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Ex.1 264535 Ac 445K22 ISBN 85-7396-381-6 organizado por Monica M. Kother Macedo N.Cham. 159.993 C761 2005 Titulo: (Con)textos de entrcvista olharcs diversos sobre a interacao humana, 111111111111111111111111111111111111111111111111111111111I11 Olhares diversos sobre a interacao humana (CON)TEXTOS DE ENTREVISTA .t~1",nuo lIn""",taflo RlItw00\ It' ~y Biblloteca ~~~~~;:1 ~~ Casa do Psic6logo® Adriana Ampessan Angela Cristina Barrios Pratini Seger Blanca Susana Guevara Werlang 'Carolina Neumann de Barros Falcao Denise da Costa Hausen Dulce Helena Aguilar Baldo Fabrlcia Ramos Irani de Lima Argimon Jacqueline Poersch Moreira Janke de Oliveira Castilhos Vitola Juliana Rausch Potter Kelly Cardoso Paim Leanira Kesseli Carrasco (org.) Maria Lucia Tiellet Nunes Marta Cemin Moruca Medeiros Kother Macedo (org.) Nadia Maria Marques Nadir Helena Sanchotene de Souza Nelson Asnis Neri Mauricio Piccolo to Ricardo Wainer Sissi Vigil Castiel 'Ierezinha Rech Autores: Olhares diversos sobre a interacao humana (CON)TEXTOS DE ENTREVISTA Monica Medeiros Kother Macedo Leanira Kesseli Carrasco (ORGS.) 1 "[As pedras falam!) 2 FREUD, Sigmund - Eriologia da Histeria (1896). AE. Vol HI. P.192 Considerando a Psicanalise como teoria que sustenta a corn- preensao do Hornern em urn espaco de investigacao, vitalizado pela curiosidade entre 0 desconhecido e 0 conhecido, e 0 tran- sito entre 0 sinistro e 0 familiar, e possivel acompanhar os fei- tos dessas duaJidades na via da repeticao, Por rneio da psicana- lise podernos adentrar urn labirinto caracterizando um caminho "Imagine-se que urn explorador chega a uma regiao pouco conhecida onde seu interesse e despertado por extensa area de rufnas com restos de paredes, fragmentos de colunas e lapides com inscricoes meio apagadas e ilegfveis. Pode contentar-se em inspecionar 0que esta visivel, em interrogar os habitantes que vivam nas vizinhancas - talvez uma populacao semibarbara - sobre 0 que a tradicao lhes fala da hist6ria e do significado desses resfduos arqueol6gicos, anotando 0 que the foi dito - e entao seguir viagem. Mas pode agir diferentemente. Pode levar consigo picaretas, pas e enxadas e colocar os habitantes para trabalhar com esses instrumentos. Junto com eles, pode atacar as minas, remover o lixo e, cornecando dos resfduos visfveis, descobrir 0 que esta enterrado. Se seu trabalho for coroado de sucesso as descobertas sao "auto-explicativas": as paredes arruinadas sao parte das muralhas de urn palacio ou de uma tesouraria; os fragmentos de colunas podem reconstituir um templo; as numerosas inscricoes, que por um lance de sorte podem ser bilingiies, revelam urn alfabeto e uma linguagem que, uma vez decifrados e traduzidos, fornecem informacao nem sonhada sobre eventos do mais remoto passado, para cuja comernoracao os monumentos foram construidos. Saxa loquuntur!""! c 2 APRESENTA~Ao a Editora e Grdfica Ltda coral ou parcial desta obra para os direi cos reservados, o - [d. Mexico - lratibaiSP - Brasil ...::....;.-=----=-::=:.0.__ ..- .... (11) 4524.6997 - www.casadopsicologo.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil fndices para canilogo sistematico: I. Entrevisra: Psicologia aplicada 158.3 CDD-158.305-4072 1. Enrrevisra 2. Inreracao Social 3. Psicanalise l. Macedo, Monica Medeiros Korher, II. Carrasco, Leanira Kessell. III. Tlculo: Olhares diversos sobre a inreracso humana. Vdrios aurores. Bibliografia. ISBN 85-7396-381-6 (Con)rcxtos de entrevista: olhares diversos sobre a interacfio hurnana I Monica Medeiros Kother Macedo, Leanira Kesseli Carrasco, (organizadoras). - - S50 Paulo: Cas a do Psicologo®, 2005. Dados Internacionais de Cataloga~5.o na Publica~ao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Cap a Andre Petry Revisao Ortogrdflca StlZII7IfI Rehmenkla« & Adrian» Schirmer £ditores 1l1go Bernd Giinter: e Siilsifl Delphina Tosi Produ~5.o Grafoca e Editoracao Elerrenica Al1dr! Cipriano 1·edi~o 2005 © 2005 Casapsi Livraria Editora e Gdfica Ltda ~ proibida a r~prodll~ao total ou parcial desra publicacao, para qualquer finalidade, scm aurorizacao por escriro dos editores. tarnbem servir a pluralizacao de vozes e a distribuicao demo- cratica da informacao". Marcam com a flexibilidade do pensa- mento academico voltado para a investigacao urn. espaco para que outros colegas se pronunciem tambem 0 que pensam sobre o que fazem. Passo a apresentacao de cada capitulo, antecipo minhas des- culpas aos pr6ximos leitores deste livro, por cometer 0 deslize de permanecer, por mais tempo, nas paginas, com aqueles au- tores com quem tenho "comemorado" as descobertas valiosas na construcao legada por Sigmund Freud. Per via de porre, uma intervenciio psicanalitica? Capitulo escrito por Denise Hausen evidencia 0 lugar de compromisso que ocupa em relacao a psicanalise, Leva-nos a pensar sobre as diferencas das producoes psfquicas e as consequencias nas inter- vencoesdo analista.Recuperaa propostafreudiana,napedra bruta escultura-se 0 conflito, e per via de levare encontra a terapeuti- ca de acesso ao conteiido recalcado: aqui, propoe que pensemos em intervencoes per via de porre considerando suas inquieta- 90es com as patologias que caracterizam a clfnica atual. A escuta na Psicandlise e a Psicandlise da escuta, assina- do por Monica Medeiros Kother Macedo e Carolina Neumann de Barros Falcao, e uma reflexao. Os questionamentos, entre linhas, sobre: Em que consistem a originalidade e a singulari- dade da experiencia analftica? 0 que se transmite na Psicanali- se?, Como se transmite? levam-nos a pensar que a experiencia em psicanalise nao tern outro sentido: e a experiencia que cada urn retira de sua pr6pria analise. Urna escolha que nao pode ser por fidelidade, nem por prescricao, nem por reproducao; "0que visa ser escutado na psicanalise resulta em uma psicanalise da escuta". Sissi Vigil Castiel e Carolina N. de Barros Falcao escre- vem A implicaciio do Lugardo analista no destino do processo analitico. Como as autoras, tambem penso que 0 campo 7MOnicaMedeiros Kother Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) a ser descoberto, urn enigma a ser decifrado, 11111l'SJI'II,O no qual a hospitalidade se faz necessaria. 0 estrangcuu cit!IIt H) de cada urn nao deve inviabilizar os diferentes e dive: os sentidos da palavra hospitalidade. Hospitalidade remote II IIIIlH utitudc in- trfnseca ao processo de desvendar 0 si ni.,1ro de nossos analisandos na clinica psicanalitica, mas tarnhem ru~alusao a capacidade de escuta entre os pares. A leitura de (Con)textos de Entrevista e 1I11lU oportunidade privilegiada para testar a capacidade de convivcr com as dife- rencas, nos referenciais te6ricos, que sustentam a escuta dos autores que se apresentam nestas paginas. 0 territ6rio comum entre eles sao as inquietacoes que provocam 0 encontro com 0 outro: como ouvi-lo, pensa-lo, responder a isso? A partir de diferentes concepcoes te6ricas de como responder a demanda que 0 outro formula, os autores deste livro construiram diver- sas posicoes de escuta. Penso que e necessario situar-se em uma certa posicao em relacao a descoberta na arqueologia do outro, posicao que, independe das diferencas, porquc c etica. (Con)textos de Entrevista e urn livro escrito a partir de ex- periencias em diversos campos profissionais, mas 0 que chama a atencao, porque nao e comum em nosso meio, e que os auto- res nao trataram a teoria como dogma e se colocaram distantes da pratica viabilizada como receita. Todos, cada urn em sua perspectiva, propoem que pensemos a entrevista como 0 recur- so de "escutar" 0 outro, tanto na especificidade como na finali- dade de cada encontro. A complexidade de urn sistema aberto preve a fecundidade no intercambio. As organizadoras deste livro, Leanira Kesseli Carrasco e Monica Medeiros Kother Macedo,no capitulo de abertura, sus- tentam que "a entrevista, nas suas diferentes aplicacoes, e uma tecnica de interacao social, de interpenetracao informativa que- brando, assim, isolamento grupais, individuais, sociais; pode (Con) eexeosde enerevisea: olhares dlvcrsoa I6 dizem respeito a totalidade, a organizacao e a padronizacao. Os eventos sao examinados dentro do contexto no qual ocorrem, ou seja, na fanulia, e a atencao do terapeuta e centrada nas co- nexoes e nas relacoes entre os membros, mais do que nas ca- racterfsticas individuais". Em A circularidade sistemica na escuta clinica, Terezinha Rech afmna "a entrevista, primordialmente as primeiras, con- siste em lidar com situacoes complexas e ansiogenicas pela natureza da tarefa. Por urn lado, exige do profissional urn gran- de esforco interpretativo e, por outro, de seus integrantes urn esforco para estabelecer a comunicacao. Ambas as partes man- tem-se sob a efeito de uma forte carga cmocional, dificultando o seguimento de urn padrao determinado". Entrevista de Triagem: espaco de acolhimento, escuta e ajuda terapeutica, de Nadia Marques, autora com long a expe- riencia em atendimento institucional que contribui com suas observacoes acerca do valor das entrevistas de triagem. Neste modelo, 0 entrevistador e 0 entrevistado tern objetivos especf- ficos e papeis difercnciados. Escreve a autora que as entrevis- tas de triagem sao realizadas dentro do enfoque psicodinamico e tern como objetivos elaborar uma historia clfnica, definir hi- poteses de diagnostico e a indicacao terapeutica. Psicodiagnostico: recurso de compreensiio, no trabalho do psicologo de Leanira Kesseli Carrasco e Juliana Rausch Potter, em urn momento de discussao em torno da utilizacao dos testes na psicologia, as autoras procuram contextualizar a aplicacao no processo de psicodiagnostico e, fazem, inclusive, uma rela- traOinteressante com a identidade do psicologo, Entrevistas retrospectivas: autopsia psicologica de Blanca Suzana Guevara Werlang, Monica Medeiros Kother Macedo e Nelson Asnis. Por meio deste capitulo os autores entram no campo do inedito: a entrevista em que 0 outro efetivamente esta ausente, nao do lugar, mas, sim, da vida. Na seriedade que MOnica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Olll~.) 