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1 PODER CONSTITUINTE DERIVADO (...) 4. Espécies (reformador, decorrente e revisor): (...) Poder constituinte derivado decorrente - Conceito É aquele que, de acordo com as regras estabelecidas pelo poder constituinte originário, estrutura a constituição dos estados da federação através de texto editado pelas assembleias legislativas dos estados, segundo determinou o art. 11 do ADCT: “Art. 11 Cada Assembleia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princí pios desta. Parágrafo único. Promulgada a Constituição do Estado, caberá à Câmara Municipal, no prazo de seis meses, votar a Lei Orgânica respectiva, em dois turnos de discussão e votação, respeitado o disposto na Constituição Federal e na Constituição Estadual.” Tal competência decorre da capacidade de auto-organização estabelecida pelo poder constituinte originário no art. 25 da CF, que assim dispõe: “Art. 25 Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.” Além disso, também é prevista, na CF, a capacidade de autogoverno dos estados (art. 27, 28 e 125 da CF: regras para a estruturação dos poderes legislativo, executivo e judiciário) e de autoadministração dos estados (arts. 18 e 25 a 28: regras de competência legislativa e não legislativa.) “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (...) Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituiçõ es e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituiç ão. (...) Art. 27. O número de Deputados à Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados e, atingido o número de trinta e seis, será acrescido de tantos quantos forem os Deputados Federais acima de doze. (...) Art. 28. A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do té rmino do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subseqüente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77. 2 (...) Art. 32. O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger- se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. § 1º Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios. (...) Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição. (...)” O poder constituinte decorrente é uma espécie do poder constituinte derivado, pois decorre da Constituição Federal, ou seja, encontra sua fonte de inspiração na obra do constituinte originário - Espécies: Poder constituinte decorrente institucionalizador É aquele responsável por elaborar a constituição do Estado- membro. Pode atuar nas seguintes hipóteses: Quando o Estado-membro irá editar sua primeira Constituição Quando Estados-membros se unem formando um só Estado Quando o Estado-membro substitui sua Constituição por outra Quando o Estado-membro é criado por incorporação, subdivisão ou desmembramento Poder constituinte decorrente reformador É o responsável pelas revisões (mudanças amplas) e emendas (mudanças específicas) no texto original das constituições estaduais. Pode consistir em: Poder constituinte decorrente reformador normal: é aquele que vem previsto no próprio texto da Constituição estadual, executando-se nos moldes nela previstos e obedecendo os condicionamentos impostos pela Constituição Federal. Ex: previsão, nas Constituições estaduais, da edição de emendas constitucionais, como mecanismos de atualização de seus dispositivos. Poder constituinte decorrente reformador anômalo: também chamado de extraordinário, serve para ajustar ou rever a Constituição estadual quando a Constituição Federal for reformada, de maneira que o seu texto se apresente em consonância ao texto atualizado da Constituição Federal. Ex: A Constituiçã 3 o da Bahia inseriu, por emenda constitucional, o princípio da eficiência como princípio da administraçã o pública, para adaptar seu texto ao da Constituição Federal de 1988, que, após a Emenda Constitucional nº 19/1998, passou a considerar o princípio da eficiê ncia no art. 37, caput, como princípio da Administraçã o Pública. - Tipos de normas oriundas do poder constituinte derivado decorrente: Normas próprias – são as imaginadas e discutidas pelo poder decorrente dentro de sua competência. Normas repetidas – há correspondente na constituição. Aqui, há ainda outra divisão: a) Normas de repetição obrigatória: normas centrais federais, de comando obrigatório, que alcançam os estados de forma obrigatória. Tais normas limitam a autonomia organizativa dos estados. Integram o ordenamento jurídico dos estados, independentemente de repetição dessas normas na Constituição dos estados, cabendo ao Poder Constituinte Decorrente apenas complementar a obra do Constituinte Federal. 4 b) Normas de repetição facultativa: o legislador estadual ou municipal pode repetir ou não, mas, se repetir deve obedecer à simetria. EXEMPLO: o estabelecimento de medida provisória pela constituição estadual deve obedecer ao padrão estabelecido na CF quanto à disciplina das medidas provisórias - Limites à manifestação do poder constituinte derivado decorrente: Limites autônomos: são as vedações ao poder constituinte derivado decorrente, fixadas na própria Constituição Federal. São limites adjetivados como autônomos, porque advieram do próprio constituinte originário. Por isso, independem de quaisquer providê ncias legislativas das Assembleias Legislativas dos Estados para ser aplicados. Nesse sentido, toda e qualquer matéria colocada na Constituição do Estado-membro deve acompanhar, necessariamente, o modelo federal. O art. 25 da CF dispõe, como já afirmado acima, que os Estados, ao elaborarem suas Constituiç ões, deverão observar os princípios da Constituição de 1988. Nesse sentido, a doutrina interpreta que tais princípios a serem observados são os seguintes: + princípios constitucionais sensíveis: são aqueles previstos no art. 34, VII, “a” – “e” da CF, que consagram limites à capacidade de auto-organização dos Estados-membros e, inclusive, justificam a intervenção da União nos Estados: “Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: (...) VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.” + princípios constitucionais estabelecidos (organizatórios): sã o aqueles que limitam, vedam, ou proíbem a ação indiscriminada do poder constituinte decorrente inicial e reformador. Exemplo: repartição de competência, sistema tributário nacional, organizaçã o dos poderes, direitos políticos, nacionalidade, direitos e garantias individuais, direitos sociais, ordem econômica,educaçã o, saúde, desporto, família, cultura e etc. + princípios constitucionais extensíveis: aqueles que integram a estrutura da federação brasileira, relacionando-se com a norma de investidura em cargos eletivos (art. 77), processo legislativo (arts. 59 e ss.), orçamentos (art. 165 e ss.) e preceitos ligados à Administração Pública (art. 37 e ss.). Ex: no âmbito das Constituiç ões estaduais, deve-se estabelecer, conforme preconizado pela 5 Constituição Federal, um poder legislativo estadual unicameral (assembleia legislativa), sendo, portanto, o processo legislativo das normas estaduais distinto daquele adotado para a elaboração das leis federais, já que, no âmbito federal, temos um poder legislativo bicameral (Câmara dos Deputados e Senado Federal) Limites heterônomos: São as vedações ao poder constituinte decorrente reformador, estabelecidas pelas próprias Constituições dos Estados-membros São classificados como heterônomos, pois reproduzem as proibições contidas na Constituição Federal no art. 60 quanto ao poder de reforma ajustando-as às características da unidade federada. Poder constituinte derivado revisor - Conceito: É aquele poder que, em obediência ao art. 3º do ADCT, institui um particular procedimento simplificado de alteração do texto constitucional, excepcionando a regra geral das propostas de emenda constitucional (PECs), que exigem aprovação por 3/5 dos votos dos membros de cada casa. - É fruto do trabalho de criação do poder constituinte originário, estando, portanto, a ele vinculado. É um poder condicionado e limitado às regras instituídas para a revisão constitucional - Art. 3º do ADCT: “A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.” (OBS: Maioria absoluta é o primeiro número inteiro acima da metade dos membros da casa legislativa. Maioria simples é o primeiro número inteiro acima da metade dos membros presentes na votação). - Resolução nº 1/93, do Congresso Nacional (disciplina o fundamento e o funcionamento dos trabalhos de revisão constitucional): O art. 4º, § 3º da Resolução nº 1/93, do Congresso Nacional, estabeleceu ser vedada a apresentação de propostas revisionais que: +incidam na proibição constante no § 4º do art. 60 da CF (cláusulas pé treas) + substituam integralmente a Constituição + digam respeito a mais de