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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DE HUMANAS CURSO DE DIREITO DISCIPLINA DE DIREITO ACHADO NA RUA Andinaíma Messias, Izabella Gutierres, Leonardo Utzig e Pedro Silveira “MALUCOS DE ESTRADA”: RECONHECIMENTO DO ARTISTA DE RUA COMO SUJEITO DE DIREITO E VALORIZAÇÃO DA ARTE E CULTURA DE RUA Santa Maria 2016 TEMA “Malucos de estrada”: reconhecimento do artista de rua e valorização da arte e cultura de rua. DELIMITAÇÃO DO TEMA Não reconhecimento dos “malucos de estrada” presentes em Santa Maria como grupo cultural detentor de direitos relacionados à cultura e liberdade de expressão. PROBLEMA Os artistas e artesãos de rua desempenham uma função muito importante na sociedade. Andando pelas ruas de Santa Maria, podemos encontrar um artista fazendo algo fantástico. Artesãos, músicos, atores, palhaços, acrobatas, malabaristas e muitos outros estão presentes na realidade do esmagador concreto das cidades, e costumam colorir as ruas e bordar sorrisos nos rostos das pessoas que estão sufocadas pela rotina. Além disso, os artistas de rua trazem inúmeras questões existenciais e políticas à tona o que é, em si, uma das funções da arte, pois ela não serve apenas para o entretenimento. Sabemos que estamos vivendo em uma sociedade na qual o artista em si não é valorizado, e quando se fala em artistas de rua, a desvalorização é ainda maior. O projeto busca desvelar as problemáticas que envolvem os “malucos de estrada”, reconhecer suas demandas e denunciar as violações de direitos relacionados à cultura e à liberdade de expressão sofrida por eles em função de seu modo de vida alternativo, que converge do padrão social imposto pelo sistema. Além disso, através desse queremos desenvolver uma das primeiras pesquisas jurídicas a respeito deste movimento, tentando responder: É possível, através da pesquisa e extensão jurídica, reconhecer o movimento dos “malucos de estrada” como novos sujeitos de direitos e assim colaborar com a luta pela garantia de sua liberdade de expressão e modo de vida alternativo? OBJETIVOS Reconhecer as demandas dos “malucos de estrada” no que se refere a direitos fundamentais, culturais e de liberdade de expressão; Difundir dentro da sociedade quem são os “malucos de estrada” e estimular o reconhecimento destes como um grupo cultural detentor de direitos; Conhecer a visão políticosocial desse grupo e conhecer sua visão do que é o direito. METODOLOGIA Apesar de ser um movimento que existe desde o final dos anos 60, não há pesquisas que conceituem quem são os “malucos de estrada” e que recaia com um olhar jurídico sobre esse grupo de agentes sociais. Até hoje, no Brasil, temos apenas um documentário (“Malucos de Estrada Cultura de BR” produzido pelo coletivo Beleza da Margem) e pesquisas feitas em cima dessa produção audiovisual. A partir de entrevistas gravadas em vídeo, iremos mostrar quem são os “malucos de estrada”, a visão que estes têm do Direito, da norma e da estrutura social que vivemos, fomentar a pesquisa a respeito dos “malucos de estrada” como novos sujeitos de direito e através das entrevistas identificar: Percepção que os “malucos de estrada” têm de si mesmo e quem são eles? Visão do Direito? Visão do mundo? Visão da norma e estrutura social? Além de realizar pesquisa documental. MÉTODO DE EXTENSÃO O movimento dos “malucos de estrada” apresenta, no corpo do projeto apresentado, um imensurável número de artistas de rua vivendo à margem da sociedade materialista e impositiva atual. Dentro disso e através da pesquisa realizada no presente trabalho, percebese a possibilidade da criação de um grupo de extensão voltado à assistência jurídica aos “malucos de estrada” e posteriormente podendo ampliarse a todos e todas artistas de rua santamarienses. O objetivo do grupo é apoiar o movimento em pauta de maneira horizontal, entendendo que nenhuma cultura pode ser considerada superior à outra e compreendendo o protagonismo dos “malucos” como novos sujeitos de direito. Para viabilizar esse apoio apontado, é preciso aproximarse desse movimento, a fim de receber e passar experiências, além de difundir para o senso comum, buscando desconstruir a percepção preconceituosa que se tem dos artistas e artesãos de rua. Assistência jurídica Visto que, atualmente, a prefeitura de Santa Maria impõe grandes obstáculos à cultura dos artistas de rua e fundamentandose na Constituição Federal vigente, especificamente no art. 215, § 1º, § 3º ( I, II, III, IV, V), e no art. 216 em sua íntegra, o grupo de extensão almeja prestar assistência aos “malucos de estrada” em seus anseios de identificação e reconhecimento como patrimônio imaterial brasileiro e como novos sujeitos de direito. Dentro disso, o grupo almeja também empreender o respeito e difusão das culturas nãodominantes na sociedade, reivindicar a liberdade de expressão e manifestação dessas culturas dentro de um grande centro social como Santa Maria, além de entender e difundir de maneira horizontal essas culturas. Por fim, dentro do corpo político do