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Oficina de projetos interdisciplinar Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 1 AULA 1 Revisitando a interdisciplinaridade – Parte I A transformação inevitável de uma sociedade industrializada e fragmentada em uma sociedade globalizada, complexa e em constante evolução tecnológica desafia cada vez mais os educadores. A educação, em especial no Brasil, não tem acompanhado, de forma satisfatória, essa transformação. Por um lado, temos alunos de uma geração informatizada, dinâmica e conectada em todas as áreas. Por outro, temos uma estrutura curricular não coerente com essa dinamicidade, porque apresenta disciplinas prontas, isoladas e por vezes desarticuladas, que refletem um mundo segmentado totalmente diferente de fora dos muros da escola e da universidade. O cenário social contemporâneo é notável por três aspectos, como sugere Goergen (1998). O primeiro aspecto é a velocidade e a frequência com que ocorrem as transformações: aquilo que antes teria levado décadas ou séculos, hoje acontece continuamente e em um espaço de tempo muito curto. O segundo aspecto é o aumento considerável da quantidade informação disponível. Por isso, o conhecimento acaba sendo sujeito a escolhas, a recortes restritos da realidade. O terceiro aspecto é a grande capacidade de transmissão e de armazenamento digital de conhecimentos e informações, muitas vezes de forma instantânea. Esses recursos interligaram as sociedades, criando um “mundo em rede”. Nesse cenário, a interdisciplinaridade surge da necessidade de se rever os padrões da educação, que, mesmo inserida em uma sociedade interligada e interdependente, apresenta um paradigma fragmentado, descontextualizado do atual momento histórico. Há um consenso entre professores, pesquisadores, gestores educacionais e a população mais instruída de que, diante desses aspectos do mundo atual, o paradigma de ensino ainda adotado é inviável e ineficaz em todos os níveis, sobretudo no nível superior (PELEIAS et al., 2011). Você já deve ter visto ou conhecido algum aluno de graduação que conclui o curso e, ainda assim, não está preparado para atender às necessidades profissionais do mercado, e acaba procurando outros cursos, outras especializações, ou é levado a pensar que fez a escolha errada desde o início. Geralmente, não há desenvolvimento de um senso crítico e do raciocínio, e o graduado é incapaz de resolver os próprios Oficina de projetos interdisciplinar Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 2 impasses. Isso levanta, inevitavelmente, um questionamento sobre o ensino e os atuais currículos. Nesse sentido, uma formação de base interdisciplinar, como explica Siqueira (2003), “também diz respeito à formação de indivíduos aptos ao novo mundo do trabalho, o qual é marcado por mudanças que se assentam nos saberes e competências dos indivíduos”. Para o autor, essa formação permite que o indivíduo combine conhecimento, competências e percepção ética em um contexto de trabalho marcado pela presença das novas tecnologias. Com base nessa reflexão, as Diretrizes Curriculares Nacionais propõem a adequação dos currículos dos cursos de graduação, apresentando uma organização mais livre e flexível, que deve prever: a) permeabilidade em relação às mudanças que ocorrem no mundo científico e nos processos sociais; b) a interdisciplinaridade; c) a formação sintonizada com a realidade social; d) a perspectiva de uma educação continuada ao longo da vida; e) a articulação teoria-prática presente na indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (PELEIAS et al., 2011). A segmentação do conhecimento em disciplinas, de fato, fazia algum sentido no contexto em que fora criada: a revolução industrial, momento em que surgia a necessidade de mão de obra especializada. Nogueira (1994) explica que, com a industrialização, “as relações sociais de produção e de urbanização estabeleceram desigualdades que são mantidas e explicadas pela dominação”. Além disso, esse caráter de especialização do conhecimento é também consequência de uma tendência epistemológica positivista da época, pela influência de pensadores da modernidade, que promoveram a divisão e a especialização das ciências. Aos poucos, o positivismo e o pensamento cartesiano estabeleceram a ordenação das ciências como sendo o modelo soberano do conhecimento, e quaisquer novos modelos eram desconsiderados. Oficina de projetos interdisciplinar Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 3 Nesse contexto, a escola – e, como extensão, o ensino superior – era concebida, então, como mera transmissora de conteúdos padronizáveis, previamente listados, por meio da disciplinaridade. Os conteúdos disciplinares, segundo Nogueira (idem), poderiam ser transmitidos a todas as pessoas de forma universalmente igual, e levariam à formação adultos igualmente “corretos e bem pensantes”. Sob essas circunstâncias, o papel do aluno é de mero receptor. Ele apenas recebe a instrução do professor e não tem um papel ativo na construção do conhecimento, já que a ênfase é na transmissão. O professor, competente em uma determinada área do saber, não leva o aluno a aplicar de fato o conhecimento desenvolvido em sala de aula. Esse sistema que distancia a teoria da prática social leva à desvalorização da docência, fechando um ciclo vicioso que não contribui para a criatividade, para a crítica e para a reflexão. Assim, com todas as mudanças sociais, o ensino, que manteve um padrão linear e sistemático, vem se distanciando da realidade, seguindo um padrão que separa nitidamente o pensamento e a ação. E mesmo a escola atual, influenciada por esse velho paradigma, ainda resiste às transformações de um mundo globalizado e continua isolando os fatos e transformando o todo em partes que não se interagem.
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