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A INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E AS LEIS
ORDINÁRIAS
Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 26/1999 | p. 11 - 20 | Jan - Mar / 1999
DTR\1999\116
Celso Ribeiro Bastos
Área do Direito: Tributário
Sumário:
Para que possamos dar uma sistematização, de um só golpe, científica e didática acerca da lei
complementar, há de mister, no fundo e ao cabo, bosquejar a inserção dessa categoria jurídica no
contexto das demais espécies normativas, realçando-lhe o regime jurídico. Tal mister só pode ser
cumprido em função de critérios de cientificidade e didática que impusemos, a nós mesmos, pela via
de classificação, a única permissiva da decomposição desse regime jurídico de amplíssimo espectro,
em áreas de estudo definidas a partir da configuração de nexos lógicos de problematicidade.
Feitas essas elucidações justificatórias do desdobramento que a seguir levaremos a efeito,
passemos aos enunciados de seus termos. Em primeiro lugar, impende considerar a posição relativa
da lei complementar na pirâmide normativa. Trata-se de um exame empreendido, pois, sob a ótica
da verticalidade, a qual nos ensejará uma visão no sentido de profundidade, preordenada a situar a
lei complementar num ponto determinado desses diversos patamares em que se decompõe o
ordenamento jurídico, se assim examinado. Cumpre dizer que a lei complementar encontra o seu
fundamento e a sua validade na própria Constituição, estando a ela subordinada (princípio da
hierarquia das leis). Nesse sentido encontramos o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"Ementa: Prescrição. A Constituição não pode ser modificada por lei complementar. Em se
considerando a chamada hierarquia das leis, entre elas forma-se em relação de subordinação. A
inferior tem fundamento na superior. Em conseqüência, alteração introduzida pela segunda é carente
de eficácia. Na hipótese, o direito material resta intocável. A prescrição alcança apenas as
prestações sucessivas." (Acórdão RIP: 0011577, Decisão: 22.11.1989, Processo 001342, Publicação
18.12.1989, Relator Min. Luiz Vicente Cernicchiaro).
A seguir, impõe-se uma análise pela horizontalidade, vale dizer, voltada à evidenciação dos múltiplos
vínculos, reciprocamente limitativos, que unem a lei objeto do nosso estudo com as suas vizinhas do
mesmo andar do edifício jurídico que habitam com as demais normas de idêntico nível hierárquico.
Todavia cumpre distinguirmos as duas espécies de lei complementar existentes: I) as leis
complementares que fundamentam a validade de outros atos normativos; II) as leis complementares
que cumprem o seu desígnio constitucional independentemente da promulgação de outras normas.
Seguindo essa linha de raciocínio muitos doutrinadores afirmam que em algumas hipóteses, a lei
complementar subordina a lei ordinária, e em outras isso inexiste, uma vez que ambas extraem o seu
conteúdo diretamente do corpo constitucional.
Assim que surgiu entre nós a lei complementar, apressou-se a nossa doutrina em dotá-la de um
posicionamento, de um degrau determinado na escala dos níveis normativos. E ante as
peculiaridades que apresentava (matéria própria e quorum de maioria absoluta) encontrou-se-lhe
uma situação de singularidade, não coincidente com a Constituição nem com as demais espécies
normativas. Daí o falar-se, à época, inclusive, num suposto tertium genus normativo, fundado num
hipotético papel subordinante da norma complementadora sobre as restantes variedades legislativas.
Este caráter hierárquico derivaria, por sua vez, do fato da primeira não poder ser alterada por estas
últimas. 1
A mesma doutrina logo, contudo, se desenvolveu vertiginosamente. Alguns dos autores, no início,
comprometidos com a tese da supremacia hierárquica da lei complementar, reviram seus pontos de
vista. Nesta fase de inflexão doutrinária desempenharam papel importantíssimo as lições de José
Souto Maior Borges, logo seguidas por autores de não menor estofo jurídico. 2Não nos parece ser o
caso aqui de esmiuçar a questão, objetivando a descoberta de quem teria sido o primeiro cultor das
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nossas letras jurídicas a ter afirmado a inexistência de hierarquia entre as normas postas em causa.
