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TEORIA DA PENA

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TEORIA DA PENA
Acontecendo um crime – um fato típico, ilícito e culpável –, nasce para o Estado o direito de punir o infrator da norma penal, o agente do crime.
O direito de punir – o ius puniendi – não pode ser exercido manu militari, unilateralmente, pelo Estado, por força do princípio constitucional do due process of law, inserto no art. 5º, inciso LIV: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e também daquele outro, da presunção da inocência, do inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O Estado, tão logo tem notícia da prática de um fato definido como crime – por meio do Delegado de Polícia e de seus agentes –, deve, em regra, iniciar o trabalho investigatório destinado a apurar a materialidade do fato – onde foi, como foi, por que foi – e o responsável ou responsáveis por ele – quem foi, quem colaborou – para permitir ao Promotor de Justiça a dedução da pretensão de punir o autor do fato considerado crime.
Em regra, é o Promotor de Justiça – funcionário estatal encarregado de perseguir o agente do fato típico – que inicia o chamado processo penal, conjunto sistemático e organizado de atos destinados à descoberta da verdade, diante do juiz que, chamando o acusado para se defender, preside a produção das provas e a oferta das alegações que ambos – acusador e acusado – desejarem em favor de suas teses. Tudo sob a égide dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Depois de permitir aos dois lados – promotor e acusado – ampla liberdade de provar suas afirmações e obedecendo a todas as normas procedimentais estatuídas no Código de Processo Penal e em leis processuais especiais, o juiz, atento a tudo o que lhe foi apresentado, principalmente aos fatos e às razões de direito, decidirá sobre qual dos pedidos – o do acusador ou o do acusado – deverá atender.
O promotor de justiça pede ao juiz que aplique a pena cominada ao crime que
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles considera ter sido cometido. O acusado pede que não lhe seja aplicada pena alguma, ou que se lhe aplique pena menor ou mais branda que a postulada pelo acusador.
Se o juiz estiver convencido de que o acusado da prática não cometeu o fato típico, ou para ele não concorreu, nem como partícipe, ou que o realizou licitamente – amparado por uma causa de exclusão da ilicitude – ou, ainda, que não é culpado, seja por não ser imputável, seja por ter agido acobertado por causa de exclusão da culpabilidade, deverá absolvê-lo da acusação formulada, rejeitando a pretensão do acusador.
Dirá que não houve o crime e, por isso, não haverá a pena. Se menor ou inimputável, receberá uma medida socioeducativa, do juízo especializado da infância e da juventude, ou uma medida de segurança, respectivamente.
Pode ocorrer – e muito acontece, infelizmente – de o juiz convencer-se de que o fato típico atribuído ao acusado foi mesmo por ele praticado, ou contou com seu concurso, e que, além disso, ele não agiu licitamente, e, por outro lado, sendo capaz do ponto de vista penal, merece ser censurado, por ter atuado com, pelo menos, possibilidade de conhecer a ilicitude, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que se comportou, uma conduta diversa da realizada.
Nessa situação, o juiz, verificando ter havido o crime, deverá impor ao acusado a sanção penal, observando rigorosamente a lei.
Tendo havido o crime, deverá ser a sanção penal, a pena criminal.
13.1 UM POUCO DA HISTÓRIA DA PENA
No alvorecer da humanidade com os primitivos seres humanos e as sociedades ainda rudimentares, nascia o crime e com ele a pena. O crime era a agressão a um interesse do indivíduo ou do grupo, e a pena a resposta, o mal infligido ao infrator.
A pena surge como necessária reação de defesa dos interesses dos indivíduos, e, mais tarde, também, do grupo, do clã, da tribo, que precisavam ser protegidos de ataques.
As primeiras penas eram manifestações de vinganças individuais, extremamente severas e absolutamente desproporcionais, arbitrárias e excessivas. O próprio ofendido ou alguém por ele, geralmente um seu parente de sangue, exercia o direito de punir, impingindo ao agressor do interesse a pena que bem entendesse, em qualidade e quantidade.
