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como um autêntico mito tanto moderno quanto ancestral. A despeito de sua roupagem tecnológica e tal como Jung (1958/1988) defendera quarenta anos antes, a essência das experiências óvni seria atemporal, caracterizada por visões similares, depositárias de medos e fantasias sobre catástrofes iminentes, arautos de transformações individuais e coletivas, estímulