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5- Tanamachi & Meira (2003)Atuação do Psicólogo

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1 
 
A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO 
CRÍTICO EM PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO 
 
Elenita de Rício Tanamachi 
Marisa Eugênia Melillo Meira 
 
O objetivo deste texto é o de apontar algumas possibilidades de 
intervenção concretamente já elaboradas pelas autoras e que se constituem em 
expressões do pensamento crítico já construído em Psicologia e Educação. 
 
A Psicologia Escolar é aqui entendida: 
 
“Como área de estudo da Psicologia e de atuação/ formação profissional 
do psicólogo, que tem no contexto educacional – escolar ou extra-escolar, 
mas a ele relacionado – o foco de sua atenção, e na revisão crítica dos 
conhecimentos acumulados pela Psicologia como ciência, pela Pedagogia 
e pela Filosofia da Educação, a possibilidade de contribuir para a 
superação das indefinições teórico-práticas que ainda se colocam nas 
relações entre a Psicologia e a Educação” (Tanamachi, 2002, P. 85). 
 
Desta forma, o que define um psicólogo escolar não é o seu local de 
trabalho, mas o seu compromisso teórico e prático com as questões da escola. 
Defendemos que: 
 
“O melhor lugar para o psicólogo escolar é o lugar possível, seja dentro ou 
fora de uma instituição, desde que ele se coloque dentro da educação e 
assuma um compromisso teórico e prático com as questões da escola, já 
que independente do espaço profissional que possa estar ocupando, ela 
deve se constituir no foco principal de sua reflexão, ou seja, é do trabalho 
que se desenvolve em seu interior que emergem as grandes questões para 
as quais deve buscar tanto os recursos explicativos, quanto os recursos 
metodológicos que possam orientar sua ação” (Meira, 2000, p. 36). 
 
Considerando a existência de distintas referências teórico-filosóficas e 
metodológicas iniciaremos o texto com a discussão de algumas das principais 
questões teórico-práticas da Psicologia na educação em uma perspectiva crítica. 
 
Para tanto, apresentaremos as questões mais propriamente teóricas da 
Psicologia na Educação, analisando as explicações tradicionais sobre o fracasso 
escolar e as tendências atuais do pensamento crítico em Psicologia Escolar, 
defendendo que o momento atual exige uma revisão dos pressupostos teórico-
filosóficos e metodológicos – sobre o homem em geral, a formação do indivíduo, 
as concepções de Educação e de Psicologia – e a delimitação de um novo 
sentido para a Psicologia Escolar. 
 
Em seguida, apresentaremos algumas reflexões enfocando as 
possibilidades teórico-críticas de intervenção do psicólogo junto à demanda de 
2 
 
queixa escolar e em instituições de ensino. 
 
Discutiremos a atuação em Psicologia Escolar, anunciando um novo lugar 
para o psicólogo, buscando delimitar os elementos da avaliação e da intervenção, 
as estratégias mais utilizadas e os resultados possíveis. 
 
Embora considerando que tanto no caso da intervenção junto à demanda 
de queixa escolar, quanto em instituições de ensino as questões teórico-práticas 
envolvidas e as etapas do trabalho sejam as mesmas, em cada um desses 
momentos de apresentação no texto retornamos a elas, ao mesmo tempo que 
destacamos as especificidades a eles pertinentes. Além disso, para permitir uma 
compreensão mais ampla do que estamos considerando como atuação do 
psicólogo escolar em uma perspectiva crítica, enfocamos, principalmente na 
segunda parte, um exemplo de encaminhamento de ação junto à demanda de 
queixa escolar e, na terceira parte, a metodologia e a sistemática empregada no 
trabalho em instituições de ensino. Os fundamentos teórico-filosóficos são 
retomados em ambas. 
 
 
1. PRINCIPAIS QUESTÕES TEÓRICO-PRÁTICAS DA PSICOLOGIA NA 
EDUCAÇÃO. 
 
Para apresentar as principais questões teórico-práticas da Psicologia na 
Educação, iniciamos com a análise das explicações tradicionais sobre o fracasso 
escolar, considerando tanto a realidade educacional brasileira quanto a história da 
Psicologia em relação ao movimento de constituição da sociedade, da Educação 
e da própria Psicologia como ciência. 
 
Análise crítica das abordagens tradicionais em Psicologia Escolar 
 
Dados obtidos por pesquisas realizadas sobre o processo de escolarização 
no Brasil revelam ausência de escola para todos, evasão ou permanência sem 
nada aprender (expulsão/exclusão), índices altos de analfabetismo, mostrando 
que a impossibilidade de constituição da condição humana pela via da educação 
formal é ainda uma realidade em nosso País. 
 
Situando a história da Psicologia em relação ao movimento de constituição 
da sociedade, da Educação e da própria Psicologia como ciência, Maria Helena 
Patto (1990) aponta-nos como a Psicologia tem contribuído para justificar essa 
realidade educacional. 
 
A autora reporta-se ao século XIX para assinalar o momento no qual a 
contradição vivida pela burguesia atinge o apogeu, intensificando-se o abismo 
entre a acumulação de riquezas e as pequenas conquistas do proletariado que, 
segregado pela burguesia, já não é mais seu aliado. Buscar justificar tal abismo é 
também uma tarefa das ciências humanas que nascem e se oficializam nesse 
período. 
3 
 
Conforme Patto (1990, p. 17), a burguesia traduz as reivindicações das 
massas em termos assimiláveis pela ordem social existente com o auxílio das 
ciências. Esse é o caminho mais eficaz para permitir uma participação política, 
sem que tais reivindicações se tornem ameaças incontroláveis. 
 
Desse modo, a Psicologia, para explicar os ajustes da ordem social 
capitalista em função das exigências dos novos momentos históricos de sua 
recomposição, tem transitado entre teorias e abordagens que nada mais são do 
que recursos da Psicologia como ciência para a reordenação do status quo da 
própria sociedade, da Filosofia, da Sociologia... 
 
Podemos concluir com a autora que, tendo surgido nesse período, a 
Psicologia mantém-se até o momento presente, hegemonicamente, reproduzindo 
essa condição, conforme o quadro a seguir permite visualizar (O quadro busca 
sistematizar, ainda que de modo bastante esquemático, alguns dos aspectos que 
caracterizam, principalmente, as relações entre o movimento teórico/ político, a 
concepção teórica e a abordagem presente em cada um dos momentos desse 
movimento, os procedimentos, os tratamentos, os termos de referência e onde 
está situada a origem do problema em cada caso. Embora simplificado e 
inacabado, preferimos o quadro porque nos permite melhor visualizar o 
desenvolvimento da Psicologia na Educação, em relação com o contexto de 
nossa sociedade). 
 
Embora reconhecendo a forma extremamente simplificada de 
apresentação dos dados contidos no quadro, é possível identificar que a 
heterogeneidade por ele revelada é apenas aparente. Consideramos ser esta a 
expressão do pensamento de Patto (1990), quando afirma que embora por 
caminhos teórico-práticos diferentes, a Psicologia em suas relações com a 
Educação tem sido conduzida por finalidades semelhantes. Referenda o status 
quo da Educação e da própria Psicologia como ciência, por meio da ênfase em 
aspectos particulares dos indivíduos, das famílias ou do meio sociocultural que 
caracterizam a maioria de suas explicações. 
 
Neste caso, a única pergunta possível ao psicólogo refere-se a "porque os 
indivíduos não aprendem", apontando para uma ausência de compromisso da 
Psicologia com a condição multideterminada das circunstâncias nas quais os 
indivíduos se humanizam. 
 
Tendências atuais do pensamento crítico em Psicologia Escolar 
 
A visão tradicional e hegemônica da Psicologia na Educação acima 
apresentada, passou a ser sistematicamente denunciada no Brasil, a partir da 
década de 1980, momento no qual se consolida uma postura crítica em relação à 
identidade e à função social do psicólogo escolar. Tendo como uma das principais 
referências o texto de Maria Helena Patto (1984), o movimento decrítica pauta-
se, nesse momento, pela constatação e denúncia dos pressupostos teórico-
práticos da Psicologia e da Educação e pelo diagnóstico e análise crítica da 
4 
 
história da Psicologia na Educação, enfatizando concepções progressistas e o 
trabalho coletivo, entre outros. 
 
A década de 1990 assinala um período privilegiado desse movimento, 
marcado pela tentativa de descrever, explicitar, construir/ propor respostas que 
traduzem em ações as tendências apontadas na década anterior. 
 
Na atualidade, verificamos que, apesar de persistirem as tendências já 
assinaladas, têm ocorrido várias tentativas de retorno às concepções tradicionais, 
que acabam sendo incorporadas ao discurso das concepções defendidas pelo 
movimento de crítica, como seria o caso por exemplo das aproximações entre as 
teorias de Piaget e Vigotski, estudadas por Duarte (1996, 2000). 
 
Assim compreendidas, essas tendências atuais do pensamento em 
Psicologia e Educação, podem reafirmar, neste início de século, o movimento de 
recomposição das justificativas da ciência psicológica e pedagógica para a 
manutenção da realidade educacional no contexto da sociedade mais ampla, 
quadro semelhante ao já denunciado por Patto (1984). 
 
Deixando de se posicionar diante das dimensões ontológica, 
epistemológica e lógica do conhecimento, o retorno às explicações tradicionais, 
encoberto por meio de uma nova linguagem, prepara o cenário ideológico propício 
às mudanças para adaptar o já existente ao novo momento histórico social, sem 
que seja necessário questionar as finalidades da organização social, da produção 
do conhecimento e dos próprios indivíduos. 
 
Neste contexto, a tese aqui defendida refere-se ao rompimento com estas 
tendências, tanto por meio da explicitação de fundamentos teórico-filosóficos e 
metodológicos que permitam discutir finalidades histórico-sociais concretas, 
quanto pela ênfase em referencial ainda pouco explorado como alternativo à 
superação dos conhecimentos elaborados pela Psicologia em relação à 
Educação. 
 