um dispositivo, a não ser que se tratem de modificações correlatas +contrariem a forma republicana de Estado e o sistema presidencialista de governo A resolução estabeleceu, também, possibilidade de oferecimento de propostas revisionais: + por qualquer congressista 6 + por representação partidária com assento no Congresso Nacional por meio de líder + pelas Assembleias legislativas de 3 ou mais unidades da federação, manifestando-se, cada uma, pela maioria de seus membros + pela apresentação de proposta revisional popular, desde que subscrita por 15000 ou mais eleitores + O resultado foi: 6 emendas constitucionais de revisão. Não é possível nova manifestação do poder constituinte derivado revisor, em razão da eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada da aludida regra. - Emendas constitucionais de revisão em espécie : Emendas Constitucionais de Revisão Nº da ECR Ementa 6, de 07.06.1994 Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Acrescenta o § 4º ao art. 55 da Constituição Federal. 5, de 07.06.1994 Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Altera o art. 82 da Constituição Federal. 4, de 07.06.1994 Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Altera o § 9º do art. 14 da Constituição Federal. 3, de 07.06.1994 Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Altera a alínea "c" do inciso I, a alínea "b" do inciso II, o § 1º e o inciso II do § 4º do art. 12 da Constituição Federal. 2, de 07.06.1994 Publicado no D.O.U. 09.06.1994 Altera o caput do art. 50 e seu § 2º, da Constituição Federal. 1, de 01.03.1994 Publicado no D.O.U. 02.03.1994 Acrescenta os arts. 71, 72 e 73 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. DIREITO CONSTITUCIONAL INTERTEMPORAL Direito Constitucional Intertemporal: O Direito Intertemporal consiste no conjunto das normas jurídicas e proposições doutrinárias que têm por objetivo dimensionar e solucionar os problemas relacionados ao conflito de leis no tempo. Assim como ocorre com as normas jurídicas em geral, a aplicação da nova Constituição pode suscitar questões de direito intertemporal, ante à existência de uma anterior Constituição e de normas infraconstitucionais editadas sob a sua vigência. Retroatividade mínima da nova Constituição: A retroatividade é um dos fenômenos do Direito Intertemporal. Retroatividade significa a incidência da nova norma sob fatos ocorridos na vigência de norma anterior. Mattos Peixoto classifica a retroatividade em máxima, média e mí 7 nima. A retroatividade máxima ocorre quando a nova norma atinge fatos que já se consumaram no passado, cujos efeitos também já se extinguiram no passado. A retroatividade média ocorre quando a nova norma atinge os efeitos pendentes de um ato jurídico, ocorridos antes dela. Já a retroatividade mínima ocorre quando a norma nova atinge apenas os efeitos dos atos anteriores, que somente serão produzidos após a data da entrada em vigor da nova norma. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, as Constituições emanada do poder constituinte originário têm, em regra, aplicação imediata, passando a vigorar logo após o seu advento, salvo exceçõ es determinadas pelo próprio texto, como se deu nos arts. 5º e 34 do ADCT, que adiaram a eficácia de determinados dispositivos inseridos no corpo da Constituição. Nesse sentido, as normas constitucionais teriam retroatividade mí nima, atingindo, em regra, efeitos futuros de atos que lhe são anteriores, independentemente de previsão expressa, não estando essa incidência limitada pelo respeito ao direito adquirido. Logo, a regra geral é da incidência imediata da nova Constituição com retroatividade mínima das normas constitucionais aos efeitos dos fatos ocorridos na vigência da Constituição anterior, e que irão se concretizar sob a nova Constituição, a não ser em casos de ressalva feita pela própria Constituição, como é o caso do art. 29, § 3º, do ADCT, que traz a possibilidade de os membros do Ministério Público, admitidos antes da Constituição de 1988, optarem pelo regime da Constituição anterior: “ Art. 29 (...) § 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta.” Defendem Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, em sua obra “Direito Constitucional”, que, em situações em que a Constituição não traga previsão expressa sobre a proteção a direitos adquiridos em face da nova