Mesmo porque não nos parece que esta autêntica reviravolta doutrinária tenha tido um responsável
único. Ela se afigura mais o fruto de um trabalho simultâneo (muito provavelmente desconhecido
pelos seus protagonistas) e convergente no sentido de apontar para uma conclusão que hoje se
mostra na verdade quase uniforme, ao menos levando em conta principalmente os autores que se
têm manifestado modernamente, é dizer, depois de uma primeira leva que enfrentou o tema logo nos
seus albores. Tal ponto de concordância traduz-se no negar qualquer particularidade hierárquica à lei
complementar, quando confrontada com os demais componentes do nosso arsenal
normativo-legislativo, se nos fosse dado assim associarmos essas expressões. Convém, aos juristas
que com maior atualidade têm versado o tema, em recusar qualquer superioridade eficacial à lei
complementar, colocando-a ao mesmo nível das suas co-irmãs. Roque Antonio Carrazza se destaca
como exemplo invulgarmente típico dessa posição revisional, não só pelos dotes de saber jurídico
que adornam a sua personalidade, como também pela maneira primorosa como sabe tratar o
vernáculo. Ouçamo-lo: "De logo cabe-nos dizer que a lei ordinária não revoga a complementar, não
porque ocupe posição menos proeminente do que esta, mas porque ambas possuem campos de
atuação (matérias sobre as quais podem versar) diversos, isto é, nunca coincidentes". 3Daí não
podermos falar em hierarquia entre elas. O que pode haver é uma invasão de competência de uma
pela outra. Tal ocorrendo, de duas uma: ou haverá inconstitucionalidade (no caso de lei ordinária
versar matéria de lei complementar) ou ocorrerá um desvirtuamento de tipo legal (se matéria de lei
ordinária federal for regulada por lei complementar).
Continuando, a só circunstância da lei complementar ser mencionada antes da ordinária, no art. 59,
II, da CF/1988 (LGL\1988\3), nada significa, em termos de posicionamento hierárquico. Se o
raciocínio fosse bom, então, pelo mesmo motivo, também a lei ordinária estaria acima da lei
delegada, das medidas provisórias e assim por diante. Ademais, as leis complementares não
apresentam uma fisionomia unitária que possibilite de pronto uma definição de superioridade em
relação às demais leis. Na verdade, a lei ordinária e a complementar não se subordinam
reciprocamente (o que se verifica, por exemplo, entre a lei e o regulamento), porquanto versam
matérias distintas e buscam seus fundamentos de validade diretamente na Constituição. O
entendimento dos nossos tribunais é no sentido de que não há hierarquia entre lei complementar e
lei ordinária. É exatamente isso que se observa no seguinte julgado do Supremo tribunal Federal:
"Ementa: Previdência Social. Contribuições previdenciárias. Acórdão que acolheu a argüição de
decadência de parte do crédito previdenciário, com base no art. 173, do CTN (LGL\1966\26).
Recurso extraordinário em que se alegam negativa de vigência da Lei 3.807/1960 e ofensa ao art.
165, XVI, da CF/1988 (LGL\1988\3). Não prequestionado o tema constitucional (Súmulas 282 e 356),
rejeitada a argüição de relevância da questão federal e não presente contrariedade à Súmula, o
apelo derradeiro não pode ser admitido, em face do óbice do art. 235, IV, c, do RISTF (LGL\1980\17)
(...). A lei complementar situa-se no plano da legislação ordinária, não assumindo hierarquia
constitucional. Agravo regimental desprovido." (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento,
Processo 90741, j. 22.03.1983. Votação unânime, resultado improvido. Relator Min. Neri da Silveira).
À derradeira, a exigência de quorum especial de votação para as leis complementares traduz, se
quisermos, apenas a preocupação do constituinteem dificultar um pouco a mudança de certas
matérias, por ele havidas como relevantes. A exigência de um quorum qualificado indica uma maior
ponderação utilizada pelo constituinte, ao tratar dos temas a serem versados por lei complementar.