Teoria da Pena - 3
Tratando-se de crime perpetrado por membro do grupo, essa modalidade de pena, que era uma vingança desproporcionada, constituía um grave prejuízo para o próprio grupo, cuja força dependia, e muito, de um grande número de indivíduos fortes, sadios, aptos para a guerra contra as outras tribos e os outros grupos que se formavam.
Por isso, já com as primeiras penas, nasce a necessidade de limitá-las em benefício do grupo social. Aos poucos, as comunidades vão-se organizando em formas primitivas de Estado e, com isso, também a vingança penal vai assumindo uma feição de natureza pública.
Quando o agressor não pertencia ao grupo, à tribo, a resposta penal era, nos primórdios, a vingança de sangue – sua morte. Essa pena também vai ser, com o passar dos tempos, substituída por pena menos drástica, geralmente a escravização do ofensor.
As primeiras espécies de penas, arbitrárias, desproporcionais, extravagantes, não se consolidam sem que sejam limitadas, e, ao mesmo tempo que, como vingança, adquirem caráter divino e, mais tarde, público, vão sendo substituídas ou minoradas, limitadas, controladas, enfim, até chegar-se, bem mais tarde, à formulação do talião e da composição.
“O talião, aplicado apenas aos atentados contra a pessoa da mesma raça, constituiu importante conquista, estabelecendo proporcionalidade entre ação e reação. O instituto da legítima defesa e outras retaliações guardam vestígios do talião.
Outro progresso, no período da vingança privada, foi a composição (compositio). O ofensor compra a impunidade ao ofendido, ou seus representantes, com dinheiro, ou gado, armas, utensílios, à maneira das indenizações da vida, e, mesmo, da honra em vigor nos nossos dias (multas, dote à ofendida nos crimes sexuais, reparação do dano em geral).”1
O Código de Hammurabi, que teria sido o mais antigo ordenamento legislativo da Antigüidade, editado mais de dois mil anos a.C., contemplava o talião – conhecido nas leis chinesas, persas e egípcias – e a composição, mas o Código de Manu, aproximadamente mil anos mais recente, não faz qualquer referência a esses dois importantes institutos. Neste se encontram penas corporais, como o corte dos dedos, pés e mãos dos ladrões, da língua dos caluniadores, queima do homem adúltero e
1 LYRA, Roberto. Comentários ao código penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1955. v. 2, p. 13.
4 – Direito Penal – Ney Moura Teles entrega da mulher adúltera aos cães, para que a devorassem.
O Direito Romano conheceu a vingança, o talião e a composição, e no Libri Terribiles, as penas vão-se diferenciar em face das causas dos delitos.
A vingança era privativa do ofendido, do indivíduo vitimado pela conduta do agente, ou de seus sucessores, parentes sangüíneos, que só se afastava se houvesse a composição, vale dizer, se o agente do crime tivesse recursos para, literalmente, “comprar” outra solução.
	punição dependia do insucesso da composição entre ofensor e ofendido
	
Se entre os germanos prevalecia o interesse pela natureza objetiva do crime – a gravidade da lesão ao interesse atingido pelo comportamento do agente –, entre os romanos o mais importante era verificar o lado subjetivo do delito. As penas, todavia, eram, entre os dois povos, cruéis e desumanas, mas o talião dos romanos não incluía a vingança de sangue dos germanos, até porque, com exceção dos crimes graves, a 
	o que, de todo óbvio, demonstra sua natureza plenamente pública
	
Ao tempo de Justiniano, a pena encontra seu fundamento no interesse do Estado,
O aparecimento da Igreja Católica e do Direito Canônico faz-se acompanhar das idéias de humanizar e espiritualizar as penas, nelas incorporando o espírito cristão. Noções como a da imortalidade da alma, que seria salva, eternamente, casoo pecador – agente do crime – se redimisse pelas penitências, pela redenção, regeneração, arrependimento, aperfeiçoamento pessoal, incorporam-se à idéia de pena enquanto retribuição e, inegavelmente, constituem importante conquista, à medida que se humanizam os castigos, evitando-se o sofrimento dos condenados. Até porque o Deus do Novo Testamento é piedoso e bom e só permite o sofrimento do pecador para que ele se purifique e possa apresentar-se, um dia, diante do próprio Criador, sendo digno de entrar em sua morada, o paraíso.
