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Flávio Quinaud Pedron Direito e Literatura em Dworkin

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1
SOBRE A SEMELHANÇA ENTRE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E 
INTERPRETAÇÃO LITERÁRIA EM RONALD DWORKIN. 
 
 
FLÁVIO QUINAUD PEDRON 
 
Sumário: Considerações Iniciais; 1 – Direito; 2 – Literatura; 2.1 – Hipótese Estética; 2.2 – 
Intenção do Autor; 3 – Direito e Literatura; 3.1 - A Corrente do Direito; 3.2 – A Intenção 
do autor no Direito; 3.3 – A Política na interpretação; Referências Bibliográficas. 
 
Resumo: Presente trabalho destina-se a reconstruir a metáfora do romance em cadeia 
teorizada por Ronald Dworkin, no intuito de demonstrar como o direito e a literatura podem 
compreender melhor a relação de intersubjetivismo que funda suas práticas, em 
contraposição a tese da “intenção do autor”, compreendida como a única capaz de garantir 
objetividade. 
 
Palavras-Chaves: Hermenêutica, Dworkin, intersubjetividade, objetividade. 
 
 
CONSIDERAÇÕES INICIAIS. 
 
No ensaio De que maneira o Direito se assemelha à literatura,1 Dworkin 
pretende sustentar a tese de que a prática jurídica é um exercício de interpretação de um 
modo geral, não apenas quando se tem de interpretar um documento ou uma lei 
específica. Portanto, poder-se-ia traçar um paralelo da interpretação que se desenvolve 
na literatura em paralelo com a interpretação jurídica. Tem-se aqui o primeiro esboço do 
que em um obra posterior, como O Império do Direito, será denominada de 
interpretação construtiva, que exige que se tomem as práticas sociais da melhor forma 
possível.2 
O texto ainda adquire importância no conjunto dworkiano por ser a primeira 
vez que o autor apresenta o esquema do romance em cadeia. É importante aqui ter em 
mente que a proposta dworkiana como um todo pode ser entendida como um esforço de 
superação de duas tradições concorrentes, o positivismo jurídico (convencionalismo) e o 
realismo jurídico (pragmatismo),3 através da afirmação da possibilidade de se chegar a 
 
1 Publicado para o português como o capítulo 6 da obra DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. 
Trad. Luís Carlos Borges. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, mas publicado pela primeira vez em 
setembro de 1982, na Critical Inquiry. 
2 DWORKIN. O Império do Direito. p. 63-64. 
3 Dworkin busca demonstrar em suas obras como o convencionalismo - o que inclui o positivismo 
jurídico - e o pragmatismo – que inclui o realismo jurídico - se mostram como respostas inadequadas à 
compreensão do direito democrático. Para o convencionalismo, as decisões políticas do passado 
constituem os critérios que deverão fundamentar as decisões do presente e, na falta delas, ou seja, no caso 
 2
uma resposta correta4 nos casos judiciais e, em contra posição, negando a existência de 
um espaço discricionário para tomadas de decisões judiciais. 
Para melhor compreender tais críticas, deve ser lembrado que Dworkin leva à 
sério o giro hermenêutico empreendido por Hans-Georg Gadamer, em sua importante 
obra Verdade e Método, que rompe com as posições objetivistas de Schleiermacher e 
Dilthey,5 radicalizando a experiência hermenêutica e apoiando-se principalmente no 
modo de ser do Dasein (do ser-aí) heideggeriano.6 Desta forma, a Hermenêutica 
Filosófica entende que 
[...] a compreensão humana se orienta a partir de uma pré-compreensão que 
emerge da eventual situação existencial e que demarca o enquadramento 
temático e o limite de validade de cada tentativa de interpretação. 7
 
Os reflexos da percepção da tal “consciência histórica”, podem ser sentidos no 
pensamento de Dworkin, como lembra Carvalho Netto: 
Para ele, a unicidade e a irrepetibilidade que caracterizam todos os eventos 
históricos, ou seja, também qualquer caso concreto sobre o qual se pretenda 
tutela jurisdicional, exigem do juiz hercúleo esforço no sentido de encontrar 
no ordenamento considerado em sua inteireza a única decisão correta para 
este caso específico irrepetível por definição.8
 
 
de lacunas, abre-se para que o próprio magistrado crie normas por meio de um poder discricionário, como 
esclarece Calsamiglia (El Concepto de Integridad em Dworkin. Doxa. p. 161). Desta forma, a prática 
jurídica se resume na obediência às convenções anteriormente estabelecidas, portanto, ignora-se que com 
tempo decorram graduais modificações na forma como os operadores do Direito se apropriam dessas 
convenções. Diferentemente, para o pragmatismo, os juizes não devem ficar presos às convenções do 
passado, mas sim devem se preocupar com a justiça da decisão, mas de modo a vincular esse ideal a uma 
questão de bem estar geral. Essa tradição, então, volta-se para uma perspectiva utilitarista do direito. 
Nega-se, com isso, que as pessoas possuam qualquer direito subjetivo garantido, de modo que os juizes 
agem como se as pessoas tivessem esses direitos se em longo prazo isso servir melhor à sociedade 
(DWORKIN. O Império do Direito, p. 187). 
4 O presente trabalho faz uso da expressão resposta correta ao invés de resposta certa, pois ao contrário 
da opção feita pelos tradutores nacionais (DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 175), pode-se 
perceber que a resposta correta encerra em si uma pretensão de validade universalizável referente às 
normas deontológicas. Para melhor compreensão ver: HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: 
ensaios filosóficos. Trad. Milton Camargo Mota. São Paulo: Loyola, 2004; e GÜNTHER, Klaus. The 
sense of appropriateness: application discourses in morality and law. Trad. John Farrell. New York: State 
University of New York, 1993. 
5 Conforme o posicionamento de Gadamer (Verdade e método: Fundamentos de uma hermenêutica 
filosófica, p.28): “O objetivo de Dilthey é manifesto: ele pretende descobrir, nos confins da experiência 
humana e da herança idealista da escola histórica, um fundamento novo e epistemologicamente 
consistente; é isso que explica a sua idéia de completar a crítica da razão pura de Kant com uma ‘crítica 
da razão histórica’”. 
6 Conforme lição de Giovanni Reale (História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. Trad. Dario 
Antiseri. São Paulo: Paulus, 1991. v. 3, p. 583), o ser-aí “indica o fato de que o homem está sempre em 
uma situação, lançado nela e em relação ativa com ela”. 
7 GRONDIN. Introdução à hermenêutica filosófica. Trad. Benno Dischinger. São Leopoldo: Unisinos, 
1999. p. 159. 
8 CARVALHO NETTO. Requisitos pragmáticos da interpretação jurídica sob o paradigma do Estado 
Democrático de Direito. Revista de Direito Comparado. Belo Horizonte. v. 3. mai./1999. p. 475. 
 3
Todavia, esse enfoque hermenêutico presente no pensamento do professor de 
Oxford, que o faz considerar a dimensão histórica para aplicação do direito em casos 
presentes, é também uma hermenêutica crítica:9 não se trata de exclusivamente 
continuar o que sempre se fez, na completude de seus detalhes, mas, ao contrário, o 
intérprete deve examinar o sentido para que possa compreender o direito à melhor luz, o 
que inclui, não somente a repetição de uma prática, mas também modificação, limitação 
ou mesmo a eliminação da mesma.10
Para explicitar tal tarefa, Dworkin inicia desenvolvendo a distinção entre 
princípios, regras e diretrizes políticas.11 Assim, Dworkin afirma que a diferença entre 
princípios e regras tem natureza lógico-argumentativa, de modo que 
Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da 
obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à 
natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do 
tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é 
válida, e neste caso a resposta que ela oferece deve ser aceita, ou não é 
válida, e neste caso nada contribui para a decisão.12Outra característica das regras é que, pelo menos em tese, “todas as exceções 
podem ser arroladas e o quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da 
regra”.13 Se duas regras entram em conflito apenas uma delas fará a subsunção ao caso 
concreto. A decisão de saber qual delas será aplicada e qual delas será abandonada deve 
ser feita recorrendo-se às considerações que estão além das próprias regras. Essas 
considerações versam, por exemplo, os critérios clássicos de solução de antinomias do 
positivismo: (1) o critério cronológico - em que a norma posterior prevalece sobre a 
norma posterior; (2) o critério hierárquico, em que a norma de grau superior prevalece 
sobre a norma de grau inferior; e (3) o critério da especialidade, em que a norma 
especial prevalece sobre a norma geral. Assim, não se pode dizer que uma regra é mais 
 