O constituinte de 88 não quis deixar ao arbítrio de uma decisão ocasional a desconstituição daquilo
para o qual a Constituição dedicou procedimento especial. Absolutamente, isso não implica em
hierarquia entre a lei ordinária e a complementar. Aliás, se nos debruçarmos sobre a Constituição,
veremos que todas as categorias normativas (leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias,
decretos legislativos e resoluções) só podem vir a lume mediante processos de elaboração
exclusivos o que não significa que umas sejam mais importantes que outras (O regulamento no
Direito brasileiro. Revista dos Tribunais, 1981, p. 81). A exigência de quorum qualificado para a
votação das leis complementares, implica no fato de que ela só pode ser revogada por norma de
igual categoria. É dizer, lei complementar só pode ser revogada por outra lei complementar. É nesse
sentido o seguinte julgado:
"Ementa: Constitucional e Processual Civil - Mandado de Segurança - ICMS - Petróleo e seus
derivados - Operações destinadas a outros Estados - Imunidade.
I - Consoante jurisprudência pacificada nesta Corte, não incide ICMS nas operações interestaduais,
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relativas à venda de petróleo e seus derivados.
II - A previsão legal sobre contribuintes do tributo está inscrita no art. 6.º do Dec.-lei 406/1968 e seus
parágrafos, e somente pode ser modificada por norma de igual hierarquia, Lei Complementar, por
isso a este nível foi elevado o Decreto-lei pela Constituição Federal de 1988 (art. 146, III, a, da
CF/1988 (LGL\1988\3)). Não cabe, assim, por impróprio, e por ser manifestamente inconstitucional,
ao convênio estabelecer outras hipóteses de substituição tributária. Precedentes.
III - Recurso a que se dá provimento, sem discrepância." (Superior Tribunal de Justiça, Recurso
ordinário em mandado de segurança, Processo 0005537, Publicação 06.05.1996. Por unanimidade,
dar provimento ao recurso. Relator Min. Demócrito Reinaldo).
A forma avassaladora que assumiu o entendimento da doutrina na época do surgimento da lei
complementar e de sua suposta superioridade hierárquica dispensa-nos maiores comentários.
Conviria, tão-somente, posicionarmo-nos com clareza quanto ao que entendemos por hierarquia em
Direito, uma vez que tão enfaticamente a negamos no caso específico da lei complementar. Escreve
o Prof. Paulo de Barros Carvalho sobre o problema da hierarquia. "O problema da hierarquia não se
esgota com as observações que precederam. Há a hierarquia sintática, de cunho eminentemente
lógico, assim como há a hierarquia semântica, que se biparte em hierarquia no Direito, é uma
construção do sistema positivo, nunca uma necessidade reclamada pela ontologia objetal. Dito de
outra maneira, não é a regulação da conduta, em si mesma, que pede a formação escalonada das
normas jurídicas, mas uma decisão que provém do ato de vontade do detentor do poder político,
numa sociedade historicamente dada". 4
Para nós, a hierarquia é um dos recursos de que se vale o sistema jurídico para resolver os conflitos
lógicos que suas proposições normativas encerrem. O sistema há de ser coerente e harmônico. Para
tanto, quando ocorrente o conflito, uma das normas que o compõem tem de ser expungida. E a
hierarquia é uma das alavancas que promovem tal operação. As outras são a determinação de que a
lei posterior revoga a anterior e a reserva de matéria a determinada sorte de atos jurídicos. O
princípio da reserva de matéria significa que sobre determinada matéria só poderá versar certa
espécie normativa. É dizer, trata-se de matéria que se submete, sem quaisquer exceções, ao
princípio constitucional da reserva absoluta de lei formal, no caso da lei complementar. O princípio de
reserva de matéria é um conceito subjetivo, ou seja, não há ainda um critério definido, pois é a
Constituição que determina o que será objeto de lei complementar. Um exemplo desse princípio é o
art. 146 da CF/1988 (LGL\1988\3) que especifica que sobre determinadas matérias, quais sejam, os
conflitos de competência em matéria tributária, as limitações constitucionais ao poder de tributar e as
normas gerais em matéria tributária, cabe exclusivamente à lei complementar regular. Daí se
depreende que é vedada a qualquer outra espécie normativa, que não a lei complementar, regular
tais matérias. Nesse sentido encontramos o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
"Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade - Lei estadual que outorga ao Poder Executivo a
prerrogativa de dispor, normativamente, sobre matéria tributária - Delegação legislativa externa -
Matéria de direito estrito - postulado da separação de poderes - Princípio da reserva absoluta de lei
em sentido formal - Plausibilidade jurídica - Conveniência da suspensão de eficácia das normas
legais impugnadas - Medida cautelar deferida. A essência do Direito tributário - respeitados os
postulados fixados pela própria Constituição - reside na integral submissão do poder estatal a rule of
law. A lei, enquanto manifestação estatal estritamente ajustada aos postulados subordinantes do
texto consubstanciado na Carta da República, qualifica-se como decisivo instrumento de garantia
constitucional dos contribuintes contra eventuais excessos do Poder Executivo em matéria tributária.