Constituição, seja feito um sopesamento e uma ponderação, caso a caso, entre os direitos reconhecidos sob a vigência Constituição anterior, a nova abordagem dada a esses direitos pela Constituição nova e a proteção da segurança jurídica. Nova constituição e ordem jurídica anterior: Assim, após estudarmos o tema do Poder Constituinte, devemos analisar o que acontece com as normas que foram produzidas na vigência da Constituição anterior com o advento de uma nova Constituição. Elas são revogadas? Perdem a validade? Devem ser novamente editadas? Para regulamentar essa situação, a doutrina trouxe alguns fenômenos que serão a seguir estudados Constituição nova e ordem constitucional anterior: a revogação O advento de uma nova Constituição importaa revogação global daquela Constituição que a antecedeu. A pretensão de supremacia hierárquica de uma Constituição não lhe permite conviver com outra, 8 dotada da mesma pretensão e válida no âmbito do mesmo território. Prevalece, assim, a tese de que a antiga Constituição fica globalmente revogada, evitando-se que convivam, num mesmo momento, a atual e a anterior expressão do poder constituinte originário empregada para elaborar toda a Constituição. Esse é, inclusive, o posicionamento do STF, que já se manifestou no sentido de que a vigência e a eficácia de uma nova Constituição implicam a supressão da existência, a perda da validade e a cessação da eficá cia da anterior Constituição por ela revogada. Contudo, nada impede que a nova Constituição ressalve a vigência de dispositivos isolados da Constituição anterior, até mesmo por algum lapso de tempo, como ocorreu com o caput do art. 34 do ADCT de 1988. “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda n. 1, de 1969, e pelas posteriores.” A desconstitucionalização Há controvérsia na doutrina a respeito da possibilidade de que norma existente na Constituição passada, que não seja incompatível com a nova ordem constitucional, continue vigorando, mas agora em patamar hierárquico inferior, como simples lei ordinária. Esse fenômeno, denominado desconstitucionalização, foi admitido por Carl Schmitt, que pregava a existência entre Constituição e leis constitucionais, aquela correspondendo à decisão política fundamental do titular do poder constituinte e estas às normas constantes no documento constitucional que não apresentem a mesma natureza. Para Schmitt, o advento de uma nova Constituição seria incompatível com a subsistência da Constituição anterior, mas não com a continuidade da vigência de meras leis constitucionais antes em vigor, equivalentes às leis ordinárias em termos hierá rquicos. Assim, por meio do fenômeno da desconstitucionalização, ao invés de a CF anterior ser descartada, é possível a sua permanência no ordenamento jurídico, de forma provisória ou mesmo definitiva, em um patamar hierárquico normativo inferior, como simples lei ordiná ria. A admissão do fenômeno da desconstitucionalização no Brasil, de forma tácita, não é de unânime aceitação na doutrina. Defensores: os autores brasileiros que defendem o fenômeno, como Pontes de Miranda, José Afonso da Silva e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, sustentam a possibilidade da desconstitucionalização de forma tácita, desde que haja a coexistência dos seguintes pressupostos: Revogação de uma Constituição por outra; Presença, na Constituição revogada, de preceito que não verse sobre questão tida como materialmente constitucional; Plena compatibilidade entre tal preceito e a nova Constituição OBS: presentes esses requisitos, o preceito da Constituição antiga continuaria vigorando, mas com força de lei ordinária. 9 Contrários: a maioria dos autores defendem a impossibilidade da desconstitucionalização tácita. Nesse sentido, sustentam que se deve presumir que uma nova Constituição revoga integralmente a que a antecedeu – revogação global ou sistêmica – , salvo previsão em sentido contrário. Logo, em razão de a desconstitucionalização dever ser expressa, ela não é possível no Brasil, por não ter sido prevista expressamente para nenhum assunto na Constituição de 1988. Constituição e direito infraconstitucional anterior: a recepção Conceito: Ocorre quando a nova Constituição recebe a legislação anterior infraconstitucional, que é com ela compatível em seu conteúdo. Assim, tais normas infraconstitucionais