9 O conceito de interpretação construtiva leva em conta as críticas feitas por Habermas (Dialética e 
Hermenêutica, p. 92-93) a Gadamer. A crítica reside na visão por demais passiva que a Hermenêutica 
Filosófica assume, compreendendo como unilateral o fluxo comunicativo. Nesse sentido, o próprio 
Dworkin justifica sua posição: “o intérprete deve esforçar-se por aprender e aplicar aquilo que interpreta 
com base no pressuposto de que está subordinado ao seu autor. Habermas faz a observação crucial (que 
aponta mais para a interpretação construtiva que para a conversacional) de que a interpretação pressupõe 
que o autor poderia aprender com o intérprete” (O Império do Direito, p. 63). Um bom exemplo é a 
conversa imaginária entre Cavell e Fellini retratada por Dworkin (op. cit., p. 69-70). 
10 BILLIER. MARYIOLI. História da Filosofia do Direito. Trad. Maurício de Andrade. Barueri: Manole, 
2005. p. 422. 
11 Trata-se do texto Model o f Rules, publicado originalmente na Chicago Law Review no. 35 (1967-1968), 
sendo depois republicado como o capítulo 2 da obra Levando os Direitos a Sério (com tradução para o 
português pela Editora Martins Fontes, em 2002). 
12 DWORKIN. Levando os Direitos a Sério, p. 39. 
13 DWORKIN. Levando os Direitos a Sério, p. 40. 
 4
importante que outras enquanto parte de um mesmo sistema de regras. Logo, uma não 
suplanta a outra, por ter uma importância maior no caso concreto. 
Já os princípios jurídicos não apresentam as conseqüências jurídicas que 
seguem as regras quando as condições de aplicação são dadas. Eles não pretendem, nem 
mesmo, estabelecer as condições que tornam a sua aplicação necessária. Ao contrário, 
eles enunciam uma razão que conduz a um argumento e a uma determinada direção. 
Com relação aos princípios não há exceções, pois elas não são, nem mesmo em teoria, 
susceptíveis de enumeração. Os princípios possuem também a dimensão de peso e 
importância que é parte integrante do seu conceito. Assim, quando os princípios se 
conflitam o juiz deve levar em conta a força relativa de cada um deles, devendo-se 
aplicar aquele que for mais adequado ao caso concreto, como se fosse uma razão que se 
inclinasse para um posicionamento e não para outro.14 Sobre a diferenciação dos 
princípios em sentido estrito e das diretrizes políticas (do inglês, policy), o princípio em 
sentido estrito é aquele que contém uma exigência de justiça, eqüidade, devido processo 
legal ou qualquer outra dimensão de moralidade. Por sua vez, o padrão denominado 
diretriz política estabelece um objetivo a ser alcançado, que geralmente, consiste na 
melhoria de algum aspecto econômico, político ou social da comunidade, buscando 
promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada 
desejável.15 
Na seqüência de seu pensamento, Dworkin buscou desenvolver a figura 
metafórica do Juiz Hércules,16 um juiz filósofo capaz de resolver questões 
problemáticas (hard cases) através de uma análise completa da legislação, de 
precedentes e dos princípios aplicados ao caso. 
 
14 DWORKIN. Levando os Direitos a Sério, p. 43. Oportuno, então, lembrar que Habermas (A inclusão 
do outro: estudos de teoria política, 2002) percebe que a maneira como Alexy (Teoría de los Derechos 
Fundamentales, 1993) entende a ponderação de princípios, implica uma concepção axiologizante do 
Direito, porque a ponderação só seria possível ao se poder preferir um princípio a outro, o que somente 
seria permitido se os princípios fossem considerados como valores. Assim, as normas, como princípios ou 
como regras, são enunciados deontológicos, isto é, visam ao que é devido. Já os valores, diferentemente 
dos padrões normativos citados, são enunciados teleológicos, de modo que objetivam o que é bom, 
melhor ou preferível, sendo condicionados a uma determinada cultura. Dessa forma, a norma para Alexy 
perde a característica de código binário para se transformar em um código gradual, ao passo que a 
adequabilidade sede espaço para uma aplicação dos princípios tidos como comandos otimizáveis 
(CATTONI DE OLIVEIRA, Direito Constitucional, p. 88-90). 
15 DWORKIN. Levando os Direitos a Sério, p. 36. 
16 DWORKIN. O Império do Direito, p. 165. Trata-se do texto Hard Cases, presente como o capítulo 4 da 
obra Levando os Direitos à Sério, mas originalmente publicado como um ensaio na Harvard Law Review 
no. 88 (1974-1975). É de chamar à atenção as diversas leituras feitas dessa figura de linguagem, o que 
levou a formulação de diversas críticas ao solipsismo de Hércules, que se mostram infundadas por 
olvidarem das demais construções de Dworkin que complementam a metáfora, bem como sua herança 
hermenêutica, como se fez questão de destacar no início do presente trabalho. 
 5
O passo seguinte foi justamente o desenvolvimento de uma segunda metáfora, 
a do romance em cadeia, que será objeto do presente texto. Mas o projeto dworkiano 
não tem fim aqui. Ele foi complementado com a noção da comunidade de princípios, 
explorada conclusivamente na obra O Império do Direito.17 Tudo isso como elementos 
essenciais para a construção de uma Teoria do Direito como Integridade, que pretende 
levar o direito à sério, seja por negar a discricionariedade, seja por negar a 
possibilidades de decisões conciliatórias, que não se baseiem em argumentos de 
princípios. Trata-se, então, de uma proposta condizente com o paradigma do Estado 
Democrático de Direito, como bem concordará Habermas: 
A teoria do Direito de Ronald Dworkin pode ser entendida como uma 
tentativa de se evitar as falhas das soluções realista, positivista e 
hermenêutica, bem como de explicar com base em direitos 
deontologicamente concebidos como a decisão judicial pode cumprir a um só 
tempo os requisitos da certeza do Direito e da aceitabilidade racional.18 
 
1 - O DIREITO. 
 