Considerações em torno das dimensões em que se projeta o princípio da reserva constitucional de
lei. A nova Constituição da República (LGL\1988\3) revelou-se extremamente fiel ao postulado da
separação de poderes, disciplinando, mediante regime de direito estrito, a possibilidade, sempre
excepcional, de o Parlamento proceder a delegação legislativa externa em favor do Poder Executivo.
A delegação legislativa externa, nos casos em que se apresente possível, só pode ser veiculada
mediante resolução, que constitui o meio formalmente idôneo para consubstanciar, em nosso
sistema constitucional, o ato de outorga parlamentar de funções normativas ao Poder Executivo. A
resolução não pode ser validamente substituída, em tema de delegação legislativa, por lei comum,
cujo processo de formação não se ajusta à disciplina ritual fixada pelo art. 68 da Constituição. A
vontade do legislador, que substitui arbitrariamente a lei delegada pela figura da lei ordinária,
objetivando, com esse procedimento, transferir ao Poder Executivo o exercício de competência
normativa primária, revela-se irrita e desvestida de qualquer eficácia jurídica no plano constitucional.
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O Executivo não pode, fundando-se em mera permissão legislativa constante de lei comum, valer-se
do regulamento delegado ou autorizado como sucedâneo da lei delegada para o efeito de disciplinar,
normativamente, temas sujeitos a reserva constitucional de lei. Não basta, para que se legitime a
atividade estatal, que o Poder Público tenha promulgado um ato legislativo. Impõe-se, antes de mais
nada, que o legislador, abstendo-se de agir ultra vires, não haja excedido os limites que
condicionam, no plano constitucional, o exercício de sua indisponível prerrogativa de fazer instaurar,
em caráter inaugural, a ordem jurídico-normativa. Isso significa dizer que o legislador não pode
abdicar de sua competência institucional para permitir que outros órgãos do Estado - como o Poder
Executivo - produzam a norma que, por efeito de expressa reserva constitucional, só pode derivar de
fonte parlamentar. O legislador, em conseqüência, não pode deslocar para a esfera institucional de
atuação do Poder Executivo - que constitui instância juridicamente inadequada - o exercício do poder
de regulação estatal incidente sobre determinadas categoriastemáticas - (a) a outorga de isenção
fiscal; (b) a redução da base de cálculo tributária; (c) a concessão de crédito presumido; e (d) a
prorrogação dos prazos de recolhimento dos tributos -, as quais se acham necessariamente
submetidas, em razão de sua própria natureza, ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei
em sentido formal. Traduz situação configuradora de ilícito constitucional a outorga parlamentar ao
Poder Executivo de prerrogativa jurídica cuja sedes materiae - tendo em vista o sistema
constitucional de poderes limitados vigente no Brasil - só pode residir em atos estatais primários
editados pelo Poder Legislativo." (Ação direta de inconstitucionalidade - Medida cautelar 1.296, j.
14.06.1995. Observação: Votação: unânime, Resultado: deferido, Relator Celso de Mello, Sessão:
TP - Tribunal Pleno).
