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Direito da Criança e do Adolescente Professor Luciano Rossatto 2 SUMÁRIO NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ................................................................................................................................... 9 1. Doutrina da Proteção Integral ................................................................................................................. 9 2. Constitucionalização do Direito da Criança e do Adolescente .............................................................. 10 3. Quadro comparativo do regime anterior com o regime atual .............................................................. 11 SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ........................... 13 1. Convenções da Organização Internacional do Trabalho de 1919 ......................................................... 13 2. Declaração de Genebra de 1924 (Carta da Liga das Nações sobre a Criança) ...................................... 14 3. Declaração dos direitos da criança de 1959 .......................................................................................... 14 4. Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 ................................................................................. 15 4.1. Protocolo Facultativo sobre a venda, a pornografia e a prostituição infantis .............................. 15 4.2. Protocolo facultativo sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados .......................... 16 4.3. Protocolo facultativo que trata do sistema de controle ............................................................... 16 4.4. Documentos dirigidos aos autores de ilícitos penais .................................................................... 16 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .......................................... 17 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (PARTE GERAL) .......................................................................... 18 FAMÍLIA NATURAL ............................................................................................................................................. 20 FAMÍLIA SUBSTITUTA ........................................................................................................................................ 22 1. Regras Gerais da Família SUBSTITUTA ................................................................................................... 22 1.1. A opinião da criança ou adolescente deve ser levada em consideração na inserção dela em família substituta ....................................................................................................................................... 22 1.2. Critérios para colocação em família substituta: ............................................................................ 22 1.3. Manutenção do grupo de irmãos .................................................................................................. 23 1.4. Precedência de preparação gradativa ........................................................................................... 23 1.5. Exigências adicionais para crianças oriundas de comunidades indígenas ou quilombolas .......... 23 1.6. Impedimento genérico para colocação em família substituta ...................................................... 24 1.7. Transferência de criança e adolescente e autorização judicial ..................................................... 24 1.8. Excepcionalidade da adoção internacional ................................................................................... 24 3 2. Regras Específicas da GUARDA .............................................................................................................. 26 2.1. Conceito ......................................................................................................................................... 26 2.2. Revogabilidade da guarda ............................................................................................................. 26 2.3. Hipóteses de cabimento da guarda ............................................................................................... 26 2.4. A guarda não implica no direito de representação ....................................................................... 26 2.5. Guarda para fins exclusivamente previdenciários ........................................................................ 27 2.6. Ação de guarda de um genitor em face do outro ......................................................................... 27 2.7. Guarda compartilhada entre não genitores .................................................................................. 28 2.8. A guarda, em regra, não exclui o direito de visita dos pais e não cessa o dever de pagar alimentos ................................................................................................................................................... 28 3. Regras Específicas sobre a TUTELA ........................................................................................................ 29 3.1. Conceito ......................................................................................................................................... 29 3.2. Idade máxima do tutelado ............................................................................................................ 29 3.3. Perda ou suspensão do poder familiar na tutela .......................................................................... 29 3.4. Tutela testamentária ..................................................................................................................... 29 3.5. Exigência de caução na tutela testamentária ................................................................................ 30 4. Regras Específicas Sobre ADOÇÃO ........................................................................................................ 31 4.1. Introdução histórica ...................................................................................................................... 31 4.2. Conceito ......................................................................................................................................... 32 5. Espécies de adoção ................................................................................................................................ 32 5.1. Adoção unilateral .......................................................................................................................... 32 5.2. Adoção bilateral ............................................................................................................................. 32 5.3. Adoção singular ............................................................................................................................. 32 5.4. Adoção conjunta ............................................................................................................................ 32 5.5. Adoção de casal divorciado ........................................................................................................... 33 5.6. Adoção post-mortem, adoção nuncupativa ou adoção póstuma ................................................. 33 5.7. Adoção homoafetiva ..................................................................................................................... 34 6. Principais características da adoção ...................................................................................................... 34 6.1. Ato personalíssimo ........................................................................................................................ 34 4 6.2. Ato excepcional............................................................................................................................. 34 6.3. Ato irrevogável .............................................................................................................................. 35 6.4. Ato incaducável ............................................................................................................................. 35 6.5. Adoção é plena .............................................................................................................................. 35 6.6. A adoção deve ser constituída por sentença judicial .................................................................... 35 7. Requisitos objetivos da adoção: ............................................................................................................ 36 7.1. Requisito de idade ......................................................................................................................... 36 7.2. Consentimento dos genitores ....................................................................................................... 36 7.3. Oitiva da criança e consentimento do adolescente ...................................................................... 