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7ª EDIÇÃO APOSTILA DE GASTRENTEROLOGIA CLÍNICA PARA O ESTUDANTE DE MEDICINA POTTER - MAGIKARP Tradução: Barney Stinson Joey Tribbiani Fernando N. Zanette Revisão técnica dessa edição: Lyra Belacqua Carter Kane Hermione Granger Red, The Master Pokémon Médico generalista formado pela Universidade de Kanto (KU). Residência Médica no Hospital da Cidade de Kanto (KCH) como Pokemongista. Médico do Serviço de Pokemonologia do KCH. Doutorando em Epidemiologia Pokêmica pela Universidade de Kanto. RDDC Editora Ltda 2016 2 Sumário 7ª EDIÇÃO ................................ 1 DISTÚRBIOS DE MOTILIDADE ESOFÁGICA............................ 7 CLASSIFICAÇÃO ........................................................................... 7 ANATOMIA DO ESÔFAGO .............................................................. 7 FISIOLOGIA NORMAL DO ESÔFAGO .................................................. 8 QUADRO CLÍNICO ...................................................................... 10 Pirose .......................................................................... 10 Disfagia .......................................................................... 10 Odinofagia ...................................................................... 12 Regurgitação .................................................................. 12 Outros sintomas ............................................................. 12 EXAMES COMPLEMENTARES ........................................................ 13 ACALÁSIA .......................................................................... 15 Fisiopatologia ................................................................. 15 Classificação ................................................................... 16 Quadro clínico ................................................................. 16 Diagnóstico ..................................................................... 17 Tratamento ..................................................................... 18 Tratamento farmacológico ............................................. 18 Tratamento ambulatorial e cirúrgico ............................. 19 DISTÚRBIOS DE HIPERMOTILIDADE ESOFÁGICA ................................. 20 Espasmo esofagiano difuso ............................................ 20 Esôfago hipercontrátil .................................................... 21 DISTÚRBIOS DE HIPOMOTILIDADE.................................................. 21 DOENÇA DO REFLUXO GASTRESOFÁGICO............... 22 FISIOPATOLOGIA ....................................................................... 22 CLASSIFICAÇÃO GERAL ................................................................ 24 QUADRO CLÍNICO ...................................................................... 24 Sintomas típicos .............................................................. 24 Sintomas atípicos ............................................................ 25 Sinais de alarme ............................................................. 25 DIAGNÓSTICO .......................................................................... 25 Teste terapêutico ............................................................ 26 Endoscopia digestiva alta e biópsia esofágica ............... 26 pHmetria intraesofágica de 24h ..................................... 27 Manometria esofágica ................................................... 28 TRATAMENTO .......................................................................... 28 Medidas comportamentais e dietéticas ......................... 28 Tratamento medicamentoso .......................................... 28 Tratamento cirúrgico ...................................................... 29 Diagnóstico diferencial ................................................... 29 DISPEPSIA............................................................... 30 CLASSIFICAÇÃO ......................................................................... 30 DISPEPSIA FUNCIONAL ................................................................ 30 Fisiopatologia ................................................................. 30 Subdivisão ....................................................................... 31 DISPEPSIA ORGÂNICA ................................................................. 32 Causas orgânicas de dispepsia ....................................... 32 DIAGNÓSTICO .......................................................................... 33 Endoscopia digestiva alta ............................................... 33 Teste terapêutico e erradicação de H. pylori.................. 33 TRATAMENTO .......................................................................... 34 Modificações no estilo de vida ....................................... 35 Tratamento medicamentoso .......................................... 35 DOENÇA ULCEROSA PÉPTICA............................................... 37 EPIDEMIOLOGIA ........................................................................ 37 FATORES DE RISCO ..................................................................... 37 Causas incomuns ............................................................ 37 FISIOPATOLOGIA ....................................................................... 38 Fatores protetores .......................................................... 38 Produção de muco .......................................................... 38 Bicarbonato .................................................................... 38 Renovação celular e fluxo sanguíneo da mucosa ........... 39 Prostaglandinas ............................................................. 39 Óxido nítrico ................................................................... 39 Fatores agressores ......................................................... 39 Hipersecreção gástrica ................................................... 39 Pepsinogênio .................................................................. 40 Helicobacter pylori ......................................................... 40 Anti-inflamatórios não esteroidais ................................. 42 QUADRO CLÍNICO ...................................................................... 42 DIAGNÓSTICO .......................................................................... 43 Investigação da úlcera ................................................... 43 Investigação do H. pylori ................................................ 43 TRATAMENTO .......................................................................... 44 Tratamento farmacológico ............................................ 44 Inibidores de bomba de prótons..................................... 44 Bloqueadores H2 ............................................................. 45 Fármacos de segunda linha ............................................ 45 Tratamento do H. pylori ................................................. 45 FÁRMACOS QUE ATUAM NA SECREÇÃO GÁSTRICA.............. 47 ANTIÁCIDOS .......................................................................... 47 Farmacocinética ............................................................. 47 Efeitos colaterais ............................................................ 48 ANTAGONISTAS H2 ................................................................... 48 Farmacocinética ............................................................. 48 Efeitos colaterais ............................................................ 49 INIBIDORES DE BOMBA DE PRÓTONS .............................................. 49 Farmacocinética .............................................................49 Interação medicamentosa ............................................. 49 Efeitos colaterais ............................................................ 50 ANÁLOGOS DE PROSTAGLANDINAS ................................................ 50 Contraindicações ............................................................ 50 Efeitos colaterais ............................................................ 50 ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS ....................................... 50 NÁUSEA E VÔMITO.............................................................. 53 3 FASES DO VÔMITO ..................................................................... 53 FISIOPATOLOGIA ....................................................................... 53 VIAS AFERENTES DO CENTRO DO VÔMITO ....................................... 54 CLASSIFICAÇÃO DOS FÁRMACOS ANTIEMÉTICOS ............................... 55 Antagonistas do receptor da serotonina 5-HT3 ............. 55 Antagonistas do receptor D2 de dopamina .................... 56 Antagonistas do receptor H1 de histamina ..................... 57 Agonistas canabinoides .................................................. 57 Antagonistas de taquicininas ......................................... 57 Antagonistas muscarínicos ............................................. 58 Corticoides ...................................................................... 58 Agonistas do sítio dos benzodiazepínicos ....................... 58 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA NÃO VARICOSA..... 59 EPIDEMIOLOGIA ........................................................................ 59 ETIOLOGIA DA HDA NÃO VARICOSA .............................................. 59 QUADRO CLÍNICO ...................................................................... 