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Universidade do Estado da Bahia Departamento de Ciências Humanas Teoria Geral do Estado Curso de Graduação em Direito Relatório do texto: Da Casa do Rei à Razão de Estado: Um Modelo da Gênese do Campo Burocrático Autor: Pierre Bourdieu Salvador 2016 Relatório do texto: Da Casa do Rei à Razão de Estado: Um Modelo da Gênese do Campo Burocrático Trabalho desenvolvido em cumprimento às exigências de 1ª avaliação da disciplina Teoria Geral do Estado, do curso de Graduação em Direito, da Universidade do Estado da Bahia. Da casa do Rei à Razão de Estado: Um modelo da Gênese do Campo Burocrático Pierre Boudieu O texto se propõe a entender a origem do Estado identificando as características especificas da razão do Estado. O autor Pierre Bourdieu trata, em linhas gerais, da transição do Estado dinástico ao Estado burocrático. Tal análise é feita porquanto a falta de uma distinção clara entre Estado dinástico e Estado-nação impossibilita o pleno entendimento acerca da especificidade do Estado moderno O Estado dinástico obedece a lógica de casa do rei. Isto significa que o Estado caracteriza-se como um patrimônio hereditário que inclui todas as pessoas da casa, especificamente a família real, e que o rei deve administrar como um bom “chefe da casa”. A realeza propriamente dita é uma honraria transmitida por linhagem agnatícia hereditária e por primogenitura. As relações de parentesco, políticas e econômicas são todas interdependentes. Até a dimensão burocrática do Estado é subordinada à figura real que o encarna durante algum tempo. No Estado dinástico, o rei é também responsável, como “chefe da casa”, pela adoção de estratégias matrimoniais decisivas para a prosperidade da sua “casa”.A lógica dinástica explica bem as estratégias dos Estados que a adotam. É válido ressaltar também que há diversos trunfos particulares à disposição da família real, que facilitam a competição desta contra seus rivais. O poder real se legitima segundo a lógica da “bula especulativa”, isto é, o rei é rei porque os outros acreditam que ele o é. O rei também está posicionado de forma centralizada na casa, e pode controlar as alianças. Está assim acima de todos, tanto que a função de arbitragem lhe é predisposta. O Estado dinástico possui também diversas contradições. A acumulação inicial de capital se opera para que seja vantajoso a uma pessoa, e o proto-Estado burocrático permanece propriedade particular da casa. Os poderes privados são limitados em favor do seu próprio, e há a perpetuação de um modo de produção familiar antinômico que se institui na burocracia. O rei, ao concentrar os poderes econômico e simbólico, tem liberdade para redistribuí-los de acordo com formas pessoais. Todas as contradições geradas por este comportamento são determinantes na racionalização do Estado dinástico. As estruturas coloniais, porém, podem ser observadas até uma época tardia. A existência de clãs de base familiar, inclusive, contribuem indiretamente para a burocratização. Com a utilização da linguagem do Direito romano, houve uma gradativa conversão do princípio dinástico em um princípio verdadeiramente “de Estado”. As estruturas de parentesco e as guerras palacianas, em mais um paradoxo, favorecem o desenvolvimento de formas de autoridade independentes de parentesco. Após algum tempo é possível encontrar, em praticamente todos os casos, uma tripartição do poder, dividido entre rei, seus irmãos e seus ministros, que são recrutados pelo mesmo por critério de competência. Os ministros são importantes uma vez que o rei precisa deles para que se limite e controle o poder dos seus irmãos, aplicando-se também o inverso. O princípio jurídico se apoia sobre uma visão de coroa como soberania que está acima do rei como pessoa, sendo mais aceita a concepção de que a coroa é o patrimônio do rei e a continuidade dinástica, sendo a pessoa do rei um mero elo. Após algum tempo é possível encontrar, em praticamente todos os casos, uma tripartição do poder, dividido entre rei, seus irmãos e seus ministros, que são recrutados pelo mesmo por critério de competência. As posições de altos dignitários são ocupadas por estrangeiros, especificamente ex-cristãos islamizados, para que estes altos dignitários mantenham-se impessoais. Há assim uma divisão inicial do trabalho de dominação entre os herdeiros e os oblatos ou homines novi. Oblatos são indivíduos de fora da dinastia que tem o papel de limitar o poder dos seus membros hereditários. Os oblatos, porém, são recrutados de forma a serem irreprodutíveis, para que não se permita a dinastização do seu poder. Segundo o autor, o artesão ocupava uma posição cuja representação era muito temida e respeitada, pois a especialidade poderia conferir a ele um poder perigoso. Por conferir tal poder, a especialidade é delegada a grupos étnicos minoritários que são facilmente identificados e estigmatizados. Os detentores do poder dinástico têm interesse em se apoiar em grupos que devem ser impotentes, militar ou politicamente, para a manipulação de ferramentas que, em mãos perniciosas, seriam perigosíssimas. O princípio da contradição principal do Estado dinástico está no conflito de dois modos de produção. Á medida que o Estado dinástico se constitui, que o campo de poder se diferencia, que se inicia uma divisão do trabalho de dominação, o caráter contraditório do modo de reprodução em vigor se acentua. O Estado dinástico