O problema central que se coloca para uma doutrina analítica do direito é como 
compreender o sentido a ser atribuído às proposições jurídicas,19 que são os vários 
enunciados formulados por juristas ao descrever o direito em um determinado ponto. 
Mas de que tratam tais enunciados? Quais os critérios que permitem afirmar 
que um enunciado é verdadeiro ou falso? Para os integrantes da tradição positivista, 
uma proposição jurídica somente poderia ser considerada verdadeira se a mesma fosse 
fruto de um evento legislativo, pois o direito seria aquilo previsto pelas convenções 
jurídicas no passado: 
A dificuldade surge porque as proposições de Direito parecem ser descritivas 
– dizem respeito a como as coisas são no Direito, não como deveriam ser – e, 
no entanto, revelou-se extremamente difícil dizer exatamente o que é que elas 
descrevem. Os positivistas jurídicos acreditam que as proposições de Direito 
são, na verdade, inteiramente descritivas: são trechos da história. Uma 
proposição jurídica, a seu ver, somente é verdadeira caso tenhaocorrido 
algum evento de natureza legislativa do tipo citado; caso contrário, não é.20
 
 
17 DWORKIN. O Império do Direito, p. 272. Contudo, cabe lembrar que o assunto foi primeiro tratado 
em DWORKIN, Ronald. Law’s Ambitions for Itself. In: Virginia Law Review. v. 71. n. 2. mar./1985. 
18 HABERMAS. Facticidade y Validez: sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos 
de teoría del discurso. p. 272, tradução livre. 
19 Dworkin denomina de proposições jurídicas “todas as diversas alegações e afirmações que as pessoas 
fazem sobre aquilo que a lei lhes permite, proíbe ou autoriza” (O Império do Direito, p. 6). Para a Teoria 
do Direito como Integridade, as proposições jurídicas são verdadeiras “se constam, ou se derivam, dos 
princípios de justiça, eqüidade e devido processo legal que oferecem melhor interpretação construtiva da 
prática jurídica da comunidade” (op. cit., p. 272). 
20 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 218. 
 6
Tal afirmação pode ser bem compreendida tomando casos mais simples, 
entretanto, em casos mais complexos essa análise esbarra em falhas. Dworkin 
menciona, por exemplo, o problema que surge frente a uma dada ação afirmativa, de 
modo que não será possível encontrar uma resposta em nenhum texto normativo ou 
decisão judicial do passado. Assim, poder-se-ia concluir de outros dois modos: (1) que o 
enunciado da ação afirmativa não apresenta uma proposição descritiva, mas expressa o 
que o falante prefere em termos de uma política pessoal; ou (2) que os enunciados 
controvertidos são tentativas de descrever um direito objetivo (ou até mesmo natural), 
de modo a se ligar a uma verdade moral também objetiva, ao invés de histórica. No 
entanto, para Dworkin, nenhum desses esquemas é plausível, pois a afirmação de 
constitucionalidade de uma ação afirmativa não julgada pelos Tribunais é uma 
afirmação que pretende descrever o Direito como ele é, desse modo não se está 
afirmando que o direito é (ou deveria ser) o que o falante deseja que fosse, a partir de 
uma dada teoria moral. 
Dworkin compreende esse problema a partir de uma outra luz: 
[...] as proposições de Direito não são meras descrições da história jurídica, 
de maneira inequívoca, nem são simples valorativas, em algum sentido 
dissociado da história jurídica. São interpretativas da história jurídica, que 
combina elementos tanto da descrição quando da valoração, sendo porém 
diferente de ambas.21
 
Tomando por base o exemplo da literatura, compreende-se como equívoco e 
limitado o conceito de interpretação adotado pelo direito. Isto porque os juristas 
tomaram como sendo interpretação um recurso para descobrir o sentido do texto 
normativo quando há uma obscuridade presente.22 E um dos principais métodos 
utilizados é encontrar a vontade dos autores da regra jurídica, seja de uma lei, seja da 
Constituição. Daí, a importância do trabalho dworkiano, pois por meio do paralelo com 
a interpretação literária, pode-se perceber a impossibilidade - e desnecessidade - de 
atingir a intenção do autor. 
Como já afirmado, o presente ensaio, bem como todo a construção do jurista 
norte-americano, se constrói a partir de uma compreensão do giro hermenêutico-
pragmático operado na linguagem,23 o que parece estar ausente em grande parte dos 
representantes do discurso jurídico moderno. A tese da intenção do autor parece ser 
 
21 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 219. 
22 Como exemplo se encontrará em uma obra clássica para o direito: MAXIMILIANO, Carlos. 
Hermenêutica e aplicação do direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. 
23 Sobre isso ver OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Reviravolta lingüístico-pragmática na filosofia 
contemporânea. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001. 
 7
ainda muito difundida, bem como uma outra afirmação, mais cética, no sentido de que 
os juízes fingem descobrir a intenção do legislador, quando na realidade estão impondo 
uma visão própria que a lei deveria ter sido e criando novos direitos. O mesmo 
aconteceria com a aplicação dos precedentes.24 
Contra essas posições, Dworkin apresenta, primeiro na perspectiva literária, 
depois jurídica, uma forma hermenêutica de compreensão do problema.25 Isso, porque 
para ele o problema da interpretação jurídica deve ser compreendida dentro de um 
quadro maior que envolva a interpretação como um todo, como um modo de 
conhecimento, e não como uma atividade sui generis. Por isso mesmo, mostra-se 
necessário que juristas estudem um pouco de interpretação literária. 
Mas, com isso, não se está afirmando que a questão na seara da literatura já 
esteja resolvida, pois ela continua a ser polêmica. Entretanto, no meio desse debate 
diversas teorias podem ganhar destaques e poderiam muito bem enriquecer a forma de 
se compreender a interpretação jurídica, já que “na literatura foram defendidas muito 
mais teorias da interpretação que no Direito, inclusive teorias que contestam a distinção 
categórica entre descrição e valoração que debilitou a teoria jurídica”.26
 
2 - A LITERATURA. 
 
2.1 - A HIPÓTESE ESTÉTICA. 
 
Pelas razoes anteriormente demonstradas, tem-se que o foco de análise das 
teses literárias sobre interpretação deveria ser não tanto a busca da intenção do autor da 
obra, mas a forma de interpretação que se preocupe com significado de uma obra como 
um todo. Elas poderão assumir, então, a forma de indagações sobre os personagens, 
 
24 Para ilustrar isso, tem-se a hipótese da tia que pelo telefone sofreu dano emocional ao saber que sua 
sobrinha tinha sido atropelada, vindo a ingressar em juízo argumentando a seu favor a aplicação de um 
precedente da Suprema Corte do Estado de Illinois, que considerou indenizável o dano emocional de uma 
mãe que presenciasse o atropelamento de sua filha por um motorista negligente (DWORKIN. Uma 
Questão de Princípio, p. 220). 
25 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 220. Vale lembrar que a experiência artística é também para 
Gadamer uma referência importante. Desse modo que o autor faz uso dela para iniciar a explicação sobre 
a experiência hermenêutica: “A obra de arte tem, antes, o seu verdadeiro ser em se tornar uma 
experiência que irá transformar aquele que a experimenta. O ‘sujeito’ da experiência da arte, o que fica e 
persevera, não é a subjetividade de que a experimenta, mas a própria obra de arte” (GADAMER, 2001, p. 
32). 
26 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 221. 
 8
sobre eventos por detrás da história ou sobre o tema do texto como um todo.27 Assim, 
de fato, tais teorias podem, por exemplo, ter importância para um diretor que está 
montando uma peça, bem como para auxiliar numa compreensão melhor de partes 
importantes de nosso ambiente cultural. É por isso que, embora haja divergências entre 
os críticos, a teses objetivam interpretar uma obra literária da melhor maneira possível. 
Contudo, tal afirmação pode suscitar uma rejeição por parte de estudiosos que 
identificarão uma confusão entre interpretação e crítica literária. Esses podem muito 
bem tomar assento ao lado dos mesmos juristas céticos que afirmam a impossibilidade 
de uma interpretação. Sustentando uma teoria diferente Dworkin afirma que 
similarmente ao direito, 
[a] interpretação de um texto tenta mostrá-lo como a melhor obra de arte que 
ele pode ser, e o pronome acentua a diferença entre explicar uma obra e 
transformá-la em outra. Talvez Shakespeare pudesse ter escrito uma peça 
melhor com base nas fontes que utilizou para Hamlet e, nessa peça melhor, o 
herói teria sido um homem de ação mais vigoroso. Não decorre daí, que 
Hamlet, a peça que ele escreveu, seja realmente como essa outra peça. 
Naturalmente, umateoria da interpretação deve conter uma subteoria sobre a 
identidade de uma obra de arte para ser capaz de distinguir entre interpretar e 
modificar uma obra.28 
 