Outra forma de se resolver o conflito entre duas normas é através do emprego do critério da
posterioridade que tem o condão de fazer com que, entre duas leis antagônicas, prevaleça a mais
recente. A afetação de matéria também viabiliza a resolução de conflitos, à medida que, configurada
a contradição, esta se dissolve pela predominância do ato respeitante da discriminação de
competências materiais. O outro, o invasor, será anulado, como expulso seria se ocupante de terras
alheias fosse. No mais, vale dizer, que o conflito existente entre a lei complementar e as demais
espécies normativas infraconstitucionais extingui-se através do emprego dos princípios que orientam
a lei no tempo, quando a lei complementar é posterior a outra espécie normativa e pela
inconstitucionalidade da lei ordinária na hipótese da lei complementar ser anterior. No caso da
anterioridade da lei complementar, a lei ordinária será inconstitucional ou devido ao seu quorum ser
defeituoso (falta da maioria absoluta das duas Casas do Congresso para aprovação) ou pela
impropriedade de matéria que veicula.
A hierarquia, como vimos, é um instrumento a serviço dos mesmos propósitos de pacificação da
ordem jurídica. A sua adoção, todavia, pressupõe a existência de um requisito básico, qual seja, a
existência de um campo material comum. Vale dizer, existe hierarquia toda vez que o ato
subordinante delimita a área material de atuação do subordinado. Noutro falar, toda vez que o ato
inferior extrai o seu fundamento de validade de outro, este lhe é superior, e, em conseqüência,
instaura-se uma relação hierárquica. 5E extrair o seu fundamento de validade significa conferir
condições de possibilidade jurídica. A norma hierarquicamente inferior materialmente caminha nos
limites legais impostos pela norma superior. Isso significa que a lei superior dispõe sobre certas
matérias que condicionam a atividade regulamentadora da inferior. É sabido que o nosso
ordenamento jurídico não é composto por um sistema de normas da mesma hierarquia, mas sim por
uma ordem escalonada de diferentes normas jurídicas, como apregoava Hans Kelsen. Escreve Hans
Kelsen, em sua Teoría general del Estado: "(...) Las normas de cada grado superior delimitan - como
elemento de su contenido - un hecho, que constituye creación de Derecho en un grado inferior. Para
que el proceso juridico avance, precisa realizar realmente el hecho determinado por la norma
superior. Precisa que el parlamento adopte, en efecto, determinado acuerdo; que el monarca
manifieste realemtne su voluntad en algún sentido; que los jueces dicten sentencias, etc.; en una
palabra, precisa realizar un acto psicofísico que sea el soporte de la norma inferior. De esse modo, la
norma superior concede a dicho acto su calidad específica de hecho creador de Derecho; pero, a su
vez, la norma creada en este acto determina un nuevo hecho de creación juridica de grado todavía
inferior. Considerando la importante diferencia que media entre el acto de creación normativa y la
norma creada en este acto, puede afirmarse lo seguiente: lo que frente al grado superior es un
hecho, es una norma con respecto al grado inferior. Los dos limites extremos de la pura norma (que
ya no es hecho, mirando hacia arriba) y el puro hecho (que tampoco es ya norma, mirando hacia
bajo) son, de una parte, la norma fundamental suprema, no positiva, sino hipotética, supuesta por la
teoria; y de outra, el último acto de ejecución de la norma individualizada. Si se considera el ordem
juridico como un sistema de complejos normativos jerárquicamente superpuestos; por tanto, si la
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creación de cada norma es reconocida como un hecho determinado por la norma superior, de la cual
es contenido, resulta que la positivad del Derecho constituye, desde este punto de vista dinámico,
una jerarquía de actos de individualización; la creación y la aplicación del Derecho son, pues,
problemas juridicos, y el orden juridico es un sistema regulador de su propia creación y ejecución,
una cadena de creaciones sucesivas. Por eso es rigurosamente exacto afirmar que un orden juridico
es positivo si se le individualiza, y en tanto que se le individualiza (Verdross). Pero urge advertir que
com esto no se suprime en modo alguno la referencia de la norma al hecho, del deber ser al ser,
implicada en el concepto de positividad. Seria una ilusión creer que de ese modo la positividad
dejaba de ser un problema inmanente del sistema juridico. Por el contrario, en cada grado del ordem
juridico se replantea el problema de las relaciones entre el sistema del Derecho (como norma) y el
sistema de la realidad (adecuada a la normal), como realidad de la naturaleza".6
Caso típico da relação hierárquica é a que se dá entre a lei e o regulamento. As possibilidades de
atuação deste, vale dizer, os campos materiais por ele abrangíveis são demarcados pela primeira.
Não é o caso, pensamos, de vasculhar neste passo certas particularidades do ato regulamentar na
nossa ordem jurídica, derivantes do próprio fato de dispor ele de uma previsão constitucional. Sobre
a matéria é especificamente enriquecedora a leitura que se faça de Diógenes Gasparini que, com
pena de ouro, burilou a questão (Poder regulamentar). 7
Basta, tão-somente, admitirmos, para desenvolvimento do nosso raciocínio que, não obstante a
qualquer previsão superior de caráter abstrato e genérico, o que desencadeia, em cada caso
concreto, a competência regulamentar, e confere-lhe os âmbitos de competência material, é a lei.
Esta, respeitadas as reservas que lhe são próprias, vale dizer, os aspectos indelegáveis do assunto
tratado, em tudo o mais desfruta de uma faculdade ampla de encurtar ou elastecer os domínios
regulamentares. Assim, fazendo, está-lhe delimitando as fronteiras de sua atuação válida. E mais,
está fornecendo os elementos para a resolução de um possível conflito. Emergente um estado de
beligerância lógica entre a lei e o regulamento, prevalece a lei (e aqui sim cabe dizê-lo com todas as
letras), por ser esta hierarquicamente superior. E veja-se, só a hierarquia nos confere a possibilidade
de eliminação deste tipo de colisão lógica. A anterioridade ou a posterioridade é irrita na hipótese. A
reserva material também, uma vez que o regulamento não desfruta de qualquer terreno competencial
reservado. Em síntese, a hierarquia ocupa o terceiro lugar na seqüência dos recursos voltados à
harmonização lógica do sistema jurídico. Dela só se deve lançar mão à medida que os critérios
anteriores forem insuficientes. No caso, o princípio de reserva de matéria é plenamente bastante
para o atingimento das finalidades colimadas. Daí o desacerto em apelar-se à hierarquia, técnica
absolutamente excrescente no caso, passível unicamente de turvar a exata intelecção do fenômeno.
Nem se diga tratar-se de uma superfetação inofensiva. Nada disso. O envolvimento de hipotéticas
relações hierárquicas, em campo onde estas são inexistentes, serve apenas para instaurar a
confusão mental predisponente de erros mais graves sobre a autêntica natureza da leicomplementar.
No que diz respeito a relação existente entre lei complementar e lei ordinária, vale ressaltar, que a lei
ordinária retira a sua validade da sua conformidade com a Constituição e não da lei complementar
como gostariam aqueles que defendem a superioridade hierárquica desta última em relação a lei
ordinária. Todavia, a lei ordinária é obrigada a respeitar o campo privativo da lei complementar
estabelecido pela própria Lei Maior, da mesma maneira que é vedada a lei complementar invadir o
campo de atuação da lei ordinária. A lei ordinária tem um campo material diferente do da lei
complementar, poderíamos dizer que seu campo de atuação é um campo residual, na denominação
do Prof. Michel Temer. Isso significa, o campo que não foi expressamente destinado à lei
complementar, ao Decreto Legislativo e às Resoluções. Entendemos por hierarquia jurídica o fato de
uma norma jurídica só existir porque uma norma superior lhe dá fundamento. É dizer, a norma
superior dispõe sobre determinadas matérias que condicionam a atividade regulamentadora da
norma inferior, que por sua vez, tem de caminhar nos limites legais impostos pela norma superior.
Desta maneira, a tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando ensejo a
ação de declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompatível e impossível
com o nosso sistema de Constituição rígida. Na nossa Constituição de 1988 está explícito, no art.
