
José Afonso da Silva Curso de Direito Constitucional Positivo 25ª Edição 2005
Pré-visualização50 páginas
da divisao de poderes, especificando que era vedado a qualquer dos poderes delegar atribuicoes, e quem fosse investido na funcao de urn deles nao poderia exercer a de outro, salvas as excecoes nelas previstas. Essas especificacoes realmente sao desnecessarias, ate porque a Cons- tituicao, agora como antes, estabelece incompatibilidades relativa- mente ao exercicio de funcoes dos poderes (art. 54), e porque os limi- tes e excecoes ao principio decorrem de normas que comporta pesquisar no texto constihicional. Excecao ao principia e, por exemplo, a permissao de que Depu- tados e Senadores exercam funcoes de Ministro de Estado, que eagen- te auxiliar do Presidente da Republica, Chefe do Executivo, bern como de Secretario de Estado, do Distrito Federal, de Prefeitura de Capital ou de missao diplomatica ternporaria (art. 56); tambern 0 ea regra do art. 50 que autoriza a convocacao de Ministros de Estado perante 0 plenario das Casas do Congresso au de suas comissoes, bern como 0 seu comparecimento espontaneo para expor assunto relevante do seu 112 CURSO DE DIREITO CONSTIT~CIONALPOSITIVO Ministerio, As excecoes mais marcantes, contudo, se acham na possi- bilidade de adocao pelo Presidente da Republica de medidasprotnso- rias, corn forca de lei (art. 62), e na autorizacao de delega(iio deairibui- 90es legislativas ao Presidente da Republica (art. 68). 1.11. 0 ESTADO DEMOcRATIC-O DE DIREITO 13. Democracia e Estado de Direito A deniocracia, como realizacao de valores (igualdade, liberdade e dignidade da pessoa) de convivencia hurnana, e conceito mais abrangente do que 0 de Estado de Direito,que surgiu como expressao juridica da dernocracia liberal. A superacao do liberalismo colocou em debate a .questao da sintonia entre 0 Estado de Direito e a socie- dade democratica.A evolucao desvendou sua insuficiencia e produ- ziu 0 conceito de Estado Social de Direito j nem sempre de conteudo democratico. Chega-se agora ao Estado Democrdtico de Direito que a Constituicao acolhe no art. 1Q como urn conceito-chave do regime adotado, tanto quanto 0 sao 0 conceito .de Estado de Direito Democrti- iico da Constituicao da Republica Portuguesa (art. 2Q) e 0 de Estado Social e Democrdiico de Direito da Constituicao Espanhola (art. 10).32 . 0 Estado Democratico de Direito reline os principios do Estado Dernocratico e do Estado de Direito, nao como simples reuniao for- mal dos respectivos elementos, porque, em.verdade, revela urn con- ceito novo que os supera, na medida em que incorpora urn compo- nente revolucionario de transformacao do status quo. Para compreen- de-le, no entanto, teremos que passar em revista aevolucao _e as ca- racteristicas deseus elementos comporientes, par-a'~ no final, chegar- mos ao conceito sintese e seu real significado', 14. Estado de Direito Na origem, como e sabido, 0 Estado de Direiio era urn conceito tipicamente liberal; dai falar-se em Estado Liberal deDireito, cujas caracteristicas basicas foram: (a) submissiio ao imperio da lei, que era a nota primaria de seu conceito, sendo a leiconsiderada como ato ema- 32. A prop6sito, cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cii., P: 62. A dou- trina portuguesa, espanhola e alerna sobre 0 Estado Democrdtico de Direito ja fornece uma configuracao desse conceito qu~ foi, par certo, 0 que influenciou a Constituinte a acolhe-la na nova Constituicao, E por isso que, aqui, recorreremos, arniude, a essa doutrina, a fim de defini-lo com a devida precisao, para que se compreenda que nao 'se trata de rnero conceito formal, mas de urn conceito tendente a realizacao de uma democracia socialista. DOS PRINCfpIOS CONSTITUCIONAIS DO ESTADO BRASILEIRO 113 nado formalmente do Poder Legislativo, composto de representan- tes do povo, mas do povo-cidadao: (b) ditnsdo de poderes, que separe de forma independentee harmonica os poderes Legislativo, Executi- vo e [udiciario, como tecnica .que