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das RPSs, podem ter grande ou pouca relacionalidade com a realidade das experiências psíquicas vivenciadas no passado. A cada momento em que resgatamos e reconstruímos uma experiência do passado, nós o fazemos de maneira diferente, com proximidade ou grande distanciamento em relação às dimensões intelecto-emocionais da experiência original. É por esse motivo que nossas recordações da interpretação reproduzem de maneira diferente as experiências do passado nos diversos momentos em que as recordamos. Em determinado momento, podemos recordar uma experiência de angústia existencial vivenciada no passado, ligada a uma perda, a uma frustração psicossocial ou a uma dificuldade socioprofissional etc, e ficarmos comovidos com ela e, em outro momento, podemos recordá-la sem grandes emoções. Uma mãe pode recordar a perda de um filho com grande sofrimento num determinado momento e, em outro momento, recordá-la sem grandes dores emocionais. A experiência original e a freqüência da reconstrução das experiências passadas e a qualidade desses resgates formam as complexas tramas de RPSs que influenciarão na qualidade das novas recordações a serem produzidas no futuro. Esse complexo mecanismo psicodinâmico e psicossocial, associado à atuação do fenômeno da psicoadaptação (a ser estudado), gera a diminuição dos níveis de intensidade emocional, seja de sofrimento ou de prazer, dos resgates das experiências emocionais. Assim, com o passar do tempo, todos os prazeres decorrentes das premiações (Oscar, Nobel, Grammy, títulos acadêmicos, títulos esportivos etc), dos elogios e dos bons momentos da vida, bem como todos os sofrimentos e todas as angústias decorrentes das perdas, frustrações, estímulos estressantes etc, diminuem de intensidade à medida que se processam os resgates da construção dessas experiências. Se não ocorressem esses mecanismos, gravitaríamos em torno das experiências do passado e não promoveríamos uma revolução na construção de novas idéias que estimulariam o processo de formação da personalidade e o processo de evolução da história social do homem. Quando uso neste livro a expressão "recordar o passado" ela não deve ser entendida, como foi dito, como uma reprodução original das experiências do passado, mas uma reconstrução da interpretação, ou melhor, uma interpretação realizada a partir da leitura e manipulação das RPSs, contidas na história intrapsiquica que formam as matrizes dos pensamentos essenciais. A leitura da história intrapsiquica, a formação das matrizes dos pensamentos essenciais e a atuação psicodinâmica dessas matrizes sofrem influência das variáveis intrapsíquicas do presente, tais como o fenômeno da psicoadaptação, a energia emocional e motivacional presente no momento da leitura da história intrapsiquica, o fenômeno da credibilidade autógena. A história intrapsiquica, contida na memória, e a história social, contida nos livros, nos museus, na arquitetura, são irrevogáveis na sua essência original; ambas são invariavelmente interpretadas e reconstruídas nos bastidores da psique humana. Embora os conceitos e postulados da neuroanatomia, da neurofisiologia e da bioquímica cerebral das neurociências, referentes à memória, sejam importantes e passíveis de serem usados na compreensão de algumas variáveis que participam do processo de construção da história intrapsiquica e dos demais processos da inteligência, é preciso avançar muito na compreensão da memória. Precisamos pesquisar e procurar compreender as complexas e sofisticadas esferas psicológicas, psicodinâmicas e psicossociais ligadas à memória. Todo ser humano que possui uma memória preservada, capaz de armazenar as experiências psíquicas (construções psicodinâmicas) produzidas pelos processos de construção da psique em forma de RPS (representações psicossemânticas) desenvolverá, paulatinamente, ao longo do seu processo existencial, sua história intrapsiquica. A qualidade da história intrapsiquica dependerá "diretamente" da qualidade das RPSs, que dependerá "diretamente" da qualidade das construções psicodinâmicas, que dependerá "parcialmente" da qualidade dos estímulos socioeducacionais e do gerenciamento do eu sobre os processos de construção da inteligência. Analisaremos que o gerenciamento do eu sobre os processos de construção dos pensamentos possui limitações. Agora, a respeito dos estímulos socioeducacionais nos processos de construção dos pensamentos, a relação qualitativa entre eles com as construções psicodinâmicas (experiências psíquicas) e, conseqüentemente, com a formação da história intrapsiquica, não é completa, mas parcial, pois dependerá da ação psicodinâmica de múltiplas variáveis intrapsíquicas. Por isso, um pai alcoólatra, agressivo e socialmente alienado poderá gerar dois filhos com personalidades totalmente distintas, pois a cada momento da interpretação eles possuem variáveis intrapsíquicas qualitativamente diferentes, que interpretarão os estímulos advindos do pai de maneira diferente, gerando construções psico-dinâmicas diferentes; que se arquivarão em suas memórias como RPSs diferentes; que produzirão histórias diferentes; que sofrerão leituras multifocais e financiarão a produção de matrizes de pensamentos essenciais diferentes; que sofrerão um processo de leitura virtual e produzirão pensamentos dialéticos e antidialéticos diferentes; que, finalmente, estimularão e redirecionarão o desenvolvimento da personalidade por trajetórias diferentes. Todos esses complexos mecanismos ocorridos nos bastidores da mente poderão levar um filho a desenvolver uma personalidade que reproduz algumas características do pai alcoólatra, tais como o alcoolismo, reações agressivas, indiferença quanto às responsabilidades socioprofissionais etc, e outro filho a desenvolver uma personalidade totalmente diferente da dele, podendo ser avesso a bebidas alcoólicas ou ingeri-las com controle e ser emocionalmente dócil e tranqüilo. O processo de interpretação, os processos de construção dos pensamentos, o processo de leitura da memória e os sistemas de variáveis intrapsíquicas existentes nos bastidores da mente são tão complexos que podem reduzir, abortar ou mesmo redirecionar as possíveis influências genéticas que poderiam contribuir para o desenvolvimento do alcoolismo e demais doenças psíquicas, tais como a depressão, a psicose maníaco- depressiva, os transtornos obsessivo-compulsivos etc. OS PENSAMENTOS DIALÉTICOS Os pensamentos dialéticos são conscientes, lógicos (embora possam, ser usados em análises ilógicas), bem organizados em cadeias psicodinâmicas, bem definidos psicolingüisticamente, gerenciados com facilidade pelo eu e, por isso, são utilizados com freqüência na análise, na síntese das idéias, nos discursos teóricos, na produção científica, na produção tecnológica, nas relações sociais. Os pensamentos dialéticos são expressos com facilidade na comunicação social e interpessoal, pois são facilmente codificados pelo sistema nervoso central e pelo aparelho fonador; por isso são chamados aqui de "pensamentos dialéticos". Os pensamentos dialéticos, no entanto, têm dimensões muito maiores do que a expressa pela comunicação social e interpessoal através da verbalização. Por isso, freqüentemente, temos a sensação de que as palavras não conseguem expressar o conteúdo dos nossos pensamentos, das nossas idéias. A dimensão das idéias é maior do que a dimensão das palavras. Os pensamentos dialéticos são psicolingüisticamente organizados e definidos porque a mente utiliza, ao longo do processo de formação da personalidade, os símbolos sonoros da linguagem verbalizada para constituí-los em códigos, para mimetizá-los psicolingüisticamente. A psicolingüística dos pensamentos dialéticos, que, as vezes, se parece com um som inaudível na mente, não é obviamente um som e nem tem a restritividade física dos símbolos sonoros produzidos pelas