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(TOC). Nos transtornos obsessivo-compulsivos, os fenômenos da mente, principalmente o fenômeno do autofluxo, lêem continuamente as RPSs de conteúdo negativo e reconstroemnas interpretativamente gerando experiências angustiantes que o eu não consegue administrar. Com isso, formam-se na história intrapsíquica "tramas de RPS" doentias que alimentam a produção de idéias fixas, gerando, assim, o "ciclo de construção de idéias obsessivas". O nascedouro das obsessões ocorre, em sua grande maioria, na infância e se desenvolve ao longo do processo de formação da personalidade, principalmente se não aprendermos a exercer uma administração dos pensamentos. Infelizmente ninguém nos ensina a intervir no nosso mundo e gerenciar nossos pensamentos e emoções. Crescemos aprendendo a intervir no mundo de fora, mas ficamos inertes diante de nossas dores emocionais, pensamentos antecipatórios, ansiedades. Um dia, depois de explanar a construção dos pensamentos para um executivo de uma grande empresa, ele concluiu que, apesar de ter atingido o topo da carreira, de estar acima de milhares de funcionários, não sabia atuar no seu medo, sintomas psicossomáticos, angústias. Era um líder no mundo de fora, mas um prisioneiro no mundo de dentro. Todos os três exemplos de transtornos obsessivos que citei evidenciam que o fenômeno do autofluxo "conspirou construtivamente" contra o eu, porque este assumiu, ao longo do processo de formação da personalidade, um papel de espectador passivo ou pobremente atuante no gerenciamento da construção dos pensamentos. O último exemplo que citei, o caso do pai produzindo idéias fixas sobre uma faca que penetrava no peito do filho, perdurou por vinte anos e foi tratado por onze psiquiatras. Sua doença psiquiátrica era tão grave que houve psiquiatras que a tratavam como psicose esquizofrênica. Porém, essa pessoa, em detrimento do absurdo das suas idéias fixas, não era psicótica, porque o eu conservava os parâmetros da realidade, tinha consciência crítica de que essas imaginações obsessivas eram irreais, de que não passavam de fantasias, embora não conseguisse gerenciá-las e reciclá-las. Esse paciente tomou alguns tipos de neuroléticos e, praticamente, todos os tipos de antidepressivos disponíveis, principalmente os tricíclicos e em diversas dosagens, porém não obteve melhora. Nos últimos quatros anos, antes de se tratar comigo, ele se isolou do mundo, não desenvolvia mais nenhuma atividade socioprofissional, isolou-se, inclusive, dos seus próprios filhos. Quando chegou ao meu consultório, ele não olhava nos meus olhos. cabisbaixo e expressando intenso sofrimento, contou-me sua história. Ao longo do tratamento, fui-lhe expondo os processos de construção da inteligência e os fenômenos que produzem idéias fixas sem o "aval" do eu. Além disso estimulei-o a desenvolver algumas importantes funções da inteligência, tais como a arte da crítica, para descaracterizar o conteúdo intrapsíquico das suas idéias fixas, a arte da contemplação do belo, para resgatar o prazer de viver, o gerenciamento dos processos de construção dos pensamentos, para resgatar a liderança do eu nos focos de tensão. Com isso, pouco a pouco, após um período de seis meses, esse paciente, que parecia ser um caso sem solução na Psiquiatria e Psicologia clínica, aprendeu a reorganizar e redirecionar a construção das idéias obsessivas e voltou a ter uma vida psíquica e socioprofissional normal, para espanto das pessoas que com ele conviviam. Os outros dois pacientes que citei também, felizmente, aprenderam a administrar a revolução das idéias obsessivas ocorridas em suas mentes, redirecionando-a para a construção de pensamentos, emoções e desejos saudáveis. A PSICOTERAPIA É UM INTERCÂMBIO DE IDÉIAS PRODUZIDAS NO CLIMA DA DEMOCRACIA DAS IDÉIAS A teoria da inteligência, aqui exposta, abrange múltiplas áreas da Psicologia, da Filosofia, da