37 7.4. Precedência de estágio de convivência ......................................................................................... 37 7.6. Posição Jurisprudencial do STJ: ..................................................................................................... 39 8. Requisitos Subjetivos da adoção: .......................................................................................................... 39 9. Impedimentos para a adoção ................................................................................................................ 40 10. Adoção “intuito personae” ................................................................................................................ 40 11. Adoção internacional ......................................................................................................................... 40 11.1. Conceito de adoção internacional ............................................................................................. 40 11.2. Caráter subsidiário (excepcional) da adoção internacional ...................................................... 41 11.3. Requisitos para o deferimento da adoção internacional .......................................................... 41 11.4. Preferência pelos brasileiros não residentes no país ante os estrangeiros .............................. 42 11.5. Procedimento para a adoção internacional .............................................................................. 42 11.6. Organismos internacionais de adoção ...................................................................................... 43 11.7. Requisitos de credenciamento e obrigações de organismos no Brasil ..................................... 44 11.8. Prazo de validade do credenciamento ...................................................................................... 45 11.9. Validade da adoção realizada no exterior ................................................................................. 45 11.10. Brasil como país de acolhida ..................................................................................................... 45 DIREITO FUNDAMENTAL A PROFISSIONALIZAÇÃO E PROTEÇÃO NO TRABALHO ............................................. 47 1. Idade mínima para o trabalho ............................................................................................................... 47 2. Princípios da formação técnico-profissional ......................................................................................... 47 5 3. Direitos trabalhistas e previdenciários .................................................................................................. 48 4. Conceito de trabalho educativo e remuneração ................................................................................... 48 SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE – Lei n. 12.594/2012) ............................ 49 DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE, AO RESPEITO E À LIBERDADE ............................................................ 50 1. Direito Fundamental à Liberdade .......................................................................................................... 50 2. Direito Fundamental ao Respeito .......................................................................................................... 53 3. Direito Fundamental à Dignidade.......................................................................................................... 53 3.1. Questão da violência sexual contra a criança ............................................................................... 53 DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO, AO LAZER E AO DESPORTO. ............................................................... 55 1. Proximidade da escola para o estudante .............................................................................................. 55 2. Teoria da reserva do possível ................................................................................................................ 56 DIREITO À VIDA E À SAÚDE ................................................................................................................................ 58 1. Regras gerais de prevenção ................................................................................................................... 60 2. Da informação, cultura, lazer, esportes, diversões e espetáculos ........................................................ 60 3. Classificação etária – infrações administrativas: ................................................................................... 61 4. Transmissão de TV durante o horário de verão – posição do STJ ......................................................... 61 5. Dos produtos e serviços ........................................................................................................................ 62 6. Hospedagem de criança ou adolescente – infração administrativa ..................................................... 64 7. Da autorização para viajar ..................................................................................................................... 64 8. Viagem em território nacional............................................................................................................... 65 9. Viagem para o exterior .......................................................................................................................... 65 10. Autorização para viagem ao exterior e Resolução n. 131/2011 do CNJ ........................................... 65 CONSELHO TUTELAR .......................................................................................................................................... 67 1. Mandato de membro do conselho tutelar ............................................................................................ 69 2. Conselho Tutelar e Conselho de Direitos – diferenças e peculiaridades .............................................. 69 3. Das atribuições do Conselho Tutelar. .................................................................................................... 70 4. Impedimentos do Conselho Tutelar ...................................................................................................... 71 PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL ......................................................................................................................... 72 6 1. Tempo do ato infracional ......................................................................................................................72 2. Consequências da inimputabilidade do art. 228 da Constituição de 1988 ........................................... 73 3. Conceitos importantes que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente ................................... 74 5. O Estatuto da Criança e do Adolescente adota a “teoria da tipicidade delegada” ............................... 75 6. Tratamento diferenciado entre as crianças e adolescentes ................................................................. 75 7. Medidas socioeducativas ...................................................................................................................... 77 8. Conceito de ação socioeducativa .......................................................................................................... 77 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ............................................................................................................................ 78 1. Objetivos das medidas socioeducativas ................................................................................................ 78 2. Classificação das medidas socioeducativas ........................................................................................... 78 2.1. Medidas socioeducativas em meio aberto: ................................................................................... 78 2.2. Medidas restritivas de liberdade: .................................................................................................. 79 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE ........................................................................................................ 80 1. Advertência............................................................................................................................................ 80 2. Obrigação de reparar o dano ................................................................................................................ 81 3. Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) .......................................................................................... 81 4. Liberdade Assistida ................................................................................................................................ 82 4.1. Prazo de cumprimento da liberdade assistida .............................................................................. 