Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Atenção ao Adulto 287Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Angina e Cuidados Pós-infarto do Miocárdio Epidemiologia e Quadro Clínico Segundo dados do Ministério da Saúde (Datasus), as doenças cardiovasculares constituem a maior causa de óbito em todas as regiões do Brasil, variando entre 29,9% no Nordeste e 34,7% no Sul. Os valores atingem 38,8% na faixa etária entre 50 e 64 anos, e 47,1% naquela acima de 64 anos. Dentre as doenças cardiovasculares, as que mais se correlacionam com mortalidade são a doença coronária, fundamentalmente angina do peito e infarto do miocárdio (52,2% do total de óbitos por doença cardiovascular) e acidente vascular encefálico (32,9%). As diferentes formas de apresentação da doença coronária (angina do peito e infarto do miocárdio) têm em comum, na maioria das vezes, a presença de obstrução aterosclerótica em artéria coronária. A angina do peito pode ser definida como a presença de dor no peito ocasionada por sofrimento (isquemia) do músculo cardíaco (miocárdio). Pode ser dividida, de forma simplificada, em estável e instável. A estável ocorre aos esforços físicos e geralmente se relaciona a uma obstrução aterosclerótica importante (maior de 70%) em uma ou mais das artérias coronárias. A angina instável tem várias formas de apresentação, na maioria das vezes ocorre independentemente de esforço físico e tem pior prognóstico do que a angina estável. No presente texto, será abordada apenas a angina estável. O infarto agudo do miocárdio se caracteriza pela presença de dor precordial de duração prolongada (mais de 20-30 minutos) e, dentre as diferentes formas de apresentação da doença arterial coronária, é a que tem pior prognóstico. As características da dor são similares na angina do peito e no infarto do miocárdio, variando freqüentemente a duração e o fenômeno desencadeante. Diagnóstico A identificação dos pacientes com angina ou infarto do miocárdio exige, do profissional, suspeição e cautela, valorizando as peculiaridades clínicas e as características do sintoma principal, a dor torácica. O quadro doloroso deve ser avaliado quanto a: (1) tipo da dor, cuja apresentação mais comum é a “em aperto” mas que pode ser em queimação, em pontada, em “facada”, pulsátil, em cólica, “surda”, entre outras mais raras; (2) intensidade da dor, que, no caso da angina estável, pode variar desde leve até muito intensa, mas que, na angina instável e no infarto agudo do miocárdio, costuma ser muito intensa; (3) localização da dor, mais comumente retro-esternal ou precordial, mas que pode apresentar-se isoladamente em dorso, membro superior direito ou esquerdo, mandíbula, entre outras mais raras; (4) duração da dor, levando-se em conta o tempo entre o início da última manifestação dolorosa (freqüentemente o paciente tem mais de um episódio doloroso), e a avaliação do paciente; (5) características evolutivas da dor: se apareceu pela primeira vez, se era tipo angina estável agora com características de angina instável ou infarto do miocárdio, se se apresenta com períodos de remissão e recrudescimento; (6) irradiação da dor: as mais comuns são membro superior direito ou esquerdo isoladamente, ambos os membros superiores, dorso, e mandíbula; (7) fatores desencadeantes: exercício, emoção, estresse, interrupção da medicação, entre outros; (8) associação de sintomas, sendo os mais comuns dispnéia, vômitos, sudorese, confusão, síncope, e fadiga. A avaliação dos sintomas em paciente idoso fica prejudicada, principalmente no diabético, pela maior chance de se apresentar com sintomas não-dolorosos. Dentre os “equivalentes isquêmicos”, a falta de ar denotando falência do coração é a mais comum e deve ser valorizada sempre que presente. Outras informações referidas pelo paciente podem fortalecer a impressão diagnóstica, salientando-se a presença de: aumento de colesterol, diabetes melito, tabagismo, pressão alta, presença de familiares próximos com doença no coração, mulheres na pós- menopausa, utilização de anticoncepcionais na pré- Prof. Dr. José Carlos Nicolau1 1Livre-Docente em Cardiologia – USP, Diretor da Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda doInstituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP Disciplina de Cardiologia – Departamento de Cardio-pneumologia 288 Atenção ao Adulto Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina menopausa e antecedentes pessoais de doença coronária comprovada, principalmente em indivíduos submetidos a tratamento cirúrgico ou hemodinâmico, ou com história de internação prévia por angina ou infarto. Importante salientar que o diagnóstico de certeza quanto à presença de obstrução coronária deve passar por exames complementares, que não serão alvo de discussão neste texto. Tratamento Indicações gerais 1. Atividade física: a intensidade e a freqüência de exercícios físicos devem ser individualizadas para o paciente de acordo com a avaliação realizada pelo cardiologista, geralmente levando-se em conta o desempenho do paciente na ergometria. No geral, recomenda-se exercício físico de intensidade moderada, por pelo menos 30 minutos, no mínimo três vezes por semana. 