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Maputo, Moçambique - 2014 Emília Vírginia R. I. Noormahomed MaNual dE PaRasItologIa HuMaNa IN P RES S Ficha Técnica Título MANUAL DE PARASITOLOGIA HUMANA Autor Emília Virgínia R. I. Noormahomed Professora Associada Editor Imprensa Universitária Layout e Capa Adérito Ribeiro (Concept) Ilustração Cassamo Moiane Impressão --- Tiragem 500 Exemplares Registo 8132/RLINLD/2014 1ª Edição Maputo, Moçambique 2014 1. Parasitologia geral I. CONCEITOS GERAIS SObRE PARASITA, HOSPEDEIRO E VECTOR E SUA CLASSIfICAçãO DE ACORDO COM OS CICLOS bIOLóGICOS 1. Classificação dos parasitas quanto à dependência em relação ao hospedeiro 2. Classificação dos parasitas segundo o ciclo biológico 3. Classificação dos hospedeiros segundo o ciclo biológico do parasita 4. Vectores e sua classificação segundo o ciclo biológico do parasita II. fORMAS DE ASSOCIAçÕES ENTRE OS SERES VIVOS 1. Associações interespecíficas 2. Delimitações entre associações interespecíficas 3. Parasitismo, Predação e Parasitoidismo III. ESPECIfICIDADE PARASITÁRIA 1. Tipos ou graus de especificidade parasitária 2. Especificidade ecológica e fisiológica 3. Hospedeiro normal e hospedeiro excepcional, reservatórios e portadores da doença 4. Zoonoses, Antropozoonoses, Zooantroponoses e Anfixenose 5. Hospedeiros principais, secundários e acidentais IV. REPRODUçãO PARASITÁRIA 1. Reprodução assexuada 2. Reprodução sexuada 13 23 29 35 ÌnDicE V. MECANISMOS DE DEfESA DO HOSPEDEIRO 1. Mecanismos de defesa do hospedeiro 2. Imunidade antiparasitária VI. ACçÕES PATOGéNICAS DOS PARASITAS 1. Acções patogénicas dos parasitas 2. Mecanismos de evasão ou escape dos parasitas 3. Períodos clínicos e parasitológicos no curso da infecção parasitária VII. IMUNIDADE E HIPERSENSIbILIDADE 1. Hipersensibilidade tipo I ou anafiláctica 2. Hipersensibilidade tipo II ou citotóxica 3. Hipersensibilidade tipo III VIII. NOMENCLATURA E CLASSIfICAçãO DOS SERES VIVOS 1. Classificação dos Protozoários: Reino Protista,Sub-reino Protozoa 2. Classificação dos Metazoários - Reino Animalia - Subreino Metazoa 41 47 53 61 ÌnDicE 2. ProtoZoologia IX. Plasmodium SPP. E A MALÁRIA X. ToxoPlasma GONDII E TOXOPLASMOSE XI. TryPanosoma SPP E A TRIPANOSSOMíASE XII. leishamania SPP. E A LEISHAMANíASE XIII. CryPTosPoridium SPP. E CRITOSPORIDíASE XIV. CyClosPora CAyETANENSIS E CICLOSPORíASE XV. CysToisosPora Belli E CysToissosPoríase XVI. miCrosPoridium SPP. E MICROSPORIDíASE XVII. enTamoeBa hisTolyTiCa E A AMEbíASE XVIII. BalanTidium Coli E bALANTIDíASE XIX. ameBas de vida livre XX. Giardia lamBlia E GIARDíASE XXI. TriComonas vaGinalis E TRICOMONíASE 79 95 101 105 109 115 119 123 127 135 137 141 145 aGRaDEciMEnTOS A concepção e edição deste manual, que aborda o conhecimento científico existente sobre as parasitoses no mundo em geral e em Moçambique, tem como objectivo, colocar à disposição dos estudantes de pré graduação em Medicina e outras Ciências Biomédicas, de uma obra moçambicana única, simples e actualizada. Poderá servir por isso, de material de consulta de es- tudantes de pós graduação e outros profissionais e investigadores que trabalham na área de saúde. Contém conteúdos aprofundados sobre tópicos que por vezes são abordados superficialmente nos livros de Parasitologia existentes. Contudo, é uma obra inacabada pois, ainda existe muita matéria por estudar e esclarecer, sobre estes seres minúsculos, mas extremamente inteligentes chamados parasitas. Por conseguinte, ainda existe muito que escrever sobre os temas aqui abordados, e alguns dos temas, trazemos apenas uma abordagem básica, para recordar aos leitores que os mesmos não ficaram esquecidos nesta obra. Este manual está estruturado em 3 capítulos. O primeiro, faz uma abordagem geral dos Princípios e Conceitos Básicos em Parasitologia, o que nos leva a discorrer um longo caminho pelo maravilhoso e misterioso universo da Parasi- tologia, introduzindo-nos no mundo dos protozoários, helmintos e artrópodes e da interacção que se estabelece entre eles, com o meio ambiente, bem como com o hospedeiro humano e outros. O segundo e terceiro capítulos abordam aspectos específicos relacionados às principais moléstias causadas pelos Protozoários e helmintos respectiva- mente, seu impacto na sociedade e no homem em particular, bem como a situação epidemiológica no país. PREFÁciO Trata-se de uma obra modesta, mas feita com muito afinco, desafiando out- ros colegas a seguir o mesmo exemplo. é uma forma de deixarmos o nosso modesto contributo na sociedade em que vivemos. A mesma será editada e reeditada em formato digital de cinco em cinco anos e, anualmente, em for- mato electrónico, com acesso livre para as instituições de ensino em ciências da saúde em Moçambique. Espero que os nossos docentes e estudantes saibam apreciar o esforço reali- zado e convido a comunidade académica interessada a dar o seu contributo, para o engrandecimento deste modesto manual. Emília Virgínia Noormahomed Prof.ª Associada PREÂMBULO 2. PaRaSiTOLOGia GERaL Parasita é o organismo que vive à custa do outro, o seu hospedeiro e do qual depende fisiológica e nutricionalmente. A palavra parasita é de origem grega “para” = junto a; “sito” = alimento e “logos” = estudo que literalmente significa “ um ser vivo que habita noutro organismo vivente, o hospedeiro e do qual obtém os seus alimentos”. Vectores são artrópodes que transmitem ou veicu- lam agentes infecciosos, parasitários ou não, entre os hospedeiros definitivos destes agentes. Deste modo, a Parasitologia define-se classicamente como sendo a ciência que estuda os parasitas (protozoários, helmintos e artrópodes), os seus hospe- deiros e as relações entre eles. No sentido estrito da palavra, a Parasitologia médica compreenderia o estudo de todos os agentes biológicos que vivem no homem e lhe provocam doença. A palavra médica vem do latim “medicus” cujo significado tem relação com a medicina. Medicina é a arte e ciência de conhecer as enfermidades e de tratá- -las ou curá-las. 1. ClassiFiCaÇÃo Dos Parasitas QUaNto À DePeNDÊNCia eM re- laÇÃo ao HosPeDeiro Desde o ponto de vista da obrigatoriedade mais ou menos estrita da vida pa- rasitária em relação ao hospedeiro, podem distinguir-se três graus de parasi- tismos a saber: 1.1. Parasitas acidentais Quando penetram no corpo de um hospedeiro diferente do seu normal. São animais tipicamente de vida livre e que em determinadas circunstâncias espe- i cOncEiTOS GERaiS SOBRE PaRaSiTa, hOSPEDEiRO E VEcTOR E SUa cLaSSiFicaÇÃO DE acORDO cOM OS cicLOS BiOLÓGicOS 14 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia ciais, de uma forma ocasional ou fortuita podem passar desta vida saprófita, a uma vida parasitária, frequentemente com escassa duração. Recebe também o nome de parasitismo incoativo (de incoare = iniciar, começar). Constituem exemplos destes parasitas, os nemátodos parasitas de insectos que vivem no intestino de aves, roedores ou de cães. São também exemplo, as larvas de algumas moscas que vivem às custas de material orgânico morto com alto conteúdo de gorduras e proteínas (queijos, cadáveres, excretas de animais, etc.) e que podem ser ingeridas acidentalmente ou eventualmente pelo homem e continuarem a viver um certo tempo sem serem digeridas no tracto intestinal comportando-se como parasitas. 1.2. Parasitas Facultativos Tornam-se parasitas, pelo menos por um período quando são acidentalmente ingeridos ou penetram num orifício ou numa ferida. Representam uma maior dependência da vida parasitária e o parasita pode eleger entre a vida livre e parasitária e portanto está adaptado a ambas, como é o caso da larva Fauniascalaris de insectos da latrina que pode viver no canal auditivo do homem. 1.3. Parasitas obrigatórios São aqueles que devem passar pelo menos uma parte da sua vida no hospe- deiro para completar o seu ciclo. Podem ter um período de vida livre fora do hospedeiro, no meio ambiente dentro duma capa protectora, o ovo ou cisto. Isto permite-nos distinguir vários tipos e subtipos de parasitas obrigatórios. 1.3.1. Parasitas obrigatórios intermitentes ou recorrentes São parasitas obrigatórios que só estabelecem contacto ou contactos com os seus hospedeiros durante o tempo preciso para a obtenção dos alimentos que precisam. São típicos representantes deste grupo, os artrópodes hematófagos cuja hematofagia pode ser praticada apenas pelas suas fases adultas (mos- quitos, tabanídeos, etc.) ou bem pelas suas fases juvenis bem como adultas (percevejos, carrapatos). São também designados por micropredadores (mos- quitos e piolhos). Figura1 Ciclo Evolutivo do Plasmodium spp. A fêmea do mosquito anopheles é um parasita obrigatório intermitente ou recorrente 1.3.2. Parasitas obrigatórios estacionários São parasitas obrigatórios que ao contrário dos anteriores, passam uma gran- de parte da sua vida ou toda ela no organismo do seu hospedeiro. Por sua vez e em função de quais são os períodos ou as fases das suas vidas que transcorrem parasitariamente, podem diferenciar-se dentro deste grupo dois subgrupos: 1.3.2.1.a. Parasitas obrigatórios estacionários Permanentes São aqueles cuja vida activa transcorre em toda a sua totalidade no seu ou nos seus hospedeiros sem nenhuma fase ou estádio de vida livre no meio externo. Os áscaris (Ascaris lumbricoides) pertencem a este grupo, já que a única forma do seu ciclo de vida que se encontra fora do hospedeiro é o ovo, onde se desenvolverá mais tarde o embrião e este só abandonará a sua casca logo que encontre um outro hospedeiro onde possa continuar o seu desenvolvimento. Figura 2 Ciclo evolutivo do a. lumbricoides, parasita obrigatório estacionário permanente 15E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana As solitárias (Taenia solium e Taenia. saginata) que para completarem o seu desenvolvimento necessitam do concurso de dois hospedeiros, o homem como hospedeiro definitivo para ambos e o porco e o boi como hospedeiros intermediários respectivamente, são também parasitas estacionários perma- nentes, uma vez que carecem de formas activas de vida livre. Outro exemplo é o do piolho comum, o Pediculus humanus capitis, cujas formas adultas e juvenis vivem permanentemente fixadas aos pelos da cabeça onde se acham também aderidos os ovos ou lêndeas). 