61 Critérios clínicos de alto risco ......................................... 62 Abordagem clínica .......................................................... 62 Endoscopia digestiva alta ............................................... 63 Estratificação de risco de ressangramento..................... 63 Classificação de Forrest para úlcera hemorrágica.......... 64 Tratamento farmacológico ............................................. 65 Tratamento endoscópico ................................................ 66 Princípios gerais para indicação cirúrgica ...................... 67 HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA............. 68 Varizes esofágicas .......................................................... 68 QUADRO CLÍNICO ...................................................................... 69 TRATAMENTO .......................................................................... 69 Estabilização ................................................................... 69 Antibioticoprofilaxia ....................................................... 69 Drogas vasoativas .......................................................... 70 Terapia endoscópica ....................................................... 70 Sangramento refratário .................................................. 71 Terapêutica profilática ................................................... 71 EXAMES LABORATORIAIS NAS HEPATOPATIAS....... 72 TESTES PARA AVALIAÇÃO DE LESÃO HEPATOCELULAR......................... 72 Aminotransferases.......................................................... 72 Desidrogenase lática ...................................................... 73 TESTES PARA AVALIAÇÃO DO FLUXO BILIAR E LESÃO DE VIAS BILIARES.... 73 Fosfatase alcalina ........................................................... 73 Gama glutamiltransferase .............................................. 74 Bilirrubinas...................................................................... 75 TESTES PARA AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO DE SÍNTESE DO FÍGADO ............. 76 Fatores de coagulação e atividade de protrombina ....... 76 Albumina ........................................................................ 76 CIRROSE HEPÁTICA................................................ 78 Etiologia .......................................................................... 78 Patogênese ..................................................................... 78 Quadro clínico ................................................................. 79 Exames laboratoriais ...................................................... 82 Diagnóstico .................................................................... 83 COMPLICAÇÕES ........................................................................ 84 Hipertensão porta .......................................................... 84 Ascite .......................................................................... 84 Peritonite bacteriana espontânea .................................. 85 Síndrome hepatorrenal .................................................. 86 Sangramento por varizes esofágicas.............................. 86 Síndrome hepatopulmonar ............................................ 86 Encefalopatia hepática .................................................. 86 Hepatocarcinoma ........................................................... 87 TESTES PARA AVALIAÇÃO DE COMPLICAÇÕES DA CIRROSE E SEUS ESTÁGIOS....... .......................................................................... 87 Classificação de Child-Pugh ............................................ 87 Alfa-fetoproteína ............................................................ 87 Plaquetas........................................................................ 88 TRATAMENTO .......................................................................... 88 ENCEFALOPATIA HEPÁTICA..................................... 89 FISIOPATOLOGIA ....................................................................... 89 QUADRO CLÍNICO ...................................................................... 89 Graduação ...................................................................... 90 Fatores precipitantes...................................................... 90 Investigação dos fatores ................................................ 91 RATAMENTO .......................................................................... 91 Remoção de fatores precipitantes ................................. 91 Redução das substâncias nitrogenadas intestinais ........ 91 Suporte clínico adequado ............................................... 92 HEPATITES VIRAIS................................................... 93 Quadro clínico ................................................................ 93 HEPATITE A .......................................................................... 94 Transmissão ................................................................... 94 Quadro clínico ................................................................ 94 Diagnóstico e marcadores sorológicos da hepatite A .... 94 Tratamento e profilaxia ................................................. 95 HEPATITE B .......................................................................... 95 Transmissão ................................................................... 95 Fases .......................................................................... 96 Quadro clínico ................................................................ 96 Diagnóstico e marcadores sorológicos da hepatite B .... 97 Tratamento .................................................................... 98 Profilaxia ........................................................................ 99 HEPATITE C .......................................................................... 99 Transmissão ................................................................... 99 Quadro clínico ................................................................99 Diagnóstico e marcadores sorológicos da hepatite C .... 99 Tratamento e profilaxia ............................................... 100 MÉTODOS DE IMAGEM NAS NEOPLASIAS HEPÁTICAS............................................................. 101 HEMANGIOMA ....................................................................... 101 HIPERPLASIA NODULAR FOCAL ................................................... 102 4 ADENOMA ........................................................................ 103 CARCINOMA HEPATOCELULAR .................................................... 104 Hepatocarcinoma fibrolamelar .................................... 106 COLANGIOCARCINOMA ............................................................. 106 METÁSTASES HEPÁTICAS ........................................................... 107 DOENÇA HEPÁTICA ALCOÓLICA.............................. 108 CLASSIFICAÇÃO ....................................................................... 108 Esteatose hepática ....................................................... 108 Hepatite alcoólica ......................................................... 109 Cirrose alcoólica ........................................................... 110 FISIOPATOLOGIA ..................................................................... 111 Fatores de risco ............................................................ 112 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 112 Síndrome de privação alcoólica .................................... 113 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 113 Diagnóstico laboratorial ............................................... 113 Diagnóstico histopatológico ......................................... 114 CLASSIFICAÇÃO PROGNÓSTICA .................................................... 114 TRATAMENTO ........................................................................ 115 DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA. 117 CLASSIFICAÇÃO MORFOLÓGICA ................................................... 117 Fatores de risco ............................................................ 117 FISIOPATOLOGIA ..................................................................... 118 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 119 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 119 Diagnóstico laboratorial ............................................... 119 Diagnóstico de imagem ................................................ 120 Diagnóstico histopatológico ......................................... 120 TRATAMENTO ........................................................................ 120 DIARREIA ......................................................... 121 PADRÃO DA DIARREIA ............................................................... 121 DIARREIA AGUDA ..................................................................... 122 Classificação fisiopatológica ......................................... 122 Etiologia ........................................................................ 123 DIARREIA CRÔNICA .................................................................. 123 Classificação fisiopatológica ......................................... 124 Etiologia ........................................................................ 124 AVALIAÇÃO DO PACIENTE COM DIARREIA ...................................... 