9 transferencial e, por excelencia, 0 campo de atrao da Psicanali- se. Assim, analista e analisando, no jogo de dupla escuta, po- dem construir destinos "para as forcas pulsionais e inscreve-las no universe da sirnbolizacao. Dentro desse contexto, a subli- macae seria 0 destino pulsional que se relacionaria a formas alternativas de satisfacao de desejo". E urn desafio a capacida- de do analista de colocar-se como objeto da pulsao e sujeito da atrao transformadora. Adriana Ampessan historiza urn percurso teorico-clfnico muito peculiar para definir-se na escuta do padecer infantil. A singularidade da psicanalise in/anti! leva 0 leitor a aproxi- mar-se de aportes que sustentam a escuta no processo de ana- lise da crianca. As entrevistas iniciais, as hip6teses, a inclu- sao dos pais fazem parte de urn circuito dinamico que funda- menta a terapeutica. Irani de Lima Argimon e Kelly Cardoso Paim relatam, em A entrevista motivacional, a experiencia com pacientes em uma unidade de dependencia qufrnica para apresentarem as inter- vencoes que consideram terapeuticas. Em Entrevista em psicoterapia cognitiva, Ricardo Wainer e Neri Maurfcio Piccoloto apresentam os aspectos que conside- ram importantes no desenvolvimento das entrevistas nesta mo- dalidade terapeutica. Janice Castilhos Vitola e Marta Regina Cemin movirnen- tam-se no contexto de entrevista a partir da afirmacao de que "0 psicoterapeuta e uma caixa de ressonancia e urn arnplifica- dor da experiencia do cliente. Percebe-se como urn todo, nao julga, nao interroga, nao tranquiliza nem interpreta. Seu objeti- vo e acompanhar as descobertas do cliente na forma como ele as vai experienciando." Nadir Helena Sanchotene de Souza apresenta 0 eixo que sustenta a modalidade de sua escuta na Terapia Familiar ao escrever que "os conceitos-chave do pensamento sistemico (Con)textos de entrevista: olhares diversos sobrc a Intcr.1~nOluunana8 J Psic6loga. Psicanalisra. Douroranda em Psican:Uiseda Universidade Auronoma de M~drid. Membro Pleno do Nucleo de Escudos Sigmund Freud (Porro Alegre) e da Sociedad Psicoanallricadel Sur de Buenos Aires. Eurema Gallo de Moraes' Angela c. B. Pratini Seger, em Entrevista clinica no con- texto hospitalar: revisiies e reflexoes, afirma que a interven- 9ao terapeutica, baseada na psicoterapia breve ~ocal, atend~ 0 paciente, considerando seu momenta atual de cns~, seu funcio- namento eg6ico e, em especial, os recursos defensivos que pos- sui para enfrentar este momento. A entrevista na empresa visa obter inforrnacoes a respeito das pessoas que estao se candidatando a uma opo~nidade de trabalho. Para conduzi-la de forma estruturada, e preciso conhe- cer os requisitos da funcao e da organizacao da empresa e, tam- bern, avaliar as condicoes do candidato escreve Fabrfcia Ra- mos, em Entrevista na empresa: entrevista de selecdo. Assim fui percorrendo cada capitulo de (Con)textos de Entrevista. Penso que os diversos leitores desde alunos de gradua9ao, que podem encontrar em suas p.aginas sub~i~ios para pensar as intervencoes que cada entrevista pote~claliza, ate os profissionais, na especificidade de suas pratl~as, en- contrarao sintonia nas reflexoes dos autores. A leitura do livro e urn encontro com interlocutores que fazem da escuta um exercicio etico. 11Monica Medeiros Kother Macedo & Lcanira KcsseliCarrasco (Orgs.) norteia 0 trabalho destes autores, encontramos na pesquisa que realizam a maneira cientffica deste procedimento - as entre- vistas retrospectivas. Tal instrumento viabiliza a cornpreensao da morte por suicidio, no qual, segundo os autores, 0 "interesse e de organizar aquilo que e lembrado quanta a vida do objeto de estudo". A complexidade desta "entrevista" exige do entrevistador urn treinamento e uma formacao especial, alem de indispensavel qualificacao e experiencia clinica. E escutar "sobre" quem escolheu sair da vida; sao hip6teses atravessadas pelos efeitos assustadores do ato. Entrevista como instrumento de pesquisa, capitulo assi- nado por Maria Lucia Tiellet Nunes leva-nos a refletir sobre a entrevista como metodo atrativo ao pesquisador no qual a habilidade de conduzir uma conversacao se faz necessaria. A autora aborda de forma clara e didatica a entrevista semi- estruturada como procedimento de coleta de dados assim como, discorre sobre a analise de conteudo como metoda de analise das entrevistas. 0 capitulo encerra com considera- coes eticas em relacao a entrevista no contexto da pesquisa. Jacqueline Poersch Moreira, respaldada na sua experien- cia em Psicologia Escolar apresenta, de forma cuidadosa, urn roteiro relevante para a entrevista realizada na escola. 0 psi- c6Iogo, no contexto da escola, circula nos divers os lugares e nas inurneras situacoes, em que encontra, interagindo, seus possfveis entrevistados. Neste intercambio de atitudes reti- ram a tematica das entrevistas: a "queixa". A intervencao e transformar a "queixa" em uma intencao de trabalho. A entrevista institucional,pensada porDulce HelenaAguilar Baldo, sugere que ha peculiaridades neste contexto - a obser- va9ao da instituicao, 0 diagn6stico institucional e a assessoria individual e/ou em grupos - e, portanto, exigem que 0psicologo estabeleca urn contrato explicito e claro. A a9ao do profissional deve facilitar que os impedimentos, as demandas e as expecta- tivas aparecam e mobilizem mudanca, (Con)textos de cntrevista: olhares diversos sobre a interacao humana10 PARTE 4 - (CON )TEXTO HUMANlSTA- FENOMENOL6GICO-EXlSTENCIAL 113 A Entrevista Humanista-fenomeno16gieo-existeneial 115 JANICE CASTILHOS VITOLA MARTAREGINA CEMIN PARTE 3 - (CON )TEXTO COGNITIVO- COMPORTAMENTAL 85 A entrevista motivaeional: importancia do acolhimento a dependentes quimicos 87 IRANI DE LIMA ARGIMON KELLy CARDOSO PAIM Entrevista em Psieoterapia Cognitiva 99 RICARDO WAINER NERI MAURfCIO PICCOLOTO PARTE 2 - (CON)TEXTO PSlCANALlTICO 33 n . J • -' all ~ 35rer tna aeporre, uma mtervencao pSlean mea. . . DENISE HAUSEN A escuta na Psicanalise e a Psicanalise da eseuta 49 MONICA MEDEIROS KOTHER MACEDO CAROLINA NEUMANN DE BARROS FALcAO ~~::tht~':~.~~.~~.~.~~~.~.~..~~~~~~.~~.~~~.t.i.~~..~~.:.~~~~.~~.. 63 SISSI VIGIL CASTIEL CAROLINA NEUMANN DE BARROS FALcAo A Singularidade da Psicanalise Infantil 73 ADRIANA AMpESSAN A Entrevista Clinica: urn espas:ode intersubjetividade 19 MONICA MEDEIROS KOTHER MACEDO LEANlRA KEsSEll CARRASCO PARTE 1 17 AJ>RESENTA<;AO 5 PREFAclO 15 SuMARIO Nosso ponto de partida para elaborar (Con)textos de Entre- vista - olhares diversos sobre a interaciio humana foram as vivencias de compartilhar, como professoras, uma clisciplina ministrada no curso de graduacao da Faculdade de Psicologia da PUCRS. A disciplina de Fundamentos de Tecnica de Entre- vista permitiu-nos criar, em urn espaco de sala de aula, a possi- bilidade de elaborar urn program a dinamico e atual para tratar do tema Entrevista. Eramos duas professoras, cada uma com sua turrna de alunos, mas com urn desejo comum: 0 de promover trocas entre a Univer- sidade e os contextos extramuros nos quais 0 psicologo esta inse- rido. Este desejo foi ampliando-se e passou a contemplar, tam- bern, a vontade de reproduzir em forma de textos as ricas situacoes que vivenciamos durante os semestres, com os alunos e outros colegas, de modo que estas igualmente pudessem alcancar espa- cos mais arnplos do que 0 da sala de aula. Acreditamos ser a Universidade, por excelencia, urn lugar de producao e aquisicao de conhecimento. E fundamental que esse conhecimento produzido estabeleca sernpre pontos de conexao corn a realidade social na qual a Universidade se insere. Tal conexao traduz sua fecunclidade nao apenas quando os conhecimentos cir- culam de forma a transformarem a realidade, mas tambem de se transformarern e criarem novas sinteses. 0 processo de aprendiza- gem esta intimamente vinculado a essa ideia de movimento e trans- formacao. Na sala de aula, os papeis de rnestre e aprendiz nao sao rigidamente determinados. Acreditamos que, nas trocas intersubjetivas inerentes a relacao de ensino-aprendizagem, os pa- peis podem se altemar e promover ganhos em ambos os partici- pantes do processo. Uma das dimens6es do percorrido de forma- c;ao de psicologos diz respeito as reflexoes sobre 0 exercfcio da PREFAcIO SOBRE OS(AS) AUTORES(AS) 281 PARTE 8 - (CON)TEXTOS DE INSTITU1<;6ES 223 Entrevista na Escola 225 JACQUEUNEPOERSCHMOREIRA A Entrevista Institucional 237 DULCE HELENAAGUIIAR BALDO Entrevista cllnica no contexto hospitalar: revis6es e reflex6es 247 ANGELAc.B. PRATlNI SEGER Entrevista na empresa: Entrevisra de selecao 261 FABRfCIARAMos PARTE 7 - (CON)TEXTOS ESPECIAIS 193 Entrevistas Retrospectivas: Autopsia Psico16gica 195 BLANCASUSANAGUEVARAWERLANG MDNICA MEDEIROS KOTHER MACEDO NELSON AsNIS Entrevista como Instrumento de Pesquisa 207 MARIA LUCIA TIELLET NUNES PARTE 6 - (CON)TEXTOS DE AVALJA<::AO 159 Entrevista de ~riagem: espas;ode acolhimento, escuta e ajuda terapeutlca 161 NADIA MARQUES Psicodiagn6stico: recurso de cornpreensao 181 LEANIRAKEsSEll CARRASCO JULIANARAUSCH POTTER PARTE 5 - (CON)TEXTO FAMILIAR STST~MICO ••••••••••• 127 AF!l" .am ia em terapia 129 NADIR HELENA SANCHOTENEDE SOUZA A circularidade sisternica na escuta cllnica 145 TEREZINHA RECH WI (entroUnlYmcUrio IlitIa dill lID '!Y Bibliotea PARTE 1 MONICA MEDEIROS KOTHER MACEDO LEANIRA KESSELl CARRASCO profissao, 0 contato com 0 profissional possibilita ao aluno a pro- ximidade com situacoes para as quais ainda nao esta habilitado, mas que estao no ceme de seu projeto de vida academica, Escutar relatos de vivencias, nas quais se