2. Controle dos fatores de risco: todo paciente com doença coronária, independentemente da sua forma de apresentação, deve ter todos os seus fatores de risco controlados por tempo indefinido. Isto inclui cessação do tabagismo, controle rigoroso da pressão arterial, do diabetes, peso e do colesterol. No caso do colesterol, deve-se manter os níveis de LDL (low density lipoproteins) menores que 100 mg/dL, utilizando-se medicamentos para tal, quando a dieta não for suficiente. As estatinas são os medicamentos mais eficazes neste sentido. 3. Aspirina e nitrato: todo indivíduo que apresenta doença coronária, independentemente da sua forma de apresentação, deve ser tratado por tempo indefinido com ácido acetilsalicílico. Caso haja contra-indicação ao tratamento, deve-se utilizar a ticlopidina ou o clopidogrel. A crise anginosa, caso não cesse espontânea e rapidamente, deve ser tratada com nitrato sublingual para aliviar a dor. Indicações específicas 1. Angina estável: o mais importante é diminuir o consumo de oxigênio pelo miocárdio, prescrevendo betabloqueadores, que são extremamente úteis, conseguindo-se, com freqüência, a estabilização do quadro clínico do paciente. Outros medicamentos podem ser utilizados, isoladamente (quando há contra-indicação ao betabloqueador), ou em associação. Dentre estes, os mais comuns são os nitratos e os antagonistas dos canais de cálcio. 2. Pós-infarto do miocárdio: betabloqueador deve ser utilizado de rotina, por tempo indeterminado. Qualquer outro medicamento deve ter indicação específica, sendo a mais importante o uso de bloqueadores da enzima de conversão no caso de pacientes com falência cardíaca ou diminuição da fração de ejeção. Medicamentos mais utilizados: 1. Nitratos: são vasodilatadores coronários de ação direta nos vasos coronários epicárdicos e na circulação colateral. Promovem a inibição efetiva do espasmo coronário. Sua ação sistêmica predominante é a vasodilatação venosa (diminuição da pré-carga), havendo alguma vasodilatação arterial (diminuição da pós-carga) menos importante. Posologia e administração: Dinitrato de isossorbida: Na crise anginosa, utilizar 5 mg sublingual. Como manutenção, formulações tradicionais devem ser utilizadas, com doses de 10 a 30 mg via oral quatro vezes ao dia, deixando-se intervalo de 8 a 10 horas sem medicação. A formulação “retard” deve ser utilizada na dose de 40 mg a cada 8 ou 12 horas. Mononitrato de isossorbida: 20mg, via oral, duas vezes ao dia, de forma assimétrica, às 7 e às 17h). Nitroglicerina transdérmica: disco ou adesivo com 5 ou 10 mg do produto. Colocar e manter por 14 a 16 horas, deixando um intervalo de 8 a 10 horas sem medicação, porexemplo: colocar o disco ou adesivo às 7h e retirar às 23h, ou colocar às 19h e retirar às 11h do dia seguinte, conforme o padrão observado do quadro isquêmico do paciente. Independentemente da utilização das preparações acima, a nitroglicerina (0,3 ou 0,6 mg) ou o dinitrato de isossorbida (2,5 ou 5mg) devem ser utilizados por via sublingual (pérolas ou comprimidos respectivamente) em vigência de episódio anginoso. Não há indicação para o uso rotineiro de nitratos na ausência de manifestações isquêmicas (sintomáticas ou silenciosas). 2. Bloqueadores beta-adrenérgicos inibem os efeitos da estimulação adrenérgica e, conseqüentemente, reduzem a freqüência cardíaca, a contratilidade miocárdica e o consumo de oxigênio miocárdico. De outra parte, redistribuem o fluxo Atenção ao Adulto 289Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina coronário para o subendocárdio e prolongam a diástole. Todas essas ações contribuem para o alívio da isquemia Indicações: recomenda-se o uso rotineiro dos bloqueadores beta-adrenérgicos na prevenção de eventos cardíacos (angina instável, novo infarto e morte de origem cardíaca) após o infarto do miocárdio, pois inúmeros trabalhos documentam sobejamente a sua eficácia na prevenção destes eventos. Posologia e administração: Em pacientes com função ventricular normal, deve- se iniciar qualquer dos betabloqueadores disponíveis