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OLHAR ATUAL DA CLÁUSULA FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

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OLHAR ATUAL DA CLÁUSULA FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA
Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional | vol. 8/2015 | p. 143 - 153 | Ago / 2015
DTR\2015\11473
Ila Barbosa Bittencourt
Doutora e Mestre em Direito Penal pela PUC. Professora da PUC. Advogada.
prof.ila.pucsp@gmail.com
Ricardo Macellaro Veiga
Advogado. ricardomacellaro@adv.oabsp.org.br
Área do Direito: Constitucional
Resumo: Este trabalho aborda o princípio fundamental "dignidade da pessoa humana", introduzindo
o tema sob o prisma da doutrina constitucional alemã à luz dos precedentes do STF. Como resultado
temos que o princípio se instrumentaliza em quatro aspectos práticos, a saber: não
instrumentalização da pessoa humana; autonomia existencial do indivíduo; o dever geral de garantir
o direito de cada um ao mínimo existencial; e o direito ao reconhecimento dos diversos tipos de
sujeitos.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana - Eficácia irradiante - Controle de
constitucionalidade - Aspectos da dignidade da pessoa humana.
Abstract: This paper addresses the fundamental principle "human dignity", introducing the theme
from the perspective of German constitutional doctrine in the light of precedents of the Supreme
Court. As a result we have the principle is instrumentalized in four practical aspects, namely: no
exploitation of the individual; existential autonomy of the individual; the general duty to guarantee the
right of everyone to the existential minimum; and the right to recognition of various types of subjects.
Keywords: Human dignity - Radiant efficiency - Constitutional control - Aspects of human dignity.
Sumário:
- 1.Introdução - 2.Dignidade da pessoa humana - 3.Olhar da jurisprudência - 4.Conclusões -
5.Referências
Revista de Direito Constitucional e Internacional • RDCI 90/189 • 2015
1. Introdução
O objetivo do presente artigo é introduzir e situar o instituto, atualmente, no nosso ordenamento
jurídico. Para tanto, aponta-se sua topologia normativa e sua disciplina, abordando-se, na sequência,
seus principais aspectos.
Ao se deparar com sua grande amplitude, abordam-se igualmente as limitações impostas pela
doutrina para garantir a não banalização da aplicação da tutela, que na verdade se traduz em um
limite à possibilidade de garantia atualmente utilizado pelo STF.
Vale dizer, por fim, que o ponto de vista abordado se deu à luz de três precedentes jurisprudenciais
do STF, cuja finalidade última é estabelecer, com propriedade, a fase atual do que denominados de
“cláusula dignidade da pessoa humana”, sob a rubrica do prudente olhar do Pretório Excelso.
2. Dignidade da pessoa humana
2.1 Topologia da garantia constitucional do princípio positivado
Nos dizeres de Rizzatto Nunes, “Dignidade é um conceito que foi sendo elaborado no decorrer da
história e chega ao início do século XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construído
pela razão jurídica”.
O tema vem previsto dentre os princípios fundamentais, estabelecidos nos arts. 1.º a 4.º da
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Constituição republicana.
Princípios fundamentais são as opções jurídico-políticas fundamentais do poder constituinte. A rigor,
trata-se de normas jurídicas de condão político, fixadas como postulados pela nova ordem jurídica,
mas, como normas, são juridicamente aplicáveis aos casos específicos. Por isso torna-se possível
buscar sua disciplina atual em recentes julgamentos do Supremo Tribunal.
Comparativamente com os demais princípios, podemos dizer a que a Constituição contém, além (i)
destes princípios fundamentais, que são base para interpretação e aplicação da ordem jurídica
nacional – e a base do presente estudo –, também (ii) os princípios constitucionais gerais, que
consistem em especificações dos princípios fundamentais e se desenvolvem no teor do Diploma (v.g.
, o rol de princípios instituídos no art. 5.º, tais como o princípio da igualdade e o princípio da
liberdade; sem prejuízo dos demais princípios gerais, além daqueles do art. 5.º, tal como o princípio
implícito do duplo grau de jurisdição etc.), e (iii) os princípios constitucionais setoriais ou específicos,
que são detalhamentos dos princípios gerais para os diferentes ramos ou microssistemas do Direito (
v.g., no art. 165, III, se estabelece o princípio especial de direito financeiro, qual seja, o princípio da
anualidade; e, igualmente, no art. 170 se institui os princípios próprios de direito econômico, tais
como princípio da livre concorrência, princípio da defesa do meio ambiente ou princípio da defesa do
consumidor).