102, caput, da CF/1988 (LGL\1988\3) que "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a
guarda da Constituição", o que significa que essa jurisdição lhe é designada para impedir que se
desrespeite a Lei Maior como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do
poder constituinte originário, com o intuito de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de
Direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. Sob outro
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ângulo, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da
inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais
superiores, visto que a Lei Maior as prevê apenas como limites ao poder constituinte derivado ao
rever ou emendar à Constituição elaborada pelo poder constituinte originário, e não como
englobando normas cuja observância se impôs ao próprio poder constituinte originário com relação
às outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas.
Nesse sentido é de bom alvitre ressaltar que a hierarquia pode dar-se no campo formal e no campo
material. A hierarquia formal ocorre quando uma norma superior impõe apenas os pressupostos de
maneira que a norma inferior fica obrigada a respeitá-la. A hierarquia material ocorre quando a
norma superior estabelece os conteúdos de significação da norma inferior.
Em suma, as leis complementares não são dotadas da rigidez das normas constitucionais, nem são
dotadas da flexibilidade das leis ordinárias. As leis complementares são justamente as leis que dão
aplicação e desenvolvem determinados dispositivos constitucionais. Todavia, isso não implica em
nenhuma hierarquia em relação às demais leis não complementares. Vale dizer mais uma vez que
na hierarquia o ente hierarquizado extrai a sua existência do ser hierarquizante, pelo que, não há que
se falar, propriamente, em compatibilização, visto que a espécie inferior só encontra validade nos
limites traçados pela superior. Na hipótese de normas do mesmo nível, mas com matérias próprias,
pode dar-se este vínculo de não contradição que, insistamos, independe de pressupor-se uma
necessária inferioridade. Pelo contrário, exatamente por serem do mesmo nível é que têm de se
coordenar.
(1) Miguel Reale, Parlamentarismo brasileiro, Saraiva, p. 110-111. No Direito comparado, Georges
Burdeau, Droit constitutionnel et institutions politiques, 1976, p. 64. Nesse sentido, Wilson Accioli,
Instituições de Direito constitucional, p. 366. Manoel Gonçalves Ferreira Filho ( Comentários..., p.
260): "Analisando esse texto, Miguel Reale demonstrou serem estas leis um tertium genus de leis,
que não ostentam a rigidez dos preceitos constitucionais, nem tampouco devem comportar a
revogação (perda de vigência), por força de qualquer lei ordinária superveniente" ( Parlamentarismo
brasileiro, p. 110-111). "Revogada a Emenda 4 com ela desapareceu do nosso Direito positivo esse
tertium genus. Contudo, ao se cuidar da reforma do Poder Legislativo, lembrou-se o mestre paulista
de recomendar seu restabelecimento, a fim de dar maior estabilidade a regras que, sem dever gozar
da 'rigidez dos textos constitucionais', nem por isso podem ser deixadas expostas a decisões
ocasionais ou fortuitas, que às vezes surpreendem o próprio Parlamento e a opinião pública" (Miguel
Reale, Conferência, in A reforma do Poder Legislativo no Brasil, p. 112). Duverger ( Institutions
politiques et Droit constitutionnel, p. 617): "As disposições precedentes se aplicam, no entanto, de
um modo um tanto diferente no caso de leis orgânicas, quer dizer, de leis às quais a Constituição
conferiu este caráter: São, em geral, leis relativas à aplicação da Constituição quanto à organização
dos Poderes Públicos. Antes, o processo de estabelecimento ou de modificação das leis orgânicas
era o mesmo que o das leis ordinárias. A Constituição atual previu, ao contrário, regras especiais
para as leis orgânicas que as colocam acima das leis ordinárias: de qualquer modo entre as leis
ordinárias e a própria Constituição. Daí, resulta que as leis ordinárias devem se conformar às regras
colocadas pelas leis orgânicas: de outro modo, podem ser declaradas inconstitucionais pelo
Conselho Constitucional, como contrárias às disposições da Constituição".