125 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 126 Diarreia aguda .............................................................. 126 Diarreia crônica ............................................................ 127 TRATAMENTO ........................................................................ 127 Diarreia aguda .............................................................. 127 Diarreia crônica ............................................................ 128 CAUSAS DE DIARREIA EM GRUPOS ESPECÍFICOS .............................. 128 Viajantes ....................................................................... 128 Imunodeprimidos .......................................................... 129 Diabéticos ..................................................................... 129 Indivíduos institucionalizados por longos períodos ...... 129 Cuidadores de creche e seus familiares ........................ 129 FÁRMACOS ANTIDIARREICOS................................. 130 DERIVADOS OPIOIDES............................................................... 130 ADSORVENTES ........................................................................ 130 RESINAS LIGADORAS DE SAIS BILIARES .......................................... 131 ADSTRINGENTES ..................................................................... 131 OCTREOTIDE ........................................................................ 131 ANTIESPASMÓDICOS ................................................................ 131 AGENTES INFECCIOSOS DOS DISTÚRBIOS GASTRINTESTINAIS ...................... 132 Agentes etiológicos ...................................................... 132 ENTEROBACTÉRIAS (ENTEROBACTERIACEAE) ................................. 133 Classificação sorológica ............................................... 133 ESCHERICHIA COLI ................................................................... 133 E. coli enteropatogênica (EPEC) ................................... 133 E. coli enterotoxigênica (ETEC) ..................................... 134 E. coli enterohemorrágica (EHEC) ................................ 134 E. coli enteroinvasiva (EIEC) ......................................... 135 Diagnóstico .................................................................. 136 Tratamento .................................................................. 136 SHIGELLA SPP. ........................................................................ 136 Fisiopatologia ............................................................... 136 Quadro clínico .............................................................. 137 Diagnóstico .................................................................. 137 Tratamento .................................................................. 138 SALMONELLA SPP. ................................................................... 138 Fisiopatologia ............................................................... 138 Quadro clínico .............................................................. 139 Diagnóstico .................................................................. 139 Tratamento .................................................................. 139 YERSINIA ENTEROCOLITICA ........................................................ 139 Fisiopatologia ............................................................... 140 Quadro clínico .............................................................. 140 Tratamento .................................................................. 140 CAMPYLOBACTERIACEAE ........................................................... 140 CAMPYLOBACTER .................................................................... 140 Quadro clínico .............................................................. 141 Tratamento .................................................................. 141 VIBRIO CHOLERAE ................................................................... 141 Fisiopatologia ............................................................... 141 Quadro clínico .............................................................. 141 Tratamento .................................................................. 142 VÍRUS ........................................................................142 CONSTIPAÇÃO INTESTINAL CRÔNICA...................... 143 FATORES DE RISCO ................................................................... 143 FISIOPATOLOGIA ..................................................................... 143 CONSTIPAÇÃO PRIMÁRIA .......................................................... 143 CONSTIPAÇÃO SECUNDÁRIA ...................................................... 145 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 145 Exames complementares específicos ........................... 146 TRATAMENTO ........................................................................ 147 Constipação primária ................................................... 147 5 Constipação secundária ................................................ 148 FÁRMACOS UTILIZADOS NA CONSTIPAÇÃO INTESTINAL........................................................... 150 Causas de constipação ................................................. 150 LAXANTES ........................................................................ 150 Laxativos formadores de volume .................................. 150 Laxativos osmóticos ...................................................... 151 Laxativos estimulantes/irritantes ................................. 152 Lubrificantes fecais ....................................................... 152 Novos agentes .............................................................. 152 ENEMAS ........................................................................ 152 SÍNDROME DE MÁ ABSORÇÃO............................... 153 MÁ ABSORÇÃO DE LIPÍDEOS ....................................................... 153 MÁ ABSORÇÃO DE CARBOIDRATOS .............................................. 154 MÁ ABSORÇÃO DE PROTEÍNAS .................................................... 154 MÁ ABSORÇÃO DE VITAMINAS ................................................... 155 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 156 Manifestações gastrintestinais..................................... 156 Manifestações dermatológicas .................................... 156 Manifestações gerais.................................................... 157 EXAMES COMPLEMENTARES ...................................................... 157 Exames gerais ............................................................... 157 Exames específicos para má absorção de lipídeos ....... 158 Exames específicos para má absorção de carboidratos158 Outros exames .............................................................. 159 INTOLERÂNCIA À LACTOSE ......................................................... 160 Quadro clínico ............................................................... 160 Diagnóstico ................................................................... 160 Tratamento ................................................................... 160 INTOLERÂNCIA À FRUTOSE ......................................................... 160 Quadro clínico ............................................................... 161 Diagnóstico ................................................................... 161 Tratamento ................................................................... 161 SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL......................162 EPIDEMIOLOGIA ...................................................................... 162 FATORES DE RISCO ................................................................... 162 FISIOPATOLOGIA ..................................................................... 162 Motilidade alterada ...................................................... 162 Hipersensibilidade visceral ........................................... 163 Inflamação local ........................................................... 163 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 163 DIAGNÓSTICO: CRITÉRIOS DE ROMA ........................................... 164 Sinais de alarme ........................................................... 165 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ....................................................... 166 TRATAMENTO ........................................................................ 166 Educação e dieta .......................................................... 166 Tratamento farmacológico ........................................... 166 DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL..................... 168 EPIDEMIOLOGIA ...................................................................... 168 ETIOPATOGENIA ...................................................................... 168 FISIOPATOLOGIA ..................................................................... 169 Retocolite ulcerativa .................................................... 169 Doença de Crohn .......................................................... 169 BIÓPSIAS ........................................................................ 170 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 170 Retocolite ulcerativa .................................................... 171 Doença de Crohn .......................................................... 171 COMPLICAÇÕES E MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS .................... 