evidencia a importancia de urn embasamento te6rico e tecnico qualificado, promove ainda maior conscientizacao de nossa responsabilidade diante da profissao que escolhemos. Dessa forma, durante 0decorrer dos semestres tivemos 0 pra- zer de, juntamente com os alunos, partilhar de ricos depoimentos profissionais sobre diferentes possibilidades de intervencao do psi- c6logo. Percorremos os contextos da clinica privada nos enfoques psicanalftico, humanista-existencial, cognitivo-comportarnental e sistemico. Adentramos instituicoes como hospitais, escolas e em- presas. No aceite de nossos convites, psicologos e psiquiatras, pertencentes ou nao ao corpo docente da Faculdade, dispuseram- se a estabelecer intercambios e contar suas experiencias profissio- nais relativas a tematica da referida disciplina. Nosso criterio de escolha dos nomes dos profissionais convidados para a disciplina e, agora tambem como autores desse Iivro, sempre foi 0 da com- petencia e do dominic em sua area de conhecimento e atuacao. Te- mos muita gratidao a esses profissionais pelas parcerias estabelecidas e pela possibilidade em compartilhar suas experiencias, Foram, entao, criando-se ricas e criativas situacoes de inter- cambios que tiveram como palco as salas de aula em nossa Facul- dade. Atraves de olhares diversos sobre a utilizacao da entrevista como instrumento imprescindfvel da pratica do psicologo, surgiu a ideia de urn registro em forma de livro. Aqui esta, entao, (Con)textos de Entrevista: olhares diver- sos sobre a interaciio humana, urn convite a percorrer os fecun- dos caminhos da diversidade presente nas possibilidades de nos- sa atuacao profissionaL (Con) textos de entrevista: olhares diversos sobre a interacao humana16 A entrevista e urn importante e fundamental recurso que 0 psicologo utiliza em seu trabalho.Emulto comum associarmos a entrevista a clinica psico16gica,porem, do mesmo modo que nao e um instrumento exclusivo do trabalho do psic61ogo, a entrevista tambem nao limita sua aplicabilidade a uma area de atuacao deste profissional. Ela se faz presente como recurso na escola, no hospital, nas empresas, no campo juridico, no cam- po esportivo, alern da propria clfnica, onde tambem podera ser usada de diferentes formas. Assim, consideramos importante e fecundo abrir urn espa- 90 de reflexao sobre a entrevista como "tecnica de conversa- cao" que tern como objetivo fundamental possibilitar ao psico- logo buscar informacoes ou dados a respeito de seu cliente, paciente, aluno, candidato, instituicao, etc. Pensamos que, de modo geral, e necessario enfatizar a adequacao de estudar a entrevista e nao somente priorizar sua aplicabilidade nos diver- sos campos da Psicologia. A amplitude da definicao e da aplicabilidade da entrevista e evidenciada tarnbem fora do ambito da Psicologia. Por exem- plo, no campo da comunicacao, Medina (1995) considera que a entrevista e uma forma de se alcancar 0 inter-relacionamento humano, uma vez que e uma tecnica de interacao. Na comuni- cacao tern uma interpenetracao informativa que rompe com iso- lamentos individuais, grupais e sociais, pois distribui democra- ticamente a informacao. MONICA MEDEIROS KOTHER MACEDO LEANlRA KEsSELl CARRASCO , UM ESPAc;O DE INTERSUBJETMDADE A ENTREVISTA CLfNlCA: e uma teoria que Ibe de sustentacao, administrar tais situacoes. Bleger (1976) ja referia a entrevista como urn campo, no qual muitos fenomenos acontecem. A propria dinamicidade que caracteriza as relacoes huma- nas se faz presente na relacao estabelecida entre entrevistador- entrevistado. A partir disso, abre-se urn espaco para que muitos fenornenos relacionais acontecarn. Tavares (2000) destaca que a enlrevista clfnica e um procedimento poderoso e pelas suas caracteristicas e 0 iinico capaz de adaptar-sea diversidadc de situacoes clinicas relevantes e de fazer explicitar particularidades que escapam a outros procedimentos, principalmente aos padronizados (p. 46). Basicamente a entrevista e urn procedimento utilizado pelo psi- c6logo com 0objetivo de conhecer, de buscar dados para intervir em uma dada sitnacao, entendendo-se esta intervencao sempre determi- nada pela especificidade de cada situacao. A entrevista tern por fi- nalidade fazer urn levantamento de informacoes que possibilite relacionar eventos e experiencias, fazer inferencias, estabelecer con- clusoes e tomar decisoes (TAVARES, 2000 & CRAIG, 1991). A entrevista e uma situacao de encontro entre duas ou mais pessoas. Nela nao havera participante de maior ou menor im- portancia. Os espacos e funcoes de cada urn sao diferenciados e, ao mesmo tempo, interdependentes.Esta situacao de interacao humana que OCOlTena entrevista psicol6gica e assinalada por Bohoslavsky (1977, p. 120) ao defini-la como uma situacao interhumana. Muito se tern escrito sobre a entrevista clfnica dentro de diferentes abordagens te6ricas. Nosso objetivo neste capitulo nao eenfocar a entrevista a partir de urn determinado referencial te6rico, mas, sim, refletir sobre aspectos que se fazem presen- tes em situacoes da clfnica nas quais a entrevista parece-nos ser o principal instrumento de trabalho do psicologo, Entretanto, tomaremos algumas consideracoes do referencial psicanalftico 21Monica Medeiros Kocher Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Orgs.) Na proposta de explicitar a ampliacao do ambito da entre- vista como uma pratica humana, Garrett (1981) destaca que todas as pessoas, de uma maneira ou outra, sao envolvidas na entrevista na medida em que ora entrevistam, ora sao entrevis- tados. Em qualquer uma destas situacoes estarao presentes as- pectos objetivos e subjetivos, A autora tern como ponto basico de sua teorizacao a enfase no uso da tecnica para a arte de en- trevistar, sendo essa a arte de ouvir, perguntar e conversar. Con- sidera que Arte requer habilidade e aptidao do entrevistador, sendo 0 treinamento uma parte essencial que nao dispensa, con- tudo 0 cuidado que ele precisa ter com sua qualificacao e sensi- bilidade no uso do recurso tecnico. Uma caracterfstica enfatizada por autores como Bohoslavsky (1977), Ribeiro (1986), Bleger (1976) e Vallejo- Nagera (2001) e que em qualquer tipo de entrevista havera uma demanda de algo a quem se supoe que possa corresponder a ela. Esta demanda pode ser por uma informacao sobre algo ocor- rido, uma simples opiniao sobre uma situacao qualquer ou a solicitacao de uma ajuda especializada diante da constatacao de urn sofrimento fisico ou psiquico. Para fins deste capitulo pens amos trazer a discussao os as- pectos relativos a entrevista clinica, uma vez que, neste campo, entendemos ser a entrevista uma condicao sine qua non para a compreensao do sofrimento daquele que busca ajuda. No que diz respeito, portanto, a dimensao psfquica, pensamos que a entrevista clfnica sempre contempla dificuldades e complexi- dades pelo fato de que 0 ser humano e surpreendente e incapaz de ser conti do ou avaliado dentro de urn sistema predetermina- do. Dificilmente podera 0 profissional prever 0 que se sucedera em uma entrevista em actio, mesmo em referenciais que pres- supoem uma certa padronizacao de etapas. Ate mesmo nestas situacoes "previstas e planejadas" 0 entrevistador podera se deparar com 0 inesperado: urn questionamento, uma desisten- cia, uma nova descoberta, cabendo a ele, munido de uma tecnica (Con) textos de entrevista: olhares diversos sobre a interacao humana20 EPISTEMOLOGIA CORPOTE6RICO TECNlCA CAMPODACLiNICA PRAnCA As afirmativas da autora permitem-nos reafirrnar a impor- tancia da teoria como uma forma de "mediacao" entre 0 que e dito pelo entrevistado e 0 efeito que gera a partir da escuta por parte do entrevistador. Cada corpo conceitual encontra na entrevista uma rica for- ma de expressao de seus recursos tecnicos. Nesse sentido, inde- pendente do referencial te6rico que a sustente, toma-se impor- tante mencionar e salientar a necessidade de que a entrevista elf- nica esteja de acordo com 0 objetivo especffico a que se propoe e a orientacao teorico-tecnica do entrevistador. Tal ideia e corro- borada pOl'Hornstein (1989) ao afrrmar que uma tecnica nao pode ser compreendida nem, portanto, aplicada se se desconhecerem os conceitos que a fundamentam. Toda a pratica tem um efeito que the e especffico. (...) Uma tecnica que nao esteja baseada em um conhecimento teorico daquilo que pretende transformar gera uma pratica cega que se esteriliza (p.23). A pratica da clfnica possibilita a experiencia de confronta- 9aoda teoriaviabilizandoreformulacoes,transformacoesquecon- figuram uma situacao de interdependencia e retroalimentacao entre elas. Esse movimento caracteriza a dinamicidade existente entre teoria, metoda e tecnica. 