Os princípios fundamentais, por sua vez, são divididos em sete espécies, vale dizer, (i) fundamentos
da República (CF, art. 1.º); (ii) objetivos fundamentais da República (CF, art. 3.º); (iii) princípios do
Brasil nas relações internacionais (CF, art. 4.º); (iv) princípio da separação dos poderes (CF, art. 2.º);
(v) princípio federativo (CF, arts. 1.º a 4.º); (vi) princípio da república (CF, arts. 1.º a 4.º) e (vii)
princípio do Estado democrático de direito (CF, arts. 1.º a 4.º).
Dentro da subespécie “Fundamentos da República Federativa do Brasil”, com previsão no art. 1.º da
CF, temos situado o princípio da dignidade da pessoa humana, no inc. III do dispositivo, cujo estudo
se passa a desenvolver neste ponto doutrinário.
2.2 Que vem a ser dignidade?
Mas que vem a ser dignidade? Recorremos à melhor análise, explicada justamente por Rizatto
Nunes.
Diz respeito justamente ao ser humano. A formulação sobre o “ser” é de conjugação única, vale dizer
que é tautológica, pois defini-lo se reduz a um vício de linguagem que termina por dizer, por formas
diversas, sempre a mesma coisa: o ser é; ser é ser. Logo, basta a formulação “sou”.
Então, possível concluir que a dignidade nasce com a pessoa. É-lhe inata, inerente à sua essência.
Mas acontece que nenhum indivíduo, hoje, é isolado. Sendo certo que ele nasce com integridade
física e psíquica, chega um momento que seu pensamento igualmente deve ser respeitado, suas
ações, seus comportamentos, sua imagem, sua intimidade, sua consciência. Tudo isso, hoje,
compõe sua dignidade dentro de um meio social.
Rizatto cita Chavez de Camargo, que esclarece que “toda pessoa humana, pela condição natural de
ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca da natureza e se
diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais
um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da sua dignidade”
(destacamos). Ao concluir, o autor aponta em sua citação que, em face dessas características
especiais do ser humano – com relação ao mero “ser” –, “Não admite discriminação, quer em razão
do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental, ou crença religiosa”.
Em face desta enorme proteção, conferida por estas especiais características que tutelam a pessoa
mais do que um mero ser, para aplicação da tutela aponta-se ainda um conceito social, que na
verdade se traduz em um limite à possibilidade de garantia. Vale dizer que a dignidade só é garantia
ilimitada se não ferir outra.
3. Olhar da jurisprudência
3.1 Norma síntese de eficácia irradiante
Fixada pela primeira vez na Constituição de 1988, a dignidade se estende como direito a todos os
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seres humanos. O professor do Rio Grande do Sul Ingo Sarlet esclarece que ela “pode (e deve) ser
reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido empregado) ser
criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que existe em cada ser humano como
algo que lhe é inerente” (SARLET, 2006, p. 42).
A dignidade da pessoa humana é considerada uma norma síntese de todo o ordenamento. Pela
teoria preconizada pelo renomado Professor, dignidade da pessoa humana compõe uma totalidade
abstrata que,na figura de um elemento mais simples, consiste no núcleo axiológico de todo o
ordenamento. Veremos que por isso ela é considerada uma norma dotada de eficácia irradiante.
Ao se referir à dignidade da pessoa humana como “norma síntese” a doutrina aponta que esta
cláusula consiste em uma norma geral, que sintetiza em sua definição o objeto de todas as demais
normas jurídicas, sejam as constitucionais, sejam as infraconstitucionais. Confere-se com isso, ao
então princípio, “valor moral legitimador da força normativa da Constituição” (NOVAIS, 2011, p. 51).
Na sua finalidade, o princípio da dignidade objetiva garante o desenvolvimento da personalidade de
qualquer pessoa humana.