continuam em vigor. Ocorre uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição. De acordo com o fenômeno da recepção, a norma jurídica infraconstitucional, anterior à nova Constituição, que não seja incompatível materialmente com ela, continuará a vigorar apó s o seu advento mas agora com outro fundamento de validade: a nova Constituição. Por consequência, as normas anteriores incompatíveis com a Constituição deixarão de vigorar, em razão de sua não recepção pelo novo ordenamento constitucional. Recepção expressa e recepção tácita: A previsão da recepção de normas infraconstitucionais anteriores à nova Constituição pode ser expressa, ou pode se dar de forma implí cita, tácita. Algumas Constituições brasileiras, como a de 1891 (art. 83), a de 1934 (art. 187) e a de 1937 (art.183), fizeram a previsão explícita da ocorrência da recepção. Veja-se o teor do art. 183 da Constituição de 1937: “continuam em vigor, enquanto não revogadas, as leis que, explícita ou implicitamente, não contrariem as disposições desta Constituição.” Contudo, o fenômeno da recepção não depende de expresso reconhecimento pelo texto constitucional. O mais frequente é sua admissão implícita, como ocorre na Constituição de 1988. Exemplo: A lei que regulamenta o procedimento do impeachment e os crimes de responsabilidade é a Lei nº 1.079, editada em 1950. Ela foi considerada, pelo Supremo Tribunal Federal, em parte recepcionada pela Constituição de 1988, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 378. Realizou o STF um exercício de comparação dos dispositivos da Lei nº 1.079 e o texto da Constituição de 1988, para avaliar sua compatibilidade quanto aos artigos da CF/1988 que falam sobre a competência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no procedimento do impeachment, bem como sobre os crimes de responsabilidade. 10 A partir do julgamento da ADPF n. 130 a respeito da recepção da Lei de Imprensa, julgada em abril de 2009, o STF passou a entender que a norma anterior incompatível com a nova ordem constitucional é tida como não-recepcionada, abandonando-se a nomenclatura outrora empregada (revogação). A incidência de uma nova Constituição sob as normas infraconstitucionais editadas sob a vigência de uma Constituição anterior implica também uma releitura de seu texto, pela ótica dos princípios da nova ordem constitucional. Recepção e mudança no processo legislativo: Na análise da recepção de normas infraconstitucionais anteriores, analisa-se apenas questões substantivas, materiais, e não aquelas concernentes ao processo legislativo Observe-se, portanto, que a compatibilidade é MATERIAL, ou seja, quanto ao seu conteúdo. Do ponto de vista formal, não há que se indagar se a lei anterior foi editada de acordo com as regras de processo legislativo impostas nova Constituição. Se no momento em que a lei surgir ela estiver de acordo com a Constituição vigente, ela será válida. EXEMPLOS: a CF/1988 não admitiu os decretos-lei, mas eles foram recepcionados, desde que materialmente compatíveis com a CF. Por isso, o Código Penal, editado como Decreto-Lei na vigência da CF de 1937, continua em vigor, mesmo não prevendo a CF/1988 a figura do decreto-lei. O Código Tributário Nacional (CTN) foi editado em 1966 como lei ordinária (Lei nº 5.172), em época em que sequer existia a figura da lei complementar. A Constituição de 1988 exige lei complementar para a edição de normas gerais em matéria tributá ria. Diante disso, passou-se a entender que o CTN fora recepcionado como lei complementar, o que impediria a sua modificação como lei ordinária Importante destacar que Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto defendem a necessidade de se graduar o rigor do exame de recepção da norma infraconstitucional pelo grau de democraticidade do procedimento de elaboração do ato normativo sob exame. Assim,um ato normativo elaborado anteriormente à Constituição, de acordo com procedimentos à época válidos, mas que não atendessem a padrões mínimos de democracia, pode não ser considerado integralmente recepcionado. Foi, inclusive, o que se deu no exame da recepção da Lei de Imprensa pelo STF na ADPF nº 130, em que sustentou esse tribunal a ilegitimidade democrática da norma em questão, porque concebida e promulgada num longo perí odo autoritário de nossa história, conhecido como regime de exceçã