1.3.2.2.B. Parasitas obrigatórios estacionários Periódicos São aqueles que se acham num hospedeiro durante alguns períodos ou fases da vida do seu ciclo biológico enquanto que noutras fases levam uma vida livre e activa no meio externo. Dependente de qual a fase do seu ciclo vital que con- duz a uma vida parasitária distinguem-se duas categorias dentro dos mesmos: B.1. Periódicos imaginales (de imago = adulto) Em que as formas adultas são parasitas e as formas larvares ou juvenis vivem livres no meio ambiente. O Ancylostoma duodenale é um nemátodo cujas fases adultas vivem no intestino, mas algumas das suas larvas vivem livres no solo. é portanto, um Parasita estacionário Periódico imaginal porque só as suas formas adultas são parasitas. B.2. Periódicos Protelianos (de pro = antes; teleon = adulto) São aqueles em que só as suas fases juvenis são parasitas. As moscas perten- centes ao grupo dos éstridos s.l., são Parasitas Estacionários Periódicos Pro- telianos, uma vez que somente as suas larvas vivem como parasitas enquanto que os adultos vivem livres no meio e não tomam alimentos durante os poucos dias que sobrevivem graças às reservas nutricionais adquiridas durante a sua fase larvar. 1.3. Hiperparasitismo e Poliparasitismo O hiperparasitismo produz-se sempre que o hospedeiro de um parasita é ou- tro parasita e constituiria deste modo um hiperparasitismo de primeiro grau. Por sua vez, um hiperparasitismo do segundo grau dar-se-ia quando uma parasita parasitasse outro parasita que por seu turno fora doutro parasita. Estes casos não são raros, como é o caso de certos nemátodos, parasitas intestinais de ratos (Aspicularis) que se encontram ocasionalmente parasitados por pro- tozoários amébidos (Entamoeba muris) que por sua vez estão parasitados for fungos (Sphaerita). Neste caso o amébido é um parasita do primeiro grau e os fungos hiperparasitas do segundo grau. o Poliparasitismo por sua vez, refere-se aos parasitismos de um hospedeiro causados simultaneamente por parasitas pertencentes a distintas espécies, quer estejam num mesmo órgão ou em órgãos diferentes. Os poliparasitismos são muito mais frequentes que os monoparasitismos, o que é compreensível, pois muitos parasitas compartem a mesma via de pene- tração no hospedeiro, tal é o caso dos cistos de amebas, dos ovos de áscaris e tricocéfalos que se fazem pela via oral. Ao mesmo tempo, o mesmo hospe- deiro pode ser invadido concomitantemente por outros parasitas e através de outras vias de entrada como é o casos dos hematozoários do paludismo e da tripanossomíase. Um estudo coproparasitário realizado em 269 crianças (dos 6 meses aos 15 anos de idade) da área de saúde de Xipamanine em Maputo em 1997, revelou que 29,74% destas estavam parasitadas por um parasita (monoparasitismo), 25,65% por 2 parasitas e 7,8% por 3 parasitas (multiparasitismo ou polipara- sitismo). 2. ClassiFiCaÇÃo Dos Parasitas segUNDo o CiClo BiolÓgiCo De acordo com os seus ciclos biológicos, os parasitas classificam-se em: 2.1 Parasitas Monoxenos ou de Ciclo Directo São aqueles que requerem um só tipo de hospedeiro, o hospedeiro definitivo, para poderem completar o seu ciclo, qualquer que seja a forma ou estadio evolutivo albergado pelo mesmo e qualquer que seja a forma de transmissão do parasita a outro hospedeiro. São exemplos destes parasitas, a Giardia in- 16 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia testinalis, a Entamoeba histolytica, o Ascaris lumbricoides, o Enterobius vermicularis, o Ancylostoma duodenale, o Sarcoptes scabiei, figura2. 2.2 Parasitas Heteroxenos ou de Ciclo indirecto São aqueles que para completarem o seu ciclo biológico requerem a alternância de dois ou mais hospedeiros, o hospedeiro definitivo e um ou mais hospedeiros intermediários. Por sua vez distinguem-se em : a) Parasitas Diheteroxenos (= 2 hospedeiros diferentes). Neste caso o ciclo desenvolve-se com o concurso de dois hospedeiros, um hospedeiro intermediário e um hospedeiro definitivo. São exemplos destes parasitas as T. solium e T. saginata que têm como hospedeiro definitivo o homem e como hospedeiros intermediários, o porco e o boi respectivamente ou o Plasmodium spp. que tem como hospedeiro definitivo o mosquito e hospedeiro intermediário o ho- mem respectivamente, figura 1. b) Parasitas poliheteroxenos (= vários hospedeiros). São aqueles que durante o seu ciclo evolutivo, além do hospedeiro definitivo, requerem a passagem por dois ou mais hospedeiros intermediários, sendo no último o local onde se desenvolve a forma metacíclica ou infestante. São exemplos deste tipo de parasitas o botriocéfalo Diphyllobothrium latum. Os adultos parasitam o homem e outros animais ictiófagos, através dos quais descarregam milhões de ovos. Quando os ovos chegam a água desenvolve-se dentro deles uma larva ciliada. Esta larva ciliada, o coracídio, é ingerido por um primeiro hospedei- ro intermediário, um crustáceo copépodo do género Cyclops onde sofre uma muda na cavidade geral do mesmo transformando-se numa larva procercóide. Quando determinados peixes ingerem este copépodo, a larva sofre uma nova muda transformando-se em larva plerocercóide e se o homem ingere estespeixes crus ou mal cozidos o ciclo encerra-se com o desenvolvimento de uma larva madura que se transforma em cestóde adulto no intestino do hospedeiro definitivo, Figura 3. Figura 3 Ciclo evolutivo do diphyllobothrium latum, parasita diheteroxeno. 2.3 Parasitas autoheteroxenos São aqueles que têm a capacidade de completar o seu ciclo biológico em um só hospedeiro que por albergar todos os estadios do seu ciclo biológico, cumpre ao mesmo tempo o papel de hospedeiro definitivo e hospedeiro intermediário. Neste caso, não existe nenhuma forma do parasita no meio externo nem formas activas, quiescentes ou de resistência e a passagem a outro hospedeiro tem lu- gar por carnivorismo ou canibalismo. A Trichinella spiralis é o exemplo deste tipo de parasita. Os adultos vivem profundamente mergulhados na mucosa intestinal onde as fêmeas parem as suas larvas e estas por sua vez seguem os diminutos vasos sanguíneos para enquistar-se nas fibras ou células dos músculos estriados. Constitui seu hospedeiro normal o porco, o javali e os ratos que podem infestar-se ao devorar outros ratos mortos (canibalismo) ou outro hospedeiro normal do nemátodo (carnivorismo). As larvas enquistadas nos músculos da presa libertam-se do cisto muscular ao chegar ao intestino do predador e em poucos dias transformam-se em machos e fêmeas adultas. 17E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana nitivo, ou a forma como exercem ou não este papel e as circunstâncias em que o fazem, permite distinguir vários tipos de hospedeiros intermediários a saber: 3.2.1. Hospedeiros intermediários activos Caracterizam-se por serem estes mesmos hospedeiros os que introduzem as formas metacíclicas ou infectantes do parasita no hospedeiro. São também conhecidos como vectores, aplicando-se este conceito para o caso da trans- missão de agentes infecciosos que carecem de sexualidade (vírus, bactérias e tripanosomídeos como o Trypanosoma brucei gambiense e T. B. rhode- siense, causadores da doença do sono e transmitidos pela mosca tsé-tsé. intermediário activo e vector podem também ser usados como sinónimos no caso dos dípteros transmissores das filárias, se se considerar que actuam activamente na transmissão das mesmas. Muitas vezes, utiliza-se de forma errónea ambos termos, vector e intermediário activo para o caso das fêmeas dos mosquitos do género Anopheles, já que no caso do mosquito se bem que ele é um vector que veicula o protozoário, ele é ao mesmo tempo o hospedeiro definitivo e não o hospedeiro intermediário do parasita uma vez que a fase sexuada do Plasmodium spp. ocorre no mosquito. O homem é neste caso o hospedeiro intermediário. 3.2.2. Hospedeiros intermediários Passivos São os hospedeiros que transmitem as formas metacíclicas de um parasita ao seu hospedeiro definitivo sem que realizem algum esforço para que esta transmissão possa realizar-se. O porco e o boi, transmissores da T. solium e T. saginata respectivamente, são exemplos de hospedeiros intermediários passi- vos, já que a transmissão está ligada à ingestão consciente ou involuntária por parte do homem, do hospedeiro intermediário portador da forma metacíclica ou infectante do parasita, figura 5. Outro exemplo, ocorre com a transmissão do Hymenolepis nana através da ingestão de uma pulga de rato (Xenopsylla cheopis), do cão (Ctenocephalides canis) ou do homem (Pulex irritans), portadores da forma metacíclica do céstodo, o cisticercóide. Quando os insectos são ingeridos acidentalmente pelo camundongo ou pelo homem, os cisticercóides completam a sua evolução. Figura 4 Ciclo evolutivo de Trichinella spiralis, parasita auto heterexono 3. ClassiFiCaÇÃo Dos HosPeDeiros segUNDo o CiClo BiolÓgi- Co Do Parasita Hospedeiro é o organismo que alberga sobre si ou dentro de si o parasita. O ciclo biológico do parasita pode ser directo ou indirecto dependendo este se o parasita necessita apenas de um hospedeiro (hospedeiro definitivo) para que o ciclo possa completar-se ou de dois ou mais hospedeiros distintos para que ele ocorra (um hospedeiro definitivo e um ou mais hospedeiros intermediários) respectivamente. 