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51 PRÁTICA DOCENTE: conhecimentos que influenciam as decisões didáticas tomadas por professores Iranete Maria da Silva Lima1 Introdução O ensino pode ser visto como uma seqüência de tomadas de decisões pelo professor. Segundo Margolinas (2002, 2005) o ato de decidir, quer seja no nível de macro-decisões ou de micro-decisões, representa um momento muito importante da atividade do professor. Por esta razão a problemática da tomada de decisões pelo professor desperta cada vez mais o interesse dos pesquisadores da área de Educação e, em particular, de Didática da Matemática. O objeto da Didática é a compreensão do processo de aprendizagem na sua totalidade. Ela contempla o estudo das relações existentes entre o professor, o aluno e o conhecimento, o que caracteriza o triângulo didático na acepção de Brousseau (1998). Várias pesquisas em Didática da Matemática destacam o papel do professor na elaboração e aplicação de seqüências de ensino. Nestes momentos de sua atividade o professor toma decisões com a finalidade de favorecer a aprendizagem do aluno. No entanto, quando ele está diante de várias escolhas é confrontado com a incertitude. Qual é a melhor maneira de abordar um conteúdo? Que seqüência didática construir? Que problemas escolher? A partir de uma resposta do aluno, qual é a maneira mais pertinente de conduzir o processo de ensino? Os resultados de um estudo realizado com professores de matemática (LIMA, 2009) mostram que as decisões dos professores se apóiam fortemente no seu conhecimento do conteúdo abordado, na sua experiência com a sala de aula e nas suas concepções de ensino e de aprendizagem. 1 Versão revisada e corrigida do artigo publicado em DIAS, A. A; MACHADO, C. J. S.; NUNES, M. L. S. (Orgs.). Educação, Direitos Humanos e Inclusão Social: currículo, formação docente e diversidades socioculturais. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. Vol. 1, p. 51-67 (Ver Nota publicada no final do texto). 52 Antes de abordar a temática do conhecimento do professor, se faz necessário explicitar o que entendemos pelos termos “escolha” e “decisão”. Para tanto, retomamos um exemplo de Margolinas (1993) no qual a autora faz uma distinção entre eles. Exemplo: se eu digo ao meu vizinho “me passe o sal” e ele executa o que eu digo, ele produziu uma ação, mas não tomou nenhuma decisão. [...] O vizinho educado tinha, no entanto algumas escolhas diante dele: recusar, pegar o saleiro da direita ou o da esquerda [...]. Recusamo-nos a chamar essas escolhas de decisão. Porém, podemos imaginar algumas situações nas quais uma ação tão banal poderia ter todas as características de uma verdadeira decisão (se essa pessoa sabe que o saleiro da direita está ligado a um detonador, e não o da esquerda, por exemplo). Toda decisão é, portanto, ligado a existência de uma escolha. (MARGOLINAS 1993, p. 110- 111). Dessa citação retemos o fato de que um sujeito toma uma decisão somente se ele identifica algumas escolhas possíveis. Assim, consideramos que uma “escolha” é a liberdade ou a possibilidade de optar por um caminho. Por sua vez, uma “decisão” é a ação voluntária de fazer uma escolha, quer dizer, de escolher um caminho preciso dentre os caminhos possíveis. Alguns elementos que podem determinar a tomada de decisões pelo professor Preparando o planejamento de ensino, o professor prevê eventualidades que podem se produzir no momento em que estiver em interação com os alunos. Ele determina os objetivos e escolhe os meios necessários para atingi-los. Assim, ele organiza suas ações futuras em termos de escolha de problemas, determina o tempo e a maneira como os alunos devem trabalhar, dentre outros aspectos. Ele 53 especifica ainda os instrumentos de avaliação que lhe permitirão observar se houve aprendizagem pelo aluno e, também, o funcionamento ou desfuncionamento do dispositivo de ensino colocado em prática. Nessa fase de planejamento, o professor é submetido a várias exigências. Perrin-Glorian (2002) identifica algumas delas: [...] exigências que vêm da instituição escolar (programas, exames, horário previsto…), do estabelecimento de ensino (emprego do tempo na classe, o livro escolar, as outras classes nas quais ele ensina, os colegas…), as necessidades do ensino (avaliação), os alunos (nível escolar, origem social…), e ele mesmo (sua história, seus próprios conhecimentos sobre o conteúdo que ele deve ensinar, suas preferências, sua tolerância ao barulho…) (PERRIN-GLORIAN 2002, p. 221). A tomada de decisões pelo professor dependerá, portanto, da influência de exigências como estas acima citadas. Várias pesquisas no domínio da Didática da Matemática, principalmente na França, estudaram os elementos suscetíveis de influenciar as escolhas dos professores e, por conseqüência, suas tomadas de decisões. Dentre elas, podemos citar os trabalhos de Soury-Lavergne (1998), Margolinas et al. (2005) e Bloch (2005). Esses estudos se apoiaram na classificação de conhecimentos profissionais do professor proposto por Shulman (1986). Nessa classificação, o autor identifica os seguintes conhecimentos: o conhecimento do conteúdo, o conhecimento pedagógico e o conhecimento pedagógico do conteúdo. Essa classificação suscitou várias discussões entre os pesquisadores em Didática por não levar em conta os conhecimentos didáticos. Esses conhecimentos são definidos como a parte do conhecimento do professor que é ligado ao conhecimento matemático a ensinar. Como resultado da discussão, ajuntou-se essa dimensão à classificação de Shulman (ibid.). 54 Assim, Bloch (ibid.) retoma os três conhecimentos da classificação de Shulman (ibid.) e os descreve como a seguir: O domínio das competências matemáticas; Um domínio que podemos chamar didática prática ou prática da didática; O domínio pedagógico das regulações na classe. (BLOCH, 2005, p.2) Apresentamos, a seguir, alguns elementos que podem ser determinantes na tomada de decisões do professor, à luz desses três domínios. Domínio das Competências Matemáticas Essas competências têm origem na formação universitária dos professores, bem como, em outras formações relativas ao domínio da matemática (matemática do ensino básico, da formação continuada…). Para Bloch (ibid.), as concepções do que significa ser “um bom professor de matemática”, construídas pelo professor durante sua experiência como estudante de matemática, podem estar na origem das suas concepções sobre a maneira como a matemática deve ser ensinada. Segundo estudiosos do assunto, as competências relativas a esse domínio são mais evidentes na atividade de um professor iniciante do que na atividade de um professor experiente, o que aponta para o fato de que o professor na sua prática se apóia, também, sobre o conhecimento advindo da experiência. Sobre a matemática e o ensino da matemática, a autora afirma: a) sobre a matemática: Os estudantes adquirem na universidade uma concepção muito formal da matemática: o saber declarado é considerado transparente, mas não funcional […]. Para eles, um teorema 55 tem uma prova, mas não uma justificativa em termo de resolução de problemas porque a teoria matemática é sua própria justificativa [...]. b) sobre o ensino de matemática: Para os estudantes que saem da universidade, uma boa aula de matemática é uma aula frontal, do tipo aula dialogada, onde o professor dita “a lei matemática”. Eles não imaginam que essa lei possa ser contestada ou não ser compreendida, sobretudo,no nível secundário onde intervém apenas a matemática elementar. (BLOCH, 2005. p. 3). Domínio da Didática Prática ou da Prática da Didática Para Bloch (ibid.), esse domínio está ligado à capacidade do professor “de organizar e gerir a atividade dos alunos na classe de forma que eles encontrem efetivamente os elementos do saber matemático visado” (ibid. p. 2). Essa capacidade é ligada tanto aos conhecimentos matemáticos e didáticos quanto ao contrato didático (BROUSSEAU, 1998). Em geral, se supõe que o professor tem uma relação adequada com o saber a ser ensinado. De fato, para realizar um “bom” ensino de matemática, o professor deve ter um bom domínio do objeto matemático. Entretanto, este domínio não é suficiente para que o ensino tenha êxito. Para que isso aconteça é necessário, também, que o professor seja capaz de identificar os conhecimentos que o aluno tem sobre a noção em jogo e as eventuais fontes dos erros. É necessário ainda que ele seja capaz de criar boas situações didáticas com a finalidade de auxiliar o aluno a superar os erros e de lhe permitir o aprendizado de novos conceitos. Em outros termos, é necessário que o professor seja capaz de aplicar uma “intervenção matemática pertinente”. Para Bloch: Uma intervenção matemática é pertinente se ela leva em conta em certa medida a funcionalidade do objeto matemático 56 visado; ou, no caso do ensino, se ela permite, ao menos, progredir na apreensão dessa funcionalidade, com os enunciados de propriedades matemáticas contextualizadas ou não, argumentos apropriados sobre a validade de procedimentos ou sobre a natureza dos objetos matemáticos. (BLOCH, 2005, p. 8) Portugais (1996) afirma que o saber didático contém o saber matemático, porque os conhecimentos didáticos do professor dependem dos seus conhecimentos matemáticos. Assim, o domínio da didática prática mantém uma estreita relação com os domínios das competências matemáticas. A análise desse domínio é, no entanto, de natureza complexa porque depende de um conhecimento específico e de uma situação precisa. Domínio Pedagógico Esse domínio é definido como sendo aquele que é ligado à formação profissional. Os conhecimentos subjacentes a ele correspondem aos conhecimentos pedagógicos, como as concepções de aprendizagem aprendidas nos seus cursos de formação de professores. Antes de abordar as concepções de aprendizagem, retomamos uma questão colocada por Barbin (1991, p. 130): o que aconteceria, por exemplo, se um professor que considera o ensino como produto, fosse convidado a ensinar um conceito na perspectiva de processo? Como elemento de resposta a essa questão, a autora apresenta cinco dificuldades pelas quais esse professor (de matemática) seria confrontado, neste caso: a) Papel da evidência e do rigor. Segundo a autora, o professor seria confrontado com o status do erro do aluno que do ponto de vista do ensino como processo não é considerado uma “falha” do aluno. Pelo 57 contrário, nessa perspectiva o erro é considerado como um dos momentos importantes da construção de conhecimentos pelo aluno. b) Conteúdos do saber. Essa dificuldade tem relação com a “quantidade” de conteúdos que deve ser trabalhado com o aluno. Um professor que percebe o ensino de um conceito como produto, e não como processo, pode julgar o ensino por esse critério inadequado. c) Significado das atividades dos alunos. No ensino de um conceito como processo, a problemática à qual o aluno é submetido para construir seus conhecimentos, deve variar em função do seu nível escolar. Por exemplo, para que um aluno do Ensino Fundamental possa construir um raciocínio matemático, os conceitos devem, às vezes, ser apresentados pelo professor a partir de situações não matemáticas. Barbin (ibid.) assinala que o professor em questão teria, neste caso, a impressão de estar improvisando e não ensinando matemática. d) Significado dos conceitos e dos saberes matemáticos. No quadro do ensino como processo o saber adquire sentido a partir da resolução de problemas, enquanto que o professor que adota o ensino na perspectiva do produto privilegia a abordagem dos conteúdos partindo de definições. Para esse professor, o ensino de um saber matemático a partir da resolução de problemas constituiria uma fonte de dificuldade. e) Significado da demonstração. No quadro do ensino de um conceito na perspectiva de processo, a elaboração de uma demonstração não se reduz, somente, a uma dedução. Trata-se, principalmente, da construção dos objetos matemáticos e do raciocínio matemático. Em contrapartida, numa abordagem onde o saber matemático é caracterizado pelo produto, “a demonstração se reduz a um texto que deve respeitar as 58 formas do raciocínio dedutivo” (ibid., p. 131). O não respeito dessas normas pelo aluno representaria uma grande dificuldade para o professor em análise. Abrimos aqui um parêntese para apresentar, de forma sintética, o Modelo de Níveis de Atividade do Professor desenvolvido por C. Margolinas (MARGOLINAS, 2002, 2005). Este modelo se propõe a explicar as várias etapas da atividade do professor, desde o planejamento, passando pela aula propriamente dita, momento em que ele interage com o aluno, até o momento em que observa o aluno em atividade. Os níveis de atividade previstos neste Modelo são os seguintes: • + 3 Valores e concepções sobre o ensino/aprendizagem projeto educativo: valores educativos, concepções de ensino e de aprendizagem. • + 2 Construção do tema construção didática global na qual se inscreve a aula: noções a estudar e aprendizagem a realizar. • + 1 Projeto da aula projeto didático especifico para uma aula: objetivos, planejamento do trabalho. • 0 Situação didática realização da aula, interação com os alunos, tomada de decisões na ação. • -1 Observação da atividade do aluno percepção da atividade dos alunos, regulação do trabalho atribuído aos alunos. 59 Não pretendemos explorar as possibilidades de utilização deste Modelo, tampouco, as vantagens e limitações de tal utilização. Destacamos, apenas, um dos elementos levados em conta pelo Modelo que é relevante para a nossa reflexão: as concepções de ensino e de aprendizagem adotadas pelo professor. No caso do professor em análise, suas dificuldades poderiam estar ligadas a essas concepções. Consideramos que, independentemente da influência que sofre o professor por fatores de origens diversas, suas concepções sobre a natureza do ensino e da aprendizagem têm papel de destaque nas suas decisões didáticas. Apresentamos a seguir as três principais concepções de ensino e de aprendizagem encontradas na bibliografia de referência em Educação e Psicologia Cognitiva. São elas: a concepção transmissiva, a behaviorista e a construtivista. A constatação de que estas concepções são bastante difundidas entre professores e pesquisadores, nos permite apresentá-las, em grandes linhas, colocando em evidência suas origens, o papel do professor, o papel do aluno, o status do erro e, ainda, como o professor de matemática toma informação sobre a atividade do aluno e como elabora as situações de ensino em cada uma delas. Concepção Transmissiva Nesta concepção o destaque está na natureza do saber. Ela se apóia, por um lado, sobre o Modelo Empirista da aprendizagem (LOCKE, 2001) que supõe que o conhecimento é adquirido pelos seres humanos, inteiramente do mundo exterior. Esse Modelo pressupõe que o espírito humano é virgem na sua origem de todo conhecimento e que este é trazido pela experiência e pelaeducação (ASTOLFI, 1997). Por outro lado, essa concepção se apóia sobre o Modelo de Comunicação e Transmissão Telegráfica desenvolvido por Shannon & Weaver (1949) no qual a comunicação é reduzida a transmissão de uma informação. Assim, segundo essa concepção, a aquisição de um conhecimento pelo sujeito é o resultado de uma transmissão, de uma comunicação e a aprendizagem se faz unicamente pelo acúmulo de informações. 60 Nessa perspectiva, o aluno não é considerado como um ser capaz de encontrar, ele mesmo, os elementos do saber. Ao contrário, ele deve reproduzir o que diz o professor, ficar atento, escutar, anotar, repetir e aplicar o que aprendeu. Em outros termos, ele aprende por imitação e por impregnação (RAGOT, 1991). Por sua vez, o professor é o detentor do saber e deve comunicá-lo claramente ao aluno para que ele possa aprender. Nessa concepção, não há lugar para o erro, que é compreendendo como sendo revelador de um desfuncionamento: ou o professor ensinou mal ou foi o aluno que não compreendeu o que ele ensinou. Mas, em regra geral, o erro é atribuído ao aluno. Ragot (ibid.) afirma que nessa concepção as tarefas propostas aos alunos devem ter como objetivo: levá-lo a praticar o que acabou de aprender e a controlar o domínio do que lhe foi ensinado. Desta forma, o estado de conhecimento do aluno é descrito por uma lógica binária: o aluno sabe ou ele não sabe. Considera-se que quando um aluno tem sucesso na resolução de um exercício, o mesmo deve se reproduzir em todo e qualquer outro exercício que envolve os mesmos conhecimentos. Nessa perspectiva, o sucesso do aluno autoriza o professor a abordar um novo conteúdo e ele acredita que o aluno deve ser capaz de reinvestir os conhecimentos adquiridos na nova seqüência de ensino. Em caso de fracasso, o professor deve recomeçar tudo, repetir e propor muitos exercícios para garantir a aprendizagem do aluno. Concepção behaviorista (comportamentalista) Essa concepção se apóia sobre o Modelo Behaviorista (SKINNER, 1938) que remete ao condicionamento “estímulo-resposta” (PAVLOV, 1927). O princípio desta concepção é que o sucesso do aluno deve ser recompensado (reforços positivos) e o fracasso, ao contrário, sancionado (reforços negativos) e, se possível, evitado porque aprender por reforço negativo é muito custoso (RAGOT, 1991). 