o. Recepção, federação e alteração de competência legislativa 11 É possível que uma nova Constituição altere a competência legislativa de um determinado ente federativo para disciplinar um tema. Nesse sentido, discute-se se o ato normativo editado originariamente por um ente federativo mantém sua validade após o advento da referida modificação de competência legislativa. Entende o STF, nessa hipótese, que, em razão do princípio da continuidade da ordem jurídica, se havia, por exemplo, legislação federal sobre um tema, antes da CF/1988, e a matéria passou a ser de competência legislativa estadual ou municipal, a legislação federal deve ser recepcionada como estadual ou municipal. Consequência da não recepção de uma lei: revogação, e não inconstitucionalidade superveniente A lei infraconstitucional anterior à nova Constituição, que não seja com essa compatível, é tida como não recepcionada. Destaque-se que a natureza jurídica dessa não recepção é de revogação da norma, em razão do critério cronológico: norma posterior (Constituiç ão de 1988) revoga norma anterior com ela incompatível. Não há que se falar no Brasil em inconstitucionalidade superveniente da norma infraconstitucional editada anteriormente à nova Constituição, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade de normas no Brasil só tem por objeto normas infraconstitucionais editadas após a Constituição de 1988. O instrumento que é utilizado para se aferir a recepção, ou não, de uma norma infraconstitucional editada antes da Constituição de 1988, que ofenda preceitos fundamentais da CF/1988, é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, regulamentada pela Lei nº 9.882/1999: “Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;” A lei ainda constitucional e a inconstitucionalidade progressiva Diz respeito ao fato de determinadas alterações, impostas pela nova ordem constitucional, demandarem tempo para se realizarem. Esse descompasso entre o plano normativo-constitucional e a realidade pode justificar a manutenção provisória de normas anteriores à Constituição 12 e incompatíveis com ela, em hipóteses em que a sua supressão possa acarretar danos maiores aos bens jurídicos constitucionalmente tutelados Ex: recepção do art. 68 do Código de Processo Penal, que atribuía ao Ministério Público a legitimidade ativa para ajuizar ações civis de reparação de dano quando a vítima fosse pobre. O STF entendeu que tal competência foi dada pela CF exclusivamente à Defensoria pública, o que afastaria, a princípio, a recepção da norma em questão. Contudo, sensível às consequê ncias práticas disso, o STF considerou que, até a efetiva instalação das defensorias públicas da União e dos Estados, a referida norma deveria continuar vigorando. Chama-se, assim, esse fenômeno de inconstitucionalidade progressiva: o decurso do tempo e a alteração das circunstâncias fáticas subjacentes à norma, fazem com que ela, tida originariamente como válida, torne-se posteriormente inconstitucional. OBS: o mais apropriado é afirmar-se que ela tornou-se, posteriormente, revogada, não recepcionada, tendo em vista a inexistência de inconstitucionalidade superveniente Repristinação constitucional - Conceito: ocorre quando a lei que perdeu a vigência com o advento de uma nova ordem constitucional, passa a valer novamente quando essa nova Constituição é revogada por uma terceira Constituição, que não é incompatível com aquela lei. - Aplica-se, portanto, a repristinação no momento de sucessão de constituições no tempo. Exemplo: Constituição A admite a pena de morte e a lei B regulamenta a pena de morte. Depois vem a CF C, que passa a proibir a pena de morte e, consequentemente, a lei B nã o é recepcionada pela Constituição C. Depois é editada uma nova CF, a Constituição D, que passa a permitir novamente a pena de morte e, expressamente, revigora a lei B. Nesse caso, através do fenômeno da repristinação, a lei B voltará a valer. Destaque-se, contudo, que a repristinação só é válida quando a nova Constituição for expressa nesse sentido - Assim, conclui-se que, a restauração da eficácia de uma lei, em regra, é considerada inviável. Não se admite a repristinação, em nome do princípio da segurança das relações. Contudo, nada impede que a nova Constituição expressamente revigore aquela legislação.
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