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Oficina de projetos interdisciplinar Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 1 AULA 7 A interdisciplinaridade na prática – Parte III Qual é o papel e a função do professor, então, em uma proposta de docência interdisciplinar? Para refletirmos sobre esse assunto é preciso lembrar, inicialmente, que o projeto interdisciplinar pretende, ao questionar as práticas tradicionais, proceder a uma revisão do ensino, atribuindo à educação o papel de formação de um sujeito crítico, capaz de refletir para enfrentar e solucionar as dificuldades da vida social. Justamente por isso, o professor é um personagem fundamental. Como explica Fazenda (2003, p. 64), “uma proposta de interdisciplinaridade no ensino procura reconduzir o professor a sua dignidade de cidadão que age e decide, porque é na ação desse professor que se encontra a possibilidade da redefinição de novos pressupostos teóricos em Educação. Sediando seu saber, o educador poderá explicar, legitimar, negar e modificar a ação do Estado, condicionando sua ação aos impasses da sociedade contemporânea”. O docente engajado nesse projeto, então, forma os alunos, e não apenas informa. Sempre partindo do contexto sócio-histórico, ele possibilita ao aluno a compreensão dos problemas, porque estabelece uma consciência crítica quanto à fragmentação do conhecimento e da cultura e permite que o aluno enxergue, na prática, a unidade entre fenômenos aparentemente sem relação. Esse processo de ensino-aprendizagem implica um compromisso do professor com o aluno e engloba princípios científicos e valores sociais. Os conhecimentos prévios que os alunos trazem de sua história e de sua bagagem cultural são respeitados e não descartados. O docente organiza seu trabalho levando em conta esses conhecimentos, os interesses e o ritmo dos alunos, atribuindo a eles maior possibilidade de participação e decisão. Nesse sentido, em meio aos desafios que se apresentam, é importante que os professores, ao elaborarem suas estratégias de ensino, procurem estabelecer: “a interconexão dos objetivos; as interfaces dos conteúdos; a interação dos objetivos e os conteúdos por meio de atividades criativas, críticas e emancipatórias” (AZEVEDO; ANDRADE, 2007). Fazenda (2003) levanta, em sua pesquisa, seis fundamentos que se destinam à compreensão de uma prática docente interdisciplinar, sintetizados a seguir: Oficina de projetos interdisciplinar Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 2 1. O movimento dialético: estabelece o diálogo com as próprias produções do docente, o que leva a descobrir possibilidades de inovação e novos pressupostos ainda não revelados. Mostra a importância de se considerar o caráter teórico/prático ou prático/teórico de uma produção interdisciplinar. 2. A memória: é formada pelo registro escrito de textos, artigos, anotações de aula, resenhas, palestras etc. e pela experiência vivida e refeita no diálogo com todos esses trabalhos. A memória possibilita a releitura crítica, sob várias perspectivas, de fatos ocorridos nas práticas docentes. 3. A parceria: surge de uma necessidade de troca ou mesmo de uma insegurança inicial. Possibilita a consolidação da intersubjetividade, ou seja, possibilita que um pensar venha a se contemplar no outro. 4. A sala de aula: nesse espaço, a autoridade é conquistada, e não outorgada; a satisfação, humildade, cooperação, generalidade, companheirismo e produção do conhecimento estão sempre presentes. Assim, a sala de aula interdisciplinar difere da tradicional desde a organização do espaço arquitetônico à organização do tempo. 5. O projeto interdisciplinar: a interdisciplinaridade decorre mais do encontro entre indivíduos do que entre disciplinas. O projeto interdisciplinar pressupõe a presença de projetos pessoais de vida. A escolha da bibliografia é sempre provisória, nunca definitiva. 6. A pesquisa interdisciplinar: não se deve esperar que a pesquisa fique reservada apenas à pós-graduação. Ela permite a cada pesquisador revelar sua potencialidade e competência e possibilita a construção coletiva de um novo conhecimento, prático ou teórico, para os problemas da educação (FAZENDA, 2003, p. 66). Assim, um professor comprometido com uma docência interdisciplinar preocupa-se em ter a competência intuitiva, intelectiva, prática e emocional. Tendo competência intuitiva, ele não se contenta apenas em executar o planejamento elaborado, mas preza pela pesquisa; pergunta sempre, incentivando seus alunos a perguntar e duvidar; lê muito e estimula seus alunos a ler. A competência intelectiva diz respeito à forte capacidade de refletir, imprimindo esse hábito naturalmente em seus alunos: ele ajuda a organizar ideias, classificá-las, defini-las. A competência prática revela a capacidade de organização que o torna um apoio para seus alunos; toda inovação é bem-vinda. Por fim, a competência emocional refere-se ao trabalho docente a partir do Oficina de projetos interdisciplinar Profª. Drª. Ana Maria Ribeiro de Jesus 3 autoconhecimento; existe em seu trabalho um apelo afetivo: ele expõe suas ideias por meio de sentimentos, provocando uma sintonia mais imediata (FAZENDA, apud MONEZI, 2008). Após essa reflexão, como deve ser, afinal, a formação do professor? Na verdade, você não deve pensar em “como”, mas em “quando”: sempre. Somente a formação contínua e efetiva do professor acarretará no seu desenvolvimento profissional e pessoal. Se o conhecimento é dinâmico, o professor também deve perseguir esse dinamismo. Por isso, quando o professor possibilita aos estudantes a prática da pesquisa, da investigação inserida em um contexto complexo real, o aluno aprenderá a enxergar a complexidade de uma “rede” do saber, tornando-se autônomo para tomar decisões em um mundo também em rede. Nessas circunstâncias, o professor não carrega mais a “carga” de ser obrigado a saber todas as coisas e ter todas as respostas, não podendo dizer “não sei” a seus alunos. Como explica Haas (2007), a dúvida é uma das categorias de fundamental importância na prática interdisciplinar: “Experimentar a dúvida ensina-nos a reconhecer que as certezas impedem a escuta sensível da interdisciplinaridade. Temos experimentado frequentemente e recomendamos com insistência que, quando se sentir plenamente certo de algo, o professor deve ‘desconfiar’ dessa certeza e procurar outra resposta, outro caminho possível de resolução. Duvidar não é desconhecer, mas explorar novas possibilidades do saber”. Dessa forma, a docência interdisciplinar permite aos estudantes o desenvolvimento de habilidades e capacidades de pensamento. Como consequência, a aprendizagem é gerada por meio da análise crítica e reflexiva dos “conflitos”, trazidos em jogo pela partilha das diferentes experiências de vida, das diferentes culturas, dos diferentes pontos de vista e ideologias dos professores e dos alunos. A busca por soluções novas e ousadas é inerente à tomada de consciência de um conhecimento gerado pela co- participação e pela prática. A interdisciplinaridade se concretiza, então, na construção do conhecimento vinculado à realidade, na busca incessante dos saberes e na troca entre eles. A partir de uma visão globalizante do processo de aprendizagem, a atitude interdisciplinar insere o ensino, enfim, no contexto da revolução científica e tecnológica inerente ao século XXI.
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