Em busca de estabelecer uma restrição, algumas teorias contemporâneas de 
interpretação vão fazer uso de um texto canônico, isto é, em nome da identidade do 
texto faz-se uma exigência de que todas as palavras sejam consideradas, sem que seja 
possível sua substituição no intuito de tornar a obra algo melhor. Contudo, um texto 
pode se manter o mesmo, ainda que ocorra uma troca de palavras na hora de se contar o 
acontecido. É o caso de uma piada que pode sofrer diversas alterações sem que haja 
perda da sua estrutura básica. O que se quer, então, demonstrar é que o estilo 
interpretativo de um crítico é sensível às suas confecções teóricas a respeito da natureza 
de um texto, bem como a problemas de coerência ou integridade da obra de arte. Assim, 
Uma interpretação não pode tornar uma obra de arte superior se trata grande 
parte do texto como irrelevante, ou boa parte dos incidentes como acidentes, 
ou boa parte do tropo ou estilo como desarticulado e respondendo apenas a 
padrões autônomos das belas-artes.29 
 
27 Seria o caso de se perguntar - tomando por base a tragédia shakespeariana - se Hamlet realmente amava 
sua mãe; ou se haveria realmente um fantasma ou apenas uma manifestação esquizofrênica do próprio 
Hamlet; ou ainda, se Hamlet amava (ou não) Ofélia desde o início da peça. Outras indagações seriam da 
ordem do tema, do significado e do sentido da obra como um todo. Assim, a peça Hamlet, seria uma peça 
sobre morte? Ou sobre política? Talvez sobre um conflito de gerações? 
28 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 223, grifos no original. 
29 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 223. Ilustrando tal raciocínio, Dworkin traz a idéia de 
considerar um romance de Agatha Christie como se fosse algo mais valioso que uma história de mistério, 
quase um tratado sobre a morte. Ora, tal pretensão fracassa não somente porque faria com que a obra de 
Christie se transformasse em um péssimo tratado sobre a morte, ao invés de considerá-lo como um bom 
 9
 
Mas ao apresentar essa tese, já teve em mente a possibilidade de objeções a 
serem levantadas por seus críticos. O que se pode considerar como integridade? Qual 
forma de unidade pode ser desejável? 
Para tais perguntas diversas escolas de interpretação se levantarão. O problema 
é que tais escolas se prendem mais a aspectos quase formais da arte, do que à função e 
ao propósito da arte compreendida de uma maneira mais ampla. E por isso, será 
defendida uma idéia de matriz essencialmente gadameriana no sentido de que toda 
teoria da arte não pode existir desconectada de uma teoria filosófica (ou sociológica, 
psicológica ou cosmológica, dependendo do caso). O fato é que tais supostos moldarão 
o olhar daquele que lê, em razão dos seus preconceitos.30 Um exemplo fornecido pelo 
texto mostra bem isso: alguém que parte do ponto de vista religioso provavelmente terá 
uma teoria da arte diferente de outra pessoa que a rejeite, fazendo com que cada uma 
enxergue a mesma obra, porém, com olhos diferentes. Mas também é problemático 
supor que todas essas teorias de fundo têm uma compreensão desenvolvida e se alinham 
conscientemente a uma escola da interpretação, pois a literatura se mostra valiosa em 
múltiplos sentidos, não podendo ficar presa a uma única função ou propósito. 
Na minha opinião, os melhores críticos negam que a literatura tenha uma 
única função ou propósito. Um romance ou peça podem ser valiosos em 
inúmeros sentidos, alguns dos quais descobrimos lendo, olhando ou 
escutando, não mediante uma reflexão abstrata de como deve ser e para que 
deve servir a boa arte.31 
 
Mesmo assim, pode-se adiantar uma crítica que pode ser feita à teoria estética 
no sentido de ser ela trivial. Por isso, diferentes teorias de arte são frutos de distintas 
teorias da interpretação. 
Como as opiniões das pessoas sobre o que constitui a boa arte são 
inerentemente subjetivas, a hipótese estética abandona a esperança de 
resgatar a objetividade na interpretação, exceto, talvez, entre os que 
sustentam a mesma teoria da arte, o que não é muito útil.32
 
Assim, tanto as concepções formais como as opiniões normativas do que seja 
uma boa arte, mostram-se presentes no julgamento de uma determinada leitura, fazendo 
 
livro de mistério. Apenas poucas frases ao longo do texto permitiriam sustentar a tese do tratado sobre a 
morte, o que tornaria quase a totalidade das demais como algo supérfluo, irrelevante. 
30 Diferentemente de como era compreendido pela tradição iluminista, a Hermenêutica Filosófica se 
apropria do termo, de modo a destituí-lo de sua carga pejorativa, transformando em “pré-conceitos”. São 
juízos que se formam antes mesmo da coisa em si, antes mesmo do conceito, como antecipações de 
sentido que moldarão a visão do intérprete, possibilitando o conhecimento (GADAMER. Verdade e 
método: Fundamentos de uma hermenêutica filosófica, p. 407). 
31 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 225. 
32 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 227. 
 10
com que ela possa ser melhor ou pior que outra. Mas ainda assim, uma objeção pode ser 
posta: não seria trivial uma teoria da arte? Isto é: diferentes teorias sobre a interpretação 
existirem por não existem diferentes teoria sobre a arte? Dessa forma, verificar-se-ia um 
fracasso na pretensão de objetividade de hipótese estética. Mas tal conclusão seria um 
pouco apressada. Esse ponto de vista compreende as teorias acadêmicas de interpretação 
como análises da própria idéia de interpretação, de modo que deixa de vê-las como 
possíveis melhores respostas para uma questão substantiva que é posta pela 
interpretação. O que se quer, então, afirmar é que partindo dessas premissas 
desaparecem os muros que separam uma teoria da interpretação de uma determinada 
interpretação. Isto é: 
Não há mais uma distinção categórica entre a interpretação, concebida como 
algo que revela o real significado de uma obra de arte, e a crítica, concebida 
como avaliação de seu sucesso ou importância. Ainda resta uma distinção, 
pois sempre existe uma diferença entre dizer quão boa pode se tornar uma 
obra e dizer quão boa ela é. Mas convicções valorativas sobre a arte figuram 
em ambos os julgamentos.33
 