23Monica Medeiros Kother Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) que nos parecem pertinentes quando enfocamos a cntrcvista na clfnica. Tais contribuicoes nos permitem ilustrar situayocs que aprofundam os t6picos abordados. Acreditamos que na medida em que a entrevista configura uma situacao de dialogo pode ser pensada como um meio pri- vilegiado de acesso ao outro, urn instrumento que nos permite, por meio da palavra, estabelecer as condicoes necessarias para que se constitua uma relacao de ajuda. Nessa situacao, a entre- vista, ao outorgar diferentes papeis ao entrevistado e ao entrevistador, cria condicoes para que, mediante a criacao de urn espaco de dialogo, se tenha acesso a subjetividade em for- ma de discurso, seja ele verbal ou nao-verbal. Entendemos por discurso algo que vai alem das palavras, refere-se a uma situacao de comunicaciio de algo, modos pelos quais a pessoa comunica algo a alguem, Atrasos, esquecimen- tos, mudancas bruscas de assunto, posicoes do corpo, gestos e ate mesmo silencios fazem parte deste rol de imimeras possibi- lidades de cornunicacao. Nesse sentido cabe ressaltar a dife- renca existente entre a entrevista tal qual descrevemos e uma conversa social tambern sustentada no dialogo. A segunda nao tern compromisso algum com tecnica ou teoria. Ja no que se refere a entrevista clmica, consideramos que e fundamental a interdependencia e a articulacao existentes entre a teoria e a pratica clfnica. Acreditamos que a toda pratica deve corresponder uma teoria que a sustente e que the indique parametres de aplicabilidade. Em seu livro sobre epistemologia e metodologia de pesquisa, Minayo (2002) afirma que Ciencia se faz com teoria e metodo. Teoria e uma especie de grade ou janela atraves da qual 0 cientista olha para a realidade que investiga. Isto quer dizer que ninguern consegue investigar urn problema olhando-o diretamente, como se houvesse possibilidade de cornpreende-lo e explica- 10 em si mesmo. A compreensao da realidade e sempre mediada: por teorias, por crencas, por representacoes (p.l7). (Con)textos de entrevista: olhares divcrsos roIm' II 11111",\1\1) humana22 a entrevista clfnica e urn conjunto de tecnicas de investigacao, de tempo delirnitado, dirigido por urn entrevistador treinado, que utiliza conhecirnentos psico16gicos, em uma relacao profissional com 0 objetivo de descrever e avaliar aspectos pessoais, relacionais ou sistemicos (indivfduo, casal, farru1ia,rede social), em urn processo que visa a fazer recomendacoes, encaminhamentos ou prop~r algum tipo de intervencao em beneficia das pessoas entrevistadas (p. 45). Evidenciar 0 aspecto de singularidade permite a interroga- c;:aosobre 0 complexo processo de constituicao da subjetivida- de ao mesmo tempo em que se resgata a importancia das trocas intersubjetivas na construcao do ser humano. Ao optarmos por uma concepcao de sujeito proxima a ideia de urn sistema aber- to que recebe e sofre influencia do que esta fora dele, a dimen-sao social deixa de se referir apenas a noc;:aode sociedade ou de outras pessoas para incluir "relacoes situadas no tempo histori- co, em condicoes determinantes de vida, permeadas de signifi- cacoes e linguagens especfficas ..." (BOCK, 1997, p.39). Res- gatar ou abrir espaco para a singularidade do entrevistado em relacao a sua historia e tambern abrir espaco para a singularida- de que marcara a situacao de encontro entre aquele entrevistador e aquele entrevistado. A nocao de investigacao intrfnseca ao conceito de entre- vista Ievara sempre em consideracao a capacitacao e a qualifi- cayao de quem a conduz. A existencia de dogmas por parte do entrevistador exclui a existencia de uma efetiva e qualificada escuta do outro. A existencia de urn pre-saber inviabiliza 0 ver- dadeiro processo de investigacao e transforma a situacao de entrevista em urn esteril espaco de confirmacao que empobrece a relacao e a propria entrevista como instrumento tecnico. Tavares (2000), buscando uma definicao de entrevista clfnica, propoe 0 seguinte: 25Meniea Medeiros Kocher Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) Ao referir 0 termo epistemologia na figura 1, procuramos caracterizar os construtos teoricos como evidencia a origem do termo episteme: colocar-se em boaposiciio. Colocar-se em boa posicao para apropriar-se de urn saber, que, mediado pelos re- cursos da tecnica, resulta em uma pratica clfnica, Tavares (2000) ressalta que as tecnicas de entrevista devem potencializar 0 aparecimento das particularidades de uma pessoa e constituem-se em lim meio de acesso amplo e profundo ao outro. Contextualiza-se nas situacoes de entrevista 0que refere Hornstein (1989) sobre a relacao entre 0objeto teorico e sua objetivacao como metodo e determinacao como tecnica, permitindo transformacoes e articulacoes sobre a realidade. No caso da entrevista c1fnica, 0 paciente e sua realidade sao 0 que precisam ser conhecidos. A teoria e mediada pela tecnica na intervencao clinica. Pelo fato de a entrevista clfnica nao ser uma tecnica unica, ela estara sempre intimamente relacionada corn a forma do entrevistador compreender os fen6menos humanos, alem do que os diferentes objetivos de cada tipo de entrevista serao determinantes em suas estrategias, possibilidades e limites. Pen- samos que teoria e pratica devem estar sernpre inter-relaciona- das. E necessaria uma constante vigilancia para que nao se erie uma dissociacao entre 0 ser clfnico e 0 ser teorico. a risco de privilegiar a teoria resulta em urn distanciamento da relacao com a clfnica e, da mesma maneira, privilegiar a clfnica faz com que a pratica se converta em urn fazer sem saber. Hornstein (1990) destaca que estas situacoes de distorcao trazem 0 risco de que toda a teoria se formalize como "dogma e toda a pratica ritualize-se como receita" (p.106). Dessa forma pensamos que a interdependencia entre teoria e pratica e 0 que viabiliza a rnanutencao da caracteristica investigativa que deve predominar na situacao de entre vista. Preserva-se assim a pos- sibilidade de nunca perder de vista a singularidade dos encon- tros humanos. (Con) textos de entrevista: olhares diversos sobre a interagao human a24 A observancia aos aspectos eticos, sornada a experiencia, ao conhecimento e a cornpetencia do terapeuta, contribuira de forma significativa para a adequacao na conducao do proces- so no qual ambos estao inseridos. A interdependencia existente ETICA reconhecimento desta assimetria deve servir de reforco a res- ponsabilidade etica e tecnica que cabe ao terapeuta, uma vez que de seu lade os saberes vao, como bern assinala Bueno (2002), "desde 0 que pode estar sob seu dominic - tecnica, ob- jetivos, fins, conhecimentos te6ricos - ate 0 que the e atribufdo pelo contexte ou pelo interlocutor" (p.13). A observacao dos aspectos eticos sera fundamental na de- finicao dessas responsabilidades para corn 0 paciente, assirn como os aspectos relativos a sua competencia profissional. Como observado na figura 2, os aspectos eticos, responsabili- dade do terapeuta, perpassam sua teoria, tecnica e pratica em beneffcio do outro e de si mesmo. 27MOnicaMedeiros Kother Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) A qualidade da relacao que se estabelecera entre 0paciente e 0 terapeuta dara a entrevista, seja no inicio, no desenvolvi- mento ou na conclusao do processo, uma determinada configu- racao. E a entrevista um instrumento fundamental para 0 esta- belecimento, desenvolvimento e manutencao de uma relacao de ajuda. Cabe ressaltar a importancia que tera 0 terapeuta, con- siderando nao apenas seu conhecimento teorico e suas habili- dades profissionais, mas tambem tendo presente sua responsa- bilidade na conducao do processo. As funcoes e os papeis desempenhados por paciente e terapeuta sao diferenciados. 0 paciente busca uma ajuda e atri- bui ao terapeuta a capacidade de auxilia-lo em suas dificulda- des. No que se refere ao terapeuta cabe-lhe situar a entrevista clinica no dominic de uma relacao profissional. Se por urn lade ao assumir as responsabilidades profissionais que tern com 0 paciente implica reconhecer a assimetria presente na relacao terapeutica, por outro essa constatacao confere ao terapeuta a responsabilidade sobre a conducao do processo. Tanto 0 entrevistado quanta 0 entrevistador sao portadores de determinados conhecimentos que os caracterizam em suas diferencas. Por urn lado, 0 entrevistado possui os dados de sua historia, suas lamentacoes, seus sintomas, seus motivos e, por outro, 0 entrevistador e detentor de subsidios te6ricos e tecni- cos que 0 habilitam na ajuda ao primeiro. Bueno (2002) desta- ca 0 quanto esta assimetria e uma regularidade que faz parte de entrevistas, independente de serem entrevistas clinicas. Para a autora, a funcao de entrevistador e entrevistado no campo da entrevista sao diferentes e vao ser definidos de acordo com a funcao e 0 lugar de cada urn. Em relacao a entrevista clfnica, nem sempre a explicitacao dessa condicao inerente de assimetria e bern entendida. Por vezes e tomada desde urn ponto de vista que nos parece equivocado, uma vez que nao faz alusao nem justifica, portanto, uma leitura que atribua ao terapeuta uma especie de poder em relacao ao paciente. Ao contrario, 0 (Con) textos de entrevista: olharcs diversos sobre a interacfio humana26 uso deste termo transcende uma relacao especffica com a psicanalise, podendo ser aplicado as outras modalidades de in- tervencao terapeutica. 0 que se escuta (inconsciente, potencialidade ou crencas cognitivas) pode ser 0 elemento mais estreitamente vinculado a urn campo teorico, mas a condicao de escuta e fundamental ao terapeuta. Ela nos convoca a utili- zar nossos conhecimentos e habilidades profissionais e pes- soais a service de uma demand a de ajuda. Escutar e buscar nas palavras de quem sofre urn significado proprio e singular. A verdadeira escuta precis a estar desprovida de preconceitos e, principalmente, excluir qualquer possibilidade de urn pre- conhecimento a respeito daquele que chega e, agora, fala. 0 terapeuta, para realmente poder escutar, precis a reconhecer que nao sabe a respeito do paciente. Sera na relacao, a partir de urn processo de construcao, que 0 enigmatico sera desvelado, 0 sofrimento sera nomeado e a ajuda ~e concretizara. Na area clfnica, quanta mais qualificado for 0 terapeuta, rnais a entrevista psicologica - como instrumento - atendera a seus objetivos e demonstrara sua eficacia. Por exemplo, cabera ao paciente contar a sua historia, falar do que lhe aflige, mas, muitas vezes, acredita nao saber 0 que se passa com ele. Sera na relacao com 0 terapeuta que este desconhecido conhecido podera ser cada vez mais explorado, que serao abertas novas possibilidades de atribuicao de sentidos, desde que 0 paciente sinta-se acolhido e a vontade na relacao com 0 terapeuta. Com isso, queremos demonstrar que, se a entrevista for pensadacomo urn instrumento impessoal e de distanciamento, ficara restrita e, ate mesmo, prejudicada na sua aplicabilidade. A necessidade de urn treinamento na utilizacao da entrevista visando a uma maior competencia tecnica nunca podera estar dissociada do cuidado com os aspectos afetivos e subjetivos que se fazem presentes. Conforme afirma Tavares (2000): 29Monica Medeiros Kothcr Macedo & Lcanira Kessell Carrasco (Orgs.) entre as habilidades interpessoais e 0 usa da tecnica exige algu- mas caracterfsticas especificas do terapeuta. Para Tavares (2000), e necessario que 0 entrevistador tenha a capacidade de estar realmente disponivel para 0 outro de forma a escuta-lo sem a interferencia de questoes pessoais. Isso possibilita facilitar a construcao de uma adequada alianca de trabalho, assim como 0 conhecimento dos motivos que 0 levaram a buscar ajuda. o terapeuta deve estar capacitado a buscar esclarecimen- tos, perceber contradicoes, tolerar situacoes de ansiedade rela- cionada a temas presentes na entrevista e tambem estar habili- tado a reconhecer as defesas e os modos de estruturacao do paciente. A compreensao de seus proprios process os psiquicos facilitara a comunicacao e a relacao terapeuta-paciente. 