Assim foi que no RHC 94.358/SC, de relatoria do Min. Celso de Mello, j. 29.04.2008, o STF limitou a
atuação punitiva estatal e fixou a excepcional hipótese de regime domiciliar para condenado não
sujeito a regime aberto, nos seguintes termos:
“Ementa: Habeas corpus – Recurso Ordinário – Paciente recolhida ao sistema penitenciário local –
Precário estado de saúde da sentenciada, idosa, que sofre de grave patologia cardíaca, com
distúrbios neurocirculatórios – Risco de morte iminente – Comprovação idônea, mediante laudos
oficiais elaborados por peritos médicos, da existência de patologia grave e da inadequação da
assistência e do tratamento médico-hospitalares no próprio estabelecimento penitenciário a que
recolhida a sentenciada-paciente – Efetiva constatação da incapacidade do Poder Público de
dispensar à sentenciada adequado tratamento médico-hospitalar em ambiente penitenciário –
Situação excepcional que permite a inclusão da condenada em regime de prisão domiciliar –
Observância do postulado constitucional da dignidade da pessoa humana – Recurso ordinário
provido. – A preservação da integridade física e moral dos presos cautelares e dos condenados em
geral traduz indeclinável dever que a Lei Fundamental da República impõe ao Poder Público em
cláusula que constitui projeção concretizadora do princípio da essencial dignidade da pessoa
humana, que representa um dos fundamentos estruturantes do Estado Democrático de Direito (CF,
art. 1.º, III, c/c o art. 5.º, XLIX). – O réu preso – precisamente porque submetido à custódia do Estado
– tem direito a que se lhe dispense efetivo e inadiável tratamento médico-hospitalar (LEP, arts. 10,
11, II, 14, 40, 41, VII, e 43). – O reconhecimento desse direito apoia-se no postulado da dignidade da
pessoa humana, que representa – considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1.º,
III) – significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o
ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz, de modo expressivo, um dos
fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo
sistema de direito constitucional positivo. – A execução da pena em regime de prisão domiciliar,
sempre sob a imediata e direta fiscalização do magistrado competente, constitui medida excepcional,
que só se justifica – especialmente quando se tratar de pessoa condenada em caráter definitivo – em
situações extraordinárias, apuráveis em cada caso ocorrente, como sucede na hipótese de o
sentenciado ostentar, comprovadamente, mediante laudo oficial elaborado por peritos médicos
designados pela autoridade judiciária competente, precário estado de saúde, provocado por grave
patologia, e o Poder Público não dispuser de meios que viabilizem pronto, adequado e efetivo
tratamento médico-hospitalar no próprio estabelecimento prisional ao qual se ache recolhida a
pessoa sob custódia estatal. Precedentes.”
Finalmente, nesta vertente, firma-se a dignidade como “postulado-guia para orientar a hermenêutica
teleológica da Constituição” (PIOVESAN, 2012, p. 83).
Apregoa-se ainda que, por concentrar em sua definição o objeto de todas as demais normas
jurídicas e por ser considerada como núcleo axiológico de todo o ordenamento, referida cláusula
detém eficácia irradiante. A irradiação das normas constitucionais quer dizer que todas as normas da
Carta Constitucional se irradiam por todo o sistema jurídico, sendo certo que a melhor doutrina já
ensina a constitucionalização do direito.
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Assim, juridicamente todas as demais normas terão sua constitucionalidade analisada com base na
cláusula da dignidade da pessoa humana.
3.2 Quatro dimensões normativas do princípio
Dada a amplitude de sua definição, a fim de se garantir a aplicação – para que sua aplicação não
seja banalizada –, existe quatro dimensões de análise deste postulado, vale dizer (i) não
instrumentalização; (ii) autonomia existencial; (iii) direito ao mínimo existencial; e (iv) direito ao
reconhecimento. Vejamo-las.
Com origem no século XVIII, pois é um vetor kantiano, o primeiro limite que orienta a dignidade da
pessoa humana estabelece que o ser humano não pode ser “coisificado”, ou seja, ele não poder
tratado como um meio para obtenção de um fim – esclarece Kant que a pessoa não é preço, pois
não é alienável, objeto ou substituível, mas é dignidade, única, encerrando um fim em si mesma
diante do imperativo da razão (KANT, 2002). Em linhas gerais, pode-se dizer que o ser humano deve
ser um fim em si. Por exemplo, pelo Direito internacional, é direito do Estado sobrevoado obter a
identificação da aeronave estrangeira, em voo sobre seu território – a rigor, é de competência das
companhias aéreas realizar a identificação. Como consequência, o Direito internacional permite que,
caso a aeronave não se identifique oportunamente, o país sobrevoado tem o direito de abater este
voo. Neste exemplo, notadamente, se fere a dignidade da pessoa humana sob o prisma estudado
(não coisificação da pessoa). Ora, ao se permitir o abate do avião em atitude suspeita, sob o pretexto
de combate ao terrorismo, se instrumentaliza o ser humano ao eliminar vidas para garantir outra
finalidade. Desta forma, claramente a pessoa humana não é considerada como um fim em si mesma,
mas como instrumento para se atingir a segurança do Estado sobrevoado. Como exemplos podemos
também citar: a escravidão, que utiliza uma pessoa como meio de proporcionar riqueza para outras;
bem como a tortura, em que se sacrifica os direitos do suspeito em prol do bem da coletividade.