Mas como fica, então, o problema da objetividade, já que ainda permanece 
aberta a questão sobre ser possível considerar os juízos sobre a arte como verdadeiros 
ou falso, válidos ou inválidos? 
Acontece que o problema da objetividade não se apresenta apenas para uma 
teoria estética, mas ultrapassa suas fronteiras, sendo tema de acirrados debates na ética e 
na filosofia da linguagem. No caso de Dworkin, ele assume a posição de que não é 
possível demonstrar como uma afirmação estética possa ser verdadeira ou falsa. Assim, 
se a demonstrabilidade desses juízos é condição para o que alguns críticos consideram 
como objetividade, então se pode tomar os juízos estéticos como subjetivos. Mas, é 
importante, que fique claro que com isso não se quer afirmar que não se possa dizer que 
uma teoria sobre a arte posa ser melhor que outra, ou que não seja possível produzir 
uma teoria melhor das que já foram pensadas. 
É por isso mesmo que Dworkin (2001:228) rejeita a posição de E. D. Hirsch,34 
segundo a qual poderia, através de sua teoria, tornar objetiva a interpretação e tornar 
válidas as interpretações particulares. Para tanto, tem que se ter em mente que a 
interpretação é “um empreendimento, uma instituição pública, sendo errado supor, a 
priori,que as proposições centrais a qualquer empreendimento público devam ser 
 
33 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 227. 
34 HIRSCH JR., E. D. Vality in Interpretation. New Heaven: Yale University Press, 1967. 
 11
passíveis de validação”.35 O que se deve fazer é estudar uma série de atividades em que 
pessoas acreditam ter boas razões para afirmarem algo que se considera válido, sem 
partirem de um ponto de vista individual. Assim, põe-se de lado a distinção entre qual 
perspectiva dar mais importância, a individual ou a coletiva, para se afirmar que existem 
ligações argumentativas entre teorias da interpretação e teorias de arte. 
Meu objetivo é exatamente demonstrar que a ligação é recíproca, de modo 
que qualquer um chamado a defender uma abordagem particular de 
interpretação seria forçado a valer-se de aspectos mais gerais de uma teoria 
da arte, quer ele o percebesse quer não.36 
 
O argumento cético de que a “interpretação cria o texto”, então, fracassa pois o 
que pode ser considerado como uma obra de arte deve harmonizar-se com o que se 
considera um ato de interpretação de uma obra de arte, bem como um objeto físico deve 
se adequar a uma teoria do conhecimento, apenas se o inverso também for válido. 
 
2.2 - A INTENÇÃO DO AUTOR. 
 
Por tais razões, o principal teste para a hipótese estética estaria no seu potencial 
explicativo-crítico. Isto porque as teorias estéticas não podem ser vistas como análises 
independentes do que significa interpretar algo. Elas baseiam-se em teorias normativas 
sobre a arte, de modo que também são vulneráveis às criticas que podem ser formuladas 
contra a teoria normativa que se fundamentam. 
Algumas dessas teorias tomam por base a pressuposição de que o valioso em 
uma obra de arte é determinado pela intenção do autor. No entanto, ao fazer isso, 
pressupõem que na obra de arte se opere uma comunicação do tipo falante-público. 
Logo, para os intencionalistas o valioso não seria uma descrição de uma obra, 
mas o sentido estrito da intenção do autor. É por isso que uma teoria intencionalista 
acredita ser uma melhor teoria da interpretação, ao invés de uma mera hipótese estética. 
Isto porque tal tese não se preocupa em oferecer uma melhor interpretação de uma obra, 
mas uma interpretação que possa ser considera como objetiva. 
Contudo, não se pode furtar dois questionamentos: (1) é possível descobrir o 
que o autor realmente pretendia?; e (2) isso é realmente importante? 
Para os intencionalistas é fundamental saber realmente – ou pelo menos com 
aproximação - o que realmente Shakespeare pensava sobre Hamlet – o personagem teria 
 
35 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 228. 
36 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 229. 
 12
sido imaginado pelo autor como um louco ou alguém que apenas estava fingindo? - para 
poder chegar a uma conclusão sobre a peça.37 É por isso que os intencionalista tomam 
como elemento central à interpretação o estado de espírito do autor. Entretanto, o que 
está pressuposto à tese intencionalista é a idéia de que o valor ou significado da arte é 
vinculado ao que o autor pretendia. Logo, vincula-se a uma teoria normativa - que é 
pelo menos controvertida - e não a uma observação neutra. Assim, mesmo a tese 
intencionalista ainda pode ser compreendida como uma hipótese estética. 
 Uma segunda objeção feita por esses pensadores, pode ser suscitada, 
trazendo à luz um argumento interessante. 
Os intencionalistas tornam central à interpretação o estado de espírito do 
autor. Mas compreendem erroneamente, até onde sei, certas complexidades 
desse estado de espírito em particular, ignoram como interagem as intenções 
para uma obra e as opiniões sobre ela.38 
 
Se tomarmos o exemplo baseado no livro A mulher do tenente francês, de John 
Fowles39 - no qual parece que o autor mudou de idéia sobre sua história na metade do 
livro - o intencionalista acha que devemos escolher entre duas opções: 1) o autor 
repentinamente percebe que tinha uma intenção subconsciente, que só agora descobre; 
2) ou mudou de intenção depois. Mas nenhuma dessas opções se mostra como 
satisfatória. No primeiro caso, explicações do tipo psicanalista se mostram incapazes de 
resolver problemas desse tipo, pois não podem se apoiar em provas (empíricas) do tipo 
que os próprios psicanalistas exigem. O que acontece é que as idéias sobre os 
personagens do livro derivam não de confrontações sobre o eu anterior do autor, mas da 
própria obra que ele criou. Rebatendo a segunda observação, também não podemos 
compreender a mudança como uma intenção nova e distinta. Como Dworkin afirma, 
não é uma opinião sobre que tipo de personagem criar, mas sim sobre o personagem que 
ele já criou.40 Também, não se trata de uma observação voltada para o que os outros 
irão compreender sobre o livro. O que acontece, então, é que a mudança no texto se 
deve a uma análise do próprio texto já escrito, pois o autor teve o cuidado de tratar seus 
 
37 Dworkin lembra que a própria noção de “intenção” pode ser mais problematizada, do que uma mera 
descrição de um estado mental do autor. Através do exemplo de uma montagem contemporânea da peça 
shakespeariana O Mercador de Veneza, Dworkin ilustra que a repetição estrita das intenções do autor ao 
conceber a personagem Shylock pode representar uma traição ao próprio propósito do autor ao imaginá-lo 
e construí-lo inicialmente. O intérprete, então, tem a tarefa de fazer o que Gadamer nomeou de fusão de 
horizontes, de modo que a “interpretação deve, de alguma maneira, unir dois períodos de ‘consciência’ ao 
transportar as intenções de Shakespeare para uma cultura muito diferente, situada no término de uma 
história diferente” (DWORKIN. O Império do Direito, p. 68). 
38 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 231. 
39 FOWLES, John. A mulher do tenente francês. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 
40 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 233. 
 13
personagens como se eles fossem de fato pessoas reais. Assim, o autor teve de 
interpretar sua própria obra, não descobrir o que se ocultava nas profundezas de seu 
subconsciente. Se uma outra alteração aconteceu ao ver o filme feito, não se trata de 
uma nova intenção, mas de uma nova interpretação sobre a obra. 
Os intencionalistas, então, desconsideram que um autor pode separar o que 
escreveu de suas intenções e crenças, de modo a tratá-las como objeto em si. Por isso 
mesmo, pode compreender que novas conclusões são possíveis, de modo a que seu livro 
possa ser lido de modo mais coerente, da melhor forma possível.41 
Suponho que considerar algo que se produziu como um romance, um poema 
ou uma pintura, em vez de um conjunto de proposições ou sinais, depende de 
considerá-lo como algo que pode ser separado e interpretado no sentido que 
descrevi. De qualquer modo, é assim que os próprios autores consideram o 
que fizeram. As intenções dos autores não são simplesmente conjuntivas, 
como as de alguém, que vai ao mercado com uma lista de compras, mas 
estruturadas, de modo que as mais concretas delas, como as intenções sobre 
os motivos de um personagem particular em um romance, dependem de 
opiniões interpretativas cujo acerto varia com o que é produzido e que podem 
ser alteradas de tempos em tempos.42 
 
Talvez fosse possível isolar as opiniões de um autor fruto de um momento 
específico, mas mesmo que isso fosse considerada como “intenções”, estar-se-ia 
ignorando outros níveis de intenções, como por exemplo, a intenção de criar uma obra 
que não seja assim determinada. Mas isso passa despercebido pelos defensores da 
escola de intenção do autor ao tomarem o valor de uma obra de arte apartir de uma 
visão restrita das possíveis intenções de um autor. 
 