83 4.2. Alguns procedimentos da liberdade assistida ............................................................................... 83 5. Semi-Liberdade ...................................................................................................................................... 84 5.1. Semi-liberdade invertida ............................................................................................................... 84 5.2. Prazos da medida socioeducativa de semi-liberdade ................................................................... 85 5.3. Atividades externas ....................................................................................................................... 85 5.4. Princípio da incompletude institucional ........................................................................................ 86 5.5. Outras considerações da semi-liberdade ...................................................................................... 86 6. Internação ............................................................................................................................................. 86 6.1. Modalidades de internação ........................................................................................................... 86 6.2. Outras considerações da internação ............................................................................................. 87 7. Medidas Protetivas do artigo 101, I a VI ............................................................................................... 89 CUMULAÇÃO E SUBSTITUIÇÃO DE MEDIDAS .................................................................................................... 90 1. Cumulação de medidas ......................................................................................................................... 90 7 2. Substituição de medidas........................................................................................................................ 90 EXTINÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA......................................................................................................... 92 PRESCRIÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ............................................................................................... 93 1. Critérios para cálculo da prescrição ...................................................................................................... 93 2. Aplicação prática dos critérios utilizados pelo STJ para prescrição do ato infracional ......................... 94 DIREITOS DO ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA ......................................................................... 96 1. Problemática do inciso II do artigo 49 da Lei n. 12.594/2012 ............................................................... 96 EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS .................................................................................................. 98 1. Princípios que se aplicam a execução das medidas socioeducativas .................................................... 99 2. Etapas da execução das medidas socioeducativas ................................................................................ 99 2.1. Plano Individual de Atendimento – PIA ......................................................................................... 99 2.2. Relatórios de acompanhamento da medida socioeducativa ...................................................... 101 2.3. Pedido de reavaliação ................................................................................................................. 101 2.4. Unificação das medidas socioeducativas .................................................................................... 102 3. Questões atinentes a execução da medida de internação ................................................................. 103 3.1. Direito às visitas ........................................................................................................................... 103 3.2. Direito às visitas íntimas .............................................................................................................. 103 3.3. Procedimento disciplinar ............................................................................................................. 103 APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL E APLICAÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ......................................... 105 1. Procedimento para apuração do ato infracional ................................................................................ 105 1.1. Dos direitos individuais................................................................................................................ 105 1.2. Das garantias processuais ............................................................................................................ 106 PROCEDIMENTOS EM GERAL .......................................................................................................................... 109 1. Regras Gerais dos procedimentos ....................................................................................................... 109 2. Procedimento x Recurso ...................................................................................................................... 110 PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DO ATO INFRACIONAL ............................................................................ 1111. Fases procedimento de apuração do ato infracional .......................................................................... 111 8 1.1. Remissão ...................................................................................................................................... 112 1.2. Representação ............................................................................................................................. 114 SISTEMÁTICA RECURSAL .................................................................................................................................. 119 OUTROS PROCEDIMENTOS .............................................................................................................................. 123 1. Procedimento para apuração de infração administrativa ................................................................... 123 2. Procedimento de apuração de irregularidades em entidade de atendimento .................................. 125 3. Procedimento de destituição de tutela ............................................................................................... 126 4. Procedimento de perda ou suspensão do poder familiar ................................................................... 127 5. Procedimento para colocação em família substituta .......................................................................... 130 TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE .................................. 133 INCIDENTE DE SUSPENSÃO .............................................................................................................................. 139 ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO .......................................................................................................... 140 JUÍZO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE ............................................................................................. 142 CRIMES QUE SÃO TIPIFICADOS NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE ......................................... 145 9 DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – Professor Luciano Rossato NOÇÕES INTRODUTÓRIAS O direito da criança e do adolescente se trata de um novo ramo da ciência jurídica. A matéria é dotada de autonomia científica, possuindo princípios próprios que a sustentam. É reconhecidamente um direito misto, tendo em vista que contém particularidades de direito público e de direito privado. Isto é, se adapta a nova orientação de que este ramo do direito pertence ao sistema jurídico, fugindo à dicotomia entre direito público e direito privado. Conceito: O direito da criança e do adolescente é a disciplina das relações jurídicas entre crianças e adolescentes; família; sociedade e Estado. 