3.1. Hospedeiro definitivo é aquele no qual o parasita atinge a maturidade sexual e nele reproduz-se, quer seja no ciclo directo ou indirecto. No caso daqueles parasitas que carecem de fases sexuadas no seu ciclo biológico o hospedeiro definitivo será aquele onde ocorrem as formas activas ou trofozoíticas. 3.2. Hospedeiro intermediário é aquele onde o estádio larvar, juvenil ou assexuado desenvolve-se, mas não atinge a maturidade. A forma como transportam o parasita ao hospedeiro defi- 18 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia Figura 5 Ciclo evolutivo de T. solium e T. saginata. O porco e a vaca são hospedeiros intermediários passivos. 3.2.3. Hospedeiros intermediários Paraténicos ou de transporte Esta situação ocorre quando o parasita entra no corpo do hospedeiro, vive no estado infestante, mas não se desenvolve até encontrar o hospedeiro definitivo. Estes hospedeiros são muitas vezes necessários para que se complete o ciclo evolutivo do parasita, uma vez que podem servir de ponte ecológica entre o hospedeiro intermediário e o hospedeiro definitivo. Nestes casos, o verme ao ser ingerido torna-se livre no intestino do predador, migra para os seus tecidos e espera nova transferência para outro hospedeiro paraténico ou hospedeiro final. Se um roedor infecta-se com os ovos embrionados do ascarídeo de cães, o Toxocara canis, agente da larva migrans visceral no homem, as suas larvas eclodem no intestino deste e vão alojar-se depois nos tecidos onde permanecem viáveis, mas em estado latente. Se o roedor é devorado pelo cão, as larvas con- tinuam a sua actividade ou desenvolvimento ao chegar ao tubo digestivo deste e depois de passar a corrente circulatória podem desenvolver-se como larvas adultas. O roedor neste caso adquire o papel de hospedeiro paraténico ou de transporte e não é indispensável como hospedeiro intermediário. 3.2.4. Hospedeiros intermediários transitórios O ciclo biológico de um parasita heteroxeno requer a intervenção de um ou mais hospedeiros intermediários para que este se complete. Há numerosos parasitas em que as suas formas metacíclicas não são transportadas por estes hospedeiros intermediários até ao hospedeiro definitivo. Chegando à forma metacíclica, o hospedeiro intermediário deixa à cargo do parasita contactar e iniciar o processo de penetração do hospedeiro definitivo pelos seus próprios recursos. Os esquistossomídeos (Shistosoma mansoni e S. haematobium), agentes etiológicos da bilharziose humana, são diginéticos que usam várias espécies de caracóis na sua evolução que culmina com a produção de larvas metacícli- cas, as furcocercárias, assim denominadas por terem a cauda bifurcada. Uma vez formadas, as furcocercárias, estas abandonam o corpo do caracol, nadam activamente na água e atraídas por diversos estímulos estabelecem contacto com a pele do homem (hospedeiro definitivo), penetrando activamente por via cutânea e passam para os vasos sanguíneos onde alcançam o seu estado adulto. Outros digenéticos como a Fasciola hepatica, abandonam o molusco em estado de cercária e enquistam-se sobre as folhas das plantas aquáticas, transformam-se em metacercárias que mais tarde vão penetrar no homem por via oral quando este ingere os vegetais sobre os quais se enquistou ou ao beber a água con- taminada, figura 6. Portanto, os hospedeiros intermediários transitórios, são os hospedeiros temporais que só permitem que o parasita alcance neles o estado metacíclico ou infestante, mas não se encarregam de passá-lo nem activa nem passiva- mente ao hospedeiro definitivo. 19E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana Figura 6 Ciclo evolutivo de Fasciola hepatica. Os moluscos funcionamcomo hospe- deiros intermediários transitórios 3.2.5. Hospedeiros intermediários Vigariantes São aqueles em que em uma determinada zona geográfica são capazes de substituir com sucesso o hospedeiro habitual, tal como o vigário substitui ao pá- roco nas suas funções habituais. O S. mansoni, originário de África estabeleceu- -se no novo mundo porque aí encontrou espécies de caracóis planórbidos capazes de exercer o papel dos caracóis intermediários africanos. Em contrapartida, o S. haematobium teve a mesma oportunidade de ser introduzido nas Américas com o tráfico de escravos, mas tal não sucedeu por não haver encontrado espécies de caracóis que em África exercem o papel de hospedeiros intermediários transitó- rios do parasita. O mesmo sucede com a doença do sono que está confinada apenas nas zonas tropicais do continente africano devido à falta de glossinas e outros dípteros que poderiam exercer noutras zonas o papel de hospedeiros intermediários activos dos tripanosomas. 4. VeCtores e sUa ClassiFiCaÇÃo segUNDo o CiClo BiolÓgiCo Do Parasita Anteriormente, vimos que a palavra vector no sentido estrito, aplicava-se a artrópodes que transmitem ou veiculam agentes infecciosos, parasitários ou não, entre os hospedeiros definitivos destes agentes, mais concretamente entre os vertebrados. Sob o ponto de vista epidemiológico, é importante distinguir 3 tipos de vectores activos transmissores das formas infestantes. 4.1. Vectores Mecânicos São animais onde o parasita não sofre nenhum e nem tem necessidade de sofrer algum processo evolutivo, nem de multiplicar-se no vector. é um tipo de veiculação mecânica como a que ocorre com os tripanosomas de animais atra- vés de dípteros hematófagos e pode por vezes ocorrer com algumas glossinas ou moscas tsé-tsé ao picar um homem ou animal receptivo e levar na sua trom- pa os tripanosomas que adquiriram recentemente de um hospedeiro infectado. Outro exemplo é o da mosca doméstica que veicula microorganismos ao poisar sobre os alimentos após ter estado em contacto com as fezes, Figura 7. Figura7 Mosca doméstica actuando como vector mecânico 4.2. Vectores Multiplicativos São aqueles vectores nos quais ocorre a multiplicação das formas infectantes nas primeiras regiões do tubo digestivo e esta multiplicação favorece ou facilita a regurgitação do sangue contido no seu proventrículo ou região pré gastrica e com ela a introdução de agentes infecciosos que arrasta em seu retrocesso 20 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia às peças bucais, podendo desta forma passar a outro hospedeiro potencial quando é picado por este vector. Isto acontece por exemplo com as pulgas dos bacilos causadores da peste. Quando a Yersinia pestis chega ao proventrículo da pulga multiplica-se acti- vamente no mesmo e impede a acção da válvula que evita o refluxo de sangue contido no estômago em condições normais. 4.3. Vectores Cíclicos ou Biológicos Diferenciam-se dos dois tipos anteriores porque antes da serem veiculado, o parasita deve sofrer alterações evolutivas que o transformem em formas infec- tantes ou metacíclicas, as únicas capazes de propagar o parasita a um novo hospedeiro definitivo quando introduzidos pelo vector. Este processo pode ser simples ou combinar-se com a multiplicação de alguma forma ou estadio do parasita que evoluciona nele distinguindo-se assim dois tipos: 4.3.1. Vectores Cíclicos evolutivos Quando a forma que entra sofre apenas uma evolução no vector, de tal forma que depois de passar por vários estadios evolutivos no mesmo, produzir-se-ão um número de formas metacíclicas igual ao das formas adquiridas pelo vector no hospedeiro. é o caso que ocorre em dípteros, (mosquitos, tabanídeos) que actuam como vectores das filárias, Figura 8. O vector ao sugar o sangue do hospedeiro definitivo, o homem, ingere com ele as microfilárias que vão sofrer três mudas na cavidade geral do díptero e por fim passa para um quarto estadio que se vai alojar na trompa. é a forma metacíclica e infectante para o novo hospedeiro definitivo. Figura 8 Ciclo evolutivo da oncocerca volvulus. Os dípteros da família Simulidade são vectores cíclicos evolutivos 4.3.2. Vectores Cíclicos Multiplicativos Neste caso, a forma tomada pelo vector deve também evoluir, mas antes de sofrer esta evolução em alguma fase ou estadio evolutivo haverá multiplicação do parasita e consequentemente a multiplicação de formas metacíclicas capa- zes de passar a um novo hospedeiro vertebrado e em número muito maior que aquele que foi tomado pelo artrópode vector. Este tipo de veiculação acontece por exemplo com os vectores que transmitem a leishmaniose (flebótomos), a tripanosomíase ou doença do sono (glossinas), figura 9 e malária (anophelinos). Figura 9 Ciclo evolutivo do Trypanosoma spp. A mosca Tsetsé funciona como vector cíclico multiplicativo 21E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana Em jeito de conclusão, enquanto que na veiculação mecânica a transmissão dá-se imediatamente depois que o vector tomou os parasitas do vertebrado que constitui a fonte, nos restantes tipos é necessários um certo tempo, dias ou semanas, para que o vector esteja em condições de passar as formas me- tacíclicas ou infestantes a um novo hospedeiro. “o hospedeiro é uma ilha invadida por estranhos com diferentes necessidades em alimentos e diferentes localizações para procriar” Taliaferro Os animais nascem, crescem, reproduzem-se, envelhecem e morrem indivi- dualmente. Normalmente a espécie adapta-se, evolui e permanece como uma população ou grupo. Diversos factores regulam estes fenómenos individuais e populacionais que procuram em última instancia garantir melhores condições de sobrevivência (alimento e abrigo). Com esta finalidade, muitas espécies passam a conviver num mesmo ambiente, gerando associações ou interacções que podem ou não interferir entre si. Estas associações podem ser intraespecí- ficas e