172 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 172 Exames laboratoriais .................................................... 172 Exames de imagem ...................................................... 173 Diagnóstico diferencial ................................................. 174 TRATAMENTO ........................................................................ 174 Doença de Crohn .......................................................... 174 Retocolite ulcerativa .................................................... 175 DOENÇA CELÍACA................................................... 176 EPIDEMIOLOGIA ...................................................................... 176 Fatores de risco ............................................................ 176 ETIOLOGIA ........................................................................ 177 Glúten ........................................................................ 177 Fatores genéticos ......................................................... 177 Cofatores ...................................................................... 177 IMUNOPATOLOGIA .................................................................. 178 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 179 Doença celíaca clássica ................................................ 179 Doença celíaca atípica.................................................. 179 Doença celíaca silenciosa ............................................. 179 Doença celíaca latente ................................................. 180 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 180 Exames laboratoriais .................................................... 180 Exames radiológicos ..................................................... 181 Exames sorológicos ...................................................... 181 Histopatologia .............................................................. 182 Classificação histopatológica: Marsh ........................... 183 Genotipagem HLA ........................................................ 183 TRATAMENTO ........................................................................ 184 COMPLICAÇÕES DA DOENÇA CELÍACA .......................................... 184 OUTRAS MANIFESTAÇÕES RELACIONADAS AO GLÚTEN: ALERGIA E SENSIBILIDADE ........................................................................184 PANCREATITE AGUDA............................................. 185 CLASSIFICAÇÃO ....................................................................... 185 ETIOLOGIA ........................................................................ 185 Biliar ........................................................................ 185 Alcoólica ....................................................................... 186 Idiopática ..................................................................... 186 QUADRO CLÍNICO .................................................................... 187 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 188 Amilase sérica .............................................................. 188 Lipase sérica ................................................................. 189 Tomografia de abdome ................................................ 189 6 Ultrassonografia abdominal ......................................... 189 Radiografia simples ...................................................... 189 Ressonância magnética ................................................ 190 AVALIAÇÃO DE GRAVIDADE ........................................................ 190 Critérios de Ranson ....................................................... 190 Escore APACHE-II .......................................................... 191 Método tomográfico: Escore de Balthazar ................... 191 Outros critérios laboratoriais de gravidade .................. 191 TRATAMENTO CLÍNICO .............................................................. 192 Tratamento da forma leve ............................................ 192 Tratamento da forma grave ......................................... 192 Infecção pancreática .................................................... 193 TRATAMENTO CIRÚRGICO.......................................................... 193 Pancreatite com necrose infectada .............................. 194 Pancreatite aguda biliar associada à colangite ou à coledocolitíase com icterícia progressiva ..................... 194 Síndrome compartimental abdominal .......................... 194 PANCREATITE CRÔNICA.......................................... 196 CLASSIFICAÇÃO ....................................................................... 196 PATOLOGIA ........................................................................ 196 FISIOPATOLOGIA ..................................................................... 197 SUBTIPOS DE PANCREATITE CRÔNICA ........................................... 197 Pancreatite alcoólica .................................................... 197 Pancreatite tropical ...................................................... 197 Pancreatite de causas genéticas .................................. 198 Pancreatite hereditária ................................................ 198 Fibrose cística ............................................................... 198 Pancreatite autoimune................................................. 199 QUADRO CLÍNICO DA PANCREATITE CRÔNICA ................................ 199 DIAGNÓSTICO ........................................................................ 200 Exames de imagem ...................................................... 201 Complicações ............................................................... 202 TRATAMENTO ........................................................................ 203 Insuficiência exócrina (esteatorreia) ............................ 203 Insuficiência endócrina (diabetes melito)..................... 203 Dor ........................................................................ 203 Outros ........................................................................ 203 Referências bibliográficas ............................................ 205 7 Gastrenterologia 6ª Fase – Fernando Netto Zanette – Med. UFSC 13.2 Distúrbios de motilidade esofágica O esôfago se qualifica como um tubo fibromuscular oco que conecta a faringe ao estômago, atuando como um canal para o transporte de alimentos. Ele se inicia no pescoço, onde é contínuo com a laringofaringe na junção faringoesofágica. Esse órgão pode ser sítio de doenças orgânicas, de doenças funcionais ou até mesmo de ambas. As doenças orgânicas produzem alterações anatômicas no esôfago, usualmente de caráter obstrutivo de origem benigna ou maligna e de localização intrínseca ou extrínseca. As doenças funcionais, por sua vez, listam-se como aquelas relacionadas aos distúrbios da motilidade eso- fagiana, em que não há evidências de uma lesão estrutural obstrutiva. Aqui podemos dividir duas chaves distin- tas: distúrbios funcionais primários e secundários. Classificação Os distúrbios motores primários se encontram diretamente ligados ao esôfago, sendo que podemos citar como exemplos a acalásia idiopática, o espasmo esofagiano difuso, o esôfago em quebra-nozes, e o esfíncter esofagiano inferior hipertenso (EEIH), enquanto aqueles que fogem às classificações manométricas anteriores são denominados de distúrbios motores inespecíficos. Por fim, os distúrbios motores secundários se classificam como aqueles consequentes a doenças sistêmicas, das quais que salientamos, nesses casos, a acalásia chagásica, afecções neuromusculares, autoimunes – em especial a esclerose sistêmica – e endócrinas. Podemos também destacar que os distúrbios motores podem ser qualificados de acordo com sua porção anatômica acometida em transtorno do esfíncter esofágico superior e do esôfago cervical (por acometimento de musculatura estriada e do SNC) e transtorno do corpo esofágico e do esfíncter esofágico inferior. Antes de nos aprofundarmos nos distúrbios esofágicos, discutiremos um pouco sobre a anatomia e fisiologia esofágicas, para termos uma noção de como opera esse órgão tão complexo. Anatomia do esôfago Podemos dividir o esôfago, anatomicamente, em três porções: esfíncter esofágico superior (EES), corpo do esôfago e esfíncter esofágico inferior (EEI). Encontramos no limite proximal do esôfago o esfíncter esofágico superior (EES), a unidade funcional que se relaciona anatomicamente com a junção dos músculos constritor da faringe e cricofaríngeo, sendo o esfíncter considerado o próprio músculo cricofaríngeo. 