1. Doutrina da Proteção Integral O direito da criança e do adolescente se sustenta no princípio da proteção integral, conforme está estabelecido no art. 1 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990). Art. 1 do ECA: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.” É fundamental a compreensão do caráter principiológico adotado pelo Estatuto da Criança e do adolescente. A Lei tem o objetivo de tutelar a criança e o adolescente de forma ampla, não se limitando apenas a tratar de medidas repressivas contra seus atos infracionais. Pelo contrário, o Estatuto dispõe sobre direitos infanto-juvenis, formas de auxiliar sua família, tipificação de crimes praticados contra crianças e adolescentes, infrações administrativas, tutela coletiva etc. Enfim, por proteção integral deve-se compreender um conjunto amplo de mecanismos jurídicos voltados à tutela da criança e do adolescente. Para a doutrina da proteção integral as crianças e os adolescentes são considerados sujeitos de direito e não objeto de proteção como já fora concebido no ordenamento jurídico pátrio. O que se tutela são direitos fundamentais da criança e do adolescente. Deste modo, as crianças e os adolescentes possuem os mesmos direitos que os adultos, além de outros direitos que lhe são próprios (por exemplo, garantia à inimputabilidade etc.). Conforme o art. 4 do ECA, as crianças e adolescentes encontram-se em uma situação peculiar de desenvolvimento, portanto, necessitam de uma absoluta prioridade da família, da sociedade e do Estado. Art. 4 do ECA: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Repare que o caput do art. 4 do Estatuto é cópia da primeira parte do art. 227 da CR/88. Tanto lá, como aqui, são enumerados alguns direitos que cabem a crianças e adolescentes. A expressão-chave desse 10 dispositivo é a absoluta prioridade. Trata-se de dever que recai sobre a família e o poder público de priorizar o atendimento aos direitos infanto-juvenis. 2. Constitucionalização do Direito da Criança e do Adolescente O direito da criança e do adolescente foi introduzido no ordenamento constitucional brasileiro através da Constituição de 1988. Antes da Constituição de 1988 vigia o direito do menor que se sustentava na doutrina da situação irregular. Nesta doutrina o menor era considerado um objeto de proteção. Por ser objeto de proteção, poderia se fazer qualquer coisa que fosse para o “bem” do menor. Geralmente, o “menor” eram crianças que estavam em situações de risco, eram sujeitos estigmatizados pela sociedade. Para se ter uma ideia deste retrato, a extinta FEBEM abrigava crianças abandonadas e menores infratores no mesmo local. A doutrina estabelece um caso paradigma para a superação da visão de que o menor era objeto de proteção. O caso em questão ocorreu nos EUA. Uma criança do sexo feminino (Mary Ellen) foi encontrada por assistentes sociais em condições desumanas. Ela estava acorrentada, doente e com fome. As assistentes sociais, apesar de irresignadas, não podiam fazer qualquer coisa para tirar a criança daquela situação, pois para o direito do menor, a criança como objeto de proteção, poderia ser submetida a qualquer tratamento de seus pais, sob o argumento de que seria para o seu “bem”. Contudo, os assistentes sociais se socorreram da lei de proteção dos animais. Eles pediram a aplicação desta lei (a Lei de proteção dos animais era mais benéfica do que a das crianças) em juízo, o pedido foi acolhido e a menina libertada. Observa-se, desta feita, que os pais poderiam fazer o entendessem melhor para o “bem” do menor. Este era o Estado Paternal. Deste modo, o constituinte originário de 1988, já observando normas internacionais e as comissões especializadas, elaborou uma norma constitucional compatível com os sentimentos internacionais de proteção a criança e ao adolescente, através do paradigma da proteção integral. Art. 227 da CR/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Este sentimento também foi estabelecido no art. 5 do ECA. 11 Art. 5 do ECA: “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitosfundamentais”. Repare que o art. 5 se refere à parte final do art. 227 da CR/88. Tais comportamentos proibidos não se referem apenas aos pais, mas a quaisquer pessoas que tenham contato com a criança ou adolescente. A conduta negligente, por exemplo, pode ser exercido por um guardião, alguém que tenha uma criança ou adolescente sob seus cuidados em determinada situação. A discriminação pode ter por alvo motivos de cor, religião, origem etc. Portanto, à luz do antigo regramento, o Código de Menores, crianças e adolescentes eram vistos como objeto de proteção. A doutrina moderna dá outra conotação para a questão e passa a se referir à criança e ao adolescente como sujeito de direito. O objetivo é realmente deixar claro que eles têm direitos e que toda a sociedade – pais, responsáveis e Poder Público – deve observá-los. 3. Quadro comparativo do regime anterior com o regime atual DIREITO DO MENOR (princípio da situação irregular) DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (princípio da proteção integral) “Menor” é objeto de proteção; A restrição da liberdade era uma prática COMUM; No direito do menor a retirada da família natural era considerada prática COMUM; Quem era responsável pela tutela do “menor” frente ao Estado era, basicamente, a União, através de suas políticas públicas. Aqui há a JUDICIALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO, centrado na figura do juiz. Criança e Adolescente são sujeitos de direitos; A restrição da liberdade para a proteção integral é EXCEPCIONAL, restrita a alguns casos; A retirada da família natural é também EXCEPCIONAL; Atua o princípio da municipalização do atendimento; Com a proteção integral houve a DESJUDICIALIZAÇÃO DO ATENDIMENTO, sendo o atendimento prestado pelo Conselho Tutelar e outros órgãos não judiciais. Portanto, a Constituição de 1988 introduziu o direito da criança e do adolescente e, posteriormente, com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) este direito se consolidou no sistema jurídico. A Lei n. 8.069/90 constitui um Código Deontológico para o direito da Criança e do Adolescente. 12 A Lei n. 8.069/90 foi alterada várias vezes, as alterações recentes mais importantes são: 1) Lei 12.010/2009 (Lei Nacional da Adoção); 2) Lei 12.594/2012 (Complementa em vários aspectos a implementação de medidas socioeducativas). 13 SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Existem vários documentos internacionais que fazem menção aos interesses da Criança e do Adolescente. A análise desses documentos permite extrair a essência histórica desses direitos, através de perspectivas, características e objetivos. Classificação do sistema internacional de proteção: a) Sistema homogêneo: O Sistema homogêneo de proteção consiste na identificação de uma verdadeira universalidade. Universalidade porque os documentos do sistema homogêneo tratam dos direitos de todos os seres humanos e não de um grupo específico, isto é, os direitos são aplicáveis a todos, inclusive às crianças. Um exemplo de documento que se enquadra nesse sistema é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, tendo em vista que esta Declaração trata de todos os seres humanos, inclusive da tutela da criança e do adolescente. b) Sistema heterogêneo Por meio desse sistema os documentos internacionais têm como foco um grupo específico. Pode-se citar com exemplo o documento que trata sobre os direitos dos portadores de necessidades especiais, a convenção dos direitos da criança etc. Repare que os documentos do sistema heterogêneos são específicos. Questão: O que justifica o sistema heterogêneo, isto é, o que justifica tratar algumas pessoas de modo privilegiado? O que legitima é exatamente a situação de hipossuficiência. Isto é, a proteção se destina a um grupo carecedor de cuidados especiais. Sendo assim, justifica-se a existência de um sistema heterogêneo. Entre esses grupos especiais (minorias) temos o grupo da infância. Posta a classificação, analisemos alguns documentos internacionais desse sistema heterogêneo. 1. Convenções da Organização Internacional do Trabalho de 1919 Convenção sobre a idade mínima para o trabalho na indústria. Convenção que trata sobre a proibição do trabalho de crianças em certas atividades. 14 O ano de 1917 foi palco de inúmeros movimentos grevistas, principalmente na Europa. Esses movimentos contaram com a participação de menores de idade, tendo em vista que, à época, as crianças tinham sua mão de obra utilizada quase a exaustão e recebiam valores irrisórios em contrapartida. Tudo isso fez com que surgissem as Convenções de 1919 da OIT (foram seis ao todo). Logo, deu-se início a uma árdua luta em prol dos direitos dos menores. Repare que as referidas Convenções abordam o tema do “trabalho do menor” e foram precursoras de várias outras até o momento em que surgiram as convenções atuais, como, por exemplo, a Convenção 182 (aborda o trabalho infantil) e a Convenção 138 (estabelece idade mínima para o trabalho). 2. Declaração de Genebra de 1924 (Carta da Liga das Nações sobre a Criança) No ano 1919, em Londres, foi aprovada a criação da primeira associação com finalidade de proteger a criança (que existe até hoje) conhecida como “Salve as Crianças”. Esta associação foi criada por duas irmãs com a finalidade de garantir o direito das crianças (inclui-se os adolescentes), a maioria delas órfãs em decorrência da catástrofe humanitária que foi a Primeira Guerra Mundial. Posteriormente, A Liga das Nações encampou as ideias das duas irmãs e acabou publicando a Declaração de Genebra de 1924. Esta declaração foi o primeiro documento de caráter genérico voltado a proteção da infância. Porque de caráter genérico? Porque as convenções da OIT faziam referência aos aspectos trabalhistas. E agora, faz-se referência a vários aspectos da infância. Essa declaração é composta por 5 (cinco) itens que reconhecem a vulnerabilidade da criança, porém ainda a concebem como objeto de proteção, algo que era revolucionário à época, tendo em vista que não possuíam nenhum direito. Entretanto, esta declaração não possuía caráter cogente. Sendo apenas uma declaração com vários enunciados de direitos. Portanto, não era uma Convenção de observância obrigatória e com possibilidade de sanção por descumprimento. 