61 Nessa concepção a evidência não reside mais na natureza do saber matemático, mas na lógica e no rigor desse saber que determina a organização do ensino. A aprendizagem se faz pela acumulação de saberes e, por sua vez, as relações entre os saberes se fazem naturalmente pela necessidade das ligações lógicas que existem entre si. Nessa perspectiva, o professor deve, segundo a lógica interna do saber, apresentar ao aluno elemento por elemento. Deve, então, ser capaz de decompor o saber em “unidades discretas” e as apresentar ao aluno de maneira tal que ele perceba as ligações entre elas. Este professor tem diante dele a árdua tarefa de conceber exercícios progressivos, de guiar os alunos no seu desenvolvimento e de lhes comunicar as retroações necessárias no encadeamento das etapas da resolução. O essencial do trabalho do professor se faz, então, antes do processo de ensino, quer dizer, antes do momento de interação real com o aluno. Seu trabalho consiste em: escolher um objetivo operacional, decompor em “unidades do saber” e construir uma seqüência de ensino que leve o aluno a desenvolver competências relativas a essas unidades. Além disso, o professor deve elaborar uma forma de controle da aquisição do conhecimento pelo aluno. Nessa concepção, espera-se que o aluno siga o passo a passo da progressão definida pelo professor. Ele não toma, portanto, iniciativas. O importante é que esteja motivado, preste bastante atenção às instruções dadas do professor e que tenha uma boa disciplina no estudo pessoal. O fracasso do aluno não pode ter origem na seqüência de ensino proposta pelo professor, caso ele tenha realizado um bom planejamento e identificado precisamente as unidades mínimas do saber para as quais há, em geral, uma única resposta possível. Assim, o erro é uma responsabilidade do aluno que não acompanhou, não estudou ou não compreendeu. A tomada de informações da atividade do aluno pelo professor se faz a partir da comparação entre o desempenho atual e o diagnóstico anterior. Mesmo antes de haver a “suposta” aprendizagem, o controle dos pré-requisitos lhe permite tomar decisões com relação ao encaminhamento de uma nova 62 aprendizagem. As informações coletadas sob o aval dessa aprendizagem pode conduzir o professor a realizar ações de re-mediação (exercícios individuais, trabalhos suplementares…) se o estado de conhecimento do aluno for avaliado como insuficiente para continuar a aprender. Concepção construtivista Nessa concepção, que se apóia sobre o Modelo Construtivista (PIAGET, 1979), o interesse reside, sobretudo, nas condições de construção do conhecimento pelo aluno, o que lhe confere um status diferente daquele subjacente às concepções precedentes. Aprender significa, portanto, construir conhecimentos. Nesse Modelo, supõe-se que o aluno possua na sua estrutura cognitiva esquemas necessários a sua aprendizagem, o que lhe permite responder de forma adequada às situações que ele já conhece. Dessa forma, o aluno aprende através de sua interação com a situação (o problema). A confrontação a uma nova situação pode provocar um desequilíbrio, quer dizer, um conflito que o levará a uma regressão provisória de seu estado de conhecimento sobre a noção em jogo. A pesquisa pela solução desta situação pode possibilitar a reequilibração e a modificação dos esquemas, favorecendo a construção de um novo conhecimento a partir dos processos de assimilação e acomodação. A Didática da Matemática retém deste Modelo a hipótese da construção de conhecimentos pelo aluno. A Teoria das Situações Didáticas (BROUSSEAU, 1998) retoma a noção de “meio” para modelizar os elementos que sustentam a ação do aluno no processo de construção de conhecimentos. No que concerne à aprendizagem do aluno, o professor deve organizar o encontro deste com um problema que, para resolvê-lo, não dispõe dos conhecimentos necessários. Considerando que o aluno constrói seus conhecimentos a partir do que já sabe, para elaborar uma situação didática eficaz 63 se faz necessário que o professor identifique o estado de conhecimento do aluno sobre a noção estudada, com vistas a favorecer a aprendizagem. Nessa concepção, o aluno de matemática, respeitando-se o nível de escolaridade em que se encontra, exerce as atividades cognitivas de um matemático, ou seja, ele pesquisa, conjectura, explora, verifica e tira conclusões. Em outros termos, ele constrói a matemática. Nesse contexto, o erro é positivado, ele está no coração do processo de aprendizagem porque faz parte da reconstrução do conhecimento. De fato, o estado de conhecimento do aluno pode ser considerado como sendo um sistema em equilíbrio. Assim, toda aprendizagem introduz uma perturbação (desequilíbrio) do conhecimento atual