interespecíficas. As associações intraespecíficas ocorrem quando indivíduos da mesma espécie reunem-se em grupos (colónias, cardumes, manadas, rebanhos), enquanto que as associações interespecíficas são aquelas que ocorrem entre indivíduos de espécies diferentes. A Parasitologia é pois a ciência que estuda fundamentalmente a simbiose, ou seja a relação que se estabelece entre seres vivos pertencentes a espécies distintas. Figura 10 Convivência entre diversas espécies no mesmo ambiente ii FORMaS DE aSSOciaÇÕES EnTRE OS SERES ViVOS 24 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia 1. assoCiaÇões iNteresPeCíFiCas Alguns autores restringem a definição de simbiose ao tipo de associação onde ambos intervenientes beneficiam-se, mas simbiosis sensu latum é aquela em que qualquer que seja a modalidade da associação, os associados vivem for- çosamente ou facultativamente durante uma parte ou totalidade das suas vidas associados. Assim, quaisquer organismos vivendo juntos são simbióticos. A associação pode ser de longa ou curta duração e pode beneficiar ou prejudicar um dos associados ou ainda trazer benefícios para ambos simbiontes. Habitual- mente os simbiontes são de diferentes espécies. Tomando em consideração o carácter obrigatório ou não da dependência recíproca ou unilateral que se estabelece entre eles, o tipo desta dependência (fisiológica ou trófica, ecológica ou mista), o carácter vantajoso, prejudicial ou indiferente da associação entre os associados estabelecem-se dentro desta simbiosis s.l, várias categorias de associações interespecíficas: comensalismo, foresia, mutualismo facultativo, simbiosis sensu strictum e parasitismo, figura 11. Figura 11 Ilustra as diferentes formas de associação interespecíficas Além disso, as associações interespecíficas são mais complexas e por vezes difíceis de defini-lase quando se tenta enquadrar em algum exemplo nem sempre resulta fácil ou factível fazê-lo. 1.1. Comensalismo é um tipo de associação bastante frouxa onde cada parceiro ou pelo menos um deles, o parasita, tira proveito da convivência para melhorar as suas condições alimentares. O hospedeiro não beneficia desta associação, mas tão pouco é posto em perigo. Comensais são literalmente os que comem à mesma mesa. Quando o comensal situa-se na superfície do hospedeiro denomina-se ecto- comensal e quando situa-se internamente, denomina-se endocomensal. A Entamoeba gingivalis é um exemplo de endocomensal que vive na cavidade bucal do homem, alimentando-se de bactérias, partículas alimentares e células epiteliais mortas e nunca causando dano ao hospedeiro. De acordo com o tipo de vantagens obtidas pelo comensal esta associação pode ainda subdividir-se em 3 modalidades: 1.1.1. Comensalimo simples ou Fisiológico é aquele tipo de comensalismo em que a vantagem está focalizada na obtenção de alimentos. Um caso típico é o dos peixes pilotos (Naucrates ductor) e os tubarões. Os peixes pilotos nadam diante dos tubarões seguindo os seus rumos, que são capazes de perceber ou prever e estão sempre atentos para alimentar- -se dos restos dos peixes que os tubarões capturam e devoram. Para o tubarão este aproveitamento nutricional do seu comensal é-lhe totalmente indiferente, já que se trata de fragmentos da peça devorados destinados a perderem-se se o peixe piloto não os aproveitar. 1.1.2. Comensalismo ecológico é aquele em que o comensal obtém do seu associado protecção ou alojamento. As holotúrias ou cohombros do mar são equinodermos que vivem com fre- quência em bandos numerosos frequentados por uns pequenos peixes perten- centes ao género Fierasfer. Raramente vêem-se estes peixes durante o dia, já que passam quase o tempo todo escondidos nas cloacas das holotúrias, a salvo dos seus predadores. Apenas de noite abandonam este refúgio ou mora- da para buscar alimento, regressando para dentro da holotúria o mais rápido possível tão pronto se aproxime algum peixe que os possa devorar. Este tipo 25E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana de comensalismo também é denomina inquilinismo. Outro tipo de vantagem nesta associação pode ser o de transporte conhecen- do-se esta modalidade com o nome de Foresia que vem do grego (phoresis = acção de levar). Este é o caso do peixe piolho que fixa-se ao corpo do tubarão e deixa-se transportar passivamente enquanto este persegue os cardumes de peixes que servem para alimentação de ambos. Também é o caso da implantação lateral no corpo dos caranguejos de água doce do Simulium naevei, agente transmissor de Oncocerca volvulus. Estas larvas beneficiam-se dos deslo- camentos dos caranguejos para assegurar melhor alimentação durante toda a fase do seu desenvolvimento aquático. A mosca Dermatobia hominis, cujas larvas constituem o berne (miíase cutânea) deposita os seus ovos sobre o abdómen de insectos hematófagos (anofelinos e culicíneos) que aí ficam cimentados e embrionam. As larvas que se formam nesse ovo aproveitam-se do voo dos mosquitos e no momento em que estes estão picando as pessoas levantam o opérculo ovular e agarram-se à pele onde vão penetrar e viver durante algum tempo. Tanto no Comensalismo, como na Foresia, a associação costuma ser tempo- rária e geralmente não é obrigatória por parte de alguma das espécies. Cada qual mantém a sua dependência orgânica, ingere, digere e metaboliza os alimentos que em virtude da convivência consegue mais facilmente ou em condições de maior segurança. 1.1.3. Comensalismo Misto ou Fisiológico-ecológico é aquele tipo de associaçao onde ocorre a obtenção de abrigo ou protecção e alimento. Este é o caso da associação observada entre um anelídeo mari- nho (Neirelepas fucata) e um caranguejo ermitano, o Pagurus bernardus. O caranguejo, por ter o abdómen mole protege-se dos seus predadores introdu- zindo-se nas conchas vazias de caracóis marinhos. Em algumas das conchas ocupadas pelo caranguejo, encontra-se um anelídeo usualmente no fundo da concha. Este anelídeo, abandona o fundo da concha logo que o caranguejo tenha capturado uma presa e começa a devorá-lo e aproveitando-se o anelídeo para sua nutrição dos restos que caem das peças bucais do caranguejo, obten- do deste modo benefícios ecológicos e tróficos da sua vida em comum com o caranguejo. Noutros tipos de associação como no parasitismo, mutualismo e simbiose as relações que se estabelecem entre duas espécies são muito mais íntimas. Essa intimidade manifesta-se por um contacto permanente e ao nível histológico, enquanto durar a convivência. Mas o que distingue estas formas de relações interespecíficas, (parasitismo, mutualismo, simbiose) das do comensalismo é o grau de dependência meta- bólica, encontrando-se o metabolismo de uma espécie vinculado ao de outra. O vínculo é primordialmente de natureza nutritiva, retirando o parasita do ani- mal parasitado todos ou parte dos materiais de que necessita. Os parasitas externos ou ectoparasitas (são parasitas que vivem sobre a superfície do hospedeiro causando infestação) como a Tunga penetrans e obtêm o oxigénio directamente do exterior. O vínculo metabólico não se limita ao facto de ser o organismo do hospedeiro, o único meio em que o parasita possa obter tudo ou quase tudo quanto neces- sita para a sua nutrição. No decurso da adaptação às novas condições de vida o parasita acabou por perder na maioria dos casos a capacidade de sintetizar um ou mais produtos essenciais ao seu metabolismo. Assim, não só os alimentos, mas também a falta de enzimas determinam a dependência parasito-hospedeiro. A falta de determinadas enzimas nos césto- des, implica que estes tenham dependência dos sucos digestivos dos animais que os albergam. Os Tripanosomas e outros protozoários perderam a capacidade de sintetizar moléculas de porfirinas, que quando ligadas ao ferro constituem ferroporfirina e fazem parte do sistema respiratório (citocromos) de todas as células animais e vegetais com metabolismo aeróbico. A sua sobrevivência ficou assegurada por serem habitantes do sangue ou tecidos onde encontram já formada na mo- lécula da hemoglobina ou dos citocromos a fracção de porfirina indispensável ao seu metabolismo. O mutualismo e a simbiose podem ser considerados formas particulares do parasitismo. 26 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia 1.2. Mutualismo No mutualismo, o hospedeiro utiliza para o seu metabolismo alguns dos produ- tos elaborados pelo organismo associado pelo que este lhe traz benefícios. Por isso, a convivência além de íntima e duradoira é respectivamente vantajosa. Este benefício pode ser ecológico, trófico ou misto. Esta associação não tem carácter obrigatório. Alguns caranguejos ermitanos, refugiam-se em conchas de caracóis nas quais se encontram implantadas actínias ou anémonas de mar, cnidários sésseis, cujos tentáculos peribucais estão providos de umas células dotadas de filamentos urticantes (cnidoblastos) que actuam como armas defensivas frente aos seus depredadores. A presença destes cnidários protege os caran- -guejos dos seus numerosos predadores, ao mesmo tempo que o cnidário ob- tém do seu associado, como benefício recíproco os resíduos das presas que devora o caranguejo. 1.3. simbiose ou Mutualismo obrigatório Seria a forma extrema de associação interespecífica em que a dependência recíproca chegou ao ponto de nenhuma das duas espécies poder viver em condições naturais isolada da outra. A presença de infusos entodinomorfos (bactérias) no estômago dos rumi- nantes é considerada uma associação simbiótica estrita. Estes infusos, graças às suas celulases, são capazes de digerir a celulose presente na dieta vegetal destes animais, cuja cavidade digestiva é para estesinfusos um biótopo obri- gatório, em que obtêm do associado tanto nutrientes como alojamento. Por sua vez a medida que estes infusos morrem, os seus cadáveres constituem uma parte importante do aporte proteico que o ruminante ingere e que pode repre- sentar entre 50-100 gr/dia de proteínas para uma rés adulta. 