Tabela 
 
Movimento teórico e político: 
Darwinismo social (Consolidação da sociedade capitalista) 
Concepção teórica: Teoria do Dom ou das Aptidões Individuais 
Abordagem: Psicometria 
Procedimentos: Testes de Aptidões e Personalidade 
Tratamento: Educação Especial 
Termo de referência: Criança Anormal 
Origem do problema: No indivíduo (determinantes heredológicos) 
Por que a criança não aprende?: Hereditariedade 
 
Movimento teórico e político: 
Movimento Higienista (família idealizada) 
5 
 
Concepção teórica: Ambientalismo (Psicanálise x Behaviorismo) 
Abordagem: Clínica e Modificação do Comportamento 
Procedimentos: Psicodiagnóstico (observação / entrevista / história de vida). 
Condicionar comportamentos adequados e eliminar inadequados. 
Tratamento: Psicoterapia / Orientação Familiar e Escolar 
Termo de referência: Criança problema 
Origem do problema: Ambiente familiar desajustado. Na criança e seus 
relacionamentos (determinantes da personalidade) 
Por que a criança não aprende?: Fatores emocionais ou controle inadequado do 
comportamento 
 
Movimento teórico e político: 
Movimento de Saúde Escolar 
Concepção teórica: Organiscismo (alteração na ordem natural da aprendizagem 
por anormalidades neurais) 
Abordagem: Organicista 
Procedimentos: Exame Neurológico e Eletroencefalograma 
Tratamento: Medicação / Terapias de reeducação 
Termo de referência: Criança com distúrbio de aprendizagem 
Origem do problema: Disfunção cerebral (determinantes neuropsicológicos) 
Por que a criança não aprende?: Fatores Orgânicos 
 
Movimento teórico e político: 
Reivindicações de minorias raciais e étnicas nos EUA (acordos de 
cooperação Brasil x EUA) 
Concepção teórica: Interacionismo 
Abordagem: Teoria da privação / carência cultural 
Procedimentos: Testes de Aptidão e Personalidade, Psicodiagnóstico ou 
Modificação de Comportamento. 
Tratamento: Educação Compensatória (merenda / estimulação / precoce / 
antecipação da escolaridade / programas especiais para crianças carentes) 
Termo de referência: Criança Carente / deficiente ou diferente 
Origem do problema: Determinantes sociais e culturais (nível sócio-econômico) 
Por que a criança não aprende?: Aspectos socioculturais 
 
Movimento teórico e político: 
Mundialização (Neoliberalismo, pós-Modernidade) 
Concepção teórica: Inatismo, Ambientalismo, Interacionismo / Construtivismo 
Abordagem: Socioconstrutivista, Sociointeracionista, Sociointeracionismo 
Construtivista, Construtivismo Pós-Piagetiano 
Procedimentos: Aplicação de provas para avaliar desenvolvimento / capacidade 
da criança. Avaliação de condições do ambiente. 
Tratamento: Aguardar maturação física das funções intelectuais. Preparação de 
ambiente favorável à aprendizagem. 
Termo de referência: Criança imatura 
Origem do problema: No processo de desenvolvimento do indivíduo em contato 
com o meio adequado 
6 
 
Por que a criança não aprende?: Não atingiu maturidade suficiente. Ausência 
de ambiente facilitador. 
 
Uma concepção crítica de Psicologia Escolar 
 
Tomamos como referência teórico-filosófica e metodológica, o conjunto de 
elaborações da Psicologia, efetivados a partir do Materialismo Histórico Dialético, 
enfocando as categorias que têm implicações imediatas para a compreensão do 
processo de humanização dos indivíduos no contexto sociohistórico atual. 
 
No nível da análise sobre o homem em geral desenvolvida por Marx, 
destacamos o trabalho como atividade vital por meio do qual o homem se 
relaciona com a natureza e com os outros homens, criando as condições para a 
produção e reprodução da humanidade; o caráter material e histórico do 
desenvolvimento humano que permite compreender as relações de produção 
como determinantes da forma e do conteúdo das relações entre os homens e, 
finalmente, a lógica dialética, cujas categorias centrais – contradição, totalidade, 
particularidade..., viabilizam o conhecimento e a interpretação da realidade, 
considerando a origem multideterminada e contraditória dos fenômenos, 
apreendendo-os em sua dinâmica horizontal (sua história de desenvolvimento) e 
vertical (articulação entre aparência e essência). 
 
Como a concepção Materialista Histórico Dialética foi gestada visando à 
análise crítica da sociedade capitalista, ela veicula, para além de um visão de 
homem e de sociedade, uma concepção ética. Implica a responsabilidade de se 
construir uma nova ordem social, capaz de assegurar a todos os homens um 
presente e um futuro dignos. Exige compromisso pessoal e com a construção de 
um conhecimento científico capaz de contribuir para que o homem se objetive, de 
forma social e consciente, tornando-se, cada vez mais, livre e universal. A 
finalidade explícita é o compromisso ético-político com a emancipação humana, 
estando, portanto, presentes as dimensões ontológica – formação do ser dentro 
de determinadas circunstâncias sociohistóricas, epistemológica – como se 
conhece esse processo e a dimensão lógica – lógica inerente a essa 
peculiaridade e que precisa ser apropriada. 
 
Nesse sentido, concordamos que a concepção científica sobre o homem 
em geral, na visão de Marx, pode dar sustentação aos estudos sobre a 
individualidade / subjetividade, uma tarefa para a Psicologia, assumida por Sève 
(1979), Vigotski (1996), Leontiev (1978), entre outros. 
 
No nível da formação da individualidade, enfocamos os fundamentos da 
concepção histórico-social do ser humano, tal como propõe Leontiev (1978), no 
texto "O homem e a cultura". Ao explicitar o momento de constituição da natureza 
social do homem, o autor explica como se dá o processo de apropriação das 
objetivações humano-genéricas que permite a objetivação do indivíduo, o lugar da 
comunicação e da educação (em geral e escolar) nesse processo, sem deixar deconsiderar que tudo isso ocorre em uma determinada circunstância, no caso, a 
7 
 
sociedade capitalista que tem a alienação como uma de suas marcas. Como não 
há unidade no referido processo de apropriação, porque esta forma de 
organização social é caracterizada por diferenças nas condições de vida (fruto da 
desigualdade econômica, de classe e de relação com as aquisições 
sociohistóricas), a constituição da individualidade está condicionada à superação 
do processo de alienação. 
 
Discutindo a alienação econômica e cultural, o autor aponta elementos 
progressistas e reacionários da cultura intelectual, ou seja, os elementos que 
servem ao desenvolvimento da humanidade e aqueles que servem ao interesse 
das classes no poder. Explicita, finalmente, a ruptura entre as gigantescas 
possibilidades desenvolvidas pelo gênero humano e a pobreza e estreiteza que 
cabe aos homens individualmente como a contradição que caracteriza a 
sociedade capitalista. Defende que essa situação não é eterna porque não o são 
as relações socioeconômicas que lhes dão origem, colocando a superação dessa 
realidade como uma possibilidade no contexto atual. 
 
Concluímos, a partir da análise do autor, que a superação da alienação só 
se constitui uma possibilidade quando a compreendemos por contradição (porque 
o que os indivíduos precisam para dela se libertar está no mesmo contexto que a 
provoca), quando consideramos a historicidade dos fatos humanos e quando 
podemos entender para transformar as circunstâncias. Além disso, é preciso 
considerar tanto um processo de educação para permitir a humanização (que 
implica compromisso com a superação da alienação), quanto uma concepção de 
Psicologia que possa dar sustentação, no que a ela compete como ciência, a esse 
processo de educação. 
 
Em relação à Educação, encontramos na Concepção Histórico-crítica de 
Saviani (2000) a explicitação de finalidades transformadoras para a Educação e 
para a Psicologia. 
 
Ao discutir as finalidades da educação escolar, destaca o caráter 
conservador e ao mesmo tempo contraditório do projeto burguês de escola, 
pensando por contradição tanto as relações da escola com a sociedade, quanto a 
função da escola e os temas relativos ao processo educativo (conteúdos, 
métodos, relação professor/aluno). Toma o processo de democratização da 
educação no sentido formal e substancial, defendendo a garantia de acesso e 
permanência na escola, como uma condição de humanização no sentido da 
"onilateralidade"'. 
 
O autor permite apresentar, como elementos que garantam a 
transformação da escola em instrumento de emancipação: 
 
• a natureza e a especificidade do trabalho da escola, enfatizando a 
seleção e organização dos conteúdos com base no saber universal 
(clássico/erudito), o movimento de continuidade (com aquilo que o aluno já 
sabe) e ruptura (quando o professor apresenta, introduz novos 
8 
 
conhecimentos) e a discussão sobre as práticas diárias (o que/ como/para 
que fazer, a fim de garantir a transformação a partir da educação escolar); 
 
• a competência técnico-pedagógica do professor para selecionar os 
conteúdos e os procedimentos de ensino e o compromisso político com os 
pressupostos e as finalidades de emancipação; 
 
• o lugar do professor como coordenador da ação educativa e o trabalho 
coletivo; 
 
• a compreensão da escola como um local, ao mesmo tempo, conservador 
e revolucionário que difunde a cultura, que é ao mesmo tempo fictícia e 
verdadeira. 
 
As práticas pedagógicas imprescindíveis a uma educação escolar 
emancipatória, enfocadas por Giroux (1986), acrescentam aspectos importantes a 
respeito da natureza ativa da participação dos alunos e dos professores no 
espaço da educação escolar. Propondo o professor como mediador entre os 
alunos e o conhecimento e o conhecimento como mediação entre os que 
aprendem, o autor anuncia que as relações em sala de aula devem garantir a 
aprendizagem do pensamento crítico. Professores e alunos devem ir além do raci-
ocínio fragmentado, buscando a origem do conhecimento para permitir a autoria 
dos próprios atos. Devem aprender porque certos valores são imprescindíveis à 
vida humana, indignando-se diante das forças contrarias à qualidade da 
existência humana, despertando paixão e otimismo em relação às possibilidades 
de um mundo melhor. Conforme Suchodolski (1984), o processo de formação 
geral e específica dos indivíduos deve levá-los a responsabilizar-se pela trans-
formação da realidade sociohistórica atual. 
 