0 do- mfnio das tecnicas utilizadas, baseadas em uma teoria que as sustente, possibilitara ao terapeuta mobilizar recursos adequa- dos frente a situacoes diffceis e inesperadas. Os aspectos mencionados referentes a capacitacao do terapeuta sao igualmente destacados por outros autores, que se preocupam com a existencia de uma solida fundamentacao teo- rica e tecnica que resu1te em uma eficaz utilizacao da entrevista como instrumento de trabalho na clfnica. Ribeiro (1986) e Zimerman (1999) destacam a importancia de que haja respeito pelo sofrimento do paciente; que, alem da tecnica, 0 terapeuta possa ser pessoa e assuma com senso de responsabilidade 0 processo terapeutico, Na conducao da relacao com 0 paciente e imprescindfvel que 0 terapeuta possa efetivamente nao apenas ouvir, mas saber escutar. Entendemos que ouvir corresponde muito mais a uma con- dicao fisiologica relacionada aos orgaos sensoriais. Ja a capaci- dade de escuta coloca-nos em uma outra posicao em relacao aquele que fala. 0 termo escuta e muito utilizado na psicanali- se, mas, se 0 pensarmos relacionando-o a exigencia de uma genufna atencao aquele que fala de sua dor, acreditamos que 0 (Con)textos de entrevista: olhares diversos sobre a interacao humana28 OJI CentrO ulllVmnario 1IIlI2f •• \..W Biblioteca BOCK, A. M. B. Formacao do Psicologo: urn debate a partir do significado do fen6meno psicol6gico. Psicologia, Ciencia e Profissiio. V 17, n. 2, 37-42, 1997. BOHOSLAVSKY, R. Orientaciio vocacional: a estrategia clf- nica. Sao Paulo: Martins Fontes, 1977. BLEGER, J. Temas de psicologia- entrevista y grupos. Buenos Aires: Nueva Vision, 1976. BUENO, C. M. 0. Entrevista espaco de construciio subjetiva. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002. CRAIG, R. Entrevista clinica e diagn6stica. Porto Alegre: Ar- tes Medicas, 1991. GARRET, A. A entrevista, seus principios e metodos. Rio de Janeiro: Agir, 1981. HORNSTEIN, L.lntrodu~ao it Psicanalise. Sao Paulo: Editora Escuta, 1989. Referencias bibliograficas Urn instrumento tecnico seja ele qual for, por si s6, nao da conta da pratica profissional. A entrevista e urn instrumento tecnico, a competencia na adequacao de seu uso esta direta- mente ligada as condiciies do terapeuta. Tal afirmativa por urn lado reforca 0 aspecto de autonomia da pratica clfnica, mas, por outro lado, evidencia a responsabilidade que 0 terapeuta tern na conducao etica do processo terapeutico. Acreditamos que a entrevista poe em questao a necessida- de da pessoa do terapeuta estar sempre a frente da tecnica utili- zada, ou seja, acima da tecnica esta a pessoa que a utiliza. Esta pessoa com sua escuta qualificada e sustentada em urn saber teorico-tecnico, sua atencao aos cuidados eticos e seu senso de implicacao e responsabilidade assume efetivamente uma con- di~ao de ajudar quem sofre. 31Monica Medeiros Kother Macedo & Lcanira Kessell Carrasco (Orgs.) Com a pratica e a experiencia, os aspectos mecanicos da tecnica tornam-se secundarios, eo sujeito e a relacao passam a se destacar. Torna-se evidente uma integracao natural dos aspectos tecnicos e a valorizacao da relacao com 0 sujeito. Assim, a entrevista flui e a atuacao refinada do profissional transforrna a tecnica em al1e (p.55). Diante da complexidade de uma situacao de entrevista, cria-se geralmente a expectativa de encontrar urn modele pronto e aparentemente correto a ser seguido, como urn ma- nual de instrucoes que desconsidera as especificidades e sub- jetividades tanto do paciente como do terapeuta. Tal expecta- tiva por si s6 cria urn paradoxo: como pensar em uma situa- ~ao especialmente dinamica como a entrevista clfnica, de uma forma rigida, estereotipada, inflexfvel? Acreditamos que a entrevista ocorre na sua pr6pria dinamica e, nesse sentido, sera sempre unica e irrepetivel. Tomemos como exemplo uma situacao de supervisao. Caso 0 supervisionando fique com uma ideia de que deve apenas repetir as orientacoes e/ou palavras do supervisor com seu paciente, perde-se a verda- deira possibilidade de aprendizagem. Limitar-se-ia, assim, a supervisao, a uma mera repeticao e nao a urn verdadeiro treinamento que qualifique 0 trabalho clfnico e, como con- sequencia, prejudicaria tambem a construcao de uma identi- dade profissional singular. Evidencia-se que a dinamica da entrevista aporta sempre complexidades e dificuldades ao trabalho clinico, porern sera com 0 reconhecimento, 0 enfrentamento e a busca de alternati- vas para essas que se dara a verdadeira qualificacao profissio- nal. Diante da irnposicao da complexidade da entrevista como urn importante instrumento utilizado na clinica, e necessario produzir reflexoes que a problematizem com 0 objetivo de aprimora-la como recurso de mediacao terapeutica no encontro com 0 outro. (Conltextos de entrevista: olhares diversos sobre a intera~lio humana30 (CON)TEXTO PSICANALITICO PARTE 2 - Cura psicanaiitica e sublimaciio, Porto Ale- gre: Artes Medicas, 1990. MEDINA, C. A. Entrevista - 0 didlogo possivel. Sao Paulo: Atica, 1995. MINAYO, M. C. S. (org) Caminhos do pensamento: epistemologia e metodo. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2002 RIBEIRO, J. Teoriase tecnicas psicoterdpicas. Rio de Janeiro: Vozes, 1986. TAVARES, M. A entrevista clfnica. In: Cunha, J. Psicodiagn6stico- V Porto Alegre: Artmed, 2000. VALLEJO-NAGERA, J. A. Guia practica de psicologia. Madrid: ediciones temas de hoy, 2001. ZIMERMAN, D. Fundamentos psicanaliticos. Porto Alegre: Artmed, 1999. (Con)rcxtos de entrcvista: olhares diversos sobre a interacao humanaJ2 * Agradcs;oaosacadcrnicosde PsicologiaRoberta Via!Giacobone e Danichi Hausen Mizoguchi a disponibilidade com que me auxiliaram, respectivarnente, na revisao merodo16gica e de portugues, Ao longo dos tempos e, mais especialmente no decorrer do ultimo seculo, 0 mundo e a humanidade vern experimentando as mais diversas formas de transformacoes: nos valores, nos padroes observados com referencia aos distintos relacionamen- tos estabelecidos, na forma de composicao das famflias, no tra- to das quest6es relativas ao corpo, ao tempo, ao espaco. As grandes transformacoes politicas, sociais e culturais ocorridas logo ap6s a Segunda Grande Guerra inseriram mu- dancas no cotidiano de uma grande parte do mundo e inaugura- ram urn tempo que traz no seu bojo lima intencao de nao negar e substituir os movimentos anteriores, mas, sim, de incorpora- los, critica-los e, mesmo, de transforma-los, em uma mescla de antigo e novo (OLIVEIRA, 2003). A psicanalise tambem foi se transformando. Do ponto de vista da teoria, as neuroses de transferencias se agregam outras demandas. Teoriza-se acerca de manifestacoes psfquicas que fieamaquem do simb61ico do sintoma psiquico e que se des- carregam de forma direta no corpo e no ato. Ao lado dessas demandas, tambem a exclusividade da interpretacao como for- ma de intervencao em psicanalise e polemizada. E relevante ressaltar, entretanto, 0 fato de as neuroses de transferencia e da interpretacao como intervencao classica e paradigmatica da DENISE HAUSEN PER VIA DE PORRE, UMA INTERVEN<::Ao PSICANALfTICA?* o seculo dezenove corneca a se despedir para abrir espa- 90 para aquele que seria 0 seculo da chamada modernidade. A psicanalise surge no contexto cientffico e cultural daquele fim de seculo emergindo dessa conjuntura, ao mesmo tempo em que nela vai fazendo registros. Faz parte, portanto, de uma re- viravolta, de uma forma de rebeliao que se instala nos varies campos da cultura. Desde uma perspectiva freudiana, rebela- se com 0 segmento do proibido vincu1ado a sexualidade, des- nudando uma sexualidade descolada da geni talidade reprodutiva. Nesse momento, anuncia urn inconsciente mar- cado por uma hist6ria infantil, singular, portanto, e ativo no cotidiano de cada sujeito. A imagem que 0 homem ocidental fazia de si e, com isso, abalada. A catarse, ab-reagindo 0 traumatico principal ferrarnenta de trabalho do analista, que vai operar na busca da estatua oculta, do conteudo reca1cado.Caracteriza-o, per conseguinte, como 0 tratamento que deve se apoiar na ques- lao do conflito intrapsfquico: vai utilizar-se de Leonardo Da Vinci para propor que a terapeutica deve se sustentar no pres- suposto da escultura, ou seja, per via de levare. o perfil dos ana1isandos que buscam atendimento tern se ampliado, salientando-se urn incremento de situacoes em que a queixa vern por intermedio de transtornos relacionados ao corpo, a impossibilidade de ser identificada uma dor psfqui- ca, em que 0 indicativo psicopato16gico deixa de ser 0 deriva- do de um excesso de repressao, mas que, com muita frequen- cia, vern por decorrencia de uma impossibilidade do fazer sin- toma por conta de urn excesso que deve ser retirado. Algo deve ser posto. Podemos falar, entao, de uma intervencao que venha per via de porre? 