município, assistir e acompanhar juridicamente os artistas de rua, com o intuíto de que esses tenham acesso ao espaço público adequado para expor suas produções artísticas e culturais, de maneira segura e digna. MALUCOS DE ESTRADA INTRODUÇÃO Malucos de estrada: desmitificando o termo “hippie” O “maluco de BR” é um canibal cultural, um antropófago. As culturas com as quais ele tem contato, as diferentes pessoas que atravessam seu caminho, as geografias que ele percorre, tudo isso cria um ser único, paradoxal e multifacetado. Tratase de uma expressão cultural que foi sendo construída durante várias décadas e, no Brasil, a partir de diálogos entre os movimentos de contracultura da década de 60 inclusive o movimento hippie como aqui chegou e foi traduzido , os cenários interculturais brasileiros, os contextos políticos, sociais e econômicos específicos com os quais interagiu e os demais com os quais se hibridou, através de uma complexa teia de relações, configurase o “maluco de estrada”. Além disso, é uma cultura viva e dinâmica, que se encontra em constante movimento. Assim, centenas de artesões e artesãs do Brasil inteiro, se reconhecendocomo “malucos de BR”, produzem sua arte para vender pelas cidades do país. A “malucada”, como são carinhosamente conhecidos, muitas vezes é perseguida pelo poder público e discriminada pela sociedade. São pessoas que buscam viver aquilo que acreditam, produzindo sua arte que, por conta do preconceito, não é reconhecida. Os “artesãos viajantes” do Brasil não se identificam com a nomenclatura “hippie” e se tratam por “maluco” mesmo. Os conhecidos “hippies” integraram o movimento hippie nos anos 70, contestando a guerra, carregavam o lema “paz e amor”. Hoje em dia, os ditos “hippies” já não existem mais. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Os “malucos de estrada” são frequentemente vistos como marginais, “vagabundos” e sofrem preconceito da sociedade por estarem fora de determinados padrões de vida impostos. Comportando uma cosmovisão, práticas, estilos de vida, fazeres e saberes que conferem as matrizes características desta expressão, os “malucos de estrada” resistem, através da sua própria forma de vida e especificidades, contestando o sistema opressor que vivemos e seus mecanismos de dominação. Vemos que o fato de levarem a vida como levam, já é em si, um ato de rebeldia, resistência e protesto. Dessa forma, o modo de vida compartilhado pelos malucos acaba por resultar em uma desobediência civil, a partir da busca por meios que sirvam para opor resistência, questionar, denunciar e controlar os atos arbitrários da autoridade constituída e práticas que extrapolam os limites e acabam entrando na esfera dos direitos sociais, quase sempre os restringindo. Como por exemplo, quando expõem em lugares que, por meio de leis municipais, lhes é proibido, e mesmo assim colocam seus artesanatos nesses locais, desrespeitando as normas e assim protestando, resistindo e também denunciando práticas abusivas das autoridades. No âmbito jurídico, a prática alternativa desse grupo é assegurada constitucionalmente e nos termos das leis municipais, descritas abaixo: ● DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, Art. 5º, IX CF. “É livre a expressão de atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” ● DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, Art. 1º, IV CF. “Os valores sociais e da livre iniciativa”. ● LEI COMPLEMENTAR Nº 92, DE 24 DE FEVEREIRO DE 2012 DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 6º CONSOLIDAÇÃO DO CÓDIGO DE POSTURAS DO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA. “É livre à população o uso e circulação pelos logradouros públicos, nos termos desta Lei.” Como podemos ver, é positivado o direito de transitar nas vias públicas expondo a arte e compartilhando livremente de um modo de vida diferente do tradicional. Entretanto, muitas vezes, esses direitos não são respeitados uma vez que a sociedade e os órgãos públicos discriminam e marginalizam o movimento e a cultura dos “malucos de estrada”. A própria população atribui à eles conceitos negativos, desvalorizando a arte e modo de vida destes, contribuindo para que cresça cada vez mais o preconceito social para com eles. É comum encontrar violentas “batidas” da brigada militar e da guarda municipal nos locais onde os “malucos” expõem o seu trabalho, alegando que eles perturbam a ordem e o fluxo das cidades. Em algumas destas ocasiões, os policiais quebram as artes dos “malucos”, acabando com todo um trabalho que envolve tempo e criatividade e também com as matérias primas para a confecção de brincos, colares, pulseiras e outros objetos cuja venda sustentará o alimento e as possíveis viagens dos “malucos”, os quais não pensam na acumulação de bens, mas na manutenção do seu modo de vida. Os “malucos de estrada” como novos sujeitos de direito Os artesãos e as artesãs de rua que se identificam como “malucos de estrada” são os protagonistas de um movimento contracultura, de pessoas que se encontram insatisfeitas com os padrões de