no mercado com doses pequenas, crescentes até que se consiga atingir freqüência cardíaca em repouso entre 55 e 60 batimentos por minuto. No paciente com disfunção ventricular esquerda, cuidados adicionais devem ser tomados a fim de não piorar o quadro hemodinâmico. Nesta situação, o medicamento deve ser manipulado por especialista. Propranolol: dose habitual: 40mg, via oral, de 12/ 12h ou de 8/8h. Os betabloqueadores têm eficácia comparável para o alívio da isquemia; entretanto, existem indicações preferenciais relacionadas ao mecanismo patogenético predominante e às condições ou doenças coexistentes. Quando, apesar de doses crescentes, a freqüência cardíaca diminui menos do que o esperado, deve-se afastar outras condições que levem a taquicardia, como, por exemplo, tireotoxicose. Esses medicamentos podem ser utilizados isolada ou em associação. 3. Inibidores da enzima de conversão de angiotensina atuam sobre o sistema renina- angiotensina-aldosterona, impedindo a transformação de angiotensina I em angiotensina II, e são vasodilatadores arteriais e venosos. Tais ações justificam o papel benéfico desses medicamentos no processo de remodelação ventricular, reduzindo a expansão do infarto, a dilatação e a hipertrofia ventriculares. Estão indicados na insuficiência cardíaca clinicamente manifesta, na disfunção ventricular assintomática (fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 0,40) e na hipertensão arterial associada. Posologia e administração: No controle da hipertensão, a dose máxima deverá ser aquela necessária para o controle pressórico. Já no pós-infarto com disfunção ventricular esquerda, deve-se tentar atingir a dose que comprovadamente leva a efeitos benéficos. No caso do captopril, entre 100 e 150 mg/dia, 20 mg/dia para o enalapril, 10 mg para o ramipril e 20 mg para o lisinopril. Nesta indicação, é desejável que o paciente seja orientado por especialista. 4. O antiplaquetário mais utilizado é a aspirina, em doses diárias de 100 a 200mg. Em pacientes com úlcera péptica, hemorragia digestiva ou alergia a aspirina, pode-se utilizar a ticlopidina, via oral, 250 mg, duas vezes ao dia, durante ou após as refeições, OU o clopidogrel, 75 mg ao dia. O uso do dipiridamol não é recomendado. 5. Estatinas: inibem parcialmente a HMG-CoA redutase, levando à diminuição da síntese intracelular do colesterol, ao aumento da formação dos LDL- receptores e à diminuição das VLDL (very low density lipoproteins). São bem toleradas, mas podem ocasionar efeitos colaterais em até 2% dos pacientes: sintomas gastrointestinais e dores musculares e elevação. Não são indicadas para mulheres grávidas ou em fase de aleitamento e para aquelas com possibilidade de engravidar. Seu emprego em crianças e adolescentes ainda não está definitivamente esclarecido. São contra-indicadas na presença de doença hepática e de elevações persistentes das transaminases hepáticas e das bilirrubinas. Podem ser usadas em doentes renais crônicos. Posologia e administração Lovastatina: comprimidos de 20 mg, com dose máxima de 80 mg; sinvastatina: comprimidos de 5 e 10 mg (dose máxima 40 mg); pravastatina: comprimidos de 10 mg (dose máxima 40 mg); fluvastatina: cápsulas de 20 e 40 mg (dose máxima 80 mg). Os comprimidos, nas doses habituais, devem ser administrados após o jantar. Doses mais elevadas podem ser repartidas pela manhã e à noite. Os ajustes das doses devem ser feitos, se necessário, a cada quatro semanas. 290 Atenção ao Adulto Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Encaminhamento Angina estável: pode ser tratada pelo médico de família seguindo orientações do cardiologista. Angina instável: o paciente deve ser encaminhado urgentemente para uma unidade de emergência. Pós- infarto do miocárdio: o paciente deve ser encaminhado para tratamento em ambulatório de especialidade, se estável e não-urgente. BIBLIOGRAFIA Tratado de Medicina Cardiovascular/editado por Eugene Braunwald; coordenação Maria Cleusa M. Góes. – 5a edição – São Paulo, Roca, 1999. II Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia para o Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio. Avaliação e tratamento após da fase aguda e após a alta hospitalar. Arq Bras Cardiol 2000;74(suplemento II):19-38. Braunwald E, Antman EM, Beasley JW, et al. ACC/ AHA guidelines for the management of patients with unstable angina and non-ST-segment elevation myocardial infarction: executive summary and recommendation: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines. Circulation 2000;102:1193-1209. Ministério da Saúde – Datasus. Disponível em: http://www.datasus.gov.br
Compartilhar