e o erro dá indícios de como o sistema pode se reorganizar e evoluir. O erro é, portanto, um indicador das representações e dos conhecimentos do aluno que se manifestam através da resolução dos problemas propostos. A Didática da Matemática retoma, também, o status do erro do Modelo Construtivista. Brousseau (1983) afirma que: O erro não é somente o efeito da ignorância, da incertitude, do acaso como quer fazer crer as teorias empiristas e behavioristas da aprendizagem, mas efeito de um conhecimentoanterior, que tinha o seu interesse, seu sucesso, mas que, agora, se revela falso ou, simplesmente, inadequado. (BROUSSEAU, 1983, p. 171). A tomada de informação da atividade do aluno pelo professor nessa perspectiva não levará em conta apenas o produto final, mas, sobretudo os procedimentos utilizados pelo aluno. Se o professor objetiva levá-lo a uma situação de aprendizagem, deve antecipar os conflitos que podem surgir, com vistas a auxiliar na superação. Assim, a observação do aluno em atividade se torna para o professor um elemento determinante para a sua tomada de decisões na construção das situações didáticas. 64 Considerações Finais Na sua prática docente o professor é, constantemente, levado a tomar decisões, quer seja no momento da interação real com o aluno, quer no momento do planejamento de aula, de curso ou, ainda, quando observa o aluno em atividade. Nesse artigo refletimos sobre a prática do professor a partir da problemática das decisões didáticas, voltando o nosso olhar para os conhecimentos que determinam essas decisões. Estabelecemos inicialmente a diferença entre os termos escolha e decisão, considerando que uma escolha é a liberdade de optar entre vários caminhos existentes, enquanto que uma decisão é a ação voluntária do sujeito de fazer uma escolha precisa. Refletimos também sobre alguns elementos que podem determinar a tomada de decisões do professor, tomando como referência a prática de um professor de matemática. Dentre os elementos levados em conta na reflexão, apresentamos o domínio das competências matemáticas, o domínio da didática prática ou da prática da didática e, por último, o domínio pedagógico, categoria proposta por Bloch (2005). Tendo em vista a importância acordada pelas pesquisas sobre a influência das concepções de ensino e de aprendizagem na prática docente, dedicamos parte deste artigo a reflexão sobre o papel do professor e do aluno nas concepções transmissiva, behaviorista e construtivista. Nessa reflexão, colocamos em evidência o papel do erro e das informações tomadas pelo professor da atividade do aluno, quer seja no momento da interação, quer quando analisa uma produção deste aluno. Essa reflexão é relevante na medida em que é em função do conhecimento que o professor tem do aluno e do seu funcionamento, como sujeito aprendiz, que ele faz as escolhas e toma suas decisões didáticas com a finalidade de encaminhar, da forma que julga mais pertinente, os processos de ensino e de aprendizagem. 65 Referências ASTOLFI, J. P. L'erreur, un outil pour enseigner, Éd. E.S.F. 1997. BARBIN, E. Les Éléments de Géométrie de Clairaut: une géométrie problématisée. Repères-IREM, n° 4, 1991p. 119-133. BLOCH, I. Peut-on analyser la pertinence des réactions mathématiques des professeurs dans leur classe ? Comment travailler cette pertinence, en formation, dans des situations à dimension adidactique? Actes du Séminaire National des Didactiques des Mathématiques, mars – 2005, Parism 2005. BLOCH, I. L’enseignement de l’analyse à la charnière lycée/université. Savoirs, connaissances et conditions relatives à la validation. Thèse de doctorat de l’Université de Bordeaux 1, 2000. 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Nota a(o) Leitor(a) Prezado(a) leitor(a), Tendo em vista que a revisão textual não foi implementada na versão original (DIAS, MACHADO & NUNES, 2009)i, solicitamos que, para efeito de publicação, a versão anterior seja desconsiderada e substituída pela atual. Cordialmente, A autora i LIMA, I. Prática Docente: conhecimentos que influenciam as decisões didáticas tomadas por professores. In DIAS, A. A; MACHADO, C. J. S.; NUNES, M. L. S. (Orgs.). Educação, Direitos Humanos e Inclusão Social: currículo, formação docente e diversidades socioculturais. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. Vol. 1, p. 51-67.
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