As idéias cristãs são de grande importância para o Direito Penal, principalmente porque permitiram a construção da intencionalidade como medida da punição.
Com o pensamento de Santo Agostinho, elimina-se, também, a exigência de que a pena devesse ser, necessária e absolutamente, proporcional ao crime praticado – o que implicaria a adoção obrigatória da pena de morte para todo e qualquer homicídio. Além disso, constrói-se, a partir daí, a necessidade de que a pena tenha, igualmente, caráter utilitário. Em outras palavras, deveria revestir-se de uma finalidade, que, como não poderia deixar de ser, só poderia ter um fundo ético e moral.
Em toda a Idade Média, todavia, a brutalidade e a crueldade das penas ainda constituem a tônica.
Teoria da Pena - 5
Só mesmo quando as idéias iluministas se desenvolvem e ganham forma com as proposições concretizadas por Cesare Beccaria é que a pena criminal passa a ganhar um matiz de humanidade. Com a Revolução Francesa, a Declaração de Direitos estatuiu: “A lei só deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias.” Esta idéia de necessidade da pena, aparentemente simples ou simplista, é da mais alta importância, pois que não mais se admitiria a punição por pura e simples vingança.
Desse tempo em diante, as penas vão sendo humanizadas. Alguns Estados
Nacionais abolem, outros restringem, a pena de morte. Eliminam-se em grande parte as penas corporais, torturas, suplícios, trabalhos forçados etc., e as infamantes. Caminha-se em direção a um novo ideário penal, o de recuperar, educar ou reformar o condenado.
Uma nova espécie de pena – a de prisão por tempo determinado – torna-se a mais grave entre todas. Se hoje a achamos violenta, constituiu, sem dúvida, um avanço em relação tanto à pena capital quanto à de duração perpétua.
Na história do Brasil “até 1530, a justiça penal era o arbítrio dos capitães. Martim
Afonso trouxe carta branca do governo português para processar e julgar inapelavelmente, aplicando a pena de morte”2.
No século XIX, há pouco mais de 150 anos, a gente brasileira convivia com as seguintes penas: morte, com ou sem crueldade, inclusive pelo fogo, até o condenado tornar-se pó para que não fosse possível sepultar-lhe, açoites, degredo, perpétuo ou temporário, para a África ou para a Índia, mutilação das mãos e da língua, e queimaduras de partes do corpo.
Só mesmo com a primeira Constituição Brasileira, a do Império, de 1824, são abolidas as penas de tortura, de açoites e de marca de ferro quente – como se marca, para provar a propriedade, os bovinos e eqüinos.
Nosso primeiro Código Criminal, de 1830, comina a pena de morte na forca, a de galés – exceto para mulheres e menores de 21 anos e maiores de 60 anos – e outras menos cruéis: de prisão com trabalho, prisão simples, para a grande maioria dos crimes, de banimento, degredo, desterro, multa, suspensão e perda de emprego e, para os escravos, açoites.
Assim dispunha o Código Criminal: “Art. 38. A pena de morte será dada na forca.
2 LYRA, Roberto. Op. cit. p. 58.
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles
Art. 39. Esta pena, depois que se tiver tornado irrevogável a sentença, será executada no dia seguinte ao da intimação, a qual nunca se fará na véspera de domingo, diasanto ou de festa nacional.