3. Declaração dos direitos da criança de 1959 Essa declaração surgiu após a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948. A Declaração dos Direitos da Criança especificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem para as crianças e adolescentes (para o grupo infância). Retratando a vulnerabilidade da criança. 15 A Declaração inaugura, em 1959, a doutrina da proteção integral, referindo-se às crianças como sujeitos de direitos. A Declaração dos Direitos da Criança publicou 10 princípios. É importante ressaltar que esta Declaração padeceu do mesmo problema da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Explico: era necessário o estabelecimento de “pactos” para conferir exigibilidade a declaração. Ou seja, não havia um documento internacional que conferisse o caráter cogente para a Declaração dos Direitos da Criança de 1959. Por conta disso, em 1979 (no ano internacional da criança) as nações se uniram, por iniciativa da Polônia, para debater uma Convenção sobre os direitos da criança. Após 10 anos de debate se aprovou a Convenção sobre os direitos da criança de 1989. 4. Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 Essa convenção possui várias características. Ela acolhea concepção do desenvolvimento integral da criança e reconhece a absoluta prioridade da criança. Reconhece, também, o superior interesse da criança, que passa a ser a “regra de ouro” dos direitos da criança e do adolescente, que irradia para todos os ramos das relações humanas e jurídicas. A convenção não faz diferenciação entre criança e adolescente. Art. 3 da Convenção diz: “Todas as ações relativas as crianças, levadas a efeito pelas autoridades legislativas ou órgãos administrativos, devem considerar o interesse maior da criança”. Para a Convenção, criança é a pessoa de até 18 anos de idade. Contudo, para ter maior adesão, a Convenção permitiu que os estados reduzissem essa idade para fins de maioridade penal. Com isso, vários países ratificaram a convenção, teve muita adesão. Os EUA não ratificaram até hoje. Protocolos decorrentes da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989: 4.1. Protocolo Facultativo sobre a venda, a pornografia e a prostituição infantis No Brasil houve a CPI da Pedofilia (presidida pelo Sen. Magno Malta/ES) que decorreu da obediência a este protocolo. A CPI, visando coibir atos de pornografia infantil, assumiu a proteção das crianças para coibir tal prática, sancionando e prevenindo. 16 ATENÇÃO: Constitui crime a mera disponibilização de pornografia infantil na internet, bem como o mero armazenamento de material decorrente de pornografia infantil. Tudo isso em razão do protocolo facultativo. Outra experiência que tivemos foi um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Google para que a Polícia Federal (PF) tivesse acesso aos perfis do Orkut para coibir e reprimir crimes de pornografia infantil. 4.2. Protocolo facultativo sobre o envolvimento de crianças em conflitos armados Os exércitos não podem contar com pessoas menores de 18 anos. 4.3. Protocolo facultativo que trata do sistema de controle A Convenção sobre Direitos da Criança de 1989 estabelece como mecanismo de controle/aplicação de seus postulados a apresentação de relatórios pelos Estados participantes, não possibilitando o controle através de petições individuais. Destarte, este protocolo facultativo abre a possibilidade do sistema de controle ser integrado pelas petições individuais, aprimorando a técnica de controle e dando máxima efetividade aos postulados da Convenção. A partir desse protocolo facultativo é garantido às crianças e aos seus representantes a possibilidade de recorrerem ao Comitê de Direitos da Criança da ONU por meio de petições individuais, sempre que os seus direitos não forem assegurados pela Justiça de seus países. Para que esse protocolo tenha efetividade há necessidade de adesão de pelo menos 10 países. Contudo, até o momento não houve tal adesão. Sendo assim, o protocola ainda não está produzindo efeitos. 4.4. Documentos dirigidos aos autores de ilícitos penais Diretrizes de RIAD – são as diretrizes das Nações Unidas (ONU) para a prevenção da delinquência juvenil. Busca evitar a prática penal por pessoas de tenra idade. Regras de BEIJING (Pequim) – são regras mínimas das Nações Unidas para a administração da Justiça da Infância e da Juventude. Regras TÓQUIO – Consistem em regras mínimas das Nações Unidas para os jovens privados de liberdade. ATENÇÃO: Esses documentos somados à Convenção formam a chamada doutrina da proteção integral das Nações Unidas. 17 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Art. 227 da CR/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Este artigo é uma verdadeira declaração de direitos. São titulares desses direitos não só a criança e o adolescente, mas também a figura do jovem, adequando-se a Emenda Constitucional n. 65. Atentemo-nos a diferenciação de criança, adolescente e jovem: a) Criança: 0 a 12 anos incompletos (ECA); b) Adolescente: 12 a 18 anos incompletos (ECA); c) Jovem: 15 a 29 anos (Lei do PROJOVEM) O que seria o jovem? Enquanto o Estatuto da Juventude não é aprovado, o que define o jovem é PROJOVEM. E a idade do jovem é de 15 a 29 anos. Portanto, há o jovem-adolescente (15-17 anos), Jovem-jovem (18-24 anos) e o jovem-adulto (25-29 anos). A inserção dos jovens se dá em virtude de um movimento internacional de inclusão dos direitos dos jovens. Decorrente da Convenção Interamericana dos Direitos dos Jovens, que mesmo não ratificada pelo Brasil, fomentou várias políticas públicas no sentido de assegurar o direito dessas pessoas. Todas essas pessoas possuem direito à prioridade absoluta. Art. 227, parágrafo 4, da CR/88: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. A lei punirá SEVERAMENTE os abusos contra as crianças e os adolescentes. Art. 228 da CR/88: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Garantia da inimputabilidade penal. Cláusula pétrea, portanto imodificável. Há corrente minoritária que entende ser permitido alterar tal previsão. Art. 204, inciso II, da CR/88: “participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. Proteção à infância está garantida na parte que trata da assistência social, através dos princípios da participação popular, da deliberação e etc. 18 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (PARTE GERAL) O Estatuto é dividido em duas partes: a) Parte Geral (arts. 1/85) b) Parte Especial (arts. 86ss.) DIREITOS FUNDAMENTAIS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Os direitos fundamentais possuem como característica a indisponibilidade. A indisponibilidade desses direitos fundamentais decorre da dupla titularidade, tendo em vista que eles pertencem à Criança e ao Adolescente e também a toda sociedade. Sendo eles indisponíveis, há a atuação natural do Ministério Público na defesa desses interesses. Tem-se também que esses direitos fundamentais pertencem a esse grupo de pessoas que se encontra em uma situação peculiar de desenvolvimento. Esses direitos possuem uma natureza especial, sob dois aspectos, qualitativo e quantitativo: a) Aspecto quantitativo: Na medida em que são previstos mais direitos às crianças e aos adolescentes que aos próprios adultos; b) Aspecto qualitativo: tem-se uma profundidade, conformação específica para esses direitos, devendo assegurar a prioridade absoluta. A partir de agora vamos analisar cada um desses direitos fundamentais. 