(2) Entre o autores que reviram sua posição, Geraldo Ataliba, de forma categórica, reconhece a
inexistência de qualquer superioridade hierárquica da lei complementar, qualificando de nenhum
fundamento e de injustificada a posição anteriormente adotada ( RDP 53/54-61). José Afonso da
Silva já não se manifesta com tal firmeza. Nota-se nesse autor uma certa relutância em acolher
totalmente essa doutrina, porquanto conserva ainda em nível superior a lei complementar normativa,
ou seja, aquela que serve de fundamento de validade para outros atos normativos ( Aplicabilidade...,
p. 232). Do mesmo teor, as considerações de José Souto Maior Borges, durante a vigência da
Constituição de 1967, que sugere hierarquia da lei complementar nos casos em que ela determina "o
conteúdo da lei ordinária ou de outros atos normativos". Entre outros, cita o art. 3.º: "A criação de
novos Estados e Territórios dependerá de lei complementar" ( Lei complementar tributária, p. 83-84).
Bem mais acertada a posição de Michel Temer, que, com a clareza que lhe é peculiar, explica em
seu Elementos de Direito constitucional, e, em seguida, com muita segurança, indaga: "Lei ordinária,
por acaso encontra seu fundamento de validade, seu engate lógico, sua razão de ser, sua fonte
A INEXISTÊNCIA DE HIERARQUIA ENTRE A LEI
COMPLEMENTAR E AS LEIS ORDINÁRIAS
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geradora na lei complementar? Absolutamente não! ( Elementos..., p. 162).
(3) V. José Souto Maior Borges ( Lei complementar tributária, p. 16): "Já nesse ponto, cabe extrair a
conclusão fundamental para a correta interpretação do modo de atuação das competências
legislativas no Direito brasileiro, de que não há desnivelamento e, portanto, hierarquização,
considerada como uma relação de supra (supremacia) e subordinação, vínculo entre normas
jurídicas de graus diversos, no campo da legislação ordinária das pessoas constitucionais, mas sim
uma repartição de competências legislativas estabelecidas na própria Constituição".
(4) CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito tributário. 4. ed., São Paulo : Saraiva, 1991, p.
136.(5) Neste sentido, Michel Temer ( Elementos..., p. 162), sob a vigência da Carta de 1967:
"Hierarquia, para o Direito, é a circunstância de uma norma encontrar sua nascente, sua fonte
geradora, seu ser, seu engate lógico, seu fundamento de validade numa norma superior. A lei é
hierarquicamente inferior à Constituição porque encontra nesta o seu fundamento de validade. Pois
bem, se hierarquia assim se conceitua, é preciso indagar: lei ordinária por acaso encontra seu
fundamento de validade, seu engate lógico, sua razão de ser, sua fonte geradora na lei
complementar? Absolutamente não! A leitura do artigo 44, III, CF (LGL\1988\3)/67 indica que as leis
ordinárias encontram seu fundamento de validade, seu ser, no próprio Texto Constitucional, tal qual
as leis complementares que encontram seu engate lógico na Constituição. Portanto, não há
hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária." Hans Kelsen ( Teoria pura..., p. 289 e 309):
"Entre uma norma de escalão superior e uma norma de escalão inferior, quer dizer, entre uma norma
que determina a criação de uma outra e essa outra, não pode existir qualquer conflito, pois a norma
do escalão inferior tem o seu fundamento de validade na norma do escalão superior. Se uma norma
do escalão inferior é considerada como válida, tem de se considerar como estando de harmonia com
uma norma de escalão superior. Na exposição da construção escalonada da ordem jurídica se
mostrará como isto sucede." "Já nas páginas antecedentes por várias vezes se fez notar a
particularidade que possui o Direito de regular a sua própria criação. Isto pode operar-se por forma a
que uma norma apenas determine o processo por que outra norma é produzida. Mas também é
possível que seja determinado ainda - em certa medida - o conteúdo da norma a produzir, como,
dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque à medida que foi produzida
por uma determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por outra norma, esta outra norma
representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a
produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida, pode ser figurada pela imagem
espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma
produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema
de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma
construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é
produto da conexão de dependência que resulta do fato da validade de uma norma, que foi
produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre esta outra norma, cuja produção, por seu
turno, é determinada por outra, e assim por diante, até ubicar finalmente na norma
fundamentalmente hipotética, nestes termos - é, portanto, o fundamento de validade último que
constitui a unidade desta interconexão criadora".
(6) KELSEN, Hans. Teoría general del Estado. 15. ed., Nacional, p. 326-327.
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