Ainda discutindo o espaço específico – e possível nas circunstâncias atuais 
– da escola no processo de transformação da sociedade, Pucci (1995) sinaliza na 
direção da construção de uma teoria comprometida com a transformação humana 
e social, destacando: 
 
• a educação das consciências, para que os indivíduos possam tomar 
distância do material a ser interpretado, ao mesmo tempo apreendendo no 
hiato entre um presente e um futuro radicalmente diferentes, as 
contradições a serem superadas por ação individual e social; 
 
• a necessidade de romper com a autoconfiança e a auto-satisfação do 
senso comum para resistir/superar o estado estabelecido das coisas, 
indignando-se com a realidade; 
 
• o restabelecimento das condições de autonomia, liberdade e consciência 
dos indivíduos, trabalhando com o conhecimento necessário ao 
rompimento da consciência domesticada pela via da formação cultural; 
 
9 
 
• a importância da conscientização dos mecanismos subjetivos da 
dominação e dos motivos que levam a ela, para que a submissão se torne 
insuportável e o desejo de viver melhor tome conta dos indivíduos. 
 
Neste contexto, consideramos juntamente com Sève (1979), Duarte (1993) 
e Vigotski (1996) que cabe à Psicologia oferecer subsídios para o 
desenvolvimento de uma concepção científica do indivíduo, entendido como 
síntese da história social da humanidade, de cujo desenvolvimento deve 
conscientemente participar para assegurar sua emancipação. Trata-se de tomar 
como tarefa também da Psicologia o estabelecimento de mediações entre o 
desenvolvimento histórico-social da humanidade e a vida particular dos 
indivíduos. 
 
E se no momento atual as relações entre os homens têm favorecido a 
alienação, deve-se ressaltar que estas mediações teóricas não podem apenas 
explicar como e porque os indivíduos agem ou são de uma ou de outra maneira, 
mas deverão também buscar responder como e porque os indivíduos podem vir a 
agir ou tornarem-se seres emancipados. 
 
A concepção de Psicologia de Vigotski (1996, 1998, 2000, 2001) enfrenta 
esse desafio, marcada por princípios que caracterizam a elaboração de estudos 
da Psicologia, desenvolvidos a partir do Materialismo Histórico Dialético. 
 
Entendendo-a como ciência que se propõe a explicar como a partir do 
mundo objetivo (que é histórica e socialmente determinado) se constrói o mundo 
subjetivo do indivíduo, Vigotski e os demais autores citados acima explicitam tanto 
a concepção filosófico-metodológica que embala as análises da Psicologia, 
quanto os procedimentos e as funções de tal conhecimento; não reduzem "o 
pensamento e a ação humana a determinações do psiquismo individual", não 
partem, portanto, "de um errôneo primado ontológico do indivíduo", mas das rela-
ções sociais para chegar à "biografia" do indivíduo e retornar ao social; não 
reduzem o conceito de indivíduo à descrição das características de indivíduos em 
geral (indivíduos empíricos). 
 
O projeto principal de Vigotski (1996) constituiu-se no estudo dos 
processos de transformação do desenvolvimento humano em sua dimensão 
filogenética, histórico-social e ontongenética, buscando chegar até à dimensão 
micro-genética – formação e manifestação de determinado processo psicológico. 
Priorizou as funções psicológicas superiores – controle consciente do 
comportamento/ atenção / pensamento abstrato / capacidade de planejamento, 
as mudanças qualitativas do comportamento, a educação em geral e escolar e o 
seu papel no desenvolvimento. A finalidade de seu trabalho era redefinir o método 
de compreensão do fenômeno humano, para descobrir o meio pelo qual a 
natureza social se torna a psicológica dos indivíduos. 
 
Para tanto, destaca o cérebro como órgão material da atividade mental, 
que também se adapta às transformações no meio físico e social; o processo de 
10 
 
internalização que permite a apropriação de conceitos, valores e significados, a 
partir da atividade cognitiva e da consciência em relação à atividade externa; o 
conceito de mediação, possível por meio dos sistemas simbólicos que 
representam a realidade (instrumentos e linguagem, que regulam as ações sobre 
os objetos e sobre o psiquismo respectivamente). Conclui que os processos de 
funcionamento mental do homem são fornecidos pela cultura (no plano social -
interpsicológico), por meio de instrumentos psicológicos são internalizados 
(movimento intrapsicológico), produzindo o movimento de individuação (que é 
singular, mas socialmente construído). 
 
Estudando principalmente a relação pensamento/linguagem, a relação 
aprendizagem/desenvolvimento, a consciência e as emoções, o autor supera as 
concepções inatistas, ambientalistas e interacionistas que reforçam a idéia de 
determinismo prévio (inato ou adquirido), defendendo a perspectiva sociohistórica 
ou histórico-cultural para explicar tais temas relativos ao desenvolvimento 
humano. 
 
Toma o pensamento e a linguagem como processos de origem 
biopsicológica diferentes e desenvolvimento independente, mas que se 
relacionam para permitir o funcionamento psicológico superior. A linguagem, 
impulsionada pela necessidade de comunicação, expressa o pensamento e age 
como organizadora do mesmo e no processo de internalização, medeia a ação 
dos indivíduos. Portanto, para o autor, a comunicação é fator de desenvolvimento. 
Deve ser clara, precisa, provocar dúvidas e o desejo de iniciar novos processos 
construtivos. 
 
No que se refere à relação aprendizagem/desenvolvimento, explica que a 
aprendizagem (escolar e extra-escolar) possibilita e movimenta o processo de 
desenvolvimento e que ele é dinâmico (não gradativo, nem de evolução 
progressiva ou de acumulação quantitativa, como no caso das outras 
concepções), no qual estágios de relativa estabilidade sucedem períodos de 
mudanças radicais, com ênfase nos momentos de crise. De acordo com a 
perspectiva sociohistórica, o desenvolvimento ocorre no nível real (aquilo que o 
indivíduo já é capaz de fazer só) e por meio da Zona de Desenvolvimento Próximo 
– obtida pela diferença entre o que é capaz de fazer só e aquilo que faz com 
ajuda e que explica a possibilidade de novas aprendizagens. 
 
Nesse caso, a educação escolar deve produzir desenvolvimento – que 
segue a aprendizagem e cria a Zona de Desenvolvimento Próximo. O ensino deve 
estar voltado para novos conhecimentos. E a Psicologia deve estudar como os 
indivíduos elaboram conceitos, enfatizando as estratégias, os erros, o processo 
de generalização. 
 
A teoria de Vigotski lembra ainda que a formação da consciência individual 
envolve as relações entre pensamento/linguagem, des-
envolvimento/aprendizagem, o significado das mesmas e os afetos e emoções 
que oferecem as condições para sua elaboração. Desse modo, para o autor, o 
11 
 
pensamento tem origem na esfera motivacional (desejos, necessidades, 
interesses, afetos...) que explicam o porquê de sua existência. 
 
Os aspectos da teoria do autor aqui ressaltados permitem explicitar 
espaços muito bem delimitados para a Psicologia e para a Educação, no contexto 
da constituição histórico-social dos indivíduos. Em ambos os casos, a finalidade 
seria favorecer os processos de humanização e a reapropriação da capacidade 
de pensamento crítico. 
 
No que se refere à educação, este objetivo concretiza-se por meio da 
valorização do papel da escola para trabalhar com o que ainda não está formado 
no aluno (adiantando-se ao seu desenvolvimento), com o controle das atividades, 
sempre privilegiando a autonomia, a criatividade, a automotivação e a 
diferenciação. Ainda, a ênfase no papel do professor como mediador na dinâmica 
das relações interpessoais e na relação da criança com os objetos do 
conhecimento, ressaltando um lugar importante para a imitação e para o 
brinquedo. 
 
Em relação ao espaço da Psicologia, cabe um posicionamento diante das 
finalidades sociais da Educação e da própria Psicologia como ciência, sempre 
pautado na explicitação e conhecimento dos pressupostos teórico-filosóficos e 
metodológicos que fundamentam sua ação e reflexão; a redefinição do seu objeto 
de estudo, enfocando o modo como a atividade dos alunos é determinada pela 
Educação e a descoberta das leis psicológicas que regem esse processo. Cabe, 
ainda, a consideração dos determinantes sociais e dos aspectos subjetivos 
inerentes à organização escolar e à definição dos problemas de ensino-
aprendizagem, visando a transformação do trabalho da escola. A atuação do 
psicólogo deve visar uma multiplicidade de ações, uma vez que a identidade 
profissional está nas finalidades a serem atingidas por recursos teóricos e práticas 
diferenciadas; a pesquisa não pode se constituir em mera investigação científica, 
deve produzir efeitos, e permitir a participação de todos no processo de 
transformação dos resultados em ações concretas para transformar a realidade. 
 
Podemos então concluir que o referencial aqui apresentado permite o 
reconhecimento de lugares específicos no interior do processo de humanização 
dos indivíduos, à Filosofia cabendo as finalidades (por que e para que tal 
processo); à Psicologia, a explicação de como a aprendizagem e o 
desenvolvimento ocorrem e à Educação Escolar, a efetivação da 
educação/aprendizagem por meio de recursos pedagógicos concretamente 
organizados pelo professor. 
 