assegure a producao das leis ao prime.iro e a indep~ndencia e imparcialid~de do ultimo em .face dos demals e daspressoes dos poderosos particulates: (c) enunciado e ga- ranlia dos direiios indioiduaisr' Essas exigencies continuam a ser pos- tulados basicos do Estado de Direito, qu.econfigura urna grande con- quista da civilizacao liberal. . A concepcao liberal do Estado .de Direito servira de apoio aos direitos do homem, convertendo os suditos em cidadaos livres, con- soante nota Verdu,34 a qual.contudo, se tornara insuficiente, pelo que a expr~ssao Estado de Direit~ evoluira, enriquecendo-se com conteu- do novo. Houve, porem, concepcoes deformado.ras do conceito de Estado de Direito, pois eperceptivel que seu significado depende da pro- pria ideia que se tern do Direito. Par isso, cabe razao a Carl Schmitt quando assinala qu~ a expressao II Estado de Dire-ito" pode ter tantos significados distintos como a propria palavra "Direito" e designar tantas organizacoes quanta as a que se aplica .a palavra "Estado". Assim, acrescenta ele, ha urn Estado de Direito feudal, outro esta- mental, outro burgues, outro nacional, outro social, alem de outros conformes corn 0 Direito natural, com 0 Direito' racional e com 0 Di- reito historico." Disso deriva a ambiguidade da expressao Estado de Direiio, sem mais qualificativo que lhe indique conteiido material. Em tal caso a tendencia e·adotar-se a concepcao formal do Estado de Direito amaneira de Forsthoff.Youdeum Esiado de[ustica, tomada a justica como urn conceito absolu to, abstrato, idealista, espiritualista, que, no fundo, encontra sua rnatriz no conceito hegeliano do Estado Eiico, que fundamentou a concepcao do Estado fascista: "totalitario e ditatorial em que as direitos e liberdades humanas ficarn praticamente anulados e totalmente submetidos ao arbitrio de urn poder politico onipotente e incontrolado, no qual toda participacao popular esiste- matica-mente negada em beneficia da rninoria [na verdade, da elite] que controla 0 poder politico e economico"." Diga-se, desde logo, 33: Cf. Elias Diaz, Estado de Derecho y sociedad democrdiica, pp. 29 e ss. 34. Ct. La lucha par el Esiado de Derecho, p. 94· 35. Cf. Legalidad y legitimidad, p. 23. 36. Cf. Ernst Forsthoff, Stato di diriitoin trasformazione, p. 6, onde, respondendo as criticas, reafirma que continua a sustentar que 0 Estado de Direito deve ser enten- dido no sentido formal. 37. Cf. Elias Diaz, ob. cii., pp. 57 e 55., ampla discussao sabre 0 Estado Etico. 0 texto citado acha-se ap. 77. Ressalve-se 0 texto una verdade, da elite" que enosso. 114 CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO que 0 Estado de [ustica, na formulacao indicada, nada tern a ver com Estado submetido ao Poder [udiciario, que eurn elemento irnportan- te do Estado de Direito. Estado submetido ao juiz eEstado cujos atos legislativos, executivos, administrativos e tarnbem judiciais ficam sujeitos ao controle jurisdicional no que tange alegitimidade consti- tucional e legal. E tambem uma abstracao confundir Estado de Direi- to com uma visao jusnaturalista do Estado. Por outro lade, se se concebe 0 Direito apenas como urn conjun- to de normas estabelecidas pelo Legislativo, 0 Estado de Direito pas- sa a ser Estado de Legalidade, ou Estado legislative." 0 que constitui uma reducao deformante. Se 0 principio da legalidade eurn elemen- to importante do conceito de Estado de Direito, nele nao se realiza completamente. 'A concepcao [uridica de Kelsen tarnbern contribuiu para defor- mar 0 conceito deEstado de Direito. Para ele Estado e Direito sao conceitos identicos. Na medida ernque ele confunde Estado e ordem juridica, todo Estado, para ele, ha de ser Estado de Direitb.39 Por isso, vota significative desprezo a esse conceito. Como, na sua concepcao, 56 eDireito 0 direito positivo, como norma pura, desvinculada de qualquer conteudo, chega-se, sem dificuldade, a uma ideia formalista do Estado de Direito ou Estado Formal de Direito, que serve tambem a interesses