1.4. Parasitismo É toda a relação ecológica desenvolvida entre indivíduos de espécies dife- rentes, em que se observa para além da associação íntima e duradoira uma dependência metabólica de grau variável. O parasitismo caracteriza-se: • por um dos associados, o hospedeiro ser maior e mais robusto que o outro, o parasita; • por a associação ser somente obrigatória para o parasita, pelo menos em algum estadio ou fase do seu desenvolvimento ou ciclo vital; • por só o parasita resultar beneficiado desta associação, a partir da qual não somente obtém a sua alimentação directamente do outro associado ou hospedeiro, mas também o converte em seu habitat. Alguns parasitas estabelecem esta associação com uma duração muito escassa, apenas a suficiente para tomar do hospedeiro os alimentos que necessitam; finalmente e como consequência da característica anterior, o hospedeiro resulta prejudicado ao estabelecer-se a associação pelo facto de que são os seus próprios tecidos ou as substancias que está preparando para cobrir as suas necessidades nutricionais ou metabólicas as que constituem a fonte de nutrientes para o parasita. Os danos manifestam-se apenas em alguns casos, noutros podem afectar o estado fisiológico do hospedeiro, dependendo o grau de desequilíbrio de variadas e complexas circunstancias dependendo tanto do parasita como do hospedeiro. Assim, foram propostas várias definições de parasitismo, entre elas algumas que incluem o conceito de patogenicidade. A patogenicidade não é um carácter obrigatório nem universal de todos parasitismos. Considerando que a patoge- nicidade é um carácter potencial dos parasitas e que nem sempre se expressa, podemos definir o parasitismo como uma associação entre espécies diferentes (do tipo sinecológico) que se estabelece entre dois organismos heteroespecífi- cos, parasita e hospedeiro, durante uma parte ou totalidade dos seus ciclos vi- tais. nesse período o parasita vive às custas do seu hospedeiro, que é utilizado como um biótipo temporal ou permanente, deixando-lhe além disso a função de regular uma parte das suas relações com o meio ambiente e inclusive o seu próprio desenvolvimento. O parasita não só utiliza o seu hospedeiro como habitat temporal ou perma- nente, mas também depende deste como fonte alimentar para o qual utiliza os tecidos do seu hospedeiro ou outras formas de nutrição que o hospedeiro está 27E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana metabolizando continuamente para cobrir suas necessidades energéticas e plásticas, donde resulta um dano pelo menos potencial para o seu hospedeiro. O grau de parasitismo permite imaginar uma escala que vai desde depen- dência metabólica quase zero, passando pelos que requerem um ou mais factores de crescimento do seu hospedeiro, até dependência total em 100% em que os parasitas vivem inteira e permanentemente no meio interno de outra espécie (vírus e bacteriófagos). A dependência dos parasitas em relação ao hospedeiro, abarca aspectos am- plos e variados, incluindo a faceta nutritiva-metabólica. Dependem também da produção por parte dos hospedeiros de sinais ou estímulos que asseguram a sua entrada e correcta migração para alcançar o sistema orgânico que vai constituir seu habitat definitivo. As interacções manifestam-se inclusive por uma depen- dência dos sinais emanados pelo hospedeiro de origem endócrino em alguns casos que vão regular o processo de desenvolvimento e reprodução e facilitam a aparição em momentos mais oportunos das formas ou estadios do parasita encarregadas de assegurar a sua perpetuação em novos hospedeiros. Por tudo isto, é evidente que é difícil para não dizer impossível, decidir o grau de dependência que se poderia atribuir a cada parasita em particular e muito menos naqueles casos em que uma espécie de parasita é capaz de estabele- cer associação com diferentes espécies de hospedeiros. 2. DeliMitaÇões eNtre assoCiaÇões iNteresPeCíFiCas Finalmente, as associações interespecíficas examinadas são categorias mais ou menos artificiais para fins académicos, não existindo em parte entre elas limites ou fronteiras bem delimitadas e satisfatórias, mas sim terrenos de ninguém em que umas e outras se sobrepõem e confundem. Com o transcurso do tem- po, uma associação determinada de carácter facultativo pode converter-se em obrigatória e vice-versa e consequentemente mudar de categoria. Alguns protozoários (amebas e flagelados) do intestino grosso do homem são considerados por muitos como simples comensais por pensar-se que o único que obtêm do homem é um habitat idóneo aonde podem viver e multiplicar-se. Não obstante, o seu status não está de todo definido, já que existe um certo grau de dependência com seu hospedeiro, uma vez que em condições naturais são incapazes de viver fora do cólon. Em geral, quando se analisa o parasitismo duma forma meramente antropo- cêntrica, pensa-se sempre nos aspectos negativos que as associações interes- pecíficas comportam, ignorando-se os aspectos positivos que estas mesmas associações trazem, como o papel exercido pelos parasitas na conservação do equilíbrio constante e dinâmico das populações de muitas comunidades animais. Os parasitas e os predadores regulam o número e a qualidade dos membros componentes dessas comunidades ou populações, porque a não ser assim, estas aumentariam sem limite sempre que houvesse alimentação suficiente. Ao mesmo tempo, a qualidade genética global das populações decairia, por conservarem-se nelas indivíduos debilitados física e mentalmente e capazes de propagar essas debilidades aos seus descendentes e em último extremo levar à sua extinção. Ao parasita não interessa matar o seu hospedeiro. Sua acção letal e a dos predadores, circunscreve-se em geral sobre os indivíduos mais débeis dessa população, fazendo com que sejam eliminados destas mesmas populações, aqueles indivíduos que seriam potencialmente responsáveis através dos seus descendentes da deterioração genética da qualidade das mesmas. 3. ParasitisMo, PreDaÇÃo e ParasitoiDisMo Além das diferenças assinaladas anteriormente, entre o parasitismo e os res- tantes tipos de associação, é necessário clarificar que existem diferenças entre Parasitas, Predadores e Parasitoides. Um predador distingue-se do parasita, por ser maior e mais potente que o seu associado, a presa, embora hajam algumas excepções. O contacto que se 28 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia estabelece entre o hospedeiro e a presa é por um tempo muito curto, no qual o predador necessita causar morte ou agonizar a sua presa para poder devorá-la. Há autores que consideram os artrópodes hematófagos (mosquitos, tabanídeos, carrapatas, etc.) como predadores em pequena escala, denominando-os de micropredadores, porque alimentam-se dos tecidos (sanguíneo) das suas ví- timas através de um contacto de muito curta duração. Neste caso a vítima é muito mais robusta e permanece viva durante e depois do acto. Um Parasitóide caracteriza-se e diferencia-se dos parasitas e predadores por serem apenas as suas formas juvenis ou larvárias que vivem à custa do outro organismo vivente e por habitualmente este outro organismo ser uma forma também juvenil de outra espécie que se bem acaba sendo devorada pelo parasitóide, tal ocorre depois de um tempo mais ou menos longo por serem os órgãos da vítima de menor importância vital os que são afectados em primeiro lugar. Os parasitóides típicos são os insectos da ordem dos Himenópteros que secaracterizam por iniciar o seu desenvolvimento larvário como parasitas de for- mas imaturas de outros insectos e que terminam como depredadores, já que no final do seu desenvolvimento acabam com a vida do organismo às custas do qual se nutrem. A especificidade parasitária é uma característica do parasitismo. É a especifi- cidade da associação que sempre se apresenta entre espécies diferentes. A especificidade dos parasitas em relação aos seus hospedeiros é determinada pelo grau de dependência dos primeiros em relação aos segundos e é conse- quência do processo evolutivo ocorrido em paralelo de uns e outros e que foi tendo lugar à medida que as espécies foram evoluindo. A especificidade parasitária não constitui propriedade absoluta, mas sim, a expressão de uma harmonia pré estabelecida entre o hospedeiro e o parasita. Esta especificidade é relativa e contingente, existindo grupos extensos onde ela é estrita. A especificidade parasitária, pode ainda apresentar-se diferente para um mes- mo parasita no caso dos parasitas heteroxenos, segundo se trate do hospe- deiro definitivo ou intermediário e apresentar-se com várias gradações, indo desde a alta especificidade à baixa especificidade, até aqueles hospedeiros onde não ocorre o desenvolvimento do parasita. Seja qual for o tipo de especificidade, filogenética ou ecológica de um parasita em relação ao seu hospedeiro e seguindo um grau de especificidade decrescente podem distinguir-se 4 tipos de especificidade parasitária, cujos limites não estão claramente definidos, já que apoiam-se por vezes em critérios subjectivos. 