
José Afonso da Silva Direito Urbanístico Brasileiro (2010)
Pré-visualização50 páginas
concorrente. Como estas só devem estabelecer os lineamentos principiológicos da matéria de competência concorrente, àquelas incumbe regular os interesses e situações específicas referentes à matéria. 24. No que nos interessa aqui, diz a Constituição que compete à União, Estados e Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direito urbanístico; mas, nesse âmbito, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais, e aos Estados a legislação suplementar respec tiva (art. 24, §§ lfi e 2fi), notando-se, ainda, que, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender às suas peculiaridades, mas a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrária (art. 24, §§ 3e e 4a). 25. Aos Estados, cabe, pois, estabelecer normas suplementares das normas gerais federais em direito urbanístico em geral (art. 2 4 ,1, e § 2fi) e nos setores da proteção florestal, conservação da Natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, da proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI, e § 2 )^, da proteção ao patrimônio imobiliário histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, VII e VD3, e § 2e). Esses setores integram o campo do direito urbanístico, com a observação de que o patrimônio histórico, cultural e artístico só o integra quando for de natureza imobiliária. 26. Os Municípios têm campo próprio em matéria urbanística, como já enunciamos. Há, porém, setores de competência comum e concorrente em que sua atuação é também suplementar da legislação e da ação federal e estadual. Assim é nos setores que indicamos acima (arts. 23, HI, IV, VI e VII, e 24, VI, VII e VIU), combinados com o art. 30, H e IX. 2 7. Há certa complexidade no tema, que importará dúvidas e contro vérsias que a prática, certamente, desvanecerá, com o tempo. Capítulo V Da Disciplina Urbanística da Propriedade Urbana 1. Colocação do tema. I -D A PROPRIEDADE EM GERAL: 2. Conceito e natureza do "direito de p ro p r ie d a d e 3. Regimejurídico da proprieda de privada. 4. Função social da propriedade. II - DA PROPRIEDADE URBANA: 5. Conceito e objeto da upropriedade urbana\u201d. 6. Função social da propriedade urbana. 7. Regimejurídico dápropriedade urbana. 8. Propriedade urbana de interesse público. III\u2014DO SOLO URBANO: 9. Destino urbanístico do solo e direito de construir. 10. Condicionamento urbanístico ao direito de construir. 11. Correlação entre a propriedade do terreno e o direito de construir. 12. Municipálização dos terrenos urbanos. L Colocação do tema 1. A atividade urbanística é uma fimção do Poder Público que se realiza por meio de procedimentos e normas que importam transformar a realidade urbana. interfere, por isso, amplamente com a propriedade privada urba na, a ponto de a doutrina tê~la como um tema de direito urbanístico,1 sugerindo conceitos novos como os de \u201cpropriedade urbanística\u20192 ou \u201cpropriedade-procedimento\u201d.3 2. A esse propósito, é expressiva a afirmação de Pedro Escribano Collado segundo a qual no direito urbanístico é possível determinar os princípios que dominam o regime jurídico da propriedade urbana, pelo 1. Cf. Pairo Escribano Collado, LaPropiedadPrivada Urbana, 1979; Angel Sustaeta Èlustiza, Propiedady Urbanismo, 1978. 2. Cf. Angel Sustaeta Èlustiza, Propiedady Urbanismo, p. 19. 3. Cf. Pierandrea Mazzoni, La Proprietà-Procedimento: Pianificazione dei Territorio e Disciplina delia Proprietà, 1975. 70 DIREITO URBANÍSTICO BRASILEIRO quê se pode dizer que o direito de propriedade urbana aparece submetido à função pública do urbanismo.4 3. Daí por que o tema se impõe à nossa consideração, a fim de ve rificarmos sua problemática em face, especialmente, das disposições constitucionais. I - Da P r o p r ie d a d e em G e r a i. 2. Conceito e natureza do \u201cdireito de propriedade* 4. O direito de propriedade era tradicionalmente concebido como uma relação entre uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível. Verificou-se, mais tarde, o absurdo dessa teoria, em primeiro lugar porque entre uma pessoa e uma coisa não pode existir relação jurídica, que só se opera entre pessoas. Um passo adiante, à vista dessa crítica, passou-se a entender o direito de propriedade como uma relação entre um indivíduo (sujeito ativo) e um sujeito passivo universal integrado por todas as pessoas, o qual tem o dever de respeitar esse direito, abstraindo-se de violá-lo \u2014 e assim o direito de propriedade se revela um modo de imputação jurídica de uma coisa a um sujeito? Mas aí se manifesta uma visão muito parcial do regime jurídico da propriedade: uma perspectiva muito civilista, que não alcança a complexidade do tema, que é resultante, por isso mesmo, de um complexo de normas jurídicas de direito público e de direito privado, e que pode interessar como relação jurídica, como situação jurídica e como instituto jurídico.6 5. Demais, o caráter absoluto do direito de propriedade, na concep ção da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (segundo o qual seu exercício não estaria limitado senão na medida em que ficasse assegurado aos demais indivíduos o exercício de seus direi tos), foi sendo superado pela evolução, desde a aplicação da teoria do abuso do direito, do sistema de limitações negativas e depois também de imposições positivas, deveres e ônus, até cliegar-se à concepção da propriedade como função sócial, e ainda do estágio mais avançado da propriedade socialista. 6. Essa evolução implicou também a superação da concepção da propriedade como direito natural, pois \u201cnão se há de confundir o direito de propriedade sobre um bem, que é sempre atual, isto é, só existe en quanto é atribuído positivamente a uma pessoa, com a faculdade que tem 4. La Propieâad Privada Urbana> p. 162. 5. Cf. Ignacio Burgoa, Las Garantias Individuales, pp. 463 e ss. 6. Cf. Pietro Perfingieri, Introduzione alia Problemático delia \u201cProprietà ", p. 135. DA DISCIPLINA URBANÍSTICA DA PROPRIEDADE URBANA 7 1 todo indivíduo de chegar a ser sujeito desse direito, que é potencial\u201d,7 \u201cnão sendo a propriedade senão um direito atual, cuja característica é a faculdade de usar, gozar e dispor de bens, fixada na lei\u201d.8 É o que, aliás, decorre do nosso direito positivo, ao estatuir que a lei assegura ao pro prietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens.(CC, art. 1.228). É, assim, o direito positivo, a lei ordinária mesma, que fixa o conteúdo desse direito que é institucionalmente garantido pela Constituição. 3. Regime jurídico da propriedade privada 7. Os juristas brasileiros \u2014 privatistas especialmente, mas também publicistas \u2014 concebem o regime jurídico da propriedade privada como subordinado ao direito civil, considerado como direito real fundamental. Olvidam as regras de direito público, especialmente de direito consti tucional, que igualmente disciplinam a propriedade. Só invocam as normas constitucionais para lembrar que a Constituição garante o direito de propriedade, que, assim, se toma, em princípio, intocável, salvo ex ceções estritamente estabelecidas; e quando mencionam o princípio, também constitucional, da função social só ò fazem para justificar aquelas exceções limitativas, confundindo-o, ainda, com o poder de polícia - tanto que é corrente ler-se que a função social da propriedade consiste simplesmente no \u201cconjunto de condições que se impõem ao direito de propriedade a fim de que seu exercício não prejudique o interesse social\u201d, mero conjunto de condições limitativas desse direito. 8. Essa é, porém, uma perspectiva dominada pela atmosfera civilista, que não leva em conta as profundas transformações impostas à relação de propriedade, sujeita? hoje, à estreita disciplina de direito público, que