vida e o sistema vigente. Dessa forma, abdicaram de quase tudo que nos é imposto e decidiram viver suas vidas da maneira como acreditam que deve ser. Desprendidos do valor material e econômico das coisas, os “malucos de estrada” são pessoas do mundo, sujeitos que reivindicam seu direito de ir para o lugar que quiserem, não ter um emprego nem moradia fixos, trabalhar quando e onde quiserem, e também criar o que bem desejarem. Normalmente utilizando materiais que vêm direto da natureza, como sementes, penas e pedras, os artesãos criam artesanatos e expressam neles sua subjetividade. Os valores cobrados em cima das peças criadas e que recebem por seus “trampos” não têm como objetivo o acúmulo de bens materiais, mas apenas de manutenção das suas vidas, com alimentação, vestimenta, material para continuar produzindo e por vezes pagar hotel ou alojamento e transporte. Depois de entendermos isso, podemos começar a estabelecer uma relação entre as práticas do movimento dos “malucos de estrada” e a noção de “novos sujeitos de direito” ao se falar de Direito Achado na Rua. Touraine (1994: 277 279), por exemplo, vai classificar o sujeito de direito como movimento social, afirmando que “o indivíduo se torna sujeito, arrancandose a si mesmo, se opuser à lógica de dominação social em nome de uma lógica de liberdade, da livre produção de si próprio” e que “a liberdade do sujeito adota um conteúdo de contestação que se contrapõe ao positivismo e tecnicismo da sociedade moderna”. Dessa forma, quando vamos pensar nas práticas e cosmovisão de mundo compartilhada pelos “malucos de estrada”, além do que eles representam na sociedade, podemos ver que são sujeitos que abordam e colocam em jogo diversas questões sobre liberdade e contestação do padrão de vida da sociedade moderna. Além disso, por serem nômades e possuírem uma cultura em constante transformação, são sujeitos que estão sempre buscando a livre produção de si mesmos. Os “malucos de estrada” se opõem à lógica de dominação ao possuírem característica postura marginalizada (costumes, características, filosofia de vida, entre outros, que são postos e vistos à margem da sociedade), a qual nega todo padrão de vida e de pensamento que é imposto pelo sistema capitalista como forma de dominação. Touraine (1994: 292 294) também afirma que os novos sujeitos de direito exercem ações coletivasde novo teor, vinculadas à defesa da dignidade e da identidade. Então, o que justamente encontramos no movimento dos artesãos viajantes é que estes defendem o reconhecimento da sua identidade comum e visão de mundo enquanto grupo social, além do reconhecimento de sua arte, cultura e produção artística como um patrimônio imaterial cultural brasileiro. Posteriormente, Touraine (2006) analisa que a partir da globalização há uma brusca separação da dimensão econômica das esferas política e social, assim configurando novos movimentos que vêm a resistir ao modelo de desenvolvimento globalizado neoliberal e que trazem à tona a emergência das questões referentes à dimensão cultural (direitos culturais). Tal como observamos no movimento dos “malucos de estrada”, que também lutam pelos seus Direitos Culturais, reivindicando o reconhecimento das diferentes instâncias da vida social, da consciência individual e a afirmação dos direitos individuais, mostrando a necessidade de um diálogo intercultural dentro da nossa sociedade. CONCLUSÃO A partir das pesquisas e entrevista, o grupo observou que os “malucos de estrada” possuem suas próprias características, além de uma visão de mundo compartilhada entre eles. Dentro disso, por serem um movimento contracultura, questionam os padrões impostos pela cultura dominante a partir da forma de vida que levam, sofrendo devido à essa postura marginal, grande repressão tanto policial, como política e da própria sociedade. Foi observado, também, que a principal reivindicação do grupo é o reconhecimento do seu movimento como patrimônio cultural imaterial brasileiro. Nesse sentido, surge a segunda reivindicação do grupo, a criação de leis que os contemplem, que os tirem da invisibilidade atual imposta pela classe dominante e que os deem dignidade em sua forma de vida. Concluímos, portanto, que os “malucos de estrada” sofrem grande discriminação dentro do espaço social, sendo acusados até mesmo de “sujar a cidade”. A partir disso, entendemos como importante a assistência jurídica a esse movimento e a todos os movimentos de artistas de rua, devendo esses terem seus direitos de liberdade e trabalho devidamente assegurados dentro dos grandes centros. Findamos acrescentando que cultura alternativa, à margem da sociedade, é tão rica e tão bela como qualquer outra cultura tida como superior por uma sociedade repressiva e violenta. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA TOURAINE. A crítica da modernidade. 1994. Cap. 2. “Sujeito como movimento social”. Malucos de estrada A cultura de BR (Documentário produzido pelo Coletivo Beleza da Margem) www.belezadamargem.com.br
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