8 Seguindo desse anel muscular, o corpo do esôfago se estende distal- mente no mediastino posterior por um comprimento de cerca de 18 cm até o esfíncter esofágico inferior (EEI). Este se apresenta como um seg- mento de 2 a 4 cm de músculo liso circular espessado contraído tonica- mente que se localiza no hiato diafragmático. O esôfago proximal do adulto se encontra em íntima relação com a margem inferior da 6ª vértebra cervical, ao passo que a porção distal se situa no nível da 10ª ou 11ª vértebras torácicas. Quando às suas camadas musculares, o esôfago consiste, em seu terço superior, de músculo estriado (voluntário); em seu terço inferior, em músculo liso (involuntário); e na região intermediária, em uma mis- tura de músculo estriado e liso, com um predomínio de musculatura lisa. Esses músculos se organizam em camadas circulares internas e longitu- dinais externas. As partes compostas por musculatura lisa têm sua inervação prove- niente do nervo vago (X par craniano), que se encarrega do peristaltismo autônomo sob condições fisiológicas. A inervação neural do esôfago ocorre por meio do plexo mioentérico (Auerbach) – localizado entre as duas camadas musculares – e pelo plexo submucoso de Meissner. Fisiologia normal do esôfago Funcionalmente, o esfíncter esofágicosuperior (EES), corpo do esôfago e o esfíncter esofágico inferior (EEI) atuam de forma coordenada para permitir a deglutição normal, que se inicia quando o bolo alimentar é impulsionado para a faringe a partir da boca. Esses dois esfíncteres permanecem normalmente contraídos, man- tendo o esôfago com suas extremidades ocluídas, e apenas relaxam quando sob estímulo neurogênico, como ocorre no ato da deglutição. A deglutição, de forma simplificada, compreende três fases: voluntá- ria, faríngea e esofágica. As duas últimas são inteiramente reflexas e de- flagradas pela estimulação de receptores localizados na bucofaringe e áreas adjacentes. Os impulsos aferentes oriundos da mucosa dessas áreas se dirigem ao centro da deglutição – situado no bulbo -, de onde partem os impulsos efe- rentes pelos nervos trigêmeo (V), glossofaríngeo (IX) e vago (X), acarre- tando uma série coordenada de contrações musculares e relaxamento si- multâneo do músculo cricofaríngeo, no EES. O bolo alimentar é impelido para dentro do esôfago, e o EES volta a se contrair. Tem início, nesse mo- mento, a fase esofágica da deglutição. A contração ordenada dos músculos da faringe se transmite ao seg- mento proximal do esôfago, tendo-se início a onda peristáltica primária. Quando esta se apresenta insuficiente para promover o completo esvazi- ando do esôfago, uma nova onda peristáltica, conhecida como onda pe- ristáltica secundária, tem início em qualquer ponto do órgão, impelindo o remanescente de seu conteúdo em direção ao estômago. Essa onda peris- táltica secundária é induzida pela distensão esofágica pelo bolo alimentar remanescente, refluxo gástrico ou ar deglutido. 9 O efeito mecânico da peristalse esofágica se traduz em uma onda que esvazia o esôfago de sua extremidade proximal até sua extremidade distal. O relaxamento do EEI, como supracitado, ocorre em resposta à deglutição, podendo ocorrer também, no entanto, em resposta à distensão do esôfago (peristaltismo secundário) ou até mesmo na ausência de peristalse. Outro fenômeno, conhecido como relaxamento transitório do esfíncter esofágico inferior (RTEEI), desencade- ado pela distensão gástrica, é um reflexo vagal que compõe a digestão normal. Esse fenômeno representa o prin- cipal mecanismo de refluxo gastresofágico em indivíduos normais e naqueles com doença do refluxo gastreso- fágico (DRGE) leve. Com as funções normais básicas do esôfago explicadas, partiremos agora para as principais queixas referidas pelos pacientes que podem indicar anormalidades desse órgão. 10 Quadro clínico Os principais sintomas que sugerem a presença de um distúrbio esofágico subjacente normalmente se listam como pirose, disfagia, odinofagia e regurgitação. Pirose Conhecida popularmente como azia, a pirose se des- creve como uma sensação de queimação retroesternal que se manifesta, na maioria das vezes, dentro de 30 minutos a 2 horas após as refeições e que piora com o decúbito ou a inclinação torácica. As refeições pesadas – em especial, aquelas com gor- duras, chocolate, café ou álcool –, que usualmente retardam o esvaziamento gástrico, destacam-se por serem mais pro- pensas a acarretar pirose, que pode ser atenuada com o uso de antiácidos. Devemos ter em mente que a presença de pirose recor- rente, como um sintoma isolado, sugere fortemente um di- agnóstico de doença do refluxo gastresofágico (DRGE), melhor abordada futuramente nessa apostila. Disfagia A sensação de demora na passagem normal do bolo alimentar da boca ao estômago ou dificuldade da de- glutição recebe a denominação de disfagia. De forma geral, os pacientes se queixam de uma sensação de que o alimento está “entalado na garganta”. Classificação clínica Do ponto de vista clínico, a disfagia pode ser classifi- cada em dois tipos distintos: disfagia orofaríngea e disfa- gia esofágica. DISFAGIA OROFARÍNGEA A disfagia orofaríngea, também conhecida como dis- fagia de transferência, representa a dificuldade de iniciar a deglutição (transferência do bolo alimentar da hipofa- ringe ao esôfago), e surge a partir de doenças do esôfago proximal, da faringe, do EES ou de afecções neurológi- cas. Embora diversas doenças que acometam os nervos sensitivos e motores ou os músculos esofágicos possam causar essa disfagia, as associações mais comuns são ACI- DENTES VASCULARES ENCEFÁLICOS (AVES), ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA, DOENÇA DE PARKINSON, MIASTE- NIA GRAVIS e DISCINESIA TARDIA. Mesmo que as anormalidades estruturais – a exemplo de osteofitose cervical, 11 divertículo de Zenker, tumores ou membranas na área pós-cricoide – sejam raras, devem ser investigadas e identificadas, pois podem ser tratáveis com cirurgia endoscópica ou outras abordagens cirúrgicas. DISFAGIA ESOFÁGICA A disfagia esofágica, por sua vez, resulta da difi- culdade em transportar o alimento pelo esôfago, secun- dária a defeitos estruturais ou neuromusculares da por- ção esofágica constituída por músculo liso, mais predo- minante na metade distal do órgão. A diferenciação entre as duas disfagias é crucial pois suas causas são claramente distintas. Pacientes com disfagia orofaríngea, por exemplo, geralmente apresen- tam início imediato de tosse, engasgo, sufocação ou re- gurgitação nasal ao tentarem deglutir, em especial líqui- dos. Classificação etiológica Dentro desses dois tipos de disfagia, temos ainda uma subclassificação, na qual dividimos as disfagias em mecânicas ou motoras. As disfagias mecânicas ocorrem quando há a ingestão de um bolo alimentar muito volumoso ou quando temos um estreitamento do lúmen do esôfago – como nos casos de uma estenose ou na presença de uma massa intraluminal ou extraluminar que comprima o órgão. As disfagias motores ou neuromusculares, por outro lado, referem-se à disfagia causada por re- dução na motilidade peristáltica do esôfago ou por alterações no relaxamento normal do esfíncter esofágico, como na acalasia e no esfíncter esofagi- ano inferior hipertenso (EEIH). Pacientes com disfagia essencialmente a ali- mentos sólidos possuem, de forma rotineira, lesões estruturais, tais como estenose péptica, anel esofá- gico ou alguma malignidade. Os anéis esofágicos – também conhecidos como anéis de Schatzki – consistem em subestenoses localizadas na transição anatômica esofagogástrica no ponto de união do epitélio escamocolunar e tendem a causar disfagia com alimentos sólidos de forma intermitente. As estenoses e os cânceres, por sua vez, levam a uma disfagia persistente e, em diversas ocasiões, progressiva (evoluindo de sólidos para semissólidos e líquidos), algo que deve ser bastante investigado na consulta médica. 12 Os indivíduos com disfagia a sólidos e líquidos simultaneamente dispõem de maior probabilidade de possuírem algum distúrbio de motilidade, tais como acalásia ou esclerodermia. Odinofagia A disfagia precisa, durante a avaliação, ser bem diferenciada da odinofagia, a qual se refere à dor causada pelo ato da deglutição. Esse sintoma costuma indicar problemas faríngeos ou esofágicos, sendo que, na maioria das vezes, a fonte da odinofagia gira em torno de uma condição inflamatória do esôfago, a exemplo de esofagite erosiva, medicamentosa ou infecciosa. Regurgitação A regurgitação se refere ao aparecimento, sem qualquer esforço, de um gosto ácido ou amargo na boca. Esse achado pode ser especialmente grave à noite e despertar o paciente com tosse e engasgos. A regurgitação deve ser diferenciada da sialorreia (excesso de salivação), mediada por inervação vagal, e do vômito, que é a propulsãode conteúdo estomacal pela boca. Outros sintomas DOR TORÁCICA: destaca-se como um achado frequente nos distúrbios esofágicos, os quais se apre- sentam, provavelmente, como as causas mais comuns de dor torácica de origem não cardíaca. Essa sensação pode ser indistinguível da angina, contudo a dor torácica de origem esofágica costuma apresentar duração mais prolongada, estar relacionada às refeições e à posição, e associada a outros sintomas gastrintestinais. As causas esofágicas de dor torácica incluem a doença do refluxo gastresofágico (DRGE) e os distúrbios de motilidade. 