Art. 40. O réu, com o seu vestido ordinário, e preso, será conduzido pelas ruas mais públicas até a forca, acompanhado do juiz criminal do lugar onde estiver, com o seu escrivão, e da força militar que se requisitar. Ao acompanhamento precederá o porteiro, lendo em voz alta a sentença que se for executar.
Art. 41. O juiz criminal, que acompanhar, presidirá à execução até que se ultime; e o escrivão passará a certidão de todo esse ato, à qual se juntará o processo respectivo.
Art. 42. Os corpos dos enforcados serão entregues aos seus parentes ou amigos, se os pedirem aos juízes que presidirem à execução; mas não poderão enterrá-los com pompa, sob pena de prisão por um mês a um ano.
Art. 43. Na mulher prenhe não se executará a pena de morte, nem mesmo ela será julgada em caso de a merecer, senão, quarenta dias depois do parto.”
“Diz-se comumente que, desde Pedro I, já estava abolida de fato a pena de morte. Ora, a declaração da maioridade é de 1840 e só depois do sacrifício do fazendeiro Mota Coqueiro, de Macaé (HEITOR LIRA fala em 1856 e COSTA E SILVA em 1885), aquele imperador resolvera emendar a mão. Os escravos continuaram a ser caçados, e, em pena de morte de fato, sem forma nem figura de juízo, mas de lenta crueldade, importavam os suplícios contra os negros.”3
Nosso primeiro Código, apesar da pena de morte, constituiu enorme avanço em relação à legislação então vigente, inclusive porque, segundo ROBERTO LYRA, contemplou a individualização e a indeterminação relativa das penas, a atenção aos motivos e à reparação do dano. O grande penalista dá notícia de que a “simplificação do sistema primitivo, com as diferenciações quantitativas e qualitativas na aplicação da pena, só meio século depois foi realizada na Holanda e, posteriormente, na Itália e na Noruega”4.
Com o advento da República, já em 1890, antes, pois, da Constituição, a pena de galés era abolida pelo Decreto nº 774, do qual constou:
“as penas cruéis, infamantes ou inutilmente aflitivas, não se compadecem com os
Teoria da Pena - 7 princípios de humanidade em que no tempo presente se inspiram a ciência e a justiça sociais, não contribuindo para a reparação da ofensa, segurança pública ou regeneração do criminoso”.
No Código Penal Republicano, de 1890, as penas previstas eram: prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspensão e perda de emprego público, com ou sem inabilitação para o exercício de outro, e multa. Foram proibidas as penas infamantes. No mesmo documento legal, estabeleceu-se que as penas privativas de liberdade seriam temporárias e não poderiam exceder 30 anos.
A primeira Constituição Republicana, de 1891, confirmou a abolição da pena de galés e a do banimento judicial, e a de 1934 proibiu a pena de morte, de confisco e as de caráter perpétuo. A Carta autoritária de 1937 restabeleceu a possibilidade da adoção, pela lei ordinária, da pena de morte para alguns crimes – na maioria de natureza política, e para o homícidio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade.
Em 1938, a Constituição de 37 foi emendada pela Lei Constitucional nº 1 que, em vez de facultar, determinou, ao legislador a adoção da pena de morte e, em vez de prescrevê-la para o homicídio por motivo fútil e, ao mesmo tempo, perverso, determinou sua cominação para o homicídio fútil e também para o homicídio cometido com “extremos de perversidade”.
Apesar de elaborado e ingressado no mundo jurídico sob a égide dessa
Constituição autoritária, o Código Penal de 1940, felizmente, não incluiu a pena de morte, adotando apenas as de reclusão, detenção e multa.
Apesar de inúmeros estudos e estudiosos, de idéias as mais díspares, e todas visando à resolução dos problemas derivados da criminalidade, ainda se vive um tempo de perplexidade. Se é verdade que a pena de morte, as penas corporais, foram, devidamente, banidas do ordenamento jurídico dos povos civilizados, não menos verdadeira é a conclusão de que a pena privativa de liberdade está completamente falida, e não se presta a coisa alguma, a não ser a tornar o condenado um ser ainda mais revoltado e perigoso para o convívio com a sociedade.