Se estamos considerando que a Educação é o principal processo por meio 
do qual os indivíduos se objetivam como humanos, apropriando-se dos bens 
produzidos pelo conjunto dos homens. Que a Psicologia é a ciência que se 
propõe a explicar como a partir do mundo objetivo se constrói o mundo subjetivo 
do indivíduo, então os processos de subjetivação / objetivação do mundo social 
pelos indivíduos são o seu objeto de estudo. E a Psicologia não pode 
12 
 
desconsiderar a dimensão educativa em qualquer de suas áreas de estudo / 
atuação / formação. A Psicologia Escolar não pode ser compreendida como 
especialidade na formação do psicólogo, embora tenha especificidades. 
Necessariamente, há que se rever a Psicologia na Educação, atribuindo-lhe um 
novo sentido, além de um outro lugar ao psicólogo. 
 
2. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO JUNTO A DEMANDA DE QUEIXA 
ESCOLAR 
 
Situamos o psicólogo como mediador no processo de elaboração das 
condições necessárias para a superação da queixa escolar, uma demanda 
freqüentemente presente em nosso trabalho. 
 
Para tanto, defendemos a aprendizagem dos conceitos cotidianos e 
científicos como a atividade principal da criança para garantir o seu processo de 
humanização, uma vez que ela possibilita e movimenta o processo de 
desenvolvimento do pensamento, tendo a linguagem, a consciência e as emoções 
como mediadoras desta ação. Assim, podemos tomar como objeto de 
estudo/intervenção da Psicologia na Educação, o modo como esta atividade da 
criança é determinada pela Educação em geral e/ou escolar, além da descoberta 
das leis psicológicas que regem este processo. 
 
No que compete à ação do psicólogo, propomos a descrição e análise da 
relação entre o processo de produção da queixa escolar e os processos de 
subjetivação/objetivação dos indivíduos nele envolvidos, como uma mediaçãonecessária à superação das histórias de fracasso escolar. 
 
Herbert tinha dois anos de idade quando, em condições precárias de saúde 
e financeiras de sua família, foi levado por sua madrinha para morar na 
casa dela. O marido da madrinha e as filhas não queriam a adoção, mas 
esta foi feita à revelia de todos, inclusive dos pais biológicos. 
 
Restabelecido, todas as vontades satisfeitas e ouvindo desde as primeiras 
artes e desobediências que não poderia ser diferente mesmo, afinal seu 
futuro é ser um catador de papel como o pai biológico, chegou a hora de ir 
para a escola... a mesma na qual também estudam seus irmãos biológicos. 
 
A mãe adotiva apressa-se em contar sua história para a 
direção/coordenação e professores da escola. Trata-se de uma criança que 
inspira cuidados... A última birra que ele fez foi quando estava em consulta 
médica de rotina. O médico, amigo da família, recomendou que 
consultassem um neurologista porque o menino é muito nervoso. A ele foi 
prescrito calmante e antidepressivo que o fazem oscilar entre a apatia total 
e a euforia, dependendo do medicamento tomado (dorme tarde, não tem 
sono na hora em que todos dormem; na escola fica prostrado ou bate, 
briga, não para quieto...). 
 
13 
 
Logo ao fim do primeiro ano, a escola que já havia conversado 
semanalmente com a mãe adotiva, faz o encaminhamento da "queixa " 
para o Centro de Psicologia, para a Psicologia Escolar. 
 
Nesse atamento, Herbert encontra-se com 8 anos, é agressivo, 
desobediente, não tem concentração na sala de aula e apesar de copiar 
muito bem quando quer, não sabe ler nada. Só vai passar de ano devido à 
progressão continuada..., afirma o encaminhamento feito pela escola. 
 
Entendemos a "queixa" como uma síntese de múltiplas determinações – 
relações familiares, grupos de amigos, contexto social e escolar, portanto, 
consideramos que a superação das condições nas quais a "queixa" é 
apresentada depende da ação comprometida e consciente de todos 
aqueles com ela envolvidos, mediada pelo psicólogo. 
 
A escola diz que o ideal seria Herbert ir para uma classe especial, afinal ele 
tem "problemas" porque é adotivo. O médico confirma, receitando 
medicamentos considerados adequados para o caso. A mãe adotiva diz 
que sem os remédios não dá para "agüentá-lo", ele bate nela..., nos 
colegas da escola, não obedece, vai para a diretoria, não faz o que a 
professora pede... As irmãs adotivas dizem que é muito mimo, que ele tem 
tudo o que elas não tiveram. Junto com o pai adotivo elas acham que ele 
deve voltar a morar com os pais biológicos. A mãe adotiva e as professoras 
acham que tudo fica pior quando Herbert encontra com os irmãos e os pais 
biológicos... Quando ele vai brincar na casa dos amigos, ele briga e tem de 
voltar para casa. Os pais dos amigos não querem mais que os filhos 
brinquem com Herbert. Na escola, quando tem passeios, os pais já 
perguntam se o Herbert vai... 
 
Escola, professores, pais, amigos, a criança e o próprio psicólogo precisam 
compreender que a "queixa" é apenas a aparência, o nível imediato que se 
caracteriza como uma representação isenta de análise, cabendo ao psicólogo 
mediar a compreensão da essência do que foi apresentado como "queixa", por 
meio da investigação/explicação/ação conjunta. 
 
A professora disse que Herbert tem problemas para aprender porque viveu 
em precárias condições até 2 anos de vida. Noutro dia, disse que tem 
problema porque é adotado..., é traumatizado por se sentir abandonado 
pelos pais biológicos e é mimado pela mãe adotiva que tenta compensar as 
carências... 
 
Perguntamos sobre os conteúdos escolares, procuramos entender como 
são trabalhados na sala de aula e investigamos com a escola (em conversa com 
professora/coordenadora/diretora e em observações na escola) o que acontece 
quando a professora ensina, o que ensina, quando os alunos aprendem, quando 
não aprendem. O que ocorre que às vezes não dá vontade de ensinar, de 
aprender? O que acontece quando os alunos fazem uma parte do que é 
14 
 
solicitado? Quando o aluno é encaminhado ao médico, ao psicólogo?... O que 
ocorre quando o professor pede ajuda?... 
 
A mãe adotiva disse que a professora não sabe ensinar, que a escola 
chama os pais toda semana para cobrar que façam aquilo que é trabalho 
da escola... que a professora deveria ser mais enérgica. Em outro momen-
to disse que cobra demais... Ela também acha que o menino possui 
problemas por ser adotivo. "Ele tem problema de cabeça, por isso não 
aprende", disse em um dos encontros com a psicóloga... 
 
As irmãs adotivas e o pai culpam a mãe adotiva por dar atenção demais ao 
menino. O pai já decretou, ele vai ser como os pais biológicos, não tem 
jeito. 
 
Fizemos, com a família adotiva, uma lista do que Herbert faz, para destacar 
que a família só observa aquilo que considera errado, negativo. E se pensamos 
nos afazeres domésticos já realizados, nas tarefas escolares quando ele realiza, 
nos carinhos feitos a todos...? O que faz com que a mãe adotiva o trate de modo 
diferente do que o faz com as demais filhas? O que faz o pai adotivo achar que 
será igual aos pais biológicos? 
 
Herbert não quer falar, nem vivenciar qualquer situação que se assemelhe 
à escola. Quando os temas referem-se a outras situações de seu dia-a-dia, 
ele esbofeteia os bonecos, xinga a psicóloga, diz que ela não sabe de nada 
e que não vai fazer nada porque está com sono. Diz que não sabe ler nem 
escrever Outras vezes diz que vai à escola para aprender... 
 
A psicóloga insiste para que ele faça um desenho, conte uma história, leia 
ou ouça a leitura de um livrinho, escreva o seu nome ou alguma letra que 
conhece, brinque de escolinha. 
 
Embora irritado com esta condição insuportável que todos (pais, escola, a 
psicóloga e ele próprio, que não consegue ver sua realidade de outro 
modo, já que é impedido de vivenciá-la...) insistem como sendo a típica 
possibilidade... (se conhecessem outras formas de análise talvez tivessem 
elementos para romper com essas já cristalizadas)... Herbert vai à aula, 
acredita que é lá que irá aprender, quando a professora passa atividades 
iguais as dos colegas, ele se empenha e participa ao menos. Quando a 
psicóloga diz que ele não precisa fazer a atividade, mas que ela vai realizá-
la... e joga com os pais adotivos, ou lê e escreve... ele entra na atividade e 
mostra tudo o que já é capaz de fazer... 
 
Herbert adora encontrar os irmãos biológicos. Ele quer ir na casa deles... 
ver os pais biológicos... A escola e os pais adotivos não querem que isso 
ocorra..., mas não falam sobre isso... A mãe adotiva tem medo de perdê-
lo... A professora acha que desconcentra... Os irmãos adotivos e o pai 
acham que tem de ir e ficar.. A psicóloga não sabe a hora exata de suas 
15 
 
intervenções. Como contar esta história a todos? Esquece-se que a história 
poderia ser elaborada por todos, desde que cada um deixasse de entender 
que esta é tarefa exclusiva dele... 
 
Herbert, sem conhecer estas expectativas e análises, só quer ficar com 
todos, quer desfrutar da riqueza de possibilidades que sua condição de 
vida lhe permite. Impedido, irrita-se... A professora desiste, a mãe está 
cansada e não sabe mais o que fazer. O pai e as irmãs adotivas acham 
que deve voltar para a família biológica. Um dia a mãe adotiva viajou, ele 
quis bater numa das irmãs adotivas, ela ficou brava e ele fugiu e foi parar 
na casa da família biológica... 
 
A avaliação e a intervenção não podem se pautar por métodos que visem 
encontrar nos indivíduos a explicação para a "queixa". Não se trata de desfocar a 
criança, para culpabilizar a família e/ou a escola. Mudamos a pergunta, em vez de 
nos dirigirmos a pessoas ou situações isoladas – o que tem efeito paralisador – 
buscamos as circunstâncias, porque estas podem ser transformadas. 
 