13 SENSAÇÃO DE GLOBUS: essa queixa – definida como a percepção de caroço, volume, “bola” ou prurido na garganta – mostra-se um sintoma esofágico comum. O globus pode resultar de fatores psicológicos ou estar relacionado ao aumento da sensibilidade visceral. Deve-se realizar uma investigação completa da faringe, laringe, pescoço e esôfago. As causas fisiológicas e estruturais devem ser tratadas para avaliar se estariam rela- cionadas ao globus. QUEIXAS DIVERSAS: soluços podem estar associados com refluxo ou obstrução esofágica. Asma, tosse, rouquidão, odinofagia e pigarro repetitivos podem ser secundários ao refluxo do conteúdo gastroduodenal e, nesses casos, deve ser tratado de forma intensiva. Embora a anamnese e o exame físico se destaquem como os principais meios de coleta de informações para a detecção de distúrbios esofágicos, existe uma série de exames complementares que auxiliam o médico nesse trabalho, os quais listamos a seguir. Exames complementares Endoscopia digestiva alta A endoscopia digestiva alta (EDA) surge como o método de escolha para avaliar a mu- cosa do esôfago e estabelecer a presença de anomalias estruturais, além de a via endos- cópica ser um importante meio para a coleta de biópsia e tratamento de determinadas do- enças. A mucosa esofágica saudável se apre- senta lisa e de coloração rosa clara na maio- ria dos casos. Dessa forma, a inspeção visual permite a revelação de fissuras, úlceras, este- noses ou lesões da mucosa, tais como nos ca- sos de esôfago de Barret e a hérnia hiatal, melhor abordados futuramente. As indicações para a realização do exame endoscópico se listam como sintomas de alerta, a exemplo de perda de peso impor- tante, hemorragia digestiva alta, disfagia, odinofagia, dor torácica e pouca ou ne- nhuma resposta a terapias antissecretoras empíricas. A endoscopia, juntamente a isso, também é realizada no monitoramento dos casos de esôfago de Barret. 14 Manometria esofágica A esofagomanometria tem por função medir a pressão intraluminal e a coordenação da atividade pressórica das três regiões funcionais do esôfago: o esfíncter esofágico superior (EES), o corpo do esôfago e o esfíncter esofá- gico inferior (EEI). Esse exame se vê comumente utilizado na investigação de disfagia ou dor torácica de origem não cardíaca em pacientes sem evidên- cias de obstrução mecânica, ulceração ou inflamação esofágicas, além de ser uma ferramenta bastante importante no acompanhamento da doença do refluxo gastresofágico (DRGE), especialmente como parte essencial da avaliação pré- operatória da cirurgia antirrefluxo. A manometria encabeça o padrão ouro para o diagnóstico de distúrbios motores do corpo esofágico e do EEI. A análise manométrica do EEI pode avaliar com precisão a pressão e o rela- xamento basais do esfíncter durante a deglutição. O corpo do esôfago pode ser avaliado quanto à amplitude e à duração das contrações e da peristalse, esta definida por uma sequência de contrações coordenadas e quantificada pelo registo da porcentagem de de- glutições associadas à peristalse. Com essas características do EEI e do corpo esofágico adquiridas, inúmeros distúrbios manométricos do esôfago podem ser determinados. Radiografia contrastada Um exame considerado simples e barato, com capacidade de avaliar a estática do corpo esofágico, bem como detectar alterações importantes de estenoses ou divertículos. Seu uso é bastante útil nos quadros de disfagia e nas suspeitas de acalasia (sinal do bico de pássaro). Videofluoroscopia O exame de videofluoroscopia permite uma avaliação dinâmica do esôfago durante a deglutição. Esse método, composto pela in- gesta de solução baritada com filmagem em tempo real da deglutição do paciente via ra- diografia, permite detectar distúrbios da de- glutição e da motricidade esofágica. Incidências laterais mostrando divertículo de Killian-Jamieson (setas brancas), em localização distal ao músculo cricofaríngeo (setas pretas) 15 Laringoscopia A laringoscopia permite a visualização da laringe do paciente du- rante o ato da deglutição, auxiliando na detecção de aspiração tra- queobrônquica. Esse método pode ser utilizado durante a reabilitação de pacientes com transtornos psicológicos na determinação do melhor tipo alimento a eles. Com esses exames comentados, podemos nos ater às principais cau- sas de distúrbios primários de motilidade esofágica: acalásia, hipermo- tilidade esofágica e hipomotilidade esofágica. Acalásia A acalásia se qualifica como o distúrbio motor primário mais comum de esôfago, manifestando-se com maior frequência em pacientes de 25-60 anos, com destaque especial antes dos 40 anos. Podemos definir a aca- lásia por meio de três características: DÉFICIT NO RELAXAMENTO FISIOLÓGICO DO EEI durante a deglutição, salientando-se como a ca- racterística mais relevante. GRAUS VARIADOS DE HIPERTONIA DO EEI, podendo, até mesmo, apresentar tônus inalterado em alguns pacientes. SUBSTITUIÇÃO TOTAL DA PERISTALSE NORMAL DO CORPO ESOFAGIANO POR CONTRAÇÕES ANORMAIS, as quais podem ser fracas e de pequena amplitude (acalásia clássica) ou extremamente vigo- rosas (acalásia vigorosa). Fisiopatologia As manifestações patológicas presentes na acalá- sia decorrem da degeneração dos corpos neuronais do plexo de Auerbach (mioentérico), responsável pela coordenação motora esofágica. Temos a perda de interneurônios inibitórios, os quais secretam VIP (peptídeo intestinal vasoativo) e óxido nítrico (NO) e, em casos avançados, pode-se observar também a destruição de neurônios colinérgicos. 16 Essas modificações alteram severamente a motilidade do corpo esofágico e a funciona- lidade do EEI, levando a uma obstrução da passagem do bolo alimentar e desencadeando o principal sintoma da acalásia: a disfagia de condução ou motora, a qual se processa para alimentos sólidos e líquidos concomitante- mente. Essa disfagia costuma surgir insidiosa- mente, desenvolvendo-se ao longo de meses ou anos. A obstrução à passagem do bolo alimen- tar faz com que o esôfago retenha material não digerido, podendo acarretar graus de dilatação em seu corpo – megaesôfago -, o que pode ser traduzido muitas vezes, clinicamente, na forma de regurgitação e broncoaspiração do mate- rial. A maioria dos pacientes em estágios avan- çados desenvolve halitose. Classificação De acordo com a etiologia por trás dessa alteração do EES inferior, podemos dividir a acalásia em duas vertentes: acalásia primária (idiopática), o tipo mais comum, e acalásia secundária. Apesar da etiologia distinta dessas modalidades da acalásia, a sua manifestação clínica é, de modo geral, idêntica. ACALÁSIA IDIOPÁTICA: nesses casos, temos a destruição do plexo mioentérico por causas não defi- nidas, levando à disfunção do EEI e da motilidade esofágica. Esse tipo é predominante nas regiões não endêmicas à doença de Chagas, como o Sul do Brasil. ACALÁSIA SECUNDÁRIA:deve-se à destruição gradativa do plexo mioentérico por doenças sistêmi- cas, como amiloidose, sarcoidose e, com destaque para o Brasil, doença de Chagas. Na acalásia chagásica, o parasita Trypanosoma cruzi destrói os neurônios do plexo, resultando na mesma conformação fisiopatológica da idiopática. Sua incidência é maior nas regiões onde o parasita é mais frequente, como norte e nordeste do Brasil. Quadro clínico Os pacientes com acalásia manifestam normalmente disfa- gia importante, fazendo com que comam, usualmente, devagar e bebam grandes quantidades de líquido na tentativa de empur- rar o bolo alimentar pelo EEI alterado. Alguns indivíduos podem até contorcer o corpo durante a deglutição (inclinando a parte superior do tronco, elevando o queixo e estendendo o pescoço) para ajudar o alimento a descer. Nos casos associados com regurgitação (cerca de 1/3 dos pacientes), pode surgir crises de tosse e broncoespasmo – que normalmente aparece quando o paciente se deita, como de noite 17 – ou, até mesmo, episódios repetidos de pneumonias, abscessos pulmonares e bronquiectasias. Os achados de perda de peso indesejada é uma constante, contudo geralmente é insidiosa, além de ser leve a moderada na maioria das vezes, ao contrário do câncer de esôfago, cuja perda ponderal costuma se fazer de forma rápida e severa. A odinofagia e a dor torácica (cólica esofagiana) são achados poucos característicos e costumam aparecer nos estágios iniciais da doença em alguns pacientes. A cólica em especial representa contrações vigorosas do esôfago na tentativa de vencer o EEI, e costuma ocorrer quando a contratilidade esofágica ainda não foi comple- tamente perdida. Devemos salientar que a acalásia é uma lesão pré-maligna, podendo evoluir, mais comumente, para carci- noma de células escamosas em cerca de 1-10% dos pacientes no tempo médio de 15-25 anos. O mecanismo etiopatogênico por trás disso se mostra a irritação crônica da mucosa devido ao material estagnado no corpo do esôfago, o que induz a formação de áreas de metaplasia e posterior neoplasia. Diagnóstico O diagnóstico definitivo se faz por meio do quadro clínico associado aos exames complementares, os quais auxiliam na detecção do megaesôfago, sendo a esofagoma- nometria o padrão-ouro. Esofagografia baritada Pode nos mostrar dilatação do corpo esofágico (megaesôfago), estreitamento do EEI em aspecto de chama de vela ou bico de pássaro (imagem ao lado), atraso no esvaziamento esofagiano, e presença de contrações esofagianas não peristálticas. Por meio da esofagografia, podemos também estratificar os níveis de dilatação eso- fágica em estágios I, II, III e IV por meio da classificação de Rezende, melhor abor- dada na tabela abaixo. Radiografia simples A radiografia pode revelar ausência de bolha gástrica, massa mediastínica tu- bular ao lado da aorta, nível hidroaéreo no mediastino na posição ereta, representando material estagnado no esôfago. 