3 – DIREITO E LITERATURA. 
 
3.1 - A CORRENTE DO DIREITO. 
 
A partir do raciocínio que foi desenvolvido até aqui, é importante ter em mente 
que não há uma separação estanque entre criação e interpretação. Tanto quando o artista 
 
41 Dworkin novamente resgata como pano de fundo dessa discussão as críticas feitas por Habermas à 
Hermenêutica Filosófica de Gadamer, no que em obra posterior chamou de interpretação construtiva, 
conforme note 2 do presente trabalho. Destarte, a interpretação construtiva, tanto das obras de arte como 
das práticas sociais – que inclui o direito -, “é uma questão de impor um propósito a um objeto ou prática, 
a fim de torná-lo o melhor exemplo possível da forma ou do gênero aos quais se imagina que pertençam. 
Daí não se segue, [...] que um intérprete possa fazer de uma prática ou de uma obra de arte qualquer coisa 
que desejaria que fossem; [...]. Pois a história ou a forma de uma prática social ou objeto exerce uma 
coerção sobre as interpretações disponíveis destes últimos, ainda que, como veremos, a natureza dessa 
coerção deva ser examinada com cuidado. Do ponto de vista construtivo, a interpretação criativa é um 
caso de interação disponíveis entre propósito e objeto” (DWORKIN. O Império do Direito, p. 64). 
42 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p 234. 
 14
que ao criar, deve interpretar a obra, o crítico ao interpretar também cria.43 Mas a partir 
disso não se pode cair no ceticismo de afirmar que não há diferença entre o crítico e o 
artista. Por isso mesmo a interpretação literária pode se mostrar como um ótimo 
exemplo para o problema da interpretação jurídica. E partindo desse ponto, Dworkin 
lança mão da metáfora do romance em cadeia, que consiste no seguinte exercício 
imaginativo: 
Suponha que um grupo de romancistas seja contratado para um determinado 
projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo. O de número mais 
baixo escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda 
para o número seguinte, o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão 
de que está escrevendo um capítulo a esse romance, não começando outro, e, 
depois, manda os dois capítulos para o número seguinte, e assim por diante. 
Ora, cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de 
interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, 
no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então. Deve decidir 
como os personagens são “realmente”, que motivos os orientam, qual é o 
tema ou o propósito do romance em desenvolvimento, até que ponto algum 
recurso ou figura literária, consciente ou inconscientemente usado, contribui 
para estes, e se deve ser ampliado, refinado, aparado ou rejeitado para 
impedir o romance em uma direção e não em outra. Isso deve ser 
interpretação em um estilo não subordinado à intenção porque, pelo menos 
para todos os romancistas após o segundo, não há um único autor cujas 
intenções qualquer intérprete possa, pelas regras do projeto, considerar como 
decisivas.44
 
 Mas mesmo o primeiro autor do romance terá a tarefa de interpretar a obra em 
elaboração, bem como o gênero que se propõe a escrever. Assim, Dworkin (2001:236) 
afirma que cada romancista não tem liberdade criativa, pois há um dever de escolher a 
interpretação que para ele faça da obra em continuação a melhor possível.45 O que se 
espera nesse exercício literário é que o romance seja escrito como um texto único, 
integrado, e não simplesmente como uma série de contos espaçados, independentes que 
somente tem em comuns os nomes dos personagens. 
 
43 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p 235. A relação entre interpretação, compreensão e criação 
fica muito bem ilustrada na concepção gadameriana de applicatio. Assim como no exemplo da tradução, 
de modo que ao traduzir um texto, a pessoa deve se colocar no lugar e no contexto para melhor 
compreendê-lo e assim, conseguir efetuar a fusão de horizontes, conforme explicitado pela nota 20 do 
presente trabalho através do exemplo da adaptação teatral do Mercado de Veneza. 
44 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 235-237. 
45 A questão pode ser, então, examinada pelo prisma de duas dimensões muito utilizadas: “a dimensão 
‘formal’, que indaga até que ponto a interpretação se ajusta e se integra no texto até então concluído, e a 
dimensão ‘substantiva’, que considera a firmeza da visão sobre o que faz que um romance seja bom, da 
qual se vale a interpretação” (DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 236). Mas o que acontece que 
ainda assim é possível uma discordância razoável, sem que, contudo, se caia no ceticismo de afirmar que 
tudo é uma questão meramente subjetiva. “Nenhum romancista, em nenhum ponto, será capaz de 
simplesmente ler a interpretação correta do texto que recebe de maneira mecânica, mas não decorre dessa 
fato que uma interpretação não seja superior às outras de modo geral. De qualquer modo, não obstante, 
será verdade, para todos os romancistas, além do primeiro, que a atribuição de encontrar (o que acreditam 
ser) a interpretação correta do texto até então é diferente da atribuição de começar um novo romance 
deles próprios” (DWORKIN, 2001:236-237). 
 15
Mas qual a relação com o problema da interpretação jurídica? Para a teoria de 
Dworkin, a decisão de casos controversos - dos hard cases – é mais ou menos como 
esse exercício literário. 
Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. Ele deve ler tudo o que 
outros juizes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que 
disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a 
uma opinião sobre o que esses juízes fizeram coletivamente, da maneira 
como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance 
escrito até então. Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, 
se olhar nos livros adequados, registro de muitos casos plausivelmente 
similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes, 
de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o 
processo e as convenções judiciais eram diferentes. Ao decidir o novo caso, 
cada juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento 
em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturadas, convenções e 
práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por 
meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que aconteceu antes porque 
tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e 
não partir em alguma nova direção.46 
 
 Mas qual, então, seria o objeto de discordância de quem oferta objeções à 
melhor interpretação do precedente jurídico? No caso da interpretação artística, 
demonstrou-se a tese de que uma interpretação para ver a obra à sua melhor luz, deve 
levar em consideração tanto características formais - de identidade, de coerência e de 
integridade - como características substantivas de valor artístico. Acontece que ambas as 
dimensões também estão presentes na interpretação jurídica. 
Mas a finalidade ou valor, aqui, não pode significar valor artístico, porque o 
Direito, ao contrário da literatura, não é um empreendimento artístico. O 
Direito é um empreendimento político, cuja finalidade geral, se é que tem 
alguma, é coordenar o esforço social e individual, ou resolver disputas sociais 
e individuais, ou assegurar a justiça entre os cidadãos e entre eles e seu 
governo, ou alguma combinação dessas alternativas.47 
 