Se consideramos que a subjetividadesó se constitui a partir das condições 
concretas de vida dos indivíduos, é a historicidade dos fatos apresentados como 
"queixa" que deverá ser investigada. Trata-se de buscarmos, com todos os 
envolvidos, as ações, os acontecimentos, as concepções que "produziram" a 
"queixa" e "motivaram" seu encaminhamento, conforme nos indica Machado 
(2000). 
 
A avaliação aqui adquire caráter investigativo e não classificatório, do que 
concluímos que a base de nossa avaliação é o resgate histórico das situações 
concretas que permitiram a existência da "queixa". Identificar as possibilidades 
concretamente existentes para a superação dessa condição, constitui-se no 
desafio da intervenção. 
 
Conforme Vigotski (Duarte, 2000, p. 87), devemos: 
 
– Saber descobrir sob o aspecto externo do processo seu conteúdo interno, 
sua natureza e sua origem. Toda a dificuldade da análise científica radica 
no fato essência dos objetos, isto é, sua autêntica e verdadeira correlação 
não coincidir diretamente com a forma de suas manifestações externas e 
por isso é preciso analisar os processos; é preciso descobrir por esse meio 
a verdadeira relação que subjaz nesses processos por detrás da forma 
exterior de suas manifestações. Desvelar essas relações é a missão que 
há de cumprir a análise. 
 
Para dar conta desse trabalho, Collares e Moysés (1997) sugerem que o 
psicólogo deve olhar não para o que a criança não tem e não sabe, mas para o 
que ela sabe e gosta de fazer. Assim como indica Meira (2000), o profissional 
deve articular o processo de avaliação/intervenção a partir daquilo que todos 
apresentam como dados concretos, já conhecidos, como entendem e agem nas 
16 
 
situações apresentadas. 
 
Nesse caso, com a criança observamos nas atividades realizadas durante 
os encontros, os aspectos que estão relacionados com nossa investigação, 
elementos que revelam seu potencial de aprendizagem quando colocada diante 
de situações-problema, desafios. Com a família e a escola, investigamos as 
concepções, as hipóteses sobre a "queixa", o que fazem para superá-la e quais 
são suas expectativas. Avaliamos e mobilizamos, portanto, as objetivações, os 
significados, os sentidos atribuídos ou a serem atribuídos, visando preparar a 
apropriação de novas possibilidades. 
 
A intervenção tem dois eixos principais que não podem ser trabalhados em 
separado. O primeiro eixo refere-se à relação 
desenvolvimento/aprendizagem em Herbert e em todas as pessoas 
envolvidas, na perspectiva da constituição das condições de humanização 
pela via do conhecimento de conteúdos pertencentes tanto à educação 
escolar, quanto à Psicologia. O segundo eixo refere-se à elaboração de 
afetos/emoções como motivos compatíveis com a formação da 
consciência. 
 
Quando a professora desiste de ensinar Herbert, aprendizagem dele em 
relação a novos conhecimentos, fica defasada... Constata-se ausência de 
mediação da linguagem (verbal e escrita)... Ele não pede, empurra... ele 
"manda " a psicóloga, ou a mãe e o pai escreverem o resultado dos jogos... 
Ele não utiliza a linguagem como um recurso nas relações cotidianas ou 
mesmo escolares... As pessoas não conversam com ele, não explicam o 
que está acontecendo... Ele também não quer escrever o que já sabe, 
precisa aprender que quem sabe uma parte, com ajuda, poderá saber o 
todo. Precisa ser desafiado a ouvir as explicações, precisa ser cobrado... 
Necessita entender-se dentro do processo de alfabetização, pode 
estabelecer uma outra relação com o seu processo de aprender a ler, 
escrever, contar... Pela via do conhecimento, os motivos começam a ser 
compatíveis com novas possibilidades de aprender... 
 
Um dia a psicóloga deixou o nome dos colegas de Herbert e o dele Próprio 
na lousa da sala de atendimento. Quando ele entrou, ela disse "vou apagar 
aqui; por que será que deixaram a lousa assim?... o que será que estavam 
fazendo? Me ajude aqui!" Ele diz "olha o meu nome aqui! Ta cheio de 
nome...", e reconheceu mais alguns nomes. "Herbert, o que você está 
fazendo?" "Estou lendo nomes!" "Lembra quando você dizia que não sabia 
ler? E agora?” "Agora eu já sei”... A psicóloga continua... "Quem sabe ler 
alguns nomes, pode ler outros, pode escrever também. É só ter alguém 
que ensine; para isto existe a escola, professor, ninguém nasce sabendo..." 
Avaliando o dia, pergunta: "o que aconteceu de bom hoje?" Herbert 
apressa-se...: "descobri que sei ler e que posso escrever" e a psicóloga diz 
"quem precisa saber disso? Vamos pensar como contar e vamos fo-
tografar, desenhar este momento"... No mesmo dia, faz uma reunião com a 
17 
 
família adotiva, na qual Herbert conta tudo o que ocorreu... Depois, as fotos 
e desenhos vão para a escola... Todos precisam entender e analisar o que 
aconteceu para incorporar o fato em sua relação com Herbert e em outras 
circunstâncias semelhantes... Ele quer contar tudo isso para a família 
biológica e pede à psicóloga "você vai comigo?"... 
 
Todos precisam também entender que a adoção não é limite, mas uma 
condição, assim não pode ser causa da não-aprendizagem, da 
agressividade, do mesmo modo que o trabalho do professor, da família e 
mesmo do psicólogo podem ser condições a serem preservadas ou 
superadas. Se tomados como limites, podem imobilizar. 
 
Quais são as possibilidades concretas existentes para a superação dessa 
história que já não é mais somente a história de Herbert? Mas, a dele em 
relação à da professora, dos pais, da psicóloga em formação... Do que 
efetivamente não dá para abrir mão? 
 
Herbert precisa por sua descoberta a serviço da aprendizagem de 
conhecimentos úteis a uma vida, cada vez mais, autônoma e participativa – 
ele vai fazer 10 anos e só pode sair de casa acompanhado, não pode ver 
os pais biológicos quando quer, não faz as atividades escolares como os 
colegas... 
 
A família adotiva precisa reconhecer a legitimidade da relação de Herbert 
com a biológica e que o fato de ter duas famílias enriquece sua história. Ele 
não precisa escolher uma... Isso deixa todos mais seguros! Deve ainda 
entender que a adoção não é causadora de dificuldade para aprender... 
Convencer-se de que ele é capaz de aprender... que a escola pode/ deve 
ensinar.. 
 
A escola, de posse daquilo que Herbert já é capaz de fazer, precisa 
desafiá-lo na direção do que ainda não sabe realizar só, solicitando-o, 
passando tarefas, cobrando sua realização, avaliando, oferecendo 
modelos, apresentando conceitos, ensinando... 
 
O psicólogo, como mediador na efetivação de todos esses objetivos, deve 
superar a condição de "resolvedor de problemas" – que espera a 
aprovação de Herbert no fim do ano, a reconciliação entre as famílias, 
enfim finais felizes para encerrar "o caso”, para saber que como as 
finalidades da Psicologia não são as da Educação e nem as das famílias, 
essa atuação já pode ter se encerrado... 
 
O retorno à especificidade da Psicologia, por meio da intervenção, 
constitui-se em mais uma etapa de seu trabalho. 
 
Falemos, ainda, sobre as principais estratégias utilizadas: 
 
18 
 
• Temas/situações geradores de possibilidades de trabalho: condições 
necessárias para provocar, desafiar as pessoas envolvidas, em busca da 
superação das condições postas no momento, por meio da "queixa"; geradores, 
enfim, da atividade principal da criança e da condição de participação de pais, 
professores e crianças. 
 
Um dia Herbert entra na sala de atendimento e vai em direção a um 
carrinho de bombeiros lá esquecido... A psicóloga tinha planejado outro 
encaminhamento para avaliar o conceito de número, mas sabendo de sua 
rejeição aos conteúdos escolares, substitui a atividade, mantendo a 
finalidade prevista. Arremessou o quebra-cabeça numérico ao chão, 
anunciando um incêndio e chamando pelo bombeiro... que chegou 
prontamente. Seus olhos brilhavam!... Estava preparada a situação gera-dora de muitas possibilidades... Descobriu, junto com Herbert, motivos para 
aprender a trabalhar com números; depois puderam contar isto para os 
pais e para a professora... 
 
Cada peça do quebra-cabeça era uma casa destruída em parte pelo fogo, 
de modo que para reconstruí-la teria que utilizá-la adequadamente 
(conforme as regras do quebra-cabeça, adequadas para o trabalho com 
conceitos numéricos...). 
 
Herbert puxou um tapete com os números do quebra-cabeça, colocou-os 
em seqüência e, assim, numerou as casas a serem restauradas. Disse que 
as casas ficavam em uma rua... E como a cena montada não podia ficar na 
sala de atendimento, a psicóloga sugeriu que fosse construída com 
cartolina, para poder guardar... A maquete teria de ser completa e Herbert 
caprichou... fez placas, sinal de trânsito e escreveu "PAE" (pare), tem um 
posto e escreveu "POT"... e fez o convite para a reinauguração da rua, 
pediu o alfabeto móvel e começou a organizar o convite, escreveu tudo o 
que já sabia com ajuda da psicóloga, fez todo o convite. Indagado sobre o 
que faziam, disse "escrevemos". "Então, já sabe escrever? Vamos 
fotografar registrar. O que vamos fazer?" O menino diz: "vou contar pro 
meu pai, minha mãe e minha professora". "Como?" “Mandando o convite 
de reinauguração da rua para eles". 
 
• Jogos coletivos, como estratégias para a compreensão das contradições 
não explicitadas na "queixa" ou para evidenciá-las. 
 
A psicóloga marcou o encontro de Herbert junto com o de outra criança 
atendida por sua colega... e planejou um jogo... 
 
Herbert ensinou o menino a jogar, o menino ganhou o jogo e ele xingou o 
menino... 
 