37Mllnica Medeiros Kocher Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Orgs.) psicanalise continuarern ocupando 0 lugar de destaque no coti- diana dos analistas. No entanto, impoe-se uma discussao acer- ca de intervencoes que possam ir aquem ou alem da interpreta- 9ao e que se fazem presente nesse mesrno cotidiano. A proposta que faco e que sc possa ampliar, mais alem das neuroses de transferencia, 0modo como se da 0 trabalho do psi- canalista,demandado que epor patologiasque transcendemaque- las que se visibilizampormeio do retorno do conteudorecalcado. Trata-se de questoes que circundam 0 tema das identidades, da angustia livre descarregada no corpo, das drogadi90es, das somatizacoes, das chamadas patologias do vazio. Dessa forma, sigo 0 proposto por Freud (190411976), quan- do afirma haver muitas especies de psicoterapia e muitos meios de pratica-Ia, propondo a eficiencia de cada um a partir de sua eflcacia: "Todos os que levam a meta da recuperacao sao bons. Nao menosprezo nenhum de1ese utilizaria todas em condicoes apropriadas". Afirrna ser 0 destine da psicanalise a destinacao que puder ser dada pelos jovens analistas, buscando respostas a singularidades que marcam cada paciente e cada tempo. E por essa epoca que Freud cita Leonardo Da Vinci (14521 1519), pintor italiano, que, em meio a seus trabalhos de dese- nho e escultura, escreveu os manuscritos de sua obra Trattato della pintura, cuja primeira edicao, p6stuma, e de 1651. Postu- la Leonardo, referindo-se as artes, que a pintura se daper via de porre enquanto que a escultura funciona per via de levare. Vai explicar sua proposta, dizendo que a pintura se faz por meio de se colocar no papel, na tela vazia, as tintas que ocuparao esse espaco com suas cores; enquanto que a escultura se processa mediante a retirada de urn excesso, tirando-se material da pe- dra bruta para que emerja a estatua nela contida. Freud usara essa metafora, teorizando a sugestao como uma intervencao que nao faz caso da origem do que esta escondido dando forca ao sintoma, priorizando, entao, a interpretacao como (Conltexros de entrcvisra- olhares divcrsos sobre a intera~ao hurnana36 Nesse mesmo texto, Freud afirma a quase impossibilidade de se alcancar a origem da patologia somente por meio da in- tcrrogacao ao paciente, sobretudo porque ele n~o quer ou n~o pode lembrar, ou seja, nao tern nenhuma suspeita da conexao causal entre 0 evento desencadeador e 0 fenomeno patologico. Sao experiencias ausentes ou sumariamente presentes na me- moria dos pacientes quando em estado psfquico normal. Pro- poe a hipnose como metodo de provocar as lemb~an?asda epo- ca em que 0 sintoma surgiu pela primeira vez; feito IS~O, torna- se possivel demonstrar a conexao causal da forma mars c~arae convincente. Apenas quando 0 paciente e inquirido sob hipno- se e que essas lembrancas emergem, desaparecendo 0 sintoma quando e possfvel fazer essa conexao e 0 af~to e desp~rtado e traduzido em palavras. Freud (1893/1976) afirma 0 efeito cura- tivo do metodo psicoterapico descrito, uma vez que "poe termo a forca atuante da representacao que nao fora ab-reagida no primeiro momento, ao permitir que seu afeto estrangulado en- contre uma safda". o metodo da cura proposto por Breuer e Freud gerava re- sistencia nos medicos da epoca, acostumados que estavam aos pressupostos da fisiologia. Para eles, 0meto~o .t~rapeutico afi- gurava-se como acientifico e tendendo ao rrusncismo. Derivado do metodo hipnotico, a catarse fez 0 ritual de pas- sagem para que a psicanalise chegasse a meto.doclassico ~sic~- nalftico da proposta da cura pela palavra mediante a associacao livre; mediante, portanto, 0 trabalho psfquico que 0 proprio paciente faz no sentido da busca do elemento original para liga- 10, entao, ao afeto. Com 0 tratamento de Dora, sua jovem paciente descrita em Fragmento da Analise de um Caso de Histeria (1905/1976), Freud esclarece uma mudanca na tecnica que, ao longo dos anos, vinha introduzindo. Em Estudos sobre a Histeria, propunha partir dos sintomas evidenciados para chegar ao esclarecimento 39MtUlicllMedeiros Kother Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) o ana de 1904 transcorria quando Freud, 0 inventor da Psi- canalise, foi chamado para proferir, diante do Colegio de Me- dicina de Viena, a conferencia Sobre a Psicoterapia. Nela, se propunha a discorrer sobre 0 progresso que sua teoria sofrera desde que comecara a scr pensada, nos idos de 1895, com as cartas e rascunhos enviados a Fliess, entre os quais 0 Projeto para uma Psicologia Cient(fica.Da mesma forma, como ocor- rera com 0 texto Estudos sobre a Histeria, escrito em parceria com Breuer, seu mentor e colega, a quem atribufa 0 lugar de pai da psicanalise, pois insistia no fato de que esta nascera com 0 tratamento de Berta Papenheim, a mitica Anna O. Breuer era seu analista, e Anna a primeira paciente a se submeter a cura pela palavra, expressao criada por ela mesma para nomear a forma como definia seu tratamento. A tecnica foi nomeada por Breuer e Freud como 0 metoda catdrtico. Talmetoda buscava alcancar a ab-reacao por meio da pos- sibilidade de 0 paciente, em tratamento, eliminar afetos patogenicos por conta da descarga e da Iembranca dos fatos traumaticos que originaram seus sintomas. A catarse e a ab- reacao ofereciam-se como tecnica de cura sob a egide do postu- lade freudiano da teoria do trauma. Propunha suas ideias acer- ca dos efeitos causados pelos traumas psiquicos pela retencao do afeto, bern como a concepcao dos sintomas histericos como o resultado de uma excitacao transposta do animico para 0 cor- poral (FREUD, 1904/1976). Quase dez anos antes, ao escrever a chamada Comunicaciio Preliminar (FREUD, 1893/1976)usara pela primeira vez os ter- mos catarse e ab-reacaode forma impressa, postulando que a reacao ao trauma somente exerce efeito inteiramente catartico se for uma reacao adequada como, por exemplo, a vinganca, Mas a linguagem serve de substituto para a acao; com sua ajuda, uma emocao pode ser "ab-reagida", quase que com a mesma eficacia (p 49). (Con) textos de cntrcvista: olhares diversos sobre a interacao humana38 Ao desenvolver a tecnica da sugestao hipn6tica, Freud atinha-se ao metodo catartico, procedirnento inaugurado por Breuer no seu atendirnento a Anna O. Dedica-se a explora-lo e a construir sua tecnica. Em Sobre a Psicoterapia (1904/1976), assevera que 0metoda analitico de psicoterapia e 0 rnais pene- trante, 0 que chega mais longe, aquele pelo qual se consegue a transformacao mais ampla do doente. Pondo de lado, por um momento, 0 ponto de vis~a terapeutico, tambern posso dizer dele que e metodo mats interessante, 0 iinico que nos ensina algo sobre a genese e a interacao dos fenomenos pato16gicos. Gracas ao discernimento do mecanisme das doencas anfrnicas que ele nos faculta, somente ele deve ser capaz de ultrapassar a si mesmo e de DOS apontar 0 caminho para outras formas de influencia terapeutica (FREUD, 190411976, p.270). Freud vai construindo sua teoria sempre permeada pela relacao com a clinica: a nocao d~ tr~urnati~rn~ psiquico v_ai cedendo espaco a nocao do conflito mtrapslqmco. Da n.o~ao de que a recuperacao da cena traumatica efetiv~m~nte vl~Jda proporcionaria a cura sintomatica (met~d? catartIc~), val se aproximando de urn outro pressuposto teonco.: a n~?ao d~ ~an- tasia. Dessa forma, recuperar a cena traumatica e insuficien- te, ate porque a cena traumatic a como tal deix~ de ser c,o~si- derada a origem exclusiva do sintoma. 0 metodo catartico cede espaco para a necessidade de elaboracao do conteiido ernergido. Per via de levare, Falando da Interpretacao e da Construcao Novamente e a clinica, e uma paciente que alerta Freud acerca do fato de que era preciso um espaco para a producao singular de cada paciente. 41Mllllica Medeiros Kothcr Macedo & Leanira Kesscli Carrasco (Orgs.) Em face da imperfeicao de meus resultados analiticos, nao me restou senao seguir 0 exemplo daqueJes descobridores cuja boa fortuna e trazer a luz do dia, ap6s longo sepultamento, as inestimaveis embora mutiladas relfquias da antiguidade. Restaurei 0 que faltava, valendo-rne dos melhores modelos obtidos por mim em outras analises; mas, como urn arque6logo consciencioso, nao deixei de mencionar ern cada caso 0 ponto onde terminam as partes autenticas e comeca meu trabalho de restauracao (FREUD, 1905/1976, p.lO). Da mesma forma como fora com Bertha Papenheim, que ensinara a Breuer a qualidade de cura pela palavra, atribuida ao metodo terapeutico com que era tratada, Freud, em seus re- latos clfnicos, reporta-se ao fato de ser essa mesma cura pela palavra urn tratamento conjunto entre paciente e analista (APPIGNANESI,1992). Ao relatar 0 caso da Senhora Emmy von N, nome atribufdo a sua paciente Fanny Moser, explicita 0 quanto ela 0 ensinou acerca da associacao livre, metoda ate entao escondido arras da hipnose. Fanny pediu-lhe que a poupasse das perguntas e da busca de detalhes que a ele, 0 medico, pareciam importantes. Logo disse corn urn torn decididamente queixoso que eu deixasse de perguntar de onde provinha este ou aquele sinal; ao contrario, que eu Thepermitisse dizer-me 0 que ela tinha a dizer. Acedi (FREUD, ]893/1976, p. 107). de cada um deles, de forma direta, buscando uma origem, urn fato, que desse conta da razao de ser da rnanifestacao sinto- matica. Ao tratar Dora, abandona essa tecnica, deixando ao paciente a tarefa de escolher 0 tema com que, em cada ses- sao, paciente e analista vao se ocupar. 0 que tern a ver com cada sintorna vai emergir pouco a pouco e, tambern gradativamente, vai podendo se enlacar com uma rnultifacetada origem. (Can) textos de entrevista: olhares diversos sabre a intcracao humane40 unalise, diferenciando-se, no entanto, do trabalho do arqueolo- go. Este trabalha com evidencias mortas, enquanto que, na ana- lise, 0 material que se evidencia, embora date de tenra idade, ntualiza-se, torna-se vivo, por repeticao, pela transferencia. 