1. Direito Fundamental à Convivência Familiar e Comunitária Fundamento Legal: arts. 19 ao 52-D do ECA. Art. 19 do ECA: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. § 1o Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de 19 reintegração familiarou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). § 2o A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). § 3o A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009). Tendo em vista o art. 19 do ECA, faz-se importante classificar as espécies de família (alteração dada pela Lei 12.010 de 2009): Família natural É aquela composta pelos pais ou por qualquer um deles e seus filhos. O legislador entende que a família natural é o local apropriado para a convivência da criança e do adolescente. Portanto, prefere-se que a criança permaneça junto à família natural. Família extensa (ou ampliada) Vai além da unidade pais e filhos para englobar outros parentes com quem a criança mantenha vínculo de afinidade ou afetividade. Prefere-se que a criança permaneça junto à família natural, se não for possível, que permaneça, então, junto à família extensa ou ampliada. Família substituta Excepcionalmente e por decisão do juiz, a criança e o adolescente podem ser inseridas em família substituta. A família substituta tem possui três modalidades: 1. Forma de guarda 2. Forma de tutela 3. Forma de adoção 20 FAMÍLIA NATURAL Art. 25 do ECA: “Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”. Parágrafo único: “Entende-se por família extensa ou ampliada aquele que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”. Inclusive, esse círculo de afinidade e afetividade da família extensa permite que a criança seja adotada por membro de sua família (logicamente, excluídos os impedidos do art. 42, par. 1, ascendentes e irmãos) ainda que não cadastrado previamente dentre os postulantes à adoção, conforme previsão do art. 50, par. 13, inciso II. Atenção: Muito embora a manutenção da criança ou adolescente no seio da família natural seja prioridade, em determinadas situações haverá necessidade da retirada excepcional da criança do seio da família natural, inserindo a criança ou adolescente em medidas protetivas de acolhimento familiar ou acolhimento institucional, conforme estabelecido no art. 19 e parágrafos do ECA (acima transcrito). Essa retirada excepcional deve ser breve e com previsão de retorno à família natural ou então a inserção em família substituta. Acolhimento familiar e acolhimento institucional: São medidas protetivas que podem ser aplicadas exclusivamente pela autoridade judiciária em razão da impossibilidade de permanência da criança ou do adolescente junto à sua família natural. Rege-se pelos princípios de brevidade e excepcionalidade. De acordo com o parágrafo 1 do art. 19, a situação da criança ou adolescente afastada do convívio familiar deve ser reavaliada, no máximo, a cada 6 meses. Essa é uma obrigação que compete aos dirigentes dos programas de acolhimento institucional ou familiar, fixada no art. 92, par. 2. Nada impede que a criança ou adolescente seja reavaliada em menor período de tempo. Importante é que a Justiça de Infância e Juventude esteja sempre atenta à situação daqueles que estão afastados de sua família natural. Durante o período de afastamento, se o foco do problema está na estrutura familiar, compete ao Poder Público, através de seus órgãos e parceiros (terceiro setor), trabalhar a família. Por sua vez, o parágrafo 2 do mesmo artigo 19 estabelece um prazo limite de 2 anos para permanência de criança ou adolescente em programa de acolhimento – somente dilatável em caráter excepcional, no seu interesse exclusivo (melhor interesse do menor). Por fim, o parágrafo 3 do art. 19 se refere, de fato, à norma contida no caput do artigo. Na cabeça do dispositivo, afirma-se que a criança ou adolescente deve permanecer em sua família natural e, excepcionalmente, em família substituta. O par. 3 é mais enfático, pois determina expressamente que a manutenção ou reintegração da criança ou adolescente em sua família deve ser o primeiro objetivo perseguido pelos profissionais envolvidos com a situação. 21 Aspectos relevantes sobre o acolhimento institucional e familiar Conselho tutelar não pode aplicar tais medidas, aplicando-se o princípio da reserva de jurisdição. Pelo acolhimento familiar, a criança ou adolescente são encaminhados a uma família acolhedora, sendo que esta família até pode ter a guarda da criança, mas sempre terá em vista o princípio da brevidade, temporariedade da medida. No caso do acolhimento institucional, a criança ou adolescente é encaminhado ao abrigo, a uma casa lar ou a uma república (que são espécies do gênero acolhimento institucional). Lembra-se que, é preferível a inserção do melhor em família acolhedora do que em acolhimento institucional. O juiz ao determinar o acolhimento familiar ou institucional expede a chamada GUIA DE ACOLHIMENTO. Esta guia de acolhimento vai conter os dados da criança, as necessidades dela, se os pais da criança precisam de amparo, se a criança precisa de tratamentos de saúde etc. Isto é, a guia de acolhimento é extremamente detalhada, versando sobre quase todos os dados relevantes ao melhor acolhimento desta criança ou adolescente. ATENÇÃO: Conforme explicado acima, o acolhimento institucional (que tem como espécie a casa lar, abrigo ou república) tem prazo máximo de 2 (dois) anos, salvo se o superior interesse da criança justificar a continuidade da medida, conforme par. 2 do art. 19 do ECA. ATENÇÃO: A lei não estabelece prazo para o acolhimento familiar. 22 FAMÍLIA SUBSTITUTA A família substituta é estudada a partir das seguintes regras: Regras gerais da família substituta; Regras específicas sobre a guarda; Regras específicas sobre a tutela; Regras específicas sobre a adoção. 1. Regras Gerais da Família Substituta Dentre as regras gerais podemos elencar os seguintes aspectos importantes: 1.1. A opinião da criança ou adolescente deve ser levada em consideração na inserção dela em família substituta Em razão da doutrina da proteção integral nós temos que a opinião da criança e do adolescente deve ser levada em consideração para tomada de decisões que lhe digam respeito. O Estatuto vai um pouco além, dizendo: A criança deve ser ouvida sempre que possível; O adolescente deve consentir. Art. 28 par. 1: “Sempre que possível, a criança será previamente ouvida por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada”. Art. 28 par. 2: “Tratando-se de maior de 12 (doze) anos de idade (adolescente), será necessário seu consentimento, colhido em audiência”. Aplica-se esse raciocínio para qualquer uma das modalidades (guarda, tutela ou adoção). 1.2. Critérios para colocação em família substituta: Art. 28 par. 3: “Na apreciação do pedido de colocação em família substituta levar-se-á em conta ograu de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida”. 23 Leva-se em consideração o grau de parentesco, o grau de afinidade ou afetividade, sempre com o objetivo de minorar as consequências da medida de ruptura com a família natural. Essa previsão também possui o objetivo natural de aumentar as chances de sua adaptação à nova família. 1.3. Manutenção do grupo de irmãos Art. 28, par. 4: “Os grupos de irmãos serão colocados sob adoção, tutela ou guarda da mesma família substituta, ressalvada a comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que justifique plenamente a excepcionalidade de solução diversa, procurando-se, em qualquer caso, evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais”. Sempre que possível, há a necessidade de mantença do grupo de irmãos, evitando que seja rompido o vínculo familiar. Essa é a regra geral, os irmãos ficam juntos; exceção é a sua separação. Ainda quando não puderem ser mantidos juntos, deve-se buscar que tenham algum tipo de contato para evitar a perda do vínculo fraternal. Exemplificativamente, se um grupo de irmãos deve ser colocado em adoção e não há uma família em condições de adotar todos, devem-se buscar famílias que morem no mesmo bairro, na mesma cidade. Dessa forma, as crianças têm maiores chances de conviver juntas. 1.4. Precedência de preparação gradativa A inserção em família substituta pode trazer possíveis sequelas a criança ou adolescente, portanto, faz-se necessária uma preparação para a colocação dela em família substituta. Essa preparação se dá através de oitiva da criança e do adolescente, estágio de convivência, visitação do adotante à criança ou adolescente, conhecimento das condições em que vive o adotando etc. 1.5. Exigências adicionais para crianças oriundas de comunidades indígenas ou quilombolas Art. 28, par. 6: Em se tratando de criança ou adolescente indígena ou proveniente de comunidade remanescente de quilombo, é ainda obrigatório: I – Que sejam consideradas e respeitadas sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições, desde que não sejam incompatíveis com os direitos fundamentais reconhecidos por esta Lei e pela Constituição Federal; II – Que a colocação familiar ocorra prioritariamente no seio de sua comunidade ou junto a membros da mesma etnia; 24 III – A intervenção e oitiva de representantes do órgão federal responsável pela política indigenista, no caso de crianças e adolescentes indígenas, e de antropólogos, perante a equipe interprofissional ou multidisciplinar que irá acompanhar o caso. No caso de criança ou adolescente indígena a instituição responsável é a FUNAÍ. Atenção: Apesar de haver intervenção da FUNAI (órgão federal), este fato não enseja o deslocamento de competência para a Justiça Federal, permanecendo a competência da Justiça Estadual para o caso. Quanto aos quilombolas, há diversos órgãos federais que tratam de seus direitos, dentro os quais se destaca a Fundação Cultural Palmares, ligada ao Ministério da Cultura, cuja função específica é a de tutela de direitos dessas comunidades. 1.6. Impedimento genérico para colocação em família substituta Art. 29: “Não se deferirá colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado”. Incompatibilidade com a natureza da medida consiste na impossibilidade jurídica do pleito, como, por exemplo, o caso do avô que pretende adotar o neto. Ambiente familiar inadequado é o lar em que seus habitantes façam uso de entorpecente, pratiquem crimes ou atentem contra o sadio desenvolvimento físico, psíquico e social do menor. 