46 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 238, grifos no original. Assim, ao se retomar o exemplo do 
caso sobre danos emocionais sofridos pela tia apresentado na nota14 desse trabalho, pode-se perceber 
que “o juiz deve decidir qual é o tema, não apenas do precedente específico da mãe na rua, mas dos casos 
de acidente como um todo, inclusive esse precedente. Ele pode ser obrigado escolher, por exemplo, entre 
estas duas teorias sobre o ‘significado’ da corrente de decisões. Segundo a primeira, os motoristas 
negligentes são responsáveis perante aqueles a quem sua conduta pode causar dano físico, mas são 
responsáveis perante essas pessoas por qualquer dano – físico ou emocional – que realmente causem. Se 
esse é o princípio correto, então a diferença decisiva entre esse caso e o caso da tia consiste apenas em 
que a tia não corria o risco físico e, portanto, não pode ser indenizada. Na segunda teoria, porém, os 
motoristas negligentes são responsáveis por qualquer dano que é razoável esperar que prevejam, se 
pensarem sobre sua conduta antecipadamente. Se é esse o princípio correto, então a tia tem direito à 
reparação. Tudo depende de determinar se é suficientemente previsível que uma criança tenha parentes, 
além de seus pais, eu possam sofrer choque emocional ao saber de seu ferimento. O juiz que julga o caso 
da tia precisa decidir qual desses princípios representa a melhor ‘leitura’ da corrente de decisões a que 
deve dar continuidade” (DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p . 238-239). Para um outro exemplo de 
como pode ser compreendida a prática jurídica à luz dessa cadeia de decisões, ver: DWORKIN, Ronald. 
Law’s Ambitions for Itself. In: Virginia Law Review. v. 71. n. 2. mar./1985. 
47 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 239. 
 16
É por isso mesmo que se pode afirmar contra os céticos e os defensores da 
discricionariedade para os magistrados: nenhum juiz é livre para descobrir na história 
jurídica o que for que ache que deveria estar lá. Há um dever de interpretar a história 
jurídica, ao invés de inventá-la. Obviamente, que com isso Dworkin não está afirmando 
ser possível o uso de um método capaz de determinar a interpretação, pois estaria com 
isso negando o giro lingüístico, bem como base teórica, a hermenêutica filosófica.48
Quando uma lei, Constituição ou outro documento jurídico é parte da história 
doutrinal, a intenção do falante desempenhará um papel. Mas a escolha de 
qual dos vários sentidos, fundamentalmente diferentes, da intenção do falante 
ou do legislador é o sentido adequado, não pode ser remetida à intenção de 
ninguém, devendo ser decidida, por quem quer que tome da decisão, como 
uma questão de teoria política (DWORKIN, 2001:240). 
 
 Nenhuma seqüência de decisões, contudo, é isenta de apresentar contra-
exemplos, que sugiram direções diferentes. Para tanto, se exige o desenvolvimento de 
uma doutrina do erro no julgamento dos casos anteriores. Importante esclarecer que essa 
flexibilização não destrói a distinção entre interpretação e decisões novas sobre o que o 
direito deve ser (DWORKIN, 2001:240-241). Um juiz ao verificar a finalidade ou 
função do direito acabará por incluir uma concepção de integridade e de coerência do 
direito, tomado como uma instituição, o que irá tutelar e limitar suas convicções 
pessoais. 
Mesmo assim, dois magistrados poderão apresentar interpretações divergentes. 
Do mesmo modo que um poema pode permitir duas leituras coerentes, decisões do 
passado podem fornecer apoio a dois princípios diferentes, satisfazendo duas teorias 
distintas de adequação ao caso concreto. Por isso mesmo, Dworkin (2001:241) chama a 
atenção para o fato de que uma teoria política substantiva pode ser decisiva.49
Poderíamos resumir esses pontos desta maneira. Os juízes desenvolvem uma 
abordagem particular da interpretação jurídica formando e aperfeiçoando 
uma teoria política sensível a essas questões, de que dependerá a 
interpretação em casos específicos, e chamam isso de sua filosofia jurídica. 
Ela incluirá características estruturais, que elaborem a exigência geral de que 
uma interpretação se ajuste à história doutrinal, e afirmações substantivas 
sobre os objetivos sociais e os princípios de justiça. A opinião de um juiz 
 
48 O mesmo, contudo, não pode ser afirmado quanto ao jurista de Kiel, Robert Alexy, que parece ainda 
buscar no método a expressão de uma racionalidade capaz de neutralizar toda a complexidade inerente à 
linguagem (ALEXY, 1998:32). Desde Gadamer esta questão adquiriu outros contornos, pois do contrário 
estar-se-ia deixando de lado o fato de que razão humana é limitada (CARVALHO NETTO, 2003:105). 
49 No caso dos danos por acidentes, a interpretação que afirma que o motorista negligente é responsável 
perante aqueles cujo dano é substancial e previsível, somente se mostra melhor por enunciar um princípio 
que pode ser considerado como mais sólido em termos de justiça da decisão (DWORKIN, 2001: 241). 
Sob o prisma da teoria do direito como integridade, exige-se dos juízes que compreendam o direito como 
se fosse estruturado por um conjunto coerente de princípios compartilhados por uma determinada 
comunidade de princípios (DWORKIN, 1999:255). 
 17
sobre a melhor interpretação será, portanto, a conseqüência de convenções 
que outros juízes não precisam compartilhar. Se um juiz acredita que o 
propósito dominante de um sistema jurídico, o principal objetivo a que deve 
servir, é o econômico, então verá nas decisões passadas sobre acidentes 
alguma estratégia para reduzir os custos econômicos dos acidentes de modo 
geral. Outros juízes, que acham repugnante qualquer imagem desse tipo da 
função do Direito, não descobrirão nenhuma estratégia assim na história, mas 
apenas, talvez, uma tentativa de reforçar a moral convencional referente à 
falta e a responsabilidade. Se insistirmos em uma grau elevado de 
neutralidade na nossa descrição da interpretação jurídica, portanto, não 
podemos tornar nossa descrição da natureza da interpretação jurídica muito 
mais concreta do que fiz.50
 
3.2 – A INTENÇÃO DO AUTOR NO DIREITO. 
 
Importante, então, ter em mente a distinção entre subjetividade e objetividade 
na interpretação para que seja possível escapar dos argumentos levantados, quer por 
convencionalista - que esperam encontrá-lo na história -, quer por adeptos do 
pragmatismo - que acreditam que o direito é algo criado por juízes de uma maneira 
individualista, conforme critérios pessoais.51 Assim, o direito não apresenta nenhuma 
vantagem - principalmente quanto ao problema da objetividade - frente a literatura em 
termos de representar uma melhor interpretação, ao contrário do que alguns podem 
pensar. Trata-se mais de um problema geral de bases filosóficas que permite o 
desenvolvimento de níveis de concepção do direito e, consequentemente, da conclusão 
por um tipo de interpretação tida como certa. 
 Contudo, mesmo após todo o debate acima travado, uma importante questão 
ainda se mostra pertinente: a hipótese política sobre a interpretação jurídica 
desenvolvida por Dworkin é realmente contrária ao argumento a favor da intenção do 
autor? 
Como já explicado, para os intencionistas, o direito é o sentido pretendido 
pelos vários atores do processo jurídico em sentido amplo – ou seja, constituintes, 
parlamentares, magistrados, administradores públicos, etc. No entanto, tais defensores 
poderiam, então, afirmar que a hipótese estética levantada por Dworkin não é contrária 
à tese da intenção do autor, já que a interpretação dos legisladores, bem como dos 
juízes, pode representar a melhor teoria política. É por isso mesmo que a questão deve 
ser posta sob outra luz como vai compreender Dworkin: 
 