A história da pena é a história da luta contra sua crueldadee severidade. Com a pena nasceu a necessidade de limitá-la. À vingança privada seguiram-se a divina e a pública que, inegavelmente, a limitaram.
Às penas corporais, violentas, cruéis, inclusive às de morte, sucederam as privativas de liberdade, hoje, inevitavelmente, consideradas cruéis e que, por isso mesmo, deverão ser substituídas por outras, menos severas, mais humanas. O tempo atual haverá de ser o
8 – Direito Penal – Ney Moura Teles das penas restritivas de direito e de prestação de serviços à comunidade, compatíveis com o estágio de desenvolvimento cultural hoje vivido.
13.2 FINALIDADE E TEORIAS DA PENA
O grande ROBERTO LYRA ensinou: “o fundamento da pena, que não resulta de um conceito jurídico, foi conduzido para a abstração filosófica” e tendo-se formado diversas teorias, cada qual com suas características e sutilezas, são, todavia, classificáveis apenas “para fins didáticos”5.
Mas ninguém pode negar que os estudiosos do Direito Penal sempre se preocuparam com o fundamento – a razão de ser – e a finalidade, o objetivo da pena. Por que punir alguém? Com qual objetivo? Para quê, com qual finalidade?
Essas são questões importantíssimas, com respostas até hoje não satisfatoriamente encontradas. Nenhum estudioso sério do Direito Penal poderia deixar passar em brancas nuvens a necessidade de discutir as bases e os fundamentos da pena criminal. Nenhum jurista sério poderia limitar-se a estudar a pena sem perquirir sobre seus fundamentos, suas bases e sua justificação.
CLAUS ROXIN indaga: “com base em que pressupostos se justifica que o grupo de homens associados no Estado prive de liberdade algum dos seus membros ou intervenha de outro modo, conformando a sua vida?”6
Essas preocupações, ensina ROBERTO LYRA, já faziam parte do pensamento de
Pitágoras, de Platão e de Aristóteles, mas a pena como fato, segundo Belloni, não precisaria ser justificada7.
É certo que para o estudioso do Direito é indispensável conhecer o fundamento da pena criminal, mas bem mais verdadeira é a necessidade de que ela seja justificada, isto é, possa ser considerada justa como realização do interesse maior dos interesses da coletividade. Por isso, é preciso verificar a razão de ser da pena e a justeza de sua existência concreta.
Será isso possível? A unanimidade dos doutrinadores classifica as teorias sobre a pena em absolutas,
6 Sentidos e limites da pena estatal. In: Problemas fundamentais de direito penal. Lisboa: Vega, 1986. p. 15. 7 Op. cit. p. 2.
Teoria da Pena - 9 relativas e mistas, divisão que se acata para estudá-las.
13.2.1 Teorias absolutas
Várias teorias entendem que a pena tem uma natureza absoluta, é justa por si mesma e seu fundamento é a existência do crime. A pena seria, assim, a necessária e indispensável conseqüência jurídica da existência do crime.
Uma delas afirma que o crime é a violação de um preceito oriundo de Deus, e a pena, então, seria a retribuição divina. Outra, de KANT, considera o crime a infração da ordem moral, e a pena deve ser a compensação moral. Já HEGEL mostra que, sendo o crime a violação do direito, a pena é sua derivação dialética, produzindo a compensação jurídica. O crime é a negação do direito. A pena é a negação do crime, a negação da negação, a síntese.
Outra teoria apresenta a pena como uma necessidade estética que, por meio da retribuição, estabelece a justiça no lugar da injustiça, que foi o crime. E outra teoria absoluta procura demonstrar a pena como o meio – doloroso – para a purificação do homem que praticou o crime.
Todas essas teorias, como se vê, partem do pressuposto de que a pena é necessária em si e por si, em vez de apresentar um fundamento para sua existência, que pudesse presidir sua criação.