Sociologia, da Educação, da Sociopolítica etc; portanto, sua utilidade vai muito além do que sua aplicação nas psicoterapias. Porém, apesar disso, eu gostaria de fazer um comentário sobre elas. Durante grande parte do meu tempo, estou unindo a Psicologia, a Filosofia e outras ciências para produzir conhecimentos sobre a psique, mesmo quando estou no meu consultório. Pelo fato de pesquisar a psique na perspectiva dos fenômenos que constroem os pensamentos, tenho procurado ter uma visão abrangente da mente. Por isso, como citei no primeiro capítulo, na psicoterapia multifocal tenho usado os princípios derivados dos processos de construção dos pensamentos, da transformação da energia emocional, da formação do eu e da formação da história da existência. Esses princípios podem ser úteis para qualquer psicoterapeuta de qualquer corrente de psicoterapia. A maioria deles também pode ser usada para formar cientistas, pensadores, executivos, líderes sociais, ou por qualquer pessoa que queira expandir sua qualidade de vida. Quando compreendemos, ainda que com limitações, os processos de construção da inteligência, o projeto psicoterapêutico torna-se sofisticado, pois fundamenta-se na construção dos pensamentos, torna-se humanístico e democrático, pois é realizado no ambiente intelectual do humanismo e da democracia das idéias, e torna-se ambicioso, pois objetiva muito mais do que resolver doenças psíquicas, psicossociais (ex., farmacodependência) e psicossomáticas, mas produzir homens que brilham na arte de pensar, que saibam navegar no território da emoção e resgatar o sentido da vida. A psicoterapia, para mim, é um intercâmbio de idéias em que o psicoterapeuta ajuda os pacientes com sua técnica e suas interpretações, mas no qual também os pacientes não deixam de contribuir com seus psicoterapeutas. A psicoterapia é uma escola da existência, um processo de aprendizado mútuo. Aprender a se colocar em contínuo processo de aprendizagem expressa o humanismo e a sabedoria existencial do psicoterapeuta, bem como do médico, do jornalista, do cientista, do jurista, enfim de qualquer ser humano. A psicoterapia deve ser realizada no clima da democracia das idéias; caso contrário, as interpretações e os procedimentos dos psicoterapeutas tornam-se uma maquiagem intelectual em que se camufla o autoritarismo das idéias. O terapeuta deve expor e nunca impor suas idéias; deve estimular a inteligência dos pacientes, deve honrar sua capacidade intelectual e respeitar seus direitos fundamentais. A democracia das idéias exige dos psicoterapeutas uma postura em que eles propiciam liberdade para que seus pacientes critiquem suas interpretações, suas técnicas e a teoria que utilizam como suporte da interpretação. Os psicoterapeutas poderiam achar que, com a democracia das idéias, perderiam o controle do processo psicoterapêutico. Sim, o controle autoritário é perdido; mas, por outro lado, eles estariam criando um clima intelectual que estimula a inteligência dos pacientes, que os estimulam a desenvolver a arte da dúvida, a arte da crítica, a capacidade de gerenciamento da construção dos pensamentos e sobre a transformação da energia emocional. A busca da sabedoria existencial e o debate de idéias que são metas da Filosofia nunca foram adequadamente incorporadas na relação terapeuta-paciente pela Psicologia e pela Psiquiatria; por isso elas se tornaram excessivamente psicopatológicas, curativas e, ao mesmo tempo, pobres na prevenção das doenças psíquicas, psicossociais e psicossomáticas, pobres na formação de pensadores. A Psicologia e a Psiquiatria têm uma grande dívida com a Filosofia, pois ela foi, ao longo de muitos séculos, a fonte das idéias humanísticas. Elas são ciências jovens, têm muito o que aprender com a Filosofia, mas, infelizmente, a juventude e a prepotência delas a sufocaram. Muitos cursos de especialização de Psiquiatria nem estudam a Filosofia. Nos cursos de Psicologia,