50 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 241-242. 
51 Contra esses, Dworkin (Uma Questão de Princípio, p. 242) afirma que o direito não é “fruto do que 
juizes comeram no café da manhã”, aocontrário do que sugere a frase atribuída ao Justice Oliver Wendell 
Holmes. 
 18
[...] se a presente objeção é realmente uma objeção à argumentação 
desenvolvida até aqui, ela deve ser compreendida de modo diferente, como 
propondo, por exemplo, que o próprio “significado” da interpretação no 
Direito exige que apenas essas intenções oficiais sejam consideradas ou, que, 
pelo menos, haja um firme consenso entre juristas nesse sentido.52
 
Mas se considerarmos pertinente essa objeção e admitirmos que ela ofereça 
uma base sólida, ela deverá se voltar para um texto jurídico canônico. Mas assim, será 
possível notar que a intenção do legislador é complexa, tal e qual a intenção de um 
romancista. Dworkin então elabora o seguinte exemplo: 
Suponha que um constituinte vote a favor de uma cláusula que garante a 
igualdade de tratamento, sem distinção de raça, em questões que afetam 
interesses fundamentais das pessoas; mas ele pensa que a educação não é 
uma questão de interesse fundamental e, portanto, não acredita que a cláusula 
torna inconstitucionais escolas segregadas.53
 
Podem ser identificadas duas intenções, uma abstrata e outra concreta: proibir 
discriminação no que é realmente de interesse fundamental; e não proibir escolas 
segregadas. Mas, pode-se ver que tais intenções estão em pólos isolados, sendo a mesma 
intenção, só que descrita de duas maneiras diferentes. Então qual descrição dessa 
mesma intenção será tomada como canônica para uma teoria da intenção legislativa? 
Se aceitarmos a primeira descrição, então um juiz que deseja seguir as 
intenções do constituinte, mas acredita que a educação é uma questão de 
interesse fundamental irá considerar a segregação inconstitucional. Se 
aceitarmos a segunda, não o fará. A escolha entre as duas descrições não 
pode ser feita mediante nenhuma reflexão adicional sobre o que uma intenção 
realmente é. Deve ser feita decidindo-se que uma descrição é mais adequada 
ou com base em outros fundamentos abertamente políticos.54
 
Deve-se, então, lembrar que a teoria da intencionalista se mostra por demais 
pobre. Se fossem examinadas todas as decisões judiciais sobre uma determinada 
matéria, talvez fosse possível chegar (ou pelo menos especular com uma probabilidade 
de certeza maior) às explicações de ordem psicológicas, econômicas ou sociais que 
levaram o juiz pensar o que de fato pensou. Mas o resultado da pesquisa seria diferente 
para cada juiz anterior e uma ordem só apareceria por meio da inclusão de alguma 
espécie de sumário estatístico. Mas tudo isso ainda não apresentaria utilidade para um 
juiz decidir um caso semelhante hoje, do que seria uma informação similar para um 
romancista da participante da cadeia imaginária. Ainda se exige um novo exercício de 
interpretação que não será nem uma pesquisa histórica pura, nem uma idéia 
completamente nova de como as coisas deveriam ser. 
 
52 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 243. 
53 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 244. 
54 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 244. 
 19
A saída que parece ser posta para um defensor da tese do intencionalismo seria 
a seleção de um juiz em particular ou de um pequeno grupo de magistrados situados no 
passado. Assim poder-se-ia perguntar sobre qual regra esse juiz ou esse grupo pretendeu 
fixar para o futuro. Mas ao fazer isso, ele estaria tomando os juízes como legisladores e, 
retendo a todos os problemas que surgem ao se interpretar uma lei. 
Mesmo assim, no fim das contas, não evitaria os problemas especiais da 
prestação jurisdicional no Common Law, porque o juiz que assim 
interpretasse teria de supor-se com o direito de examinar apenas as intenções 
do juiz ou juízes anteriores que selecionou, e não poderia supor tal coisa, a 
menos que acreditasse que ser isso o que juízes na sua posição deveriam fazer 
era fruto da prática judicial como um todo.55
 
3.3 – A POLÍTICA NA INTERPRETAÇÃO. 
 
Dworkin reconhece que a partir de suas afirmações sobre o papel da política na 
interpretação jurídica dever-se-ía encontrar opiniões que fossem de cunho liberal, 
radical ou conservadora sobre o que a Constituição e as leis deveriam ser, mas ainda, 
como elas são, o que de fato acontece mesmo. Um exemplo que pode ser ricamente 
explorado é a interpretação da cláusula de igual proteção da Constituição norte-
americana, pois esta não pode ser compreendida apartada de alguma teoria sobre o que 
seja a igualdade política e até que ponto a igualdade é exigida. Por isso mesmo, juristas 
conservadores argumentam a favor de supostas idéias ligadas às intenções do autor e 
acusam os demais de estarem inventando o direito. 
Mas trata-se de uma vociferação com o intuito de ocultar o papel que suas 
próprias convicções políticas desempenham na sua escolha do estilo 
interpretativo, e os grandes debates jurídicos quanto à cláusula da igualdade 
de direitos teriam sido mais esclarecedores se fosse mais amplamente 
reconhecido que valer-se de uma teoria política não é uma corrupção da 
interpretação, mas parte do que significa interpretação.56
 
Mas qual o papel da política no desenvolvimento de uma determinada 
interpretação? Segundo Stanley Fish,57 no caso da literatura, as disputas são mais 
políticas que lógicas. Trata-se de uma busca por parte dos professores por domínio. Mas 
trata-se também de um olhar externo sob a questão, pois refere-se as causas de ascensão 
de uma ou de outra abordagem. 
Por isso mesmo, a proposta dworkiana passa por um olhar interno, ou seja, ao 
invés de se discutir a política da interpretação, um debate sobre a política na 
 
55 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 246. 
56 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 246-247. 
57 FISH, Stanley. Is there a text in this class? The authority of interpretative communities. Cambridge: 
Harvard University Press, 1980. 
 20
interpretação. Em outros termos, significa indagar os limites para o uso de princípios de 
moralidade política a favor de uma interpretação particular de uma obra. Para o autor, 
Há muitas possibilidades, [...]. Disseram que nosso compromisso com o 
feminismo, nossa fidelidade à nação ou nossa insatisfação com a ascensão da 
nova direita devem influenciar nossa avaliação e apreciação da literatura. [...] 
mas se nossas convicções a respeito dessas questões políticas especificas 
contam na decisão de até que ponto um romance, uma peça ou um poema são 
bons, então devem contar também na decisão de qual interpretação é a 
melhor, entre várias interpretações particulares dessas obras. Ou assim deve 
ser se meu argumento for fundamentado.58
 
Há, então, uma ligação entre teoria estética e política. Assim como uma teoria 
estética irá demandar uma teoria de identidade pessoal adequada para marcar os limites 
entre pessoas e circunstâncias, ou entre pessoas ou negar tais fronteira, uma teoria 
abrangente de justiça social também encontrará suas raízes sob as mesmas questões ou 
em outras similares.59 Deste modo, Dworkin conclui seu pensamento no sentido de 
questionar se uma solução não seria indagar sobre a existência de bases filosóficas 
compartilhadas por teorias estéticas, teorias políticas e teorias jurídicas. 
 
 
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58 DWORKIN. Uma Questão de Princípio, p. 247-248. 
59 No caso de Dworkin, o Liberalismo pode ser um exemplo do afirmado acima, pois em razão do 
reconhecimento da importância da autonomia privada, compreende as convicções das pessoas como 
crenças abertas à revisão em processos argumentativos e não meros dados da personalidade, fixados por 
fatores genéticos e sociais. 
 21
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