18 Endoscopia digestiva alta A EDA permite confirmar a dilatação do esôfago e excluir uma possível obstrução mecânica como causa de disfagia. Uma esofagite irritativa (mas não de refluxo) pode ser diferenciada. Em todos os pacientes com suspeita de acalásia deve ser feita bi- ópsia e citologia de lavados esofágicos do esôfago distal e da área da cárdia para exclusão de condições malignas. Esofagomanometria Principal exame diagnóstico, principalmente quando os de raio X e de esofagografia são inconclusivos ou normais. Os achados mais relevantes aqui são não relaxamento do EEI em resposta à deglutição, graus variados de hipertonia do EEI e ape- ristalse ou ausência de contrações eficazes. Tratamento O objetivo do tratamento gira em torno de promover o relaxa- mento do EEI, seja por medidas farmacológicas seja por medidas ci- rúrgicas. Tratamento farmacológico NITRATOS E ANTAGONISTAS DE CÁLCIO: os nitra- tos (via sublingual) antes das refeições e os antagonistas de cál- cio reduzem a pressão do EEI e podem ser usados em pacientes com sintomas leves a moderados. TOXINA BOTULÍNICA: aplicada de forma intramu- ral e circunferencial, visa efeitos imediatos (eficácia de 90% em um mês), contudo com duração de 3-6 meses. A toxina se liga aos receptores pré-sinápticos, interferindo com a ação da acetil- colina e relaxando o esfíncter. Essa modalidade é reservada a pa- ciente com alto risco cirúrgico. 19 Tratamento ambulatorial e cirúrgico Indicado aos pacientes com sintomatologia proeminente ou refratários às medidas anteriores, o tratamento cirúrgico consiste na dilatação pneu- mática endoscópica e na cirurgia de miotomia do EEI (tratamento definitivo). Dilatação pneumática Feita por meio de um balão que é insuflado dentro do esôfago na altura do EEI, a dilatação pneumática apresenta alívio dos sintomas em 60- 85% dos casos, sendo que novas dilatações podem ser necessárias em casos de recidivas. As princi- pais complicações se listam como perfuração eso- fágica (2-6%), recidiva dos sintomas (50%) e re- fluxo gastresofágico (2%). Miotomia de Heller com fundoplicatura parcial Indicada nos casos refratários ou recidivantes, realiza-se uma secção das camadas longitudinal e circular da musculatura lisa do EEI em toda sua extensão. Visando a evitar o possível refluxo gastresofágico conse- quente, realiza-se uma fundopli- catura parcial (de Dor ou de Tou- pet) à miotomia. O sucesso tera- pêutico é conseguido em 70-90% dos casos, com uma chance bem menor de recidiva em comparação à dilatação pneumática. Nos casos de megaesôfago avançado (especialmente no grau IV), muitos autores recomendam a esofagectomia como procedi- mento de escolha. 20 Distúrbios de hipermotilidade esofágica Espasmo esofagiano difuso O espasmo esofagiano difuso (EED) caracteriza-se como um distúrbio de etiologia neurogênica, no qual o peristaltismo normal é substituído por intensas contrações não propulsivas fásicas, principalmente nos 2/3 inferi- ores do esôfago. Ele compõe cerca de 2-5% dos transtornos de motilidade do esôfago, com a maioria dos pacientes sendo do sexo feminino e possuindo distúrbios psicossomáticos associados. Ansiedade e depressão estão presen- tes em pelo menos 80% dos pacientes com anormalidades de contração eso- fágica pela manometria. Sabe-se que, pelo menos, de 20-50% dos casos de EED possuem a DRGE como uma possível causa subjacente. Na histopatologia, temos uma degeneração mais intensa dos axônios de neurônios inibitórios do plexo de Auerbach, podendo os ramos do nervo vago também estarem envolvidos. Isso qualifica uma diferença importante da acalásia, onde há predomínio dos corpos celulares neuronais. Quadro clínico A manifestação mais típica do EED é a dor retroesternal (cólica esofagiana) - podendo ser de grande in- tensidade e com irradiação para costas, tórax, braços, mandíbula e de duração de alguns segundos a vários minutos - associada à disfagia para líquidos e sólidos. De forma geral, surge no repouso, embora possa se associar à deglutição, tensão emocional e, eventualmente, aos exercícios, o que mimetiza muitas vezes a angina pectoris. Diagnóstico ESOFAGOGRAMA O esofagograma baritado pode revelar uma imagem conhecida como “esôfago em saca-rolha” ou em “contas de rosário” em virtude da contração anormal, incoordenada (não peristáltica), que produz múltiplas pequenas on- dulações na parede, saculações e pseudodivertículos. Embora sugestivo, tal aspecto não é exclusivo do EED, visto que indivíduos mais velhos podem ter esse achadoradiográfico na situação normal chamada de presbiesôfago (“esôfago velho”). ESOFAGOMANOMETRIA A esofagomanometria é o melhor exame para avaliação objetiva, reve- lando contrações características, prolongadas (> 2,5 s), de grande amplitude (> 120mmHg) e repetitivas, que se iniciam de forma simultânea nos 2/3 in- feriores do órgão, devendo-se mais de 30% das contrações serem desse tipo. Destacamos que, no entanto, tais alterações podem estar presentes no diabe- tes melito, na esofagopatia da esclerodermia, na amiloidose e na esofagite de refluxo. 21 Tratamento A classe medicamentosa que melhor apresentou resultados no tratamento do EED foram os ansiolíticos. Os nitratos, os antagonistas de cálcio e os antidepressivos tricíclicos podem ser úteis em alguns casos. Para muitos pacientes, o esclarecimento da etiologia esofágica para a dor torácica somente já traz grande alívio, possuindo importante efeito terapêutico. Quando associada à DRGE, deve-se tratar agressivamente essa doença, cujas medidas terapêuticas serão explicadas no capítulo próprio à ela futuramente. Esôfago hipercontrátil O esôfago hipercontrátil se define por contrações esofágicas de pressões elevadas, podendo ocorrer no corpo esofágico – caracterizando o esôfago em “quebra-nozes” – ou no EEI, compondo o EEI hipertensivo. O quadro clínico dessas afecções geralmente se faz por meio de dor torácica, sendo a disfagia um achado incomum. A peristalse se encontra preservada, não sendo detectadas alterações nas radiografias contrastadas. O diagnóstico se faz, logo, por meio da manometria. ESÔFAGO EM QUEBRA-NOZES: considerado uma variante do EED, é caracterizado por uma grande contração generalizada do esôfago, atingindo níveis pressóricos acima de 180mmHg. ESÔFAGO HIPERTENSIVO: considerado uma variante da acalásia, em que o EEI se encontra hiper- tônico, mantendo, todavia, o relaxamento fisiológico pós-deglutição. Distúrbios de hipomotilidade Os distúrbios de hipomotilidade se compõem por quadros de diminuição da contratilidade esofagiana e incompetência do EEI, podendo estar presente em doenças sistêmicas, como na escleroder- mia. Essas alterações esofagianas permitem refluxos de diversos graus, com risco até de evolução para esofagites de refluxo, esôfago de Barret e neoplasia. Os achados clínicos incluem pirose retroesternal e disfagia, com achados manométricos de aperistalse no corpo do esôfago e hipotensão do EEI. O tratamento gira em torno do controle da DRGE, sendo que a cirurgia não é indicada nesses casos pela ausência de peristal- tismo. ESCLERODERMIA: nessa doença, temos um envolvi- mento esofágico em até 74% dos pacientes, acompanhando-se de le- sões cutâneas típicas, promovendo atrofia muscular e fibrose da musculatura lisa esofagiana. Os pacientes costumam apresentar os chamados “dedos em salsicha”, mudança nas características da pele, acometimento renal e fáscies caracterís- tica. 22 Doença do refluxo gastresofágico A doença do refluxo gastresofágico (DRGE) constitui uma afecção crônica decorrente do fluxo retrógrado de parte do conteúdo gastroduodenal para o esôfago e/ou órgãos adjacentes, manifes- tando-se em uma gama variável de sinais e sintomas esofagianos e/ou extraesofagianos, estando associados ou não a lesões teciduais. O refluxo gastresofágico é um processo fisiológico que se re- fere ao movimento sem esforço do conteúdo gástrico para o esôfago. Esse mecanismo ocorre em todos os indivíduos, diversas vezes ao dia, sem gerar, usualmente, sintomas ou lesões esofágicas. Quando patológico, por outro lado, o refluxo pode levar a lesões teciduais de esôfago, orofaringe, laringe e trato respiratório, nem sempre se manifestando de forma clinicamente evidente. A lesão esofágica por refluxo, conhecida como esofagite de re- fluxo, destaca-se como a forma mais comum de DRGE, identificada por meio da pirose recorrente. Virtualmente, em todos os pacientes com pirose, uma alteração patológica da mucosa esofágica pode ser identificada, apesar de que somente 40% desses indivíduos pos- suam erosões endoscopicamente perceptíveis. Os outros 60% são conhecidos como DRGE não erosiva. Sendo uma das doenças mais frequentes da prática médica, a DRGE dispõe de um leque bastante vasto de manifestações clínicas distintas - como pirose ocasional, tosse crônica e asma refratária -, bem como suas apre- sentações diferenciadas na endoscopia, desde ausência de lesão até complicações potencialmente fatais, como o esôfago de Barret. A DRGE afeta predominantemente homens (2:1) de etnia caucasiana, e possui um percentual de morbidade importante (10-15%) em virtude de suas complicações mais comuns de ulceração, sangramento digestivo, cons- trição, esôfago de Barret e adenocarcinoma. Apesar desses possíveis desfechos da doença, o risco de adenocar- cinoma esofágico em pacientes com pirose é relativamente baixo na ausência do esôfago de Barret. Fisiopatologia A DRGE tem como base o retorno patológico para o esôfago de agentes agressores representados pelo ácido clorídrico, pepsina, sais biliares e enzimas pancreáticas. Para haver lesão dos órgãos expostos – especificamente o esôfago -, os fatores de defesa devem ser vencidos pelos fatores de agressão. O desenvolvimento da doença do re- fluxo é propiciado por prováveis defeitos nas chamadas bar- reiras antirrefluxo, compostas, resumidamente, pelos se- guintes elementos: ESFÍNCTER ESOFÁGICO INFERIOR (EEI); CRURA DIAFRAGMÁTICA (compressão esofá- gica extrínseca); ÂNGULO ESOFAGOGÁSTRICO OU ÂNGULO DE HIS; 23 LIGAMENTO FRENOESOFÁGICO; Dessa forma, os mecanismos responsáveis pelo refluxo patológico podem ser divididos em: ALTERAÇÕES DA JUNÇÃO GASTRESOFÁGICA, como relaxamento transitório do EIE e hérnia de hiato; CLEARANCE ESOFÁGICO DEFICIENTE, como nas dismotilidades esofágicas; SUPERAÇÃO DA RESISTÊNCIA DA MUCOSA ESOFÁGICA, na presença prolongada dos ácidos estomacais; No que diz respeito à junção gastreso- fágica, os três mecanismos principais res- ponsáveis pela sua incompetência são: RELAXAMENTO TRANSITÓ- RIO DO EEI (reflexo vasovagal no qual o re- laxamento é estimulado pela distensão es- tomacal). Esse mecanismo se responsabi- liza por cerca de 90% do refluxo em indiví- duos normais ou nos pacientes com DRGE sem hérnia de hiato. HIPOTENSÃO DO EEI. DISTORÇÃO ANATÔMICA DA JUNÇÃO ESOFAGOGÁSTRICA, como na hér- nia de hiato. Dentre os fatores que tendem a agra- var o refluxo, temos obesidade abdominal, gravidez, estados de hipersecreção gás- trica, retardo do esvaziamento gástrico, supressão da peristalse esofágica e gluto- naria (alimentar-se em grandes quantida- des). Fatores que influenciam o esvaziamento gástrico TAMANHO DA PARTÍCULA: partículas grandes e mal mastigadas levam um esvaziamento retardado do estô- mago. OSMOLARIDADE: ingesta acima de 200mL de líquidos durante as refeições afeta o esvaziamento. 