• Dinâmicas que permitam ultrapassar os limites individuais colocados pela 
"queixa". 
19 
 
Em uma dinâmica envolvendo uma volta ao passado, os pais adotivos 
contaram as suas histórias de vida para a psicóloga e para o Herbert e ele 
quis saber a dele... e depois quis conversar com os pais biológicos sobre 
isso... 
 
• Leitura e discussão de textos e relatórios e planejamento conjunto de 
atividades. 
 
A análise e discussão de um texto sobre aprendizagem / desenvolvimento, 
ajuda o pai adotivo entender que Herbert não é igual ao pai biológico. 
"Então, não está tudo definido quando nasce?" 
 
A leitura conjunta dos relatos dos encontros anteriores e do planejamento 
do trabalho, após os primeiros encontros, permite a Herbert posicionar-se 
"não precisa ir lá na escola, eu não vou mais porque sou burro mesmo! O 
pai falou que eu vou puxar carroça"... O pai e a mãe adotivos não querem 
marcar reunião com a família biológica: "Pode tirar isso do planejamento"... 
Ao ver o relatório do encontro no qual o Herbert leu e escreveu, a mãe 
adotiva disse ao pai: "Eu não falei que ele esconde o jogo?"... 
 
A psicóloga muda o jeito de escrever... faz novo planejamento... Redige 
texto para leitura e discussão. 
 
Em outro momento, estavam todos reunidos, em atendimento conjunto, 
família biológica, Herbert, a psicóloga, organizando as etapas do trabalho, 
até onde poderia chegar a intervenção, qual o lugar de cada um neste 
processo! 
 
• Grupo de crianças para privilegiar a relação que elas têm com o que 
sabem, gostam, querem fazer, enfatizando os conhecimentos de cada um no 
coletivo – tomado como o espaço de manifestação dos diferentes níveis de 
conhecimento. 
 
Cada criança seleciona uma atividade que sabe fazer e que os demais não 
conhecem... planeja com o psicólogo os passos para ensinar os colegas e 
a cada encontro uma delas coordena com a psicóloga os trabalhos... 
Herbert fez a lista de material para ensinar a fazer pipa (escreveu o que já 
sabia e pediu ajuda em casa, na escola e para a psicóloga...), foram 
comprar e arrumar o material, pensou com a psicóloga como ensinar aos 
colegas. No dia da reunião, ele fez passo a passo, mostrando aos 
colegas... Olhava o trabalho de cada um.... Um menino não conseguiu 
fazer, ele deixou a sua pipa e ajudou o menino até dar certo, depois voltou 
para a sua... 
 
Depois foram escrever o material para todos guardarem. Herbert põe na 
lousa... Quando pula letras nas palavras, outro colega vai lá e completa. A 
lista fica pronta... Na avaliação, todos disseram: "o Herbert ensinou a fazer 
20 
 
certinho... as pipas subiram... ele sabe fazer..." 
 
• Grupo de pais: para discutir diferentes formas de ocupar seu espaço na 
educação escolar do filho e para se posicionarem em relação às questões da 
escola, da Psicologia, da medicalização e outras tantas que surgem no decorrer 
do trabalho. 
 
Em uma das reuniões mensais, a atividade inicial era ler um texto em 
alemão, para entender como os filhos podem sentir-se em situações 
variadas na escola ou em casa... quando exige-se a tarefa pronta, quando 
se pede para fazer o que já for possível... Na avaliação, um pai concluiu: 
"quando você sabe que pode fazer o que dá, descobre que já sabe muita 
coisa"... 
 
Noutra reunião, a mãe conta que o filho não tomava o remédio que o 
neurologista passou (ela descobriu que ele jogava no lixo) e concluiu: "ele 
não podia estar mais calmo por causa do comprimido (...) Eu não insisti 
mais para ele tomar". 
 
Outro dia, uma mãe disse à mãe de Herbert: "Lá em casa eu falo: venha 
comer! e ponho o prato. Se não vier na hora, fica sem comer e ele não faz 
mais isso! Não sei porque tem de ser diferente para o Herbert! Experimente 
fazer assim”. 
 
No primeiro encontro, as psicólogas contaram quem é o psicólogo, o que 
ele faz... Uma mãe disse: "naquele que eu ia antes não era assim, aqui é 
diferente..." Foi possível falar de formas diferentes de atuar e de finalidades 
para cada uma delas, discutindo as finalidades do trabalho que fazemos. 
 
• Grupo de professores e reuniões na escola para colocar os 
conhecimentos da Psicologia a serviço do trabalho pedagógico. 
 
Em atividade conjunta, a professora de Herbert falou para a psicóloga que 
"não chama ele na lousa, para ele não passar vergonha... "A psicóloga 
perguntou: "quem quer vir à lousa?" Herbert foi o primeiro... "Escreve aí, 
Herbert... professora". Ele escreve po..., chama o colega e pede ajuda e 
escreve corretamente. Todos lêem "professora" ... 
 
Assim planejam e discutem inúmeras situações. A psicóloga prepara texto 
para explicar a lógica de sua intervenção... A professora pede para 
apresentar em reunião. Psicóloga e professora preparam e coordenam a 
reunião tia escola... 
 
• Visitas domiciliares e ao bairro: para investigar e compreender a dinâmica 
familiar e as relações entre o bairro e a escola. 
 
Herbert queria ir à casa da família biológica. A psicóloga marca reunião na 
21 
 
casa da família adotiva para discutir a visita. A mãe fala: "se for, tenho 
medo de que não volte"; as irmãs e o pai "é bom que fique";... Herbert fala: 
"eu só quero passar o dia com eles, eu gosto de vocês". A mãe diz: "ele 
não sabe o caminho". A psicóloga não aceita que a mãe explique, deixando 
que ele a conduza; chegam certinho. 
 
Conversam muito, ele brinca com os irmãos biológicos. Todos falam com 
muito respeito da família adotiva. Na volta, muita coisa para contar e 
analisar! 
 
• Eventos científicos para entender que todos os participantes do trabalho 
contribuem com a elaboração do saber/fazer Psicologia Escolar. 
 
Em um congresso na universidade, para fazer o painel do trabalho 
desenvolvido junto à demanda de "queixa escolar", tínhamos fotos dos 
grupos de crianças e de pais. Precisávamos de autorização para a 
exposição. Levamos o painel para os grupos de pais e crianças. Contamos 
sobre o evento, para que servia e que sem eles a formação dos psicólogos 
não se efetiva como julgamos que deva ser. Uma mãe disse: "anota aí, 
você esqueceu de contar aquele dia que eu descobri que minha filha não 
tinha nascido com problema, mas que se alguém tivesse ensinado antes 
ela teria aprendido, agora elasabe". O pai adotivo de Herbert disse: "ele 
quer ir lá, posso levar?". 
 
Na apresentação do painel, lá estava Herbert, o pai adotivo e a estagiária. 
Quando começaram a chegar os observadores, Herbert chamou um grupo 
de alunos de Psicologia e a supervisora do estágio: "vem cá ver a foto do 
meu grupo... este aqui sou eu! Sabe por que eu estou aqui?..." E contou a 
história do trabalho para todos, junto com a psicóloga e o pai. Nos detalhes 
dizia: "Este aqui foi o dia que eu descobri que sabia ler e escrever e agora 
que não preciso mais ir no CPA, falo com a psicóloga por carta ou por e-
mail, quando dá saudade". 
 
O envolvimento das pessoas relacionadas às situações de escolarização 
em questão, compreendendo-as e transformando-as, é o resultado geral das 
investigações. 
 
Os professores apropriam-se de peculiaridades de seu trabalho e dos 
alunos que não haviam compreendido. 
 
Os pais descobrem capacidades e especificidades de seus filhos e de sua 
própria relação familiar. 
 
As crianças apropriam-se de suas possibilidades de aprender. 
 
O psicólogo define seu lugar nesse processo e organiza novos co-
nhecimentos sobre a Psicologia na Educação, quando retorna à teoria. 
22 
 
 
Consideramos que este trabalho é a expressão concreta do referencial 
anunciado, pois enfoca as diferentes relações das quais a criança participa, 
mobiliza todos os elementos presentes nessas relações e põe o psicólogo em 
condições de mediar, junto com o professor, a construção do sentido pessoal e 
social do processo de ensinar e de aprender de todos os participantes. 
 
 
3. A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO 
 
Tomando como fundamento as categorias do pensamento crítico e suas 
expressões nos pressupostos da Pedagogia histórico crítica e da Psicologia 
sociohistórica, defendemos que o objeto do psicólogo em uma instituição de 
ensino escolas de educação infantil, ensino fundamental e médio; creches; 
universidades; projetos educacionais ligados a diferentes instituições públicas e 
privadas; trabalhos de educação popular, etc – é o encontro entre os sujeitos e a 
educação e a finalidade central de seu trabalho deve ser a de contribuir para a 
construção de um processo educacional que seja capaz de socializar o 
conhecimento historicamente acumulado e de contribuir para a formação ética e 
política dos sujeitos. 
 
Assim, o principal critério para a delimitação das áreas de intervenção mais 
importantes relaciona-se diretamente com a definição do quanto a atuação da 
Psicologia pode contribuir para que a escola cumpra sua função social. Nesta 
perspectiva, o psicólogo não é um “resolvedor" de problemas, um mero divulgador 
de teorias e conhecimentos psicológicos, mas um profissional que dentro de seus 
limites e de sua especificidade, pode ajudar a escola a remover obstáculos que se 
interpõem entre os sujeitos e o conhecimento e a formar cidadãos por meio da 
construção de práticas educativas que favoreçam processos de humanização e 
reapropriação da capacidade de pensamento crítico. 
 
Para dar conta dessa tarefa, o psicólogo deve compreender de forma mais 
aprofundada tanto as maneiras pelas quais o trabalho educativo produz nos 
indivíduos singulares a humanidade que é produzida histórica e coletivamente 
pelo conjunto dos homens (Saviani, 1991), desempenhando o papel de atividade 
mediadora entre a esfera da vida cotidiana a as esferas não-cotidianas de 
objetivação do gênero humano (Duarte, 1995), quanto as funções e a natureza 
social do desenvolvimento cognitivo, dos afetos e emoções no processo de 
humanização desses indivíduos pela via da apropriação da cultura. 
 
