidade de uma norma só pode ser levantada no curso e por ocasião de um concreto processo comum e só na medida em que a lei seja relevante para a decisão do caso. Será competente, para resolver a questão da constitucionalidade, o mesmo órgão judiciário perante o qual se resolverá o processo § - Via principal (sistema austríaco) A corte constitucional só pode ser acionada através de um pedido especial de inconstitucionalidade por parte de alguns órgãos políticos, o que resultava em um controle muito limitado. Na áustria, a questão da constitucionalidade de uma lei só poderia ser arguida por um órgão político indicado pelo constituição. §3 A reforma constitucional austríaca, de 1929, acrescentou à legitimidade de pedir a inconstitucionalidade das leis dois órgãos judiciais, notadamente às duas instâncias superiores da justiça ordinária. (No Brasil seria o STJ). Esses dois órgãos só podem, entretanto, arguir a questão em via incidental, isto é, diante do caso concreto. Tal reforma deu origem a um sistema de caráter híbrido. Por um lado, os órgãos políticos fazem um controle em via principal, de caráter discricionário. Por outro, os órgãos judiciais o fazem por via incidental, com caráter vinculativo, ou seja, há um dever, por parte desses órgãos, de não aplicar a lei caso se tenha dúvida da sua constitucionalidade. Mesmo com a reforma, o problema dos agentes que possuem legitimidade para solicitar a inconstitucionalidade de uma lei, embora atenuado, não foi abolido. §4 Tal defeito foi resolvido no sistema italiano e alemão, nos quais vale a proibição dos juízes comuns decidirem sobre a constitucionalidade das leis. No entanto, qualquer juiz, quando confrontados com uma lei que entendam inconstitucional, têm o dever de submetê-la à corte constitucional a fim de que a questão seja decidida por esta, com eficácia vinculatória. Assim, todos os juízes, e não apenas aqueles de cortes superiores, têm legitimidade para dirigir-se às cortes constitucionais, limitadamente às leis relevantes ao caso concreto. Isso se configura como uma semelhança ao sistema americano, pois embora o juzi não tenha legitimidade de decretar a inconstitucionalidade, qualquer juiz pode requerê-la da corte constitucional. §5 Um dos problemas do sistema norte-americano é que, mesmo diante de leis suguramente inconstitucionais, não é possível declarar sua inconformidade com a constituição se não surgir um caso concreto no qual ela se torne relevante. O controle austríaco é mais completo, no entanto, pode se tornar mais perigoso pois pode dar às decisões da corte constitucional uma colaboração excessivamente política ao invés de jurídica. Tal situação pode ser observada no Brasil, onde o STF muitas vezes toma decisões de caráter eminentemente político. Tal fato corrobora na tese daqueles que vêem no controle de constitucionalidade uma ameaça das cortes à esfera legislativa. A resposta para essas suposições será dada pelas próprias cortes constitucionais, usando do princípio da razoabilidade, e do modo mais ou menos sábio ou prudente com que forem exercidas tais funções. De todo modo, é impossível dissociar o controle de constitucionalidade de seus efeitos políticos, no controle da dialética das forças do Estado. Capítulo V – Análise Estrutural – Aspecto dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade. §1 No sistema norte-americano, “a norma constitucional é considerada absolutamente nula e por isso ineficaz, pelo que o juiz, que exerce o poder de controle, não anula, mas, meramente, declara uma (pré- existente) nulidade da lei inconstitucional.” No sistema austríaco, a corte anula uma lei que, até o momento do pronunciamento, é válida e eficaz Assim, o sistema americano tem caráter declarativo (retroativo, ex tunc) e o austríaco, constitutivo (ultrativo, ex nunc).6 §2 O sistema austríaco tem caráter geral, com eficácia erga omnes. No sistema americano a regra fundamental é a que o juzi se limita a não aplicar a lei inconstitucional ao caso concreto, com eficácia especial, inter partes. No entanto, como já dito, essa característica é eliminada em boa parte através da ação da Supreme Court, por força do princípio da Stare Decisis. §3 Nos sistemas italiano e alemão, notadamente mais moderados que o austríaco e mais completos que o americano, admite-se a eficácia ex tunc, ou seja retroativo, contrariamente ao que ocorre na Áustria. Considera-se, como nos EUA, que o mero fato da inconstitucionalidade é causa de absoluta nulidade e de ineficácia das leis antes mesmo que esta inconstitucionalidade fosse declarada §4 O caráter constitutivo, não retroativo, da declaração de inconstitucionalidade na Áustria era incompatível com a legitimidade das cortes judiciais supremas de pedir a inconstitucionalidade diante de um caso concreto. Nos processos comuns, sempre se discute sobre direitos que derivam de fatos 6 Na monitoria foi dito o contrário. No entanto, isto está claro no livro na página 117 ocorridos no passado. O caráter constitutivo não mudaria o caso, pois a norma continuaria sendo válida perante os fatos verificados no processo, que aconteceram quando a declaração não havia sido feita. O sistema reformado permitiu a atenuação desse caráter constitutivo, tendo, limitadamente aos fatos perante os quais se solicita a inconstitucionalidade da norma, efeito retroativo. Este efeito não se aplica em relação aos possíveis casos análogos, cuja decisão continuará a ser regida pela norma declarada inconstitucional. Do mesmo modo, admite-se exceções aos efeitos retroativos da lei nos sistemas norte-americano, italiano e alemão. Notadamente no caso penal, a lei temsido sempre considerada como inconstitucionalmente declarada com efeito ultrativo. Em outras áreas também há discussões sobre a aplicação dos efeitos retroativos, em prol do direito adquirido, do ato juridíco perfeito e da coisa julgada. Há sentenças, nesse sentido, nas áreas civel e administrativa, principalmente nos casos em que os efeitos retroativos seriam mais prejudiciais para a manutenção da paz social e da segurança jurídica. Capítulo VI – Conclusão §2 O controle constitucional vem da necessidade do homem de conciliar a contraposição entre direito natural e positivo, entre direito e justiça, cuja relação influi na evolução jurídica. Enquanto o direito não estava todo incorporado na lei, poderia-se considerar inválida a lei injusta. Com a positivação dos direitos naturais surgiram as premissas de um controle de legalidade, ao invés da legitimidade. (respeito ao devido processo legal, etc) A exigência de uma justiça acima das leis foi se apresentando sob a forma da Declaração de Direitos Humanos e de Constituições que possuem uma garantia de uma superior legalidade, que, por muitos, resume o que se entende hoje por Estado de Direito, resumindo em normas positivas a noção de justiça compartilhada pela sociedade. “A constituição pretende ser, no Direito moderno, uma forma legalista de superar o legalismo, um retorno ao jusnaturalismo com os instrumentos do positivismo jurídico” Um retorno que também é a superação da concepção de direitos naturais imutáveis e absolutos por uma concepção que mais se aproxima do direito natural histórico, de direito natural vigente. A norma constitucional, sendo também norma positiva, traz, em si, uma reaproximação do direito à justiça A justiça constitucional tem como função a “concretização daqueles supremos valores que, encerrados e cristalizados nas fórmulas das constituições, seriam fria e estática irrealidade”
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