Este primeiro prisma do princípio da dignidade da pessoa humana já chegou aos tribunais
superiores, pois as pesquisas realizadas em seres humanos dizem respeito justamente a este vetor
– e ao da autonomia existencial, abaixo estudado. O maior caso esta contido na ADPF 54, de
relatoria do Min. Marco Aurélio, j. 12.04.2012. Nela, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do
Relator, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a
qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos arts. 124, 126, 128, I e II,
do CP. Frise-se que neste mesmo julgado, ao reinterpretar o art. 128 do CP, o STF também permitiu
a prática do aborto decorrente de estupro e decorrente de risco à vida da mulher. Em ambos os
casos, o fez com base no art. 1.º, III, da Constituição, a fim de que uma mulher, vítima de estupro ou
com risco de vida, não seja um meio para se garantir qualquer outro fim. O julgado citado, ainda com
base na dignidade da pessoa humana, fixou interpretação conforme a Constituição para evitar que a
mulher gestante de feto anencéfalo não sirva de meio para dar à luz um feto sem viabilidade de vida,
sob pena de chancelar ofensa à sua dignidade.
Sob um segundo prisma, a doutrina aponta ainda que a dignidade da pessoa humana orienta a
denominada autonomia existencial, que nada mais é que garantir o direito de escolhas privadas e
existenciais do individuo, de maneira que ele possa realizar seus projetos e suas concepções de
vida.
Por isso é que se diz que o Estado não pode ter ingerência nas escolhas privadas da população,
desdeque referida autonomia de escolha – privada – não desenvolva práticas ilícitas ou prejudique
terceiros ou, por fim, contrarie outros direitos fundamentais, tão importantes quanto à autonomia
privada. Nesta vertente é que surge o maior exemplo de aplicação prática desta faceta do princípio
estudado. Vale dizer que no enfrentamento da ADPF 132, de relatoria do Min. Ayres Britto, em
05.05.2011, o Tribunal julgou procedente a ação para reconhecer a união homoafetiva como instituto
jurídico, com base justamente no art. 1.º, III, bem como no art. 5.º e no art. 226, § 3.º, todos da
Constituição.
No entendimento ementado do Supremo Tribunal resta clara a proibição de discriminação das
pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da
orientação sexual de cada qual deles. Nesta homenagem ao pluralismo como valor
sócio-político-cultural o Tribunal chancelou exatamente a dignidade da pessoa humana, em especial
na sua vertente da autonomia existencial, garantindo a cada indivíduo, então, a liberdade para dispor
da própria sexualidade.
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A terceira vertente do princípio se sustenta no direito ao mínimo existencial a ser garantido ao sujeito
de direitos. Este é vetor trazido no século XX e visa complementar os dois anteriores, estabelecendo
que para se garantir a pessoa humana como fim em si mesmo e respeitar a sua autonomia de
realização existencial, devem-se oferecer as condições materiais básicas para a vida digna de cada
sujeito. Daí o dever do Estado de realizar prestações materiais para concretização de direitos
fundamentais sociais.
De fato, este vetor vem sendo usado pelo STF em vários julgados, nos quais ele afasta a
denominada reserva do possível – que consiste na limitação orçamentária dos entes, objeto de
direito financeiro –, bem como a discricionariedade do Executivo na implementação de políticas
públicas. Tais determinações judiciais têm como base justamente o atendimento ao mínimo
existencial, à luz da dignidade da pessoa humana, sendo certo que através do princípio temos,
atualmente, a concretização de direitos fundamentais sociais, a exemplo da educação e da saúde
para todas as pessoas.
Igualmente, podemos citar que o maior exemplo esta contido no julgamento da ADPF 45, de relatoria
do Min. Celso de Mello, j. 29.04.2004, em que o STF definiu a ação constitucional em referência
como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, podendo, portanto,
intervir na implementação de políticas públicas, quando configurada, porém, alguma hipótese de
abusividade governamental.
No entendimento ementado, o Supremo teceu considerações em torno da cláusula da referida
“reserva do possível”, ponderando, nesse sentido, a necessidade de preservação, em favor dos
indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do “mínimo existencial”.
Sobre o tema, o Ministro pondera:
“É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela
gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável
vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se
poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do
comando fundado no texto da Carta Política.
Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida
manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que
revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais
mínimas de existência.
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de
justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de
exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa
conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos
constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”
Daí aponta o próprio julgado a correta colocação de Ana Paula de Barcellos (A eficácia jurídica dos
princípios constitucionais, p. 245-246, 2002, Renovar), cujos exatos termos passamos a reproduzir:
“Em resumo: a limitação de recursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O
intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim
como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode
esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de
obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos
fundamentais da Constituição.