Esta fundamentação pode tornar o profissional capaz de contribuir para o 
processo de desvelamento ideológico de uma série de idéias e concepções 
cristalizadas e combater em diferentes instâncias as explicações psicologizantes 
que buscam re-situar os problemas educacionais como problemas dos próprios 
alunos. 
 
É evidente que cada instituição apresenta necessidades e particularidades 
23 
 
que devem ser compreendidas, respeitadas e trabalhadas. No entanto, parece-
nos oportuno apresentar neste texto alguns elementos que podem, em alguma 
medida, contribuir para o delineamento de propostas de intervenção fundadas em 
finalidades transformadoras. 
 
Para facilitar a exposição, apresentaremos estas reflexões, organizadas em 
três tópicos: fundamentos, metodologia e sistemática do trabalho em instituições 
de ensino. 
 
 
Principais fundamentos do trabalho em instituições de ensino 
 
Como já evidenciamos anteriormente, independente do espaço social e da 
área de atuação que o psicólogo escolar esteja ocupando, as bases filosóficas e 
teóricas nas quais assenta seu trabalho são as mesmas, desde que elas lhe 
garantam a compreensão e a possibilidade de intervenção crítica e competente 
em contextos educativos. 
 
Entretanto, é preciso destacar que o trabalho em instituições educacionais 
apresenta certas especificidades que exigem do profissional o domínio mais 
aprofundado de algumas mediações teóricas, dentre as quais destacaremos três 
que nos parecem ser as mais importantes: a compreensão de possíveis 
articulações entre teorias de aprendizagem e práticas educativas; a análise crítica 
do espaço social da sala de aula e a concepção de conhecimento como 
instrumento do vir a ser. 
 
 
Articulação entre teorias da aprendizagem e práticas pedagógicas 
 
Conforme aponta Antunes (2000), ao longo de nossa história a Psicologia 
tornou-se parte constitutiva do pensamento educacional brasileiro. 
 
Isso significa que é possível localizar com maior ou menor grau de clareza 
e importância diferentes contribuições da Psicologia, provenientes de variadas 
tendências teóricas, nos processos constitutivos dos ideários pedagógicos que 
fundamentam práticas e propostas educacionais no Brasil. 
 
E, se é verdade que os conhecimentos psicológicos podem efetivamente 
contribuir para a elaboração de propostas mais consistentes que resultem em 
melhorias do processo ensino aprendizagem, é fundamental que o psicólogo 
escolar compreenda e domine tanto os referenciais da psicologia, quanto da 
educação. 
 
Existem múltiplas possibilidades de articulação entre teorias de 
aprendizagem e práticas pedagógicas. Nesse texto, destacamos o tema das 
relações entre desenvolvimento e aprendizagem em uma perspectiva 
sociohistórica. 
24 
 
 
Um processo pedagógico qualitativamente superior pode ser construído por 
meio de inúmeros caminhos e, neste sentido, não existe uma definição 
suficientemente ampla que possa dar conta de todas as possibilidades. No 
entanto, podemos afirmar de maneira geral e um tanto óbvia, que um bom ensino 
é aquele que garante uma aprendizagem efetiva. Neste sentido, um bom 
professor é aquele que dá conta de ensinar seus alunos. 
 
Mas, o que é preciso para que um professor ensine de fato? Poderíamos 
enumerar uma série de condições tais como: formação adequada, salários dignos, 
espaços de estudo e reflexão, valorização social e tantas outras mais. Embora 
estas sejam questões fundamentais, neste momento, vamos analisar de forma 
mais detida o valor e a importância de uma adequada compreensão do 
desenvolvimento humano e de suas articulações com a aprendizagem e as 
relações sociais, já que não se pode verdadeiramente ensinar se não se 
considerar como o aluno aprende, ou ainda, porque às vezes ele não aprende. 
 
Se a escola é a instância socializadora do conhecimento historicamente 
acumulado e se a finalidade da ação docente se concretiza na tarefa de ensinar e 
ensinar bem, é preciso que o professor selecione tanto os elementos culturais que 
precisam ser assimilados pelos alunos, quanto as formas mais adequadas para 
atingir este objetivo. 
 
De acordo com Saviani (1992), os educadoresdevem nortear sua ação a 
partir de três objetivos fundamentais: a identificação das formas mais 
desenvolvidas em que se exprime o saber objetivo socialmente produzido; a 
transformação deste saber objetivo em saber escolar que possa ser assimilado 
pelo conjunto dos alunos e a garantia das condições necessárias para que estes 
não apenas se apropriem do conhecimento, mas ainda elevem seu nível de 
compreensão sobre a realidade. 
 
Mas a tarefa docente vai muito mais além, já que após ter definido os 
conteúdos e delimitado a metodologia e os recursos pedagógicos a serem 
utilizados, o professor ainda tem de enfrentar um novo desafio: o fato de que nem 
todos aprendem do mesmo modo, no mesmo momento e ritmo. Além disso, 
alguns alunos parecem simplesmente não aprender nada. 
 
Dentre as várias explicações para o não aprender que são freqüentemente 
utilizadas nos meios educacionais, a mais conhecida é aquela que parte da idéia 
de que os alunos não aprendem porque não estão "prontos". 
 
Uma análise crítica desse tipo de abordagem denominada maturacionista 
aponta para pelo menos duas questões principais. Em primeiro lugar, a afirmação 
de imaturidade neurológica, intelectual ou emocional da criança só é possível se 
tomarmos o adulto como padrão, o que significa que essas explicações 
desconsideram que o ser humano é histórico e está em um permanente processo 
de construção. Conforme apontam Collares e Moysés (1996), o conceito de 
25 
 
imaturidade colocado nesses termos não possui nenhuma legitimidade científica, 
já que, desde o nascimento e ao longo de toda a sua vida, o ser humano 
apresenta as características físicas, emocionais e cognitivas adequadas e 
convenientes a cada momento determinado, ou seja, não podemos considerar a 
criança como um ser imaturo pelo simples fato de diferenciar-se de um adulto. 
 
Interessa-nos, outrossim, discutir de forma mais aprofundada a segunda 
questão, que se relaciona com o pressuposto mais geral que fundamenta essa 
forma de compreender as dificuldades de aprendizagem dos alunos: a idéia de 
que ela depende diretamente do desenvolvimento. Esta perspectiva considera 
que determinados alunos apresentam dificuldades porque não atingiram o nível 
de desenvolvimento psicointelectual necessário. Assim, o professor não pode 
ensinar porque estes alunos não têm condições de aprender, não lhe restando 
outra alternativa a não ser esperar que eles fiquem "maduros”, para só então 
cumprir sua função social. 
 
Consideramos que para rompermos com o maturacionismo é preciso 
transformar a concepção de conhecimento e de como ele pode ser transmitido 
pelos professores e apropriado pelos alunos. Em outras palavras, é preciso 
compreender de uma nova forma as relações entre desenvolvimento e 
aprendizagem. 
 
Encontramos esse novo olhar nas contribuições de L. S. Vigotski, para 
quem o principal fato humano é a transmissão e assimilação da cultura. Assim, a 
aprendizagem é alçada a uma posição de extrema importância, na medida em 
que se constitui em condição fundamental para o desenvolvimento das 
características humanas não naturais, mas formadas historicamente. 
 
Vygotsky (1977) concorda que existe uma relação entre um determinado 
nível de desenvolvimento e a capacidade ou competência para a aprendizagem 
de certos conteúdos. No entanto, a grande inovação proposta por ele é a defesa 
de que não existe um único nível de desenvolvimento, mas sim dois: o nível de 
desenvolvimento atual e a zona de desenvolvimento próximo (no Brasil também 
são utilizadas as expressões potencial e proximal). 
 
O nível de desenvolvimento atual corresponde ao nível desenvolvimento da 
criança que foi conseguido como resultado de um processo de desenvolvimento já 
realizado. 
 
O professor atento aos seus alunos pode perceber o nível de 
desenvolvimento efetivo de seu grupo observando o que cada um é de realizar de 
maneira independente, ou seja, o que já é possível em função do 
desenvolvimento que foi efetivado até o momento. No entanto, essas expressões 
não são capazes de explicar completamente o processo de desenvolvimento das 
crianças. É necessário ainda que se busque apreender a zona de 
desenvolvimento próximo que corresponde ao que a criança é capaz de realizar 
com a ajuda de adultos ou companheiros mais experientes. 
26 
 
 
Trazendo essa discussão para o universo da sala de aula, tais reflexões 
apontam que o fato dos alunos não conseguirem realizar sozinhos determinadas 
atividades não significa que eles não tenham condições para tanto. Ocorre que, 
naquele momento, as capacidades cognitivas necessárias à realização das 
tarefas propostas encontram-se em processo de formação, razão pela qual esses 
alunos necessitam do auxílio do professor, que pode vir em forma de novas 
explicações, apoio afetivo, atividades diferenciadas, organização de trabalhos em 
grupo, jogos, brincadeiras, etc. 
 
Para Vigotski, o ensino não deve estar "a reboque" do desenvolvimento. Ao 
contrário, um processo de aprendizagem adequadamente organizado é capaz de 
ativar processos de desenvolvimento. 
 
É importante ressaltar que essa perspectiva aponta para o resgate do 
papel ativo do professor em relação aos processos de aprendizagem e 
desenvolvimento de todos os alunos, especialmente daqueles que apresentam 
mais dificuldades. 
 
O professor que sabe que o desenvolvimento cria potencialidades, mas 
que só a aprendizagem as concretiza, é aquele que se volta para o futuro, para 
dar condições para que todos os seus alunos se desenvolvam e que, portanto, 
busca intervir ativamente nesse processo, não se limitando a esperar que as 
capacidades necessárias à compreensão de um determinado conceito algum dia 
"amadureçam". 
 