1. tiPos oU graUs De esPeCiFiCiDaDe Parasitária 1.1 Parasitas oiexenos (de oios = só, único; xenos = hospedeiro) São aqueles parasitas com um grau de especificidade muito restrito e em que ele só pode viver e desenvolver-se numa única espécie de hospedeiro. São iii ESPEciFiciDaDE PaRaSiTÁRia 30 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia exemplos de estes parasitas as solitárias humanas (T. solium e T. saginata), o A. Lumbricoides e o E. Vermicularis, Figura 12. O homem é o único hos- pedeiro definitivo conhecido destes parasitas no seu estadio adulto. O mesmo ocorre com os piolhos humanos, tanto da cabeça (Pediculus h. capitis), como os piolhos do corpo ou da roupa (P. h. corporis). Figura 12 Ciclo evolutivo do enterobius vermiculares, parasita oiexeno 1.2. Parasitas estenoxenos (de stenos = estreito; xenos = hospedeiro) São parasitas restritos, parasitando portanto, hospedeiros restritos perten- centes ao mesmo grupo zoológico ou grupos zoológicos muito próximos. O Echinococcus granulosus, agente etiológico da hidatidose humana, pode ser considerado como fazendo parte deste grupo, uma vez que parasita exclusivamente a caninos do género Canis, estreitamente relacionados com o cão doméstico (C. Familiaris, cão; C. Lupus, lobo; C. Latrans, coiote), figura 13. A Fasciola hepatica, agente etiológico da fasciolose humana e animal, o é com relação aos seus hospedeiros intermediários, os caracóis pulmonados aquáticos do género Lymnea. Figura 13 Ciclo evolutivo do echinococcus granulosus, parasita extenoxeno 1.3. Parasitas oligoxenos (de oligos = escassos, raros; xenos = hospedeiro) São parasitas que apresentam um grau de especificidade mais amplo que os anteriores, mas os seus hospedeiros guardam um grau de parentesco notável desde o ponto de vista filogenético, normalmente agrupados dentro da mesma família. As babesias, agentes etiológicos da babesiose dos animais domésti- cos, devem em relação ao seu hospedeiro vertebrado, ser considerados como parasitas estenoxenos (o seu ciclo biológico desenvolve-se em cães e outras espécies do género Canis, ovelhas e outras espécies do género Ovis, etc.) e quando se considera o seu parasitismo em relação aos vectores, devemos considerá-los como oligoxenos por serem capazes de evoluir em distintas espécies de carrapatas incluídas em diferentes géneros da família ixodidae. O Toxoplasma gondii é outro exemplo de parasita oligoxeno quando se trata do hospedeiro definitivo representado pelo gato e outros felinos, Figura 14. 31E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana Figura 14 Ciclo evolutivo do T. gondii, parasita oligoxeno em relação ao hospedeiro definitivo e eurixeno em relação aos hospedeiros intermediários. 1.4 Parasitas eurixenos (de eurys = amplo; xenos = hospedeiro) Noutros casos, os parasitas mostram um grau de especificidade muito laxo ou reduzido com respeito aos seus hospedeiros, e são portanto encontrados em uma série de hospedeiros distintos, pertencentes a grupos zoológicos distancia- dos. é o caso que ocorre com a F. hepatica, se considerarmos o seu parasitismo nos hospedeiros definitivos (bovinos, ovinos, suínos, equinos, humanos, etc.). O Toxoplasma gondii, é também um parasita eurixeno quando parasita seus hospedeiros intermediários (mamíferos, aves domésticas e selvagens e o ho- mem), mas pelo contrário pode incluir-se dentro dos parasitas estenoxenos ou oligoxenos em relação aos seus hospedeiros definitivos (o gato e felinos selvagens exclusivamente) segundo as relações de afinidade mais ou menos estreitas que se considerem que existem entre os mesmos, figura 14. 2. esPeCiFiCiDaDe eColÓgiCa e FisiolÓgiCa A resistência natural a uma infecção parasitária é determinada pela desadap- tação de uma espécie ou estirpe de parasita a um determinado hospedeiro. Na sua forma mais convencional, envolve uma incompatibilidade fisiológica entre o parasita e o meio proporcionado pelo hospedeiro, que impede a invasão e o estabelecimento ou sobrevivência do parasita. Todavia, a resistência natural pode também resultar da não exposição do hospedeiro às formas infectantes dos parasitas (em virtude da sua distribuição geográfica, características com- portamentais e hábitos nutricionais). Esta é a razão da resistência natural do homem a muitos parasitas. Para que indivíduos de uma espécie possam ser hospedeiros de um determi- nado parasita duas condições têm que ser cumpridas a saber: 2.1. Especificidade Fisiológica Especificidade fisiológica é aquela em que o hospedeiro supre a falta de enzimas de que o parasita não dispõe, ou proporciona substratos necessários à nutrição deste, ou alguma outra circunstância fisiológica exigida pelo parasi- ta. Estas condições fisiológicas podem ser fornecidas por muitos animais que facilmente podem ser infectados no laboratório (animais susceptíveis), mas que na natureza não são hospedeiros desse mesmo parasita. Tais hospedeiros susceptíveis são denominados hospedeiros experimentais. 2.2. Especificidade Ecológica Especificidade ecológica, é aquela em que o hospedeiro tem que pelo menos temporariamente, ocupar o mesmo biótipo onde ocorrem as formas infectantes ou os vectores do parasita. Por exemplo, o camundongo é um animal muito utilizado no laboratório para a manutenção do ciclo do S. mansoni, mas na natu- reza este animal nunca se encontra infectado por este parasita, pois não frequenta as colecções de água onde os moluscos (hospedeiros intermediários) libertam as formas infectantes, as cercárias. Um número de chances deve ser proporcionado para que haja um contacto in- fectante. Tais chances aumentam com a densidade de indivíduos susceptíveis e com a abundância de formas infectantes do parasita (ovos, cistos, larvas, etc.) ou de animais transmissores infectados (moluscos, insectos, etc.). Os hábitos alimentares do possível hospedeiro e os hábitos dos transmisso- res condicionarão a maior ou menor transmissão da parasitose. Os insectos vectores de algumas parasitoses humanas são mais eficientes se têm o hábito de invadir as casas, tal é o caso dos mosquitos transmissores da malária, ou 32 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologiaquando se adaptam a viver no próprio domicílio humano, como é o caso dos triatomíneos propagadores da tripanosomíase americana. 3. HosPeDeiro NorMal e HosPeDeiro eXCePCioNal, reserVatÓ- rios e PortaDores Da DoeNÇa Hospedeiro normal é aquele que oferece ao parasita as mais favoráveis condi- ções para a sua própria manutenção e perpetuação da espécie ou seja, rápido crescimento do parasita, período de vida relativamente maior e alta fecundidade. Estes toleram o parasita em virtude do hábito, adquirindo contra eles imunidade relativa. Por vezes, devido à falta de adaptação recíproca, o parasita não completa o seu ciclo ou não atinge a maturidade, tal é o caso do Ancylostoma braziliense, agente da larva migrans cutânea, que pode migrar por muito tempo na pele do homem sem ulterior desenvolvimento. A Entamoeba histolytica do homem quando inoculada em cães e gatos não se propaga. Há autores que defendem que os animais a quem as espécies patogénicas determinam infecções agudas são os hospedeiros excepcionais e não os normais. O Trypanosoma brucei rhodesiense é virulento para o homem (hos- pedeiro excepcional) tendo como hospedeiro natural os antílopes a quem não causam perturbações sérias. Considerados sob o ponto de vista humano da profilaxia, os hospedeiros naturais das espécies patogénicas são os vertebrados reservatórios dos parasitas ou da doença. O porco, o javali e os roedores podem estar parasitados por Trichinella spp. e o homem adquire a triquinelose directamente ao comer carne mal cozida. Por outro lado, o homem pode estar infestado por determinados parasitas sem que manifeste alterações funcionais de algum tipo, pelo menos em algumas pessoas, enquanto que noutras pessoas estas alterações podem ser graves e acompanhadas de sintomas objectivos. Dado que estes sujeitos aparentemente sãos, podem eliminar formas capazes de passar directa ou indirectamente a outros indivíduos e desenvolver neles uma patologia manifesta, seu papel epi- demiológico é muito importante por serem fontes de infecção com frequência não suspeitas e são denominados portadores sãos. Este é o caso de portadores sãos de cistos de protozoários como E. histolytica, Giardia lamblia, Balantidium coli, etc., que eliminam com as suas dejecções as formas císticas capazes de passar a infecção a outros sujeitos e com conse- quentes manifestações patológicas graves. O indivíduo com infecção assintomá- tica por Plasmodium spp. possui gâmetas circulantes do parasita que ao serem ingeridos pela fêmea do mosquito Anopheles, aí completam o seu ciclo evolutivo podendo ser inoculados a outra pessoa como esporozoítas, forma infectante dos mesmos. 4. ZooNoses, aNtroPoZooNoses, ZooaNtroPoNoses e aNFiXe- Nose Do exposto nos parágrafos anteriores, podemos deduzir que alguns parasitas são exclusivamente do homem, enquanto que outros são tanto do homem, como de outros vertebrados, sendo considerados estes últimos também como reservatórios destas parasitoses. De acordo com este facto as parasitoses humanas podem separar-se em: 4.1. Zoonoses O termo zoonoses, foi introduzido na literatura médica por Virchow para designar as doenças dos animais contagiosas para o homem e causadas por parasitas de especificidade pouco estrita. A leishmaniose causada por Leishmania infantum é uma zoonose já que o cão e outros mamíferos compartem o parasitismo com o homem. A botriocefalose é uma zoonose por um helminto, o Diphylibotrium latum. O parasitismo por pulgas é uma zoonose devida a artrópodes pela escassa especificidade que mostram estes insectos com respeito aos seus hospedeiros vertebrados. 33E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 4.2. antropozoonose é a doença do homem contraída de animais e causadas por parasitas oioxenos que habitualmente desenvolvem-se no homem como único hospedeiro vertebrado. Nas antroponozes, o homem constitui um hospedeiro acidental e tais infecções ou infestações terminam no homem. é o caso da malária causada por Plasmodium falciparum, Plasmodium ovale, Plasmodium vivax e Plasmodium malariae e que não existem noutros vertebrados. A leishmaniose causada por Leishmania donovani é também uma antroponose, uma vez que o ciclo parasitário completa- -se no homem como único hospedeiro vertebrado e os flebótomos como vectores. A ascaridiose, e a oxiuríase ou enterobiose, cujos nemátodos causadores são o A. lumbricoides e Enterobius vermiculares e as pediculoses humanas causadas por Pediculus h. capitis, Pediculus h. corporis e Phitirius pubis também são antropozoonozes porque são parasitoses exclusivas do homem. 4.3. Zooantroponose é a infecção dos vertebrados adquiridas naturalmente do homem, nos quais o reservatório natural é o homem, sendo os animais hospedeiros acidentais. A E. histolytica pode acidentalmente infectar os cães. 4.4. Anfixenose é o termo empregue para as infecções naturalmente transmitidas entre o ho- mem e os outros vertebrados. A infecção é mantida na natureza, tanto pelo homem, como pelos animais. Os organismos neste grupo, possuem uma variada gama de hospedeiros e muitas vezes de vectores. falta estabilidade entre para- sita e o hospedeiro, podendo o organismo infeccioso invadir vários hospedeiros e ser transmitido por vários vectores, resultando desse modo o desenvolvimento de raças geográficas, com variação marcada em cada região. É o caso da L. braziliensis. O conceito de zoonose é complexo, pois envolve o homem, outro vertebrado, por vezes o artrópode, o agente etiológico da doença e o meio, formando um conjunto interrelacionado de organismos. A esse conjunto biológico dá-se o nome de biocenose. Por outro lado, esta comunidade não é independente do meio, pois nele se acha integrada, isto é, dele depende e sobre ele actua. O habitat, biótopo ou ecótopo, forma com a comunidade biótopa que nele vive um sistema dinâmico, denominado ecossistema. A biocenose, constituindo uma unidade completa em si, os organismos nela integrados têm funções definidas, ocupando por conseguinte nichos definidos, que se descrevem em conexão ao habitat, alimentação e relações com outros seres vivos. Para muitos ecologistas os nichos são também denominados ecótopos. 5. HosPeDeiros PriNCiPais, seCUNDários e aCiDeNtais Há parasitas com uma especificidade pouco estrita e portanto podem parasitar vários hospedeiros, diferenciando-se estes em 3 tipos principais: 5.1 Hospedeiros Principais São aqueles nos quais o parasita acha-se melhor adaptado, evidenciando tal facto pelo seu crescimento, desenvolvimento e multiplicação, melhor que nos restantes hospedeiros. Além disso, produz-se nestes um maior número de for- mas (ovos, cistos, etc.) capazes de passar a outros hospedeiros e completar neles a sua evolução. No caso do T. gondii, o gato e outros felinos são os que actuam como hospedeiros principais. Neles cumprem-se os dois ciclos, assexuado e sexuado, além de que a eliminação dos cistos nas fezes pode manter-se sem os hospedeiros secundários (herbívoros, carnívoros, omnívoros in- cluindo o homem). Em relação ao Diphylibotrium latum o homem é o hospedeiro principal, pois nele alcança o maior desenvolvimento e postura mais elevada de ovos que noutros hospedeiros (gato, cão e mamíferos ictiófagos). 5.2. Hospedeiros secundários São aqueles em que tal como os hospedeiros principais, albergam a mesma espécie parasitária e o seu carácter secundário deriva de uma menor adapta- ção do parasita aos mesmo, como se pode ver nos exemplos anteriores em que herbívoros, carnívoros, omnívoros podem ser hospedeiros secundários de T. gondii e o cão, o gato e mamíferos ictiófagos hospedeiros secundários do Diphylibotrium latum. 34 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia 5.3. Hospedeiros acidentais Em certos casos além dos hospedeiros habituais de um parasita, um novo hos-pedeiro pode eventualmente entrar no ciclo epidemiológico de um determina- do parasita. São hospedeiros que não são habituais do parasita, mas permitem o desenvolvimento normal do mesmo no seu organismo. Na leishmaniose cau- sada por Leishmania infantum, o cão é o hospedeiro principal do parasita, o lobo e os ratos são hospedeiros secundários e o homem hospedeiro acidental. O homem é também hospedeiro acidental do Cisticercus cellulosae, a larva de T. solium que tem como hospedeiro principal o porco. Todos os organismos devem reproduzir-se com sucesso, senão juntar-se-ão à legião dos extintos. Muitos parasitas, especialmente endoparasitas (são aqueles parasitas que vivem no interior do corpo dos seus hospedeiros causando infecção), deparam-se com problemas especiais, uma vez que eles têm que sobreviver não só às defesas do hospedeiro, mas também a vários efeitos adversos (temperatura, humidade, dissecção, etc.) na sua passagem entre hospedeiros. Os parasitas, mais do que outros organismos produzem um enorme número de outros parasitas, daí que grupos distintos desenvolveram distintas formas de reprodução. 1. reProDUÇÃo asseXUaDa 1.1. Fissão Binária, É o processo de reprodução mais simples, durante o qual o núcleo divide-se em dois por um processo de mitose e como resultado a célula mãe dá origem (citodiérese) a duas células filhas. A divisão nuclear acompanha-se da divisão dos restantes órgãos e orgânelas (mitocôndrias, aparelho de Golgi, etc.) ou da formação de novos órgãos e orgânelas. A situação do plano de divisão celular que origina as duas células filhas, assim como a forma em que se dá a duplicação de algumas orgânelas, permite dis- tinguir dois tipos de subdivisão binária. A divisão simetrogénica, (figura 15) em que a divisão ou citodiérese tem lugar segundo um plano longitudinal ou meridional da célula mãe e que inicia-se no polo anterior e a divisão homo- tetogénica (figura 16), característica dos ciliados, em que a citodiérese tem iV REPRODUÇÃO PaRaSiTÁRia 36 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia lugar mediante um plano transversal e durante o qual se formam de novo as estruturas ou orgânelas ausentes em uma destas metades, o citóstoma e o citropoto fundamentalmente. Constituem exemplos deste tipo de reprodução os protozoários flagelados e ciliados como a Giardia intestinalis e o Balanti- dium coli. Figura 15 fissão binária assexuada segundo um plano longitudinal Figura 16 fissão binária assexuada segundo um plano transversal 1.2. Fissão múltipla, esquizogonia ou Merogonia É um processo de divisão múltipla, em que primeiro dá-se a divisão do núcleo a partir de um estadio inicial ou forma vegetativa, o trofozoíto, em vários outros núcleos e outras orgânelas quase simultaneamente e depois é que se forma o citoplasma à volta de cada um deles. A célula mãe multinucleada é denominada esquizonte ou meronte e as células filhas são esquizoítos ou merozoítos (Figura17). Neste tipo de divisão, os núcleos filhos dispõem-se na periferia e as células filhas formam-se debaixo da membrana da célula mãe que mostra protube- râncias à volta destes núcleos filhos, até que finalmente lhes vai rodeando e individualizando, restando no final do processo um pequeno resíduo anucleado da célula materna, conhecido como corpo residual e em alguns casos reduzido ou ausente. Por sua vez, os merozoítos podem reiniciar um novo processo de esquizogonia levando à formação de novos merozoítos ou diferenciar-se sexualmente em gâmetas masculinos e femininos para poderem iniciar um processo de repro- dução sexuado ou singamia. Os parasitas do género Plasmodium e o Toxo- plasma gondii constituem exemplos de parasitas que se reproduzem por este processo. Figura 17 fissão assexuada múltipla ou esquizogonia 1.3. esporogonia É também um processo de divisão múltipla, mas diferencia-se da esquizogonia ou merogonia porque a célula inicial não é um trofozoíto ou merozoíto, mas sim um zigoto resultante da amfimixia ou fusão de dois gâmetas em que ocorre no zigoto uma primeira divisão meiótica ou reducional seguindo-se de sucessivas mitoses, formando-se formas metacíclicas denominadas esporozoítos. Este tipo de divisão ocorre também nos parasitas do género Plasmodium. 1.4. endodiogenia, Brotamento interno ou endopoliogenia São dois processos de divisão assexuada, binária no primeiro caso e múltipla no segundo caso, em que a célula materna produz dentro de si a célula ou células filhas. Estas não estão cobertas pela membrana plasmática da célula mãe, formando-se esta de novo e rodeando cada núcleo filho e os complexos apicais derivados da célula mãe até que as células filhas se individualizem e estejam perfeitamente estruturadas (figura 18). São característicos dos proto- zoários do filo apicomplexa como o Toxoplasma gondii. 37E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana Figura 18 Divisão assexuada por brotamento interno 1.5. Brotamento ou gemação É um processo de divisão binária ou múltipla durante o qual formam-se um ou vários indivíduos filhos de tamanho inferior ao da célula mãe da qual procedem e que aparecem como um ou vários brotos na superfície da célula materna e para os quais migram os núcleos filhos (Figura 5). É um tipo de divisão pouco frequente nos protozoários, apresentando-se em alguns ciliados. Figura 19 Divisão assexuada por gemação ou brotamento 1.5.1. estrobilação é um processo de gemação que ocorre nas Taenias spp. A medida que cresce o colo, vai ocorrendo delimitação das proglótides e cada uma delas inicia a formação dos seus órgãos de modo que quanto mais afastado do escoléx tanto mais evoluídas as proglótides se mostram. Na verdade, este é o modo como se processa o crescimento das Taenias spp. Figura 20 Divisão assexuada por estrobilação 1.6. embrionia e Poliembrionia Em que o ovo do parasita após libertar-se do homem embriona e num único ovo podem desenvolver-se um ou vários embriões que dão origem a larvas. Por vezes os ovos podem ser postos sem terem iniciado o seu desenvolvi- mento ou contendo um embrião mais ou menos desenvolvido ou ainda podem eclodir e libertar o embrião ainda dentro do útero. Assim distinguem-se em ovíparas (A. lumbricoides) as fêmeas que põem ovos sem que estes estejam embrionados, ovovíparas (T. solium e T. saginata) aquelas que expulsam os ovos contendo já no seu interior um embrião e como vivíparas ou larvíparas (Strongiloydes stercoralis) as que parem larvas livres. 2. reProDUÇÃo seXUaDa é a união de duas células, os gâmetas masculinos e femininos pela fusão dos seus núcleos dando origem a um zigoto (figura 21). Está associada a uma mitose reducional ou meiose dando origem a estadios haploides que devem restaurar a diploidia em algum momento do ciclo evolutivo do parasita. Este tipo de reprodução sexuada apresenta-se no grupo de protozoários com inte- resse sanitário, nos apicomplexa, microspora e ciliados. 38 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia 2.1. singamia é o processo no qual 2 indivíduos denominados gâmetas unem-se pela fusão dos seus citoplasmas seguida pela união dos seus núcleos dando origem a uma célula denominada zigoto, figura 21. Na singamia, os indivíduos que adquirem o carácter de células sexuais rece- bem o nome de gamontes, que são células sexuais imaturas que originam os gâmetas e o processo de formação dos gâmetas conhece-se como gamogo- nia ou gametogénesis que pode dar origem a gametas masculinos e femini- nos. Quando os gametas masculino e femininos possuem o mesmo tamanho (isomórficos), trata-se de singamia ou fusão do tipo isogámico ou pelo con- trário se os gametas possuem tamanhos diferentes a fusão será do tipo hete- rogâmico ou anisogâmico. Os gâmetas masculinos são de pequeno tamanho e móveispor possuírem flagelos (microgametas) e os gâmetas femininos são de maior tamanho (macrogâmetas). Quando os gâmetas que se unem são semelhantes no tamanho e na forma denominam-se isogâmetas e o processo isogamia e se forem diferentes de- nominam-se anisogametas e o processo anisogamia. Figura 21 Divisão sexuada por singamia 2.2. Conjugação Noutros casos quando 2 indivíduos permanecem unidos, parte do núcleo dum passa para o outro e depois os dois organismos separam-se e o processo é denominado conjugação, figura 22. Portanto, neste tipo de reprodução não há fusão ou amfimixia dos indivíduos intervenientes. Apenas os micronúcleos intervêm no processo, enquanto que o macronúcleo desaparece durante o mesmo. Embora o processo possa variar dependendo do número de micronúcleos que possui o parasita, o micronúcleo sofre em cada ciliado conjugante (Balantidium coli) duas divisões sucessi- vas, de tal modo que por ocorrer as meioses durante as mesmas as células re- sultantes são haploides. Três dos quatro desintegram-se restando um em cada conjugante. Este por sua vez, divide-se de novo e dá origem a dois pronúcle- os, um pronúcleo emigrante que se considera como masculino ao mover-se para outro indivíduo através dos seus cistotomas e um pronúcleo quiescente que permanece no conjugante e é considerado femenino. Os conjugantes se- param-se e em cada um deles o micronúcleo emigrante considerado masculino funde-se com o feminino para formar um núcleo zigótico, uma célula diploide que se divide várias vezes para restaurar a dotação macronúcleo e micronú- cleo própria do ciliado diploide, até que ele ou os seus descendentes possam iniciar um novo processo sexual. Figura 22 Reprodução sexuada por conjugação 39E.V.Noormahomed Manual de Parasitologia Humana 2.3. reprodução alternante ou Metagénese Alguns protozoários como os apicomplexa, caracterizam-se por apresentar du- rante o seu ciclo biológico uma alternância de gerações que se multiplicam assexuadamente com outras que o fazem sexuadamente. Alguns protozoários monoxenos (Cryptosporidium spp.) que apresentam estes ciclos metagenéticos, o ciclo assexuado, muitas vezes com divisão múltipla conduz à multiplicação do parasita nas células do hospedeiro que constitui o seu habitat e nas quais iniciam seu ciclo gamegónico até à formação do zigoto que passando ao meio ambiente dividem-se por esporogonia (pode este pro- cesso ocorrer ainda no hospedeiro) para dar lugar aos esporozoítas que serão as formas infestantes para o outro hospedeiro. Figura 23 Ciclo do Cryptosporidium spp. Reprodução sexuada alternante ou metagénese O mesmo pode ocorrer com protozoários com ciclo de vida heteroxeno. A única fase do ciclo que pode achar-se no meio externo é o zigoto com as suas cobertas de resistência e que pode chegar ao meio ambiente já maduro com os esporo- zoítas formados ou que se vão formar no meio externo. Neste caso e como já vimos anteriormente deve-se considerar como hospedeiro definitivo, aquele em que se desenvolverão as formas sexuais ou gaméticas e como intermediário o que alberga as formas assexuadas. No caso de parasitas heteroxenos em que não existem formas evolutivas no meio externo, o hospedeiro definitivo será aquele em que ocorre a maturação dos gamontes a gâmetas e o zigoto haja completado o seu desenvolvimento. Este é o caso que ocorre por exemplo com os mosquitos Anopheles, transmis- sores da malária, exercendo o papel de hospedeiros definitivos, apesar de serem os vectores encarregados de passar o parasita a outra pessoa, já que o homem alberga apenas as formas assexuadas do parasita e as formas sexuadas imaturas ou gamónticas. 2.4 Hermafroditismo Processo no qual um parasita possui órgãos genitais masculinos e femininos e autocopula-se, como é o caso das Taenias spp. A penetração dos parasitas no organismo hospedeiro pode fazer-se passivamente ou activamente levando à activação dos mecanismos de defesa do hospedeiro. Considera-se que penetram passivamente aqueles parasitas que são inge- ridos com a água ou alimentos contaminados ou são inalados, como é o caso de quistos de protozoários, ovos de helmintos, cisticercos de ténia. Devem ser considerados também, aqueles parasitas que são inoculados por insectos hema- tófagos como os plasmódios, os tripanossomas e as leishamanias. Por outro lado, os mecanismos de penetração podem consistir na excreção de enzimas proteolíticas (hialuronidase) e outros processos de endocitose ou lise da membrana celular. Os parasitas podem ainda ser ajudados por acções mecânicas como os acúleos das oncosferas, dando-se deste modo a pene- tração activa do hospedeiro pelo parasita. Existem diferentes vias nomeadamente a pele (larvas de A. duodenal, Stron- gyloides stercoralis, W. bancrofti), as conjuntivas (Trypanosoma cruzi) e as mucosas (E. histolytica, Balantidium coli, larvas de A. lumbricoides, F. hepática, larvas de Taenias spp., etc.) O A. lumbricoides e o T. gondii por exemplo, podem atravessar a placenta infectando deste modo o feto enquanto que as filárias de W. bancrofti e as de O. volvulus penetram no hospedeiro através da via linfática. Outras via de penetração dos parasitas no hospedeiro compreende a via genito-urinária e por esta via entram no organismo hospedeiro a Trichomonas vaginalis. A penetração cutânea pode ser observada num grande número de ectopa- rasitas hematófagos que permanecem sobre o hospedeiro temporariamente para alimentar-se do seu sangue (mosquitos, tabanídeos) ou durante um longo período da sua vida (piolhos, carrapatas), ou ainda naqueles que se V MEcaniSMOS DE DEFESa DO hOSPEDEiRO 42 E.V.Noormahomed Princípios Básicos e Conceitos Gerais de Parasitologia limitam a penetrar zonas epidérmicas ou da derme (ácaros da sarna, moscas causadoras de miíase). Também observa-se naqueles parasitas que são ino- culados por um artrópode hematófago (inoculação pela fêmea Anopheles de esporozoítos de Plasmodium spp.), ou ainda a penetração activa por algumas larvas utilizando os seus próprios meios, tal é o caso das larvas de Strongyloides stercoralis, de Ancylostoma spp. e de filárias. 1. MeCaNisMos De DeFesa Do HosPeDeiro Os mecanismos de defesa do hospedeiro, são processos biológicos pre- servados ou favorecidos pela selecção natural, por assegurarem maiores probabilidades para a sobrevivência e multiplicação das espécies parasita- das. A ausência de um finalismo estrito nessas reacções, evidencia-se por elas conduzirem, algumas ve-zes a reacções de auto agressão, nocivas ao próprio hospedeiro. Distinguem-se em mecanismos de defesa inespecíficos e mecanismos de defesa específicos. 1.1. Mecanismos de Defesa Inespecíficos. Antes do organismo parasita conseguir estabelecer-se dentro do hospedeiro e antes que a resposta imune específica se inicie, os organismos têm que vencer os mecanismos de defesa inespecíficos do hospedeiro. Estes são repre- sentados pelas barreiras anatómicas e fisiológicas entre as quais: • o revestimento cutâneo seco e descamativo com secreções bacterios- táticas; • as mucosas produtoras de muco com movimentos ciliares; • a temperatura do corpo; • a tensão de oxigénio e pH; • a incapacidade do organismo hospedeiro em fornecer ao seu hóspede certos factores de crescimento ou os substractos indispensáveis ao meta- bolismo deste; • a falta de mecanismos estimulantes ou desencadeantes do desencista- mento, eclosão ovular ou desenvolvimento larvário; • a falta de receptores especiais na superfície celular capazes de permitir a aderência e endocitose do agente infectante no hospedeiro. • os antibióticos do soro e tecidos, que são mecanismos agressivos representa- dos pelas substâncias com poder antibiótico, encontradas nas secreções sudo- ríparas e lacrimais, humor aquoso, urina e líquidos orgânicos como a lisozima;
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