0 material esquecido, no entanto, nunca 6 vftima da destruicao total. Depende exclusivamente do trabalho analftico 0 sucesso em trazer a luz 0 que esta completamente oculto. Ao trazer a luz 0material oculto, constitui-se urn trabalho que Freud cha- mou preliminar, pois ao paciente compete dar seguimento ao material apresentado pelo analista. o analista completa urn fragmento da construcao e 0 comunicaao sujeitoda analise,de maneiraque possa agir sobre ele; constr6i entao urn outro fragmento a partir do novomaterialque sobre ele se derrama, lida com este da mesmamaneira e prossegue,desse modo alternado,ate 0 fim (p. 295). o trajeto que se processa parte, entao, da construcao elabo- rada pelo analista para terminar acessando a recordacao do pa- ciente ou gerando nele uma conviccao da verdade da constru- 9ao. Este convencimento gera 0 mesmo resultado de uma me- m6ria resgatada. Finalizando, neste texto Freud tematiza acerca de a inter- pretacao aplicar-se a urn elemento isolado, a urn corte transver- sal no material, exemplificando com 0 surgimento dos chama- dos atos falhos, enquanto salienta que a construcao oferece urn fragmento da hist6ria infantil esquecida; trabalhando assim, de forma longitudinal, revela as conexoes existentes entre 0 fato atual e a hist6ria infantil. Em seu livro Um interprete em busca de sentido (1990), Aulagnier descarta a ideia de uma hierarquizacao entre os dois modos de trabalho do analista propostos por Freud, ressaltando ser a construcao uma forma de intervencao que viabiliza ao analisando interpretar elementos da sua hist6ria, permitindo-lhe, 43Mf'lnicaMedeiros Kocher Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Orgs.) Acerca desse momenta te6rico, 0 questionamento a res- peito da chamada teoria do trauma, Hornstein (1989) assim comenta: Rompendocomaconcepcaodeumasingularidadecompacta retida dentro de urn aparelho psfquico, que tern se descarregado, passando a visualizar aquilo que produz sintomascomouma intrincadaredede significacoesque se juntam nos n6dulospat6genos(p.60). Em 1937, Freud escreve aquele que sera seu ultimo texto tecnico. Texto em que discute as formas de intervencao que constituem 0 dia-a-dia do psicanalista. Construciies em Ana- lise e 0 nome dado a este texto e nele retoma a questao de que o paciente deve ser levado a recordar experiencias e os impul- sos afetivos por elas invocados e que, por forca da repressao, esqueceu. Reafirma a questao de 0 sintoma ser uma forma de atualizar as experiencias reprimidas: fragmentos fornecidos pelo paciente quer seja pelos sonhos, pela associacao livre, pela transferencia: Nossa experiencia dernonstrou que a relacao de transferencia, que se estabelece com 0 analista, e especiflcamentecalculadapara favorecer0 retornodessas conexoesernocionais.E dessamateria-prima- se assim podemosdescreve-la- que temosde reuniraquilode que estamosa procura(p. 292). Ao paciente cabe recordar 0 contetido esquecido, ao ana- lista compete completar 0 que foi esquecido, a partir dos traces que 0 paciente deixou para tras ou, dira Freud, construi-lo. E por afque se faz 0 vinculo entre 0paciente e 0 analista. 0 traba- lho deste, propoe Freud, assemelha-se ao do arqueologo, que escava em busca de indicativos de uma hist6ria enterrada - 0 soterramento pela repressao, a escavacao pel a analise (FREUD, 190711976). 0 analista busca fragmentos das lem- brancas, das associacces e do comportamento do sujeito da (Con)textos de entrevista: olharcs diversos sobre a interacfio hurnana42 podem oferecer e urn vazio de representacoes? Podem eles ser cscutados via associacao livre e trabalhados a luz da interpreta- ~ao e/ou da construcao? Per via de levaree a indicacao? Nova- mente seguimos Freud, e por intermedio da clfnica que os ana- listas propoem as revisoes conceituais e, com elas, a questao de como se trabalhar em analise. Tem-se constatado uma ampliacao no dia-a-dia da cIfnica psicanalftica, Alern dos pacientes das neuroses de transfercn- cias, que acodem ao tratamento com urn relato, com uma histo- ria, com 0 registro de urn outro, mesmo que fragil, em seu apa- relho psiquico, chegam analisandos com novas apresentacoes: o ato, mais do que 0 relato; 0 corpo sofrendo diretamente pOl' meio das anorexias, bulimias, adicoes de toda especie, das psicossornatizacoes, da impossibilidade de urn livre associar. o vazio que aponta para areas do aparelbo que nao foram ainda esbocadas nem construfdas e clamam em silencio, na ausencia de uma cadeia associativa, aprisionando 0 sujeito em lima historia sem nome (PAlM & BORGES, 2003). Se, no processo de avaliacao e no processo analitico, depararno-nos com pacientes em que rnais do que historias mal vividas nos oferecern fendas psfquicas, encontramo-nos, entao, diante da demanda de "preencher a fenda aberta pela inexistencia inconcebfvel de urn outro" (MCDOUGALL, 1982). Aulagnier (1990) tambem contribui com a questao da pra- tica analitica nos tempos atuais quando enfatiza ser ut6pica a ideia de perenidade do modelo do qual somos herdeiros. Refe- re, assim, a dois desvios: "aquele que nos separa de Freud e aquele que separa Anna 0 de uma parte dos analisandos de hoje" (p. 103). Ana1isandos de hoje que, na observacao de Green (1990), nao trazem a representacao como algo evidente, pois se apre- sentam com uma pobreza na capacidade de associar, com uma inibicao fantasmatica. 45t('lIlicaMedeiros Kother Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) Ate agora transitamos por urn terreno conhecido, terreno que oferece como materia-prima urn inconsciente recalcado e como instrumento de trabalho a interpretacao e a construcao (ou reconstrucao). Cabe ao paciente associar livremente para que, em conjunto com 0 analista, desvanecam-se as repressoes e emerja urn material com 0 qual 0 paciente vai poder Iidar de uma forma mais madura. Os sintomas, substitutos do conteudo recalcado, VaG poder ceder espaco a medida que 0 material re- cordado puder ser elaborado. Pela a~ao da transferencia, e pos- sivel atualizar-se 0 que foi mal vivido, gerador das fixacoes. U~ dialogo entre 0 paciente e 0 analista estabelece-se para que surja 0 representado por deslocamento no sintoma, enquistado que esta na queixa objetiva trazida pelo primeiro. Possibilita-se o retorno das conexoes emocionais. Para que is so ocorra, a as- sociacao entre paciente e analista e basica. A sustentacao da demanda e 0motor do trabalho. Fernandes (2003) afirma ser (...] esta demanda que levara a uma pesquisa do material inconsciente, dando acesso ao infantil e estabelecendo assim uma especie de continuidade capaz de construir elos entre a historia do paciente e a sua vida atual. Trata-se de recontar velhas historias que, na novidade da repeticao instaurada pela transferencia, permitem a criacao de outras hist6rias. opaciente oferece seu inconsciente recalcado. E os pacientes que acorrem sem poderem oferecer esse simb6lico? Que nao trazem uma historia para contar, que nao se utilizam da transfe- rencia para recontar e construir outras hist6rias? Podem eles ser parceiros na viagem de urn desvendamento quando 0 que Per via de porre, falando da falta assim, recontar sua hist6ria infantiL Pode-se, entao, reafirmar a et~rna colaboracao, no processo analftico, entre a construcao e a interpretacao. (Con) rextos de entrcvisra: olhares diversos sobre a interncao humana44 APIGNANESI, L. F.Las Mujeres de Freud. Buenos Aires: Edi- lora Planeta, 1996. AULAGNIER, P. Um interprete em busca de sentido (v. 1). StO Paulo: Editora Escuta, 1990. !lOTELLA, C. & Botella, S. 0 Irrepresentavel: mais alem da representaciio. Porto Alegre: Criacao Humana, 2002. I,'ERNANDES, M. H. Entre a alteridade e a ausencia: 0 corpo em Freud e sua funciio na escuta do analista. Cornunicacao pcssoal em Estados Gerais da Psicanalise. Segundo Encontro Mundial. Rio de Janeiro, 2003. I''REUD, S. Delfrios e Sonhos na Gradiva de Jensen. Edicdo Standard Brasileira das Obras Psicologicas Completas de Sigmund Freud: (Vo1.IX). Rio de Janeiro: Imago. (Publicacao Original em 1907), 1976. ____ Construcoes em Analise. Edidio StandardBrasileira das ObrasPsicologicas Completasde Sigmund Freud: (Vol.13). Rio de Janeiro: Imago. (Publicacao Original em 1937), 1976. ____ Estudo sobre a Histeria. Edicdo Standard Brasileira das Obras Psicologicas Comp/etas de Sigmund Freud: (VoLl). Rio de Janeiro: Imago. (Publicacao Original em 1893), 1976. _____ Fragmento da Analise de urn caso de Histeria. Ediciio Standard Brasileira das Obras Psicologicas Comple- tas de Sigmund Freud: (Vol.7). Rio de Janeiro: Imago. (Publi- cacao Original em 1905), 1976. _____ Projeto para uma Psicologia Cientffica. Ediciio Standard Brasileira das Obras Psicologicas Completas de Sigmund Freud: (Vol. 1). Rio de Janeiro: Imago. (Publicacao Original em 1.923), 1976. Referencias bibliograficas 471""lea Medeiros Kother Macedo & Lcanira Kesseli Carrasco (Orgs.) Todo 0 trabalho analitico esta ai... 0 que distingue os chamados casos neur6ticosdos casos denominados dificeis e, precisamente, que nos casos chamados dificeis 0 analista deve, ele mesmo, fazer urn esforco consideravel de representacao daquilo que 0 paciente nao pode representar, isto e, 0 analista deve fazer como se colocasse seu pr6prio aparelho mental em a~ao, como auxiliar do aparelho mental do paciente (p. 65). Pode-se pensar que, dessa forma, 0 lugar do analista corre per via de porre, nao no sentido da sugestao, mas na acepcao de preenchimento de urn aparelho que se encontra empobreci- do de representacoes. Botella (2002), teorizando acerca da questao da irrepresen- tabilidade, enfatiza que, diante da perda da