A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida,
como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as
condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições
materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo
existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas
depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que
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outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento
de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível”
(grifamos).
O julgado, de forma esclarecedora, afirma que este mínimo existencial, confrontado com a reserva
do possível, orienta-se em um binômio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da
pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de
disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas.
Por fim, adentramos na carente vertente da dignidade da pessoa humana consubstanciada no direito
ao reconhecimento – “carente” porque pouco desenvolvida pela doutrina e ainda não enfrentada pela
jurisprudência pátria.
Por este quarto e último vetor da dignidade, temos que as injustiças não envolvem apenas a
distribuição ou redistribuição de bens materiais, mas também o campo do reconhecimento de direitos
a um sujeito. Os seres humanos possuem, além de econômicas, concepções culturais e ideológicas
diferentes, sendo necessário, portanto, analisar cada indivíduo sob sua ótica particular, submetendo
cada caso a tratamentos diferenciados. É que pelo silêncio do legislador, que não é apto a aprovar
leis que atendam às minorias alvo de discriminação, vislumbra-se possível se alimentar o preconceito
entre as partes quando da análise do caso concreto. A violação à dignidade, aqui, não consiste em
tratar de forma desigual a humanidade diversificada. Este tratamento, contrariamente a uma
violação, é a garantia sob o prisma da autonomia existencial. Reside em tratar de forma
discriminatória, sendo certo que alguns grupos de pessoas, por sua posição social, necessitam de
maior suporte do ordenamento jurídico – e político – do que outros, de modo a merecer tratamento
social igualmente peculiar.
Ainda confuso, este vetor do direito ao reconhecimento é o mais atual da dignidade da pessoa
humana, foi preconizado no século XXI e se concentra no olhar que as pessoas lançam umas sobre
as outras em seu meio social.
Parece confundir com a vertente da autonomia existencial, mas se diferencia porque nãodiz respeito
ao atendimento dos anseios privados, diz respeito sim, ao reconhecimento de direitos a uma minoria,
distanciada então daquela parcela majoritária dos demais sujeitos da nação brasileira.
Assim, é possível concluir que o diferente pode ter diminuída sua dignidade em decorrência de
intolerância de uma maioria, a exemplo daquilo que ocorre nas religiões, com os homossexuais, ou
com os índios. Afronta o reconhecimento, por exemplo, a torcida que joga banana em jogador de
futebol; ou se impedir homossexuais de ingressarem em determinados locais públicos, tal como em
um hotel.
A título de conclusão, reafirma-se que este quarto e último prisma, desenvolvido com base no
princípio da dignidade da pessoa humana, carece de desenvolvimento científico nacional e não conta
com nenhum precedente jurisprudencial. Por estas razões, o admitimos como a fase atual da
dignidade de pessoa humana e se refere aos principais anseios a serem desenvolvidos da sociedade
moderna.
4. Conclusões
Colocados todos estes aspectos, conclui-se que o princípio fundamental dignidade da pessoa
humana possui conteúdo abstrato, que abrange a totalidade das normas do ordenamento, na figura
de um elemento mais simples. Com o condão não só de embasar a interpretação da ordem jurídica
atual, mas também de fundamentar os julgamentos dos tribunais, com aplicabilidade jurídica
imediata, é considerada norma constitucional, ficando a cargo de a doutrina ponderar, à luz da
problemática dos casos concretos, os limites jurídicos de sua disciplina.
5. Referências
BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2002.
DIAS BARROS, Sâmia. A dignidade da pessoa humana e os seus subprincípios. Revista FIDES
[2177-1383]. Yr: 2013 vol. 4, iss. 1, p. 34.
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DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Página 6
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: JusPodivm, 2014.
KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Saraiva, 2002.
PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos: e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva,
2012.
NOVAIS, Jorge Reis. Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa: sua
aplicação às relações de trabalho. Coimbra: Coimbra Ed., 2011.
NUNES, Luiz Antonio Rizatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, doutrina e
jurisprudência. Saraiva: São Paulo, 2002.
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2001.
______. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2006.
STF. ADPF 54, j. 12.04.2012, rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: [www.stf.jus.br]. Acesso em:
23.12.2014.
STF. ADPF 132, j. 05.05.2011, rel. Min. Ayres Britto. Disponível em: [www.stf.jus.br]. Acesso em:
23.12.2014.
STF. ADPF 45, j. 29.04.2004, rel. Min. Celso de Mello. Disponível em: [www.stf.jus.br]. Acesso em:
23.12.2014.
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