perpetua um modo de reprodução fundamentado na hereditariedade, que é antinômico com o que se apresenta na burocracia. O Estado dinástico, em um momento crucial da transição para Estado burocrático, institui a apropriação privada dos recursos públicos por poucos. Há interesses privados e lucros particulares a serem apropriados do público, e é assim que é perpetuada a ambuguidade do Estado dinástico. Os detentores de uma autoridade delegada pelo Estado têm a capacidade de lucrar de incontáveis maneiras sobre seu cargo. Na prática, todo ato ou processo administrativo pode ser bloqueado, retardado, facilitado ou acelerado em troca de determinada quantia em dinheiro. Sendo a corrupção um vazamento no processo de acumulação de capital estadístico, o qual permite a acumulação de capital em níveis inferiores, consequentemente retardando a transição do feudalismo ao absolutismo. A impersonação do Estado pela pessoa do rei exprime bem toda a confusão de ordem pública e privada presente no Estado dinástico e contra a qual se deverá construir o Estado burocrático, que supõe a dissociação de posição e seu ocupante, função e funcionário, interesse público e privado. O processo de ruptura com o Estado dinástico assume a forma de dissociação entre imperium e dominium, entre a praça e o palácio. O processo de desfeudalização implica na ruptura dos laços e processos de reprodução “naturais”. O Estado é se institui na e para a instauração de uma lealdade específica que implica uma ruptura com todas as fidelidades originárias. Este processo reserva um espaço considerável para a educação, tendo em vista a multiplicação das universidades europeias a partir do século XVI, a fundação de escolas urbanas nos séculos XV e XVI e o papel exercido pela invenção da imprensa. A substituição da hereditariedade dos cargos pela nomeação tem como resultado uma clericalização da nobreza. Os clérigos originam gradativamente suas instituições específicas, das quais o Parlamento é a mais notável. Dotados de recursos específicos como a escrita e o Direito, ele também asseguram desde cedo o monopólio dos recursos tipicamente estadísticos. Istogera a racionalização do poder e a construção do Estado segundo o modelo da Igreja, com o modo de pensar típico do Direito Canônico e a adoção da lógica escolástica. Isto contribuiu de forma imprescindível para a gênese do Estado burocrático de per si, a exemplo da invenção das virtudes da prudência e da cortesia. O Estado é fictio juris, ou seja, uma ficção de juristas que contribuem ao produzir uma teoria do Estado. O jurista, senhor das palavras e conceitos, oferece meios de se pensar realidades ainda impensáveis, além de propor todo um arsenal de técnicas organizacionais, modelos de funcionamento e um capital de soluções e de precedentes. Não é suficiente tomar os conceitos da realidade analisada para entendê-la e compreender adequadamente os escritos políticos, que ao invés de meras descrições teóricas são prescrições práticas. Pode-se afirmar que os que mais contribuíram para possibilitar o avanço da razão e do universal possuíam interesse privado no interesse público. Não basta descrever a lógica do processo que leva ao surgimento da burocracia moderna, é necessário retomar o sentido profundo dessa série de inovações infinitesimais porém decisivíssimas que levaram à instauração de uma lógica propriamente burocrática de poder impessoal. Na época dos normandos, o great seal era confiado ao chancellor, que no final da Idade Média e durante a era Tudor é o primeiro-ministro do rei. Como o great seal é usado para muitos fins, emprega-se então um privy seal para assuntos privativos ligados diretamente ao rei, que por meio desse dá ao chancellor as diretivas para o uso do great seal. O privy seal é, logo, confiado a outro funcionário, o keeper of the privy seal. Após algum tempo, surge um secretário ainda mais privado para intervir entre o rei e os keepers, o king’s clerk, cuja competência é guardar o king’s signet. Na época da dinastia Tudor existem dois secretários reais ditos de Estado. Estabelece-se desta forma uma rotina : documentos assinados pela mão do rei, o royal sign manual, e contra-assinados pelo secretário de Estado, possuidor do king’s signet, são enviados a o keeper of the privy seal como diretivas para os documentos que devem conter o privy seal, estes servindo para instruir o chancellor na utilização do great seal, sendo esta cadeia geradora de responsabilidade ministerial. O que torna os ministros extremamente atentos à manutenção deste formalismo é puramente o medo de uma interpelação acerca dos atos reais e de que sejam incapazes de provar que se tratam, de fato, atos reais. Isto é extremamente vantajoso para o rei, pois os ministros cuidam sempre dos interesses reais e não o traem ou enganam. O great seal e o privy seal são verdadeiros instrumentos de governo. Nada é mais incerto e improvável que a invenção, teórica e prática, da coisa pública, do bem público, das condições estruturais da dissociação dos interesse privado e público, da renúncia ao uso privado de um poder público. Porém, de maneira paradoxal, a gênese difícil de uma ordem pública acompanha a aparição e a cumulação de um capital público, e, com a emergência do estado burocrático como campo de lutas pelo controle desse capital, do poder sobre a redistribuição dos recursos públicos e seu respectivo lucro.
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