16 pág.

Pré-visualização | Página 3 de 7
uma companheira — será a instituição da poli- ginia. Polígamos serão, aí, os chefes políticos, os sacerdotes, os nobres, os guerreiros, os burgueses, enfim, a fina flor da sociedade, a sua nata, e o que dela se aproxime. Mas, vamos supor ainda que, um dia, no seio mesmo dos des- possuídos, surja um Cristo, e que, à base de sua pregação moral ou religiosa, ele valorize a instituição da monogamia, considerando-a a mais moral ou a mais de acordo com a lei divina, ou algo por este estilo. Por certo que a sociedade — e, dentro dela, especial- mente, a sua elite, porque mais diretamente atingida nos seus inte- resses, direitos e privilégios — irá opor, ao profeta dos pobres, uma reação talvez tenaz e impiedosa. Se não há condições objetivas — especialmente económicas — para que a inovação logre vigência, por certo ela será rechaçada sem maiores repercussões. Mas, se condições objetivas existem que tendam a favorecer a mudança proposta — se, por exemplo, uma transformação social ou ecológica determinou ou vem determinando que a prática da poligamia se apresente agora como um costume assaz dispendioso, difícil de manter mesmo para os mais ricos — não será impossível que as valorações coletivas vão, aos poucos, transformando-se, e que, em breve, os costumes jurídicos ou as próprias íeis vão ratificar a prática da monogamia como único sistema matrimonial válido e garantido pela sociedade. Assim, interatuam sociedade e indivíduo. Este último nasce, cresce e vive no meio social, e sofre, de logo, o influxo socializador desse meio em que se vai formando a sua personalidade. Se, para efeito apenas didático, personificássemos a sociedade, diríamos que seu intuito é lograr a socialização integral de todos os indivíduos que a compõem. Mas, esse intento é frustrado em muitos pontos, a socialização integral sendo, mesmo, uma meta impossível, além de indesejável de um ponto de vista ético, porque seria a vitória da massificação e, com ela, do marasmo e da imobilidade mais absolu- los. Como certas zonas da vida individual não chegam a ser intei- ramente socializadas, elas operam o milagre da inovação, tendo que contar, embora, com a oposição da inércia social que, ao menos inicialmente, irá atuar contra a novidade sempre intranqiiilizadora e perturbadora da tradicional acomodação coletiva. Se logra, porém, S O C I O L O G I A J U R Í D I C A 143 nono social da consciência coletiva de maneira coercitiva. é em suas linhas muito gerais, a mecânica da mteracao do social e do individual. CAPÍTULO Hl SOCIEDADE E DIREITO 1) OS VÁRIOS SABERES JURÍDICOS Representante ilustre da filosofia jurídica, contemporânea, que reivindica a fundamentação da autonomia de uma série de inda- gações de caráter filosófico-jurídico, por oposição às concepções posi- tivistas e evolucionistas que durante a passada centúria tentaram absorver as questões filosófico-jurídicas na problemática das várias ciências que tematizam o jurídico, desde suas obras de juventude, Recaséns se tem preocupado, seja com a fundamentação e sistemati- zação da problemática filosófica do direito, seja também com a classificação e diferenciação dos vários saberes jurídicos de caráter científico. Desde, portanto, Los Temas de Ia Filosofia dei Derecho \e 1943, até Vida Humana, Sociedad y Derecho2, sua obra mais mo- derna e mais conhecida, passando pelos Estúdios de Filosofia dei Derecho3, que agregou ao compêndio de Giorgio dei Vecchio, pelo Tratado General de Sociologia4, e chegando até o mais recente Tratado General de Filosofia dei Derecho'', Recaséns tem se ocupado constantemente de estabelecer as relações e as distinções entre os vários saberes jurídicos. 1. Luís RECASÉNS SICHES, Los Temas de Ia Filosofia de Derecho en Perspectiva Histórica y Vision de Futuro, Ed. Bosch, Barcelona, 1934, Caps. I e II. 2. Luís RECASÉNS SICHES, Vida Humana, Sociedad y Derecho — Fun- damentación de Ia Filosofia dei Derecho, Ed. Porrúa, 3-' ed., México, 1952, Cap. I, n." 3. Esta é a edição mais completa e, pois, definitiva da obra; a primeira edição é de 1940. 