Esse professor que sabe que seus alunos se desenvolvem à medida em 
que os ensina e os educa, que poderá contribuir para a reversão dos processos 
de produção do fracasso escolar. 
 
 
A sala de aula como local de formação social da mente 
 
A sala de aula é o lugar onde a educação de fato acontece, já que é o 
espaço no qual professores e alunos se encontram e constroem o processo 
educativo. 
 
Assim, se a sala de aula constitui-se no espaço privilegiado da educação é 
preciso compreender que existe uma clara correspondência entre a qualidade do 
trabalho pedagógico e as práticas e concepções que lhes dão sustentação. 
 
As diferentes maneiras pelas quais se constrói o encontro entre 
professores e alunos trazem conseqüências importantes tanto no que se refere ao 
processo de transmissão e apropriação dos conhecimentos, quanto no que se 
refere a formação de atitudes e valores. 
 
Podemos afirmar, portanto, utilizando a expressão que dá título a uma das 
27 
 
obras mais conhecidas de Vigotski, que a sala de aula é de fato um local de 
formação social da mente. 
 
Essa compreensão pode iluminar de diferentes maneiras a análise dos 
processos psicológicos e pedagógicos que se constroem e se tecem de forma 
articulada no cotidiano das escolas. Várias questões podem decorrer dessa 
concepção de sala de aula. Podemos destacar as seguintes: 
 
• A aprendizagem é um processo. Em função do momento de 
desenvolvimento no qual se encontra, o ser humano compreende e 
interpreta de diferentes maneiras os fenômenos com os quais se 
defrontam, sejam eles de natureza física, social ou psicológica. Em outras 
palavras, quando a criança apresenta uma resposta diferente daqueIa 
esperada pelo adulto, não podemos afirmar que ela simplesmente cometeu 
um erro. Na verdade, ela apresentou a resposta que lhe foi possível para 
aquele momento. Por isso, é fundamental conhecer e respeitar o processo 
de pensamento infantil como ponto de partida do processo educativo; 
 
• A aprendizagem escolar requer articulação entre os conceitos cotidianos 
ou espontâneos –aqueles construídos pela experiência de vida – e os 
conceitos científicos – aqueles conhecimentos sistematizados que, para 
serem adquiridos, dependem diretamente do trabalho desenvolvido pela 
escola; 
 
• A atividade do indivíduo é condição fundamental para que a 
aprendizagem ocorra. Compreende-se, pois, que o educador não 
“deposita” o saber na cabeça do educando nos moldes da educação 
“bancária”, denunciada por Paulo Freire; por outro lado, sabe também que 
não é deixando o educando sozinho que o conhecimento irá "brotar" de 
forma espontânea. Resgata-se, assim, o papel ativo do professor, pois é 
ele quem poderá garantir, pela organização intencional de uma proposta de 
trabalho adequada, as condições necessárias à aprendizagem e ao 
desenvolvimento de seus alunos; 
 
• A aprendizagem depende da socialização. O conhecimento é construído, 
transmitido e apropriado necessariamente na relação com outros. É 
fundamental que a escola favoreça o maior número possível de 
oportunidades de vivência de relações sociais significativas. Acreditamos 
que um dos caminhos para garantir algumas das condições necessárias 
para o estabelecimento desse tipo de relações no contexto de sala de aula 
é o trabalho em grupo. Embora a relação entre os alunos seja vista como 
secundária e até como elemento perturbador do andamento das aulas, as 
elaborações teóricas desenvolvidas por Vigotski indicam que a interação 
aluno-aluno é fundamental no processo de socialização e desenvolvimento 
cognitivo; 
 
• A aprendizagem requer motivação. Só há atividade verdadeira e com 
28 
 
sentido se houver motivação. Na medida em que é impossível separar 
processos intelectuais e afetivos, para que a aprendizagem ocorra, é 
preciso que se estabeleça um vínculo que possa levar o aluno a dirigir sua 
atenção para o objeto do conhecimento. Isso não significa, em absoluto, 
criar situações artificiais que provoquem a motivação de "fora para dentro". 
Trata-se de pensar em um processo pedagógico que é motivador porque 
faz sentido para o aluno, como uma resposta para sua necessidade de 
compreender melhor sua vida e a vida em sua sociedade; 
 
• A aprendizagem não se separa da individualidade. O desenvolvimento é 
determinado pelas relações sociais, mas cada um dá um sentido particular 
a essas vivências. Assim, é preciso estar atento ao mesmo tempo para as 
maneiras a partir das quais o desenvolvimento da espécie humana é 
determinado pelas condições sociais e culturais que afetam todos os 
homens, mas também para o fato de que esse processo também comporta 
uma dimensão de singularidade pessoal. Conforme aponta Sève (1989), as 
relações dos homens com a natureza e entre si desenvolvem-se ao mesmo 
tempo numa formação social e numa formação individual específicas, ou 
seja, embora a essência humana encontre-se no seio do mundo social, a 
forma psicológica dessa essência só pode existir numa individualidade 
concreta. Assim, a vida humana constitui-se de atos pessoais que são 
mediados em todos os níveis, até os mais íntimos, pelo mundo social e, ao 
mesmo tempo, plenos de sentido dado pela biografia de cada indivíduo. 
Por isso, é imprescindível que o educador conheça de fato a realidade dos 
alunos. É a compreensão das representações e visões de mundo, dos 
interesses e valores dos alunos, que poderá indicar os pontos de 
articulação com o conhecimento que deve ser apropriado; 
 
• O conhecimento é também conscientização e instrumento de 
transformação social. Como ensinou tão bem Paulo Freire (1979), a 
educação é prática de liberdade, é aproximação crítica da realidade. A 
conscientização que o conhecimento possibilita implica necessariamente 
ultrapassar a esfera espontânea de apreensão da realidade e, por isso, ela 
pode colocar os homens no lugar de sujeitos que fazem e refazem o 
mundo. Concordamos com Duarte (1995), que o trabalho desenvolvido na 
escola tem um papel fundamental no processo de formação da 
individualidade humana, já que as práticas pedagógicas podem enriquecer 
os indivíduos pela mediação das objetivações genéricas para-si. 
 
 
O conhecimento conto instrumento do viraser 
 
Para pensarmos o conhecimento como instrumento do vir a ser, é preciso, 
antes de mais nada, rompermos com a idéia da existência de uma natureza 
humana fixa, imutável, natural, dada a priori. 
 
Conforme aponta Bock (2000, p.14), o homem tem sido pensado, tanto na 
29 
 
ciência quanto no senso comum, a partir dessa idéia de natureza humana, sendo 
concebido como portador de uma essência natural e universal. Assim, se 
consolida a idéia de que haveria em nós uma semente de homem que vai 
desabrochando, conforme somos estimulados adequadamente pelo meio cultural 
e social. 
 
Para a autora, a Psicologia não tem sido capaz de falar do fenômeno 
psicológico em sua articulação com a vida, as condições econômicas, sociais e 
culturais nas quais se inserem os homens. Em suas palavras: 
 
Fala-se da mãe e do pai sem falar da família como instituição social 
marcada historicamente pela apropriação dos sujeitos; fala-se da 
sexualidade sem falar da tradição judaico-cristã de repressão à 
sexualidade; fala-se da identidade das mulheres sem se falar das 
características machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem inseri-lo 
na cultura; fala-se de habilidades e aptidões de um sujeito sem se falar das 
suas reais possibilidades de acesso à cultura; fala-se do homem sem falar 
do trabalho; fala-se do psicológico sem falar do cultural e do social. Na 
verdade, não se fala de nada. Faz-se ideologia (Bock, 2001, p.25). 
 
Em uma perspectiva crítica, a visão sociohístórica alerta para o fato de que 
pensar o homem dessa forma significa naturalizar os fenômenos humanos e 
desconsiderar todo o processo histórico que determina a constituição do ser 
humano. Por isso, a partir dessa concepção é preciso trabalhar com a idéia de 
condição humana, de construção social do psiquismo humano, que nos permita 
compreender a plasticidade do sistema psicológico humano. E a possibilidade 
permanente de múltiplas transformações do sujeito ao longo de seu processo de 
desenvolvimento, aponta, entre outras coisas, para a importância da intervenção 
educativa. 
 
Desta forma, podemos compreender o desenvolvimento de forma 
prospectiva, de modo a que possamos estar atentos para a emergência 
daquilo que é novo. Conforme ensinou Vigotski (1987), é preciso transformar a 
direção de nosso olhar para que possamos não apenas buscar colher os "frutos" 
do desenvolvimento, mas sobretudo saber reconhecer seus "brotos" ou "flores". 
 
 
Metodologia de trabalho 
 
Partimos do pressuposto de que a educação transforma o mundo de forma 
mediada; por isso entendemos que os processos educacionais são, antes de mais 
nada, instrumentos de educação das consciências. É fundamental em todos os 
momentos possíveis contribuir para a constituição de sujeitos capazes de olhar 
para o seu cotidiano e relacioná-lo com a realidade num plano mais amplo, de se 
envolver com ações que tenham como horizonte a transformação social. 
 
Para que a Psicologia possa contribuir com a construção da cidadania no 
30 
 
interior das práticas educativas, dentro e fora da escola, é preciso construir 
metodologias de trabalho fundadas em um movimento de ação/reflexão/ação, de 
tal forma que todos os envolvidos possam refletir sobre a própria prática social, 
buscar elementos teóricos que venham a iluminar essa prática de modo 
qualitativamente diferente e comprometer-se com o desenvolvimento de projetos 
que traduzam em ações concretas essa nova compreensão crítica sobre si 
mesmo e sobre a realidade social. 
 
Com isso, rompe-se com a idéia do psicólogo escolar como um técnico e 
se torna possível pensá-lo como um elemento mediador que – junto com 
educadores, alunos, funcionários, direção, famílias e comunidade – poderá

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