24 TAXA CALÓRICA DO ALIMENTO: alimentos muito gordurosos são lentamente expulsos pelo estômago para o duodeno. Classificação geral A DRGE pode, tipicamente, apresentar-se sob duas formas de acordo com a presença ou ausência de ero- sões: DOENÇA DO REFLUXO NÃO EROSIVA: destaca-se como a forma mais frequente da afecção, sendo definida pela presença de sintomas desagradáveis associados ao refluxo com ausência de erosões ao exame en- doscópico. Assim, a forma não erosiva pode ser diagnosticada clinicamente com base na história clínica ao redor de 50%. Vale dizer, no entanto, que a presença de sintomas típicos não assegura o diagnóstico de forma definitiva,demandando realização de um teste terapêutico, particularmente em pacientes com menos de 45 anos. DOENÇA DO REFLUXO EROSIVA: é a apresentação clássica da doença, com sintomatologia clínica e presença de erosões à endoscopia. Quadro clínico Sintomas típicos Os sintomas típicos da DRGE se listam como pirose e regurgitação, com a procura por atendimento devido à primeira ficando mais frequente com o aumento da idade. A pirose, normalmente presente de 30min a 2h após as refeições, pode ascender até a região cervical e, raramente, para o dorso ou membros superiores, podendo, em alguns casos, mimetizar um IAM. Os fatores desencadeantes mais comuns são alimentos gordurosos ou picantes, cítri- cos, carminativos, café, refrigerantes, álcool, refeições volumosas, cigarro, medicamentos e hábito de se deitar imediatamente após as refeições. Situações que provocam aumento da pressão intra-abdominal (como ganho de peso, levantamento de peso, gravidez ou exercícios abdominais) também podem desencadear pi- rose. O estresse também é reconhecido como fator de piora da pirose, provavelmente pelo seu efeito amplificador de sintoma e não por provocar aumento do refluxo gastresofágico. Os fatores de alívio mais frequentes, por sua vez, são a ingestão de leite, água ou antiáci- dos, e alguns pacientes referem melhora do sintoma quando assumem o decúbito lateral esquerdo. A pirose pode vir associada à regurgitação ácida ou, com maior frequência, à sensação de refluxo ácido retroesternal, atingindo até a faringe ou a boca, sem exteriorização. Alguns pacientes referem sintomas dispép- ticos associados, como plenitude pós-prandial, sensação de empachamento, eructações frequentes e náuseas. Outros ainda apresentam sialorreia ou soluços, estes muitas vezes em crises e até incoercíveis. A disfagia pode se associar à pirose, sendo que, quando para sólidos e líquidos de forma intermitente, pode significar alteração da 25 motilidade do órgão, e quando rapidamente progressiva, com grande emagrecimento, há grande probabilidade de neoplasia em paciente já portador de esôfago de Barret. Nos casos de disfagia, destaca-se imprescindível a sua diferenciação etiológica de tumores por meio da en- doscopia digestiva alta (EDA). Sintomas atípicos A DRGE pode se manifestar por meio de sintomas atípicos, que compreendem dor torácica não cardíaca (espasmo esofágico), sintomas otorrinolaringológicos, pulmonares, entre outros listados a seguir. Os pacientes com essas manifestações com frequência não apresentam sintomas típicos de DRGE associados ou sinais endoscó- picos de esofagite, tornando o diagnóstico clínico difícil e exigindo alto índice de suspeição. Dessa forma, os sintomas atípicos mais importantes são, além da dor torácica de origem não cardíaca, sensa- ção de globus (sensação de “bola presa na garganta”), asma (deve-se desconfiar de DRGE em adultos com iní- cio de quadro de asma após os 30 anos), tosse crônica, hemoptise, bronquite, bronquiectasia, pneumonias de repetição, disfonia, pigarro, laringite posterior (diag- nóstico provável de DRGE), sinusite de repetição, otal- gia, erosão dentária, halitose e aftas. Sinais de alarme Devemos destacar que, os sinais ou sintomas de alarme, listam-se como: anemia, hemorragia digestiva, hematêmese, melena, emagrecimento, disfagia e odino- fagia, além da presença de sintomas de grande intensidade, especialmente os que têm início recente em pacientes idosos e/ou com história familiar de câncer. Esse quadro clínico de alerta normalmente se encontra associado a complicações, merecendo especial atenção, e os pacientes, nesses casos, devem receber abordagem diagnóstica mais agressiva. Diagnóstico A principal ferramenta no diagnóstico da DRGE é, de longe, a história clínica, sendo que a presença de pirose/regurgitação com frequência mínima de 2 vezes/semana, por período igual ou superior a 4 semanas, sugere fortemente a DRGE. Os outros métodos diagnósticos auxiliares devem ser reservados a pacientes com: DRGE associadas a sinais de alarme; DRGE crônica com preocupação de esôfago de Barret; suspeita de DRGE com manifestações atípicas. Esses métodos são teste terapêutico, endoscopia digestiva alta, pHmetria intraesofágica de 24h, manome- tria, impedanciometria e seriografia esofagogastroduodenal (EGDS). 26 Teste terapêutico Sendo também um método de tratamento, o teste terapêutico consiste no uso diário de um inibidor de bomba de prótons (IBP) durante 4 semanas, a exemplo do omeprazol 20mg uma vez ao dia cerca de 30 min antes do café da manhã. Os sintomas tendem a desaparecer durante o tratamento e reaparecem após a sua suspensão, sugerindo a DRGE com 68-83% de sensibilidade. Em casos de sintomas noturnos, divide-se a dose do medica- mento pela metade, tomando-o de manhã e de noite (10mg de omeprazol antes do café e 10mg antes de dormir, por exemplo). O teste terapêutico pode ser realizado em pacientes com idade < 40 anos, com manifestações típicas e sem manifestações de alarme. O consenso brasileiro de DRGE recomendo a realização prévia de EDA caso o paciente se encontre em um especialista, em virtude do baixo custo do exame. Outra alternativa é a realização do teste terapêutico por 4 semanas e, em caso de não melhora, dobra-se a dose medicamentosa e se solicita a EDA. Endoscopia digestiva alta e biópsia esofágica A EDA tem por função diagnosticar a esofagite erosiva – confirmando a DRGE – bem seu grau erosivo e complicações da doença, como erosões e úlceras. Ela dispõe, além disso, da vantagem de oferecer a possibilidade da realização de biópsias, imprescindíveis para os diagnósticos diferenciais de úlceras, esôfago de Barret e ade- nocarcinoma esofágico. 27 Classificação endoscópica Por meio do aspecto endoscópico, podemos estratificar as alterações esofágicas por meio de dois sistemas: a classificação endoscópica de Los Angeles (recomendada pela ICBDRGE) e a classificação de Sabary-Miller, também bastante utilizada no Brasil. O problema da avaliação endoscópica da DRGE gira em torno da sua sensibilidade limitada: até 60% dos pacientes com DRGE avaliados podem não apresentar alterações endoscópicas. pHmetria intraesofágica de 24h A phmetria intraesofágica se destaca como o melhor método para caracterização do refluxo, sendo usada para o diagnóstico de DRGE não erosiva quando na ausência de esofagite erosiva na EDA. Ela não é indicada, no entanto, para o diagnóstico de esofagite. O monitoramenteo do pH esofágico (considerado padrão-ouro para identificar o refluxo) faz-se por meio da fixação três a quatro cateteres no esfíncter esofágico superior (EES), no esôfago proximal e no esôfago distal, 5cm acima do EEI, registrando todos os episódios nos quais o pH esofágico cai para menos de 4 em um período de 24h. O número e a duração de cada evento ácido, quando combinados, representam o valor do tempo total de contato do ácido com o esôfago. Tempos totais superiores a 5% são anormais e consistentes com diagnóstico de DRGE. Durante o exame, o paciente aperta um botão e marca o início dos sintomas, para que na análise de dados possam ser relacionados com os episódios de acidez esofágica. Isso torna o exame bastante paciente-dependente, o que costuma resultar em muitos falso-negativos, visto que diversos indivíduos alteram sua alimentação (normalmente pouco saudável) durante o período do exame. Sua indicação se mostra como pacientes com sintomas típicos, EDA negativo e pouca resposta ao trata- mento; em pacientes com manifestações atípicas; e em pacientes em pré-operatório de cirurgia antirrefluxo e que possuem
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