No entanto, é preciso conhecer o fundamento da pena, sua razão de ser, sua justificação, para que se possa afirmar sua necessidade. Esta tarefa não é realizada por nenhuma das teorias absolutas.
Na verdade, as teorias absolutas, chamadas retributivas, traduzem-se na necessidade de retribuir o mal causado – o crime – por outro mal, a pena, e sustentamse, por isso, ainda, no velho espírito de vingança, que se situa na origem da pena, o que já não é aceitável nos dias modernos.
Inadmissíveis, pois, as teorias retributivas, principalmente porque não apresentam os pressupostos, os requisitos, da pena e, desse modo, não limitam o poder estatal de punir, deixando o legislador livre para incriminar qualquer comportamento, qualquer conduta humana, qualquer fato, e cominar quaisquer espécies de pena em quaisquer quantidades.
13.2.2 Teorias relativas
10 – Direito Penal – Ney Moura Teles
As teorias relativas contrapõem-se às absolutas, pois buscam apresentar a pena com uma finalidade de natureza política e de utilidade para os homens e a sociedade. A punição imposta ao agente do crime destinar-se-ia a prevenir a ocorrência de novos crimes. Há duas espécies de teorias relativas: as teorias da prevenção geral e as teorias da prevenção especial.
13.2.2.1 Teorias da prevenção geral
Essas teorias compreendem a pena como instrumento de intimidação geral dos indivíduos, que, diante da ameaça abstrata e concreta da imposição da pena, ficariam motivados a não transgredir a norma penal.
Entre elas, a teoria da intimidação defendia a necessidade de dar a maior publicidade às execuções das penas, para que todos tomassem conhecimento do sofrimento dos condenados. Uma teoria, chamada do constrangimento psicológico, procura demonstrar o poder moral da pena.
A teoria da defesa mostra a necessidade da aplicação da pena pelo Estado porque o crime coloca em perigo as condições de sua própria existência, e a punição do agente do crime será o exemplo dado aos homens, para evitar os perigos futuros.
Como se vê, o fim da pena para todas as teorias da prevenção geral é a intimidação da generalidade das pessoas, impedindo a ocorrência de novos crimes.
Contra essas teorias levantam-se algumas objeções sérias. A primeira delas é o perigo da utilização, pelo Estado, de verdadeiro terror intimidatório que se faz acompanhar da falsa ilusão de que o Direito Penal resolverá o problema da criminalidade, o que é um verdadeiro engodo.
No Brasil, ultimamente, o Estado vem ludibriando as populações amedrontadas com a edição de novas leis, mais severas, e com o aumento da quantidade de penas para certos crimes mais graves, como se essa fosse a solução para conter a criminalidade violenta.
A Lei nº 8.072/90, dos Crimes Hediondos, foi o grande exemplo de como não atender aos interesses da sociedade. Penas maiores, com regime de cumprimento mais severo, apenas aumentaram as populações dos presídios, com o incremento dos problemas ali reinantes, agravação do já péssimo tratamento aos presos, maior crueldade no cumprimento das penas, rebeliões, enfim, aumento da criminalidade nos presídios. Por outro lado, não diminuiu o índice da criminalidade violenta. Ao contrário, dia a dia pela imprensa, toma a Nação conhecimento de estatísticas reveladoras de aumento de
Teoria da Pena - 1 homicídios qualificados, estupros, extorsões mediante seqüestros e outros dos chamados crimes hediondos.
Também essas teorias não apresentam o limite que se impõe ao Estado no momento da elaboração legislativa. Até onde pode o Estado criar o crime e impor a pena, em qual qualidade e em que quantidade? A tendência, como se vê, é inevitavelmente o exagero.
Além disso, não se pode esquecer a crítica de CLAUS ROXIN, para quem nada pode justificar a punição de um homem com a finalidade de intimidar os outros, sendo, por isso, injusto punir alguém, para que outro não cometa um crime8.

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