3. GIORCIO DEL VECCHIO y RECASÉNS SICHES, Estúdios de Filosofia dei Derecho, 2 vols., Ed. LHeha, México, 1946, págs. 25-81. 4. Luís RECASÉNS SICHES, Tratado..., cit., Cap. XXXI, ns. l e 2; cf., também, Lecciones.. ., cit., Cap. XL, n"? 1. 5. Luís RECASÉNS SICHES, Tratado General de Filosofia dei Derecho, Ed. Fornia. México 1959, Cap. III, n." 5. W! A. L. M A C H A D O H t T O Nessa última formulação, Recaséns, aceitando o tridimensiona- lismo do Prof. Miguel Reale, acata também a divisão tripártite dos estudos jurídicos, seja no plano empírico (ciência), seja no filosófico: "El Derecho, como norma humana con vivência formal, será estudiado filosoficamente por Ia Teoria General o Fundamental dei Derecho, y cientificamente será estudiado por Ia Ciência Jurídica Dogmática o Técnicos de Ias diversas partes de un orden jurídico positivo. "El Derecho, considerado como un conjunto de peculiares echos humanos sociales, será estudiado filosoficamente por Ia Culturología lurídica, y cientificamente por Ia Sociologia dei Derecho, en tér- minos generales, y por Ia Historia dei Derecho, en sus concreciones particulares. "Los ternas axiológicos sobre el Derecho serán estudíados, filo- soficamente por Ia Estimativa Jurídica, y en cuanto a Ias aplicacio- nes concretas y particulares por Ia Política dei Derecho"*. Embora seja esta a última formulação do problema em Recaséns, antes de aderir ao esquema de Reale a sua exposição era mais explícita, detendo-se nos pormenores da diferenciação de perspectivas de cada um dos saberes jurídicos. Por esse motivo, vamos acom- panhar as suas exposições anteriores, pois sendo mais explícitas quanto ao tema das in te r-relações, melhor contribuem para o escla- recimento da localização da sociologia jurídica no sistema das ciên- cias do direito. Assim é que, nos Estúdios que acompanham a tradução da obra de Giorgio dei Vecchio, encontramos uma melhor caracterização do cometimento teórico de cada um dos grandes saberes jurídicos e de seus respectivos cultores: a ciência dogmática do direito, a sociologia e a história do direito e, finalmente, a filosofia jurídica; tarefas, respectivamente, do jurista, do sociólogo e do historiador do direito e, por fim, do jusfilósofo ou filósofo do direito. Do jurista, enquanto puro jurista e não mais que isso, dirá Recaséns que expõe qual é o direito vigente, como devemos enten- dê-lo, interpretá-lo e aplicá-lo, não podendo deter-se, nessa condição de puro jurista, na explicação da essência do jurídico e de suas formas e supostos fundamentais, nem empreender a tarefa estima- tiva ou valorativa do ordenamento vigente, que há de aceitar dogmática mente 7. 6. Luís RECASÉNS SICHES, Tratado General de Filosofia..., cit.f pág. 162. 7 GIORGIO DEL VECCHIO, apud Lufs RECASÉNS SICHES, Filosofia ..-, cit.,].? vol. pág. 30. S O C I O L O G I A J U R Í D I C A 403 Suas tarefas — todas dogmáticas — serão: encontrar a norma vigente; interpretá-la; construir a estrutura da instituição; e, final- mente, sistematizar o ordenamento em seu conjunto 8. Bem outra é a perspectiva empírica do sociólogo e do historia- dor do direito. Enquanto o jurista move-se no campo de uma ciência normativa e, como tal, ciência de ideias ou do logos, no entender tanto de Recaséns como da epistemologia jurídica norma- tivista ou racionalista, o sociólogo e o historiador do direito enfren- tam realidades empíricas, condutas humanas objetivas, vida humana objetivada, que tratarão, generalizadora ou individualizadoramente, consoante a diversa índole de suas respectivas ciências. Se, na pers- pectiva da ciência dogmática do direito, este era encarado como puro sentido, como pura norma, na perspectiva empírica da sociologia e dfl história do direito, ele nos aparece sob a forma de fato social. Já a filosofia jurídica teria por