figurabilidade, mote para que a interpretacao se faca, 0 analista perde seu enquadre. Aulagnier (1990) vai prop or "urn sujeito tributario da me- m6ria e de urn saber materno", ao referir-se ao emprestimo ne- cessario que 0 sujeito psiquico faz de urn discurso familiar, uma vez que, pela precocidade, uma lernbranca pessoal nao se faz passfvel de rememoracao. E urn branco na hist6ria que sera passfvel reconstruir a partir de urn a posteriori. Quando representacao e passado se afastam da centralidade em nossa clinica, e preciso que 0 analista se presentifique nao como urn objeto da transferencia no senti do da atualizacao e rememoracao, mas como aquele que pode jogar tintas, per via de porre, na tela carente de representacoes a serem recordadas e ressignificadas. (Con}textos de entrevista: olhares cliversos sobre a intera~ao humana46 • Esre capitulo foi publicado originalmente como arcigo,com 0 mesmo titulo, em Psyche Revisra de Psicanalise- (ISSN 1415- 1138) ano IX, n 15, jan/juntOS. Freud inaugura novos tempos: 0 tempo da palavra como lonna de acesso por parte do homem ao desconhecido em si mcsrno e 0 tempo da escuta que ressalta a singularidade de sen- t idos da paIavra enunciada. Ocupa-se, em suas producoes teo- Iicas e em seu trabalho clinico, de palavras que desvelam e ve- IUI11, que produzem primeiro descargas; depois, associacoes, l'alavras que evidenciam a existencia de urn outro-interno, mas que tambern proporcionarn vias decontato com urn outro-ex- (erno quando qualificado na sua escuta. Estes tempos em Freud inauguram a singularidade de uma situacao de "comunicacao" entre paciente e analista. Urn chega com palavras que deman- dam urn desejo de ser compreendido em sua dor, 0 outro escuta us palavras por ver nestas as vias de acesso ao desconhecido que habita 0 paciente. A situacao analitica e, por excelencia, lima situaciio de comunicaciio: nela circulam demandas, nem sernpre logicasou de facil decifrarnento, mas as quais, em seu cerne, comunicam 0 desejo e a necessidade de ser escutadas. A capacidade de ir alern da ciencia de sua epoca esta inti- mamente ligada a possibilidade de Freud de buscar nas pala- vras de seus pacientes e em suas proprias, mais do que padroes de adaptacaoamoral e costumesvigentes,e sim uma fala atraves- sada pelo inconsciente e peia sexualidade:mensagens cifradas e MONICA MEDEIROS KOTHER MACEDO CAROLINA NEUMANN DE BARROSFALcAo A ESCUTA NA PSICANALISE E A PSICANALISE DA ESCUTA4 . Sobre 0mecanisme psiquico dos fenornenos his- tericos: comunicacao preliminar. Edicdo Standard Brasileira d~s Obras ~sicol6gicas Completas de Sigmund Freud: (Vo1.2). RIOde Janeiro: Imago. (Publica~ao Original em 1893), 1976. ----- Sobre a Psicoterapia. Ediciio Standard Brasileira d~s Obras ~sicol6gicas Completas de Sigmund Freud: (Vol.7). RIOde Janeiro: Imago. (Publica~ao Original em 1905), 1976. GREEN, A. Conferencias Brasileiras de Andre Green Metapsicologia dos limites. Rio de Janeiro: Imago, 1990. ' HORNSTEIN, L. Introducao a Psicanalise. Sao Paulo: Edi- tora Escuta, 1989. MCDOUGAL, J. Em defesa de uma certa anormalidade. Porto Alegre: Artes Medicas, 1983. BORGES, G. & PAIM, I.0mais alem da construfiio freudiana. Cornunicacgn pessoal. Porto Alegre, 2003. OLIVEIRA C. P. 0Armorial e P6s-Moderno. Disponfvel em: http:/ ~wv:w.geocities.com/pistache online/pis tache 1/ catlaohvelra2.htm. acesso em dezernbro de 2003. (Con) tcxtos de entrevista: olhares divcrsos sobre a lnteracao humana48 terapeutica sobre ele. Ao abrir caminhos para que 0 homem repense sua historia, a propria psicanalise escreve sua his tori a de transforrnacoes e ampliacoes. as tempos iniciais sao os de emprego da hipnose. Em esta- do hipnotico, 0 paciente descreve cenas, conecta-se com 0 ma- terial traumatico. Cabe ao medico, entao, comunicar-lhe 0 que havia side dito e descrito, uma vez que retornando do transe, 0 paciente de nada se lembra. as sintomas sao esbatidos pelo usa deste metodo, mas 0 sujeito nao se apropria ativamente de sua hist6ria. Entao, no decorrer de seus trabalhos, Freud vai aban- donando a hipnose e direcionando-se a necessidade de criar outra forma de escutar. Surge a associacao livre. Tambern neste trabalho de desconstrucao e construcao, a palavra do paciente tern urn efeito na teoria e na tecnica. Emmy Von N. lhe pediu, certa vez, que nao a tocasse, nao a olhasse e nada falasse; queria apenas ser escutada. A palavra irnpoe-se, apontando uma rnudanca no caminho de Freud: a cura viria por ela, mas nao mais a palavra de urn sujeito ausente que delegava ao terapeuta uma funcao de memoria de seus conteudos trau- maticos e que colocava em a~ao urn recurso que priorizava a sugestao. Agora, e por meio das narrativas ativas de urn sujeito acordado, de seu discurso cheios de lacunas, da presenca e au- senoia da palavra que 0 paciente pass a a ser escutado. Ao reti- rar a palavra do que a nosografia diz sobre 0 paciente, Freud entrega a palavra ao paciente, para que ele fale sobre si mesmo. Surge, entao, a psicanalise, marcada pelo convite a que 0 anali- sando, em uma posicao ativa diante do seu processo de cura, comunique-se e associe livremente. Introduzindo 0 conceito de inconsciente, Freud desloca a fala ate urn outro lugar, muito alern da intencao consciente de comunicar algo: ao falar, 0 sujeito comunica muito mais do que aquilo que inicialmente se propos. 0 inconsciente busca SCI' escutado e ter seus desejos satisfeitos, comunicando-sc pOI III termedio de complexas formacoes: sonhos, sintomu .... 1111 n tJJI (cftllllUMfnolMll ~BlblkMtu 51Mllnica Medeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Orgs.) A Psicanalise surge em reacao ao niilismo terapeutico do- minante na psiquiatria alema do fim do seculo XIX, 0 qual pre- conizava a observacao do enfermo sem escuta-lo e a classifica- ~ao da patologia sem 0 intuito de oferecer-lhe tratamento (ROUDINESCO & PLaN, 1998). Freud inquieta-se com tal conduta. Mesmo tendo uma formacao medica, e, estando imerso em urn contexto cientffico de carater positivista, a conduta psi- quiatrica da epoca nao 0 satisfaz. Freud propoe a todo tempo - e desde 0 inicio de sua experiencia clfnica no Hospital Salpetriere com Charcot - que 0 paciente fosse escutado. Embora ainda distante de fundar a Psicanalise, Freud ja corneca a demarcar 0 importante papel que atribuiria a palavra. Cabe ressaltar que estamos falando de uma palavra que lhe abriria novas possibilidades de cornpreensao do sofrimento hu- mano. Desta forma, dois trabalhos impoem-se: 0 de escutar a palavra do outro, bern como 0 de produzir palavras que vies- sem ao encontro dessa demanda de ajuda. Talvez se demarque, desde estes tempos iniciais, uma caracterfstica essencial da psi- canalise como metoda e tecnica: estar aberta a singularidade deste outro que fala, seja na dimensao referente a seu sofrimento e pedido de ajuda, seja no que diz respeito ao efeito de sua a~ao A palavra que se impoe enigrnaticas que demandaram outra qualidade de escuta para ser compreendidas. Ao se deparar com 0 sofrimento histerico, Freud se pos a escutar urn corpo que falava; nos sonhos, descobre a capacidade dos elementos se condensarem e se deslocarem, crian- do uma outra cena; nos lapsos, percebe a expressao de algo via uma inesperada inabilidade na execucao de atos ou falas, ate en- tao exitosas. Ao dar cada vez mais espaco para 0 que "escutava" de forma diferente, no contato com seus pacientes, Freud pode construir "tanto urn novo ramo do conhecimento quanto urn metoda terapeutico" (FREUD, 1940 [1938], p.9J). (Con) textos de entrevista: olharcs diversos sobre a interacflo humana50 vergonhoso ou doloroso, enquanto que ao analista eabe escutar o paeiente sem 0 privilegio, a priori, de qualquer elemento do seu discurso. Na efetivacao desta regra fundamental, instaura- se a situacao analftiea, abrindo possibilidades do desvelamento da palavra: No seio da associacao livre vai-se produzindo um deslocamento da imagem, do fato como fixo, e este val-se incluindo em rmiltiplas imagens caleidosc6picas cujns combinacoes possiveis se multiplicam e onde 0 ritrno, a cadencia, a intensidade maior de alguns fonemas, a excitacao explfcita no gaguejar de lima palavra, 0 sentido duvidoso de lima frase mal construfda, tudo isso vai dando tonalidades diferentes a estas figuras que nao passam desapercebidas a escuta sutil da atencao fiutuante. Ao mesmo tempo, ao ser escutado pelo analista, 0 proprio sujeito que fala se escuta (ALONSO, 1988, p.2). Assoeiando, 0 paciente fala de-urn outro _ 0 inconscienre=- que the e deseonheeido e que irrompe em sua fala, quando a l6gica consciente se rompe. Toma-se, entao, presente, em al- gum determinado momenta da fala do paeiente, a 16gica do in- consciente, do processo primario. A partir de sonhos, atos-fa- lhos, chistes, esquecimentos, arnbiguidades, contradicoes, esta logica vai se desvelando e os conteudos VaG sendo signifieados com a ajuda da interpretacao, Nestes primeiros tempos da psicanalise, Freud apresenta 0 aparelho psfquico dentro de urn modelo topico, composto de tres "Iugares" _ consciente, pre-consciente e inconsciente _ que se organizam em dois sistemas com princfpios reguladores e de funeionamento completamente distintos. Estes eonstrutos te6- ricos sustentam uma tecnica psicanalftica, a qual designa ao ana- lista 0 trabalho de tornar consciente 0 inconsciente. 0 analista atua como um decifrador, 0 qual, com seus reeursos tecnicos, e capaz de traduzir e revelar ao sujeito os seus desejos, forne- cendo-lhe sentido desconhecido. A escuta analftica sob este 53MCmicaMedeiros Kother Macedo & Leanira Kesseli Carrasco (Orgs.) chistes, atos-falhos; fenomenos que apontam para este "desco- nhecido" que habita 0 sujeito. E assim, abre-se na palavra a dimensao do que escapa ao pr6prio enunciante. Ocampo
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