1.7. Transferência de criança e adolescente e autorização judicial Art. 30: “A colocação em família substituta não admitirá transferência da criança ou adolescente a terceiros ou a entidades governamentais ou não governamentais, sem autorização judicial”. 1.8. Excepcionalidade da adoção internacional Art. 31: “A colocação em família substituta estrangeira (adoção internacional) constitui medida EXCEPCIONAL, somente admissível na modalidade de adoção”. A expressão “família substituta estrangeira” é equivocada, na verdade o referido artigo se refere a “adoção internacional”, expressões que não se confundem. “Família substituta estrangeira” a nacionalidade das pessoas adotantes. Isto é, pessoas estrangeiras que moram no Brasil ou não. 25 “Adoção internacional” se refere ao local de residência das pessoas adotantes, sendo que estas pessoas poderão ser estrangeiras ou brasileiras que residam em outro país. A guarda e a tutela não aceitam o deslocamento da criança para outro país. Somente a adoção permite o deslocamento da criança ou adolescente do Brasil para outro país de acolhida. Ressalta-se que, o Estatuto dá preferência para a família substituta brasileira, por isso a menção a medida excepcional no art. 31. 26 2. Regras Específicas da Guarda 2.1. Conceito A guarda é uma modalidade de colocação em família substituta destinada a regularizar a posse de fato (art. 33, par. 1) Por exemplo, é muito comum a situação de criança ou adolescente criada por um vizinho ou por familiares de pais que temporariamente estão fora de casa. Por meio da guarda o guardião assume a responsabilidade pela assistência material, moral e educacional da criança ou adolescente (art. 33, caput). No Código Civil a guarda serve para regularizar a guarda entre os genitores. Diferente do que ocorre no Estatuto da Criança e do Adolescente, aqui se insere a criança ou adolescente em família substituta, não ficando a guarda com nenhum dos genitores. 2.2. Revogabilidade da guarda A guarda pode ser modificada a qualquer tempo, pois é uma situação provisória sujeita às mudanças do transcorrer do tempo. As mudanças são levadas em consideração. Entretanto, a sentença que defere a guarda faz sim coisa julgada material (e não só formal como poderia irrefletidamente induzir), sendo que a mudança do estado das coisas pode acarretar uma revisão dessa sentença. 2.3. Hipóteses de cabimento da guarda São duas as hipóteses de cabimento de guarda: a) A guarda concedida incidentalmente em processo de tutela ou adoção. Nesse caso, a guarda é concedida no início da marcha processual; b) Possibilidade da guarda constituir o objeto principal do processo (processo autônomo), no caso de ausência momentânea dos pais. 2.4. A guarda não implica no direito de representação A guarda, em regra, não contempla os poderes de representação ou assistência. Contudo, conforme estabelecido no art. 33, par. 2, do ECA, o direito de representação ou assistência pode ser deferido pelo juiz. 27 Portanto, na prática verifica-se que invariavelmente a guarda é concedida com tais poderes, pois o responsável, para cuidar adequadamente da criança ou adolescente, necessita resolver questões como matrícula escolar, regularização de vacinas em postos de saúde, certidões, documentos etc. 2.5. Guarda para fins exclusivamente previdenciários O art. 33, par. 3, do ECA, dispõe que a guarda confere a condição de dependente à criança ou ao adolescente inclusive para fins previdenciários. Em contrapartida, a Lei n. 8.213/91 (Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social), em seu art. 16, par. 2, determina que “o enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento”.Há um conflito aparente de normas, pois a lei previdenciária inclui entre seus dependentes apenas o tutelado – não se referindo à aquele que está sob a guarda do segurado -, ao passo em que o Estatuto declara que a guarda tem alcance previdenciário. Chamado a se manifestar sobre o assunto em diversas oportunidades, o STJ apresenta uma modificação de seu entendimento. Inicialmente, prevalecia o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas a posição atual é a de que prevalece a lei previdenciária, por ser específica (critério da especialidade), razão por que aquele sob guarda não tem direito a benefícios previdenciários. Diz o STJ: “A Terceira Seção firmou entendimento segundo o qual, após a alteração da Lei n. 9.528/97, não é possível incluir o menor sob guarda como dependente de segurado do Regime Geral de Previdência Social (...) A Lei previdenciária prevalece sobre a norma definida no par. 3 do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Atenção: Acerca dessa matéria, é importante fazer um esclarecimento. A posição do STJ deve ser abordada e explicada em questões discursivas. Em provas objetivas, o examinador normalmente se atém à letra da lei, de modo que o art. 33, par. 3 deve ser considerado como válido e aplicável. O leitor, ao resolver uma questão sobre o assunto, deve atentar para a redação da questão, por exemplo: “segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente...” ou “de acordo com a jurisprudência do STJ...”. Essas expressões são a chave para solucionar a questão. 2.6. Ação de guarda de um genitor em face do outro Para o STJ esta ação de guarda dos genitores possui natureza dúplice. Ou seja, se um genitor perde a ação de guarda o outro ganha, e vice-versa. O caráter dúplice decorre da naturalidade da guarda de um dos dois genitores. 28 Contudo, não existe natureza dúplice da sentença se a ação de guarda for proposta entre terceiros (aqueles que não são genitores), porque não é natural que eles detenham a guarda. 2.7. Guarda compartilhada entre não genitores O STJ já decidiu ser possível a guarda compartilhada por pessoas que não os genitores. Vejamos um precedente: REsp 114.713-8/SP – “Ementa: CIVIL E PROCESSUAL. PEDIDO DE GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR POR TIO E AVÓ PATERNOS. PEDIDO JURIDICAMENTE POSSÍVEL. SITUAÇÃO QUE MELHOR ATENDE AO INTERESSE DA CRIANÇA. SITUAÇÃO FÁTICA JÁ EXISTENTE. CONCORDÂNCIA DA CRIANÇA E SEUS GENITORES. PARECER FAVORÁVEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. I. A peculiaridade da situação dos autos, que retrata a longa co-habitação do menor com a avó e tio paternos, desde os quatro meses de idade, os bons cuidados àquele dispensados, e à anuência dos genitores quanto a pretensão dos recorrentes, também endossada pelo Ministério Público Estadual, é recomendável, em benefício da criança, a concessão da guarda compartilhada. II. Recurso Especial conhecido e provido”. 2.8. A guarda, em regra, não exclui o direito de visita dos pais e não cessa o dever de pagar alimentos Art. 33, par. 4: “Salvo expressa e fundamentada determinação em contrário, da autoridade judiciária competente, ou quando a medida for aplicada em preparação para adoção, o deferimento da guarda de criança ou adolescente a terceiros não impede o exercício do direito de visitas dos pais, assim como o dever de prestar alimentos, que serão objeto de regulamentação específica, a pedido do interessado ou do Ministério Público”. Depreende-se da referida norma que a regra geral é a de que os pais têm direito de visitar os filhos. Essa regra é excepcionada nos seguintes casos: a) No caso de guarda como preparação para adoção; b) No caso de determinação expressa em contrário da autoridade judiciária competente. Essa determinação só pode advir de situação concreta em que se verifique que a visita dos pais é prejudicial à criança ou ao adolescente. A determinação legal do par. 4, art. 33, é adequada, pois a guarda tem caráter transitório e o afastamento do convívio familiar é excepcional. Tendo em vista que a diretriz do Estatuto é a manutenção da criança ou adolescente em sua família natural, então nada mais correto que a aproximação de pais e filhos durante o período de colocação em família substituta. Essa convivência reaproxima as partes e permite o retorno da criança ao seio de sua família natural de forma menos traumática. 29 3. Regras Específicas sobre a Tutela 3.1. Conceito A tutela consiste na colocação em família substituta que, além de regularizar a posse de fato da criança ou do adolescente, também confere direito de representação ao tutor, permitindo a administração dos bens e interesses do tutelado. A tutela é mais abrangente que a guarda. 3.2. Idade máxima do tutelado Por óbvio, a idade máxima é de 18 anos (art. 36 do ECA). Na redação original do Estatuto, a idade limite para a concessão da tutela era de 21 anos – justamente porque essa era a idade em que se alcançava a maioridade quando do advento do Estatuto, em 1990. Com o advento do Código Civil de 2002, a plena capacidade para os atos da vida civil, maioridade, passou a ocorrer aos 18 anos. A Lei 12.010/2009 efetivou a alteração da idade no Estatuto, ao alterar o art. 36. 3.3. Perda ou suspensão do poder familiar na tutela Diferentemente da guarda, é pressuposto para a concessão da tutela que seja decretada a perda ou suspensão do poder familiar (art. 36, par. único). Naturalmente, se os pais já são falecidos, não há necessidade de se cumular o pedido de decretação da perda do poder familiar na demanda em que se objetiva a concessão de tutela. 3.4. Tutela testamentária A tutela testamentária é aquela feita por disposição de última vontade (testamento ou outro documento equivalente), conforme art. 37 caput do ECA. Art. 37 do ECA: “O tutor nomeado por testamento ou qualquer documento autêntico, conforme previsto no parágrafo único do art. 1.729 do Código Civil, deverá, no prazo de 30 dias após a abertura da sucessão, ingressar com pedido destinado ao controle judicial do ato, observando o procedimento previsto nos arts. 165 a 170 desta Lei.” Parágrafo único: “Na apreciação do pedido, serão observados os requisitos previstos nos arts. 28 e 29 desta Lei, somente sendo deferida a tutela à pessoa indicada na disposição de 30 última vontade, se restar comprovado que a medida é vantajosa ao tutelando e não existe outra pessoa em melhores condições de assumi-la”. Observa-se que o parágrafo único estabelece que o melhor interesse do menor, verificado no caso concreto, pode sobrepor-se à disposição de última vontade dos pais. Se houver pessoa em melhores condições de cuidar dos interesses da criança ou adolescente do que aquela indicada pelos pais, fica afastada a disposição de última vontade. 3.5. Exigência de caução na tutela testamentária Faz-se mister ressaltar que o art. 37 traz norma completamente diferente da anterior. Antes da Lei n. 12.010/2009, a previsão era sobre a hipoteca legal. Agora, o art. 37 disciplina a situação do tutor indicado pelos pais, via testamento ou documento idôneo. 31 4. Regras Específicas Sobre Adoção 4.1. Introdução histórica Inicialmente, à época do Código Civil Beviláqua de 1916, a adoção era deferida no interesse das pessoas que não possuíam filhos. O Código Civil de 1916 estabelecia a idade mínima de 50 (cinquenta) anos para o adotante, fato que dificultava sobremaneira a o processo de adoção. No ano de 1957 a legislação reduziu a idade do adotante de 50 anos para 30 anos. Em 1979, surge o chamado Código de Menores que, a partir de sua vigência, avocou aregulamentação do processo de adoção de menores do Código Civil de 1916, restando ao Código Civil somente a regulamentação do processo de adoção de adultos. Nos idos de 1990 surge o ECA e a dicotomia quanto à regulamentação normativa do processo de adoção persiste. O Código Civil de 1916 trata dos adultos e o ECA trata das crianças e adolescentes (não mais menores simplesmente). Eis que no ano de 2002 o Código Civil avocou a maioria das atribuições de regulamentação do processo de adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Atualmente, com a Lei n. 12.010 de 2009 (Lei Nacional de Adoção), houve uma reviravolta na legislação, pois, a partir desta data, o Estatuto da Criança e do Adolescente passou a regulamentar a adoção de crianças e de adolescentes, bem como a de adultos naquilo que lhe for pertinente. Portanto, no atual contexto, o Estatuto da Criança e do Adolescente regula a adoção de crianças, adolescentes e adultos. Vejamos como o Código Civil de 2002 corrobora este entendimento: Art. 1.618 do CC: “A adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente”. Art. 1.619 do CC: “A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente”. Ressalta-se que, antigamente, vigorava a distinção entre adoção plena e adoção simples. Na adoção simples o vínculo era somente entre adotante e adotado, isto é, não importava rompimento de diversos vínculos, possuindo, inclusive, efeito patrimonial limitado. No atual estágio, a adoção é sempre plena. 32 4.2. Conceito Adoção é uma medida protetiva de colocação em família substituta que estabelece o parentesco civil entre adotante e adotado, constituindo-se novos vínculos familiares e desconstituindo os vínculos familiares existentes, salvo os impedimentos matrimoniais (por questões de eugenia). 5. Espécies de adoção 5.1. Adoção unilateral Na adoção unilateral há o rompimento dos vínculos familiares em relação a somente um dos genitores. Art. 41, par. 1 do ECA: “Se um dos cônjuges ou concubinos (leia-se companheiros) adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concumbino do adotante e os respectivos parentes”. Exemplo: Pai e Mãe tem um filho e o pai vem a falecer logo em seguida. A mãe se casa novamente, essa terceira pessoa (padrasto) pretende adotar o seu filho. Exemplo: O pai não dá auxílio nenhum ao filho. Em decorrência disto, postula-se a desconstituição do poder familiar em face do pai ausente. Logo em seguida o padrasto promove ação de adoção. 5.2. Adoção bilateral Há o rompimento dos vínculos familiares em relação aos dois genitores. 5.3. Adoção singular Consiste na adoção que é requerida por apenas uma pessoa. Ou seja, tem-se apenas um dos pais adotivos. 5.4. Adoção conjunta Contrapõe-se a adoção singular. É aquela adoção requerida por duas pessoas que devem ser casadas ou estar vivendo em união estável. Portanto, não é possível que duas pessoas sem vínculo de casamento ou união estável adotem uma criança nesta espécie de adoção. O interesse é de inserir a criança ou adolescente em uma família. 33 5.5. Adoção de casal divorciado Excepcionalmente admite-se que a adoção seja deferida ao divorciados. Art. 42, par. 4 do ECA: “Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão”. Portanto, nota-se que os divorciados e aqueles que já encerraram a união estável podem adotar, desde que o estágio de convivência tenha ocorrido durante a união estável ou na constância do casamento. Além disso, deve ser acordado sobre o regime de guarda e deve ser comprovada, também, a existência de um vínculo em relação a aquele que não detém a guarda. Portanto, são os requisitos desta hipótese de adoção: 1. Estágio de convivência durante a existência do casamento ou união estável; 2. Mantença do vínculo entre o adotado e aquele que não possuirá a guarda, mantendo a afinidade; 3. Regime de visitas; 4. Acordo sobre a guarda compartilhada. 5.6. Adoção post-mortem, adoção nuncupativa ou adoção póstuma O art. 42, parágrafo 6 do Estatuto traz a possibilidade expressa de que a adoção seja levada a efeito ainda que o adotante venha a falecer no curso do procedimento. Art. 42, par. 6: “A adoção poderá ser deferida a adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença”. Questão: O que seria essa “manifestação inequívoca de vontade” de adotar? De acordo com o STJ, não ocorre manifestação inequívoca somente com o ajuizamento da demanda, poderá ocorrer, também, com atos anteriores ao ajuizamento da demanda, como, por exemplo, a contratação de advogado para tal intento. Atenção: Conforme o art. 47, par. 7, do ECA a adoção produz efeitos a partir do trânsito em julgado da sentença constitutiva (efeitos ex nunc), EXCETO na hipótese prevista no parágrafo 6 do art. 42 desta Lei (adoção post-mortem)¸caso em que terá força retroativa à data do óbito (efeitos ex tunc). Essa determinação de retroatividade dos efeitos da adoção à data do óbito é de extrema importância do ponto de vista sucessório. Como a herança é transmitida no momento da abertura da sucessão (direito de saisine – art. 1.714 do CC), sendo os efeitos da sentença de adoção ex nunc, poder-se-ia alegar que o 34 adotado não teria direito à herança, por lhe faltar o status jurídico de filho no momento da abertura da sucessão. Diante a previsão expressa da retroação dos efeitos da sentença à data do óbito, afasta-se qualquer possibilidade de discussão acerca dos direitos sucessórios do adotado. A Lei não deixa dúvidas, o adotado sucede também na adoção póstuma. 5.7. Adoção homoafetiva O STF reconhece que pessoas do mesmo sexo podem constituir uma entidade familiar. Ora, se essas pessoas podem constituir entidade familiar, logo, elas também podem adotar pessoas. Para o deferimento da adoção homoafetiva utiliza-se os mesmos critérios da adoção heterossexual, não devendo haver qualquer discriminação legal ou procedimental. Deve-se observar a regra de ouro do Direito da criança e do adolescente, qual seja, superior interesse da criança. O STJ, na questão da adoção homoafetiva, decidiu que deve prevalecer o melhor interesse da criança, o que significa dizer que, devidamente comprovado os laços afetivos de toda a família, a solução deve ser favorável a adoção. Vejamos o precedente mais importante: REsp 889.852 (Informativo n. 432): “Cuida-se de possibilidade de pessoa que mantém união homoafetiva adotar duas crianças (irmãos biológicos) já perfilhadas por sua companheira (...) Assim, impõe-se deferir a adoção lastreada nos estudos científicos que afastam a possibilidade de prejuízo de qualquer natureza às crianças, visto que criadas com amor, quanto mais se verificado cuidar de situação fática consolidada, de dupla maternidade desde os nascimentos, e se ambas as companheiras são responsáveis pela criação e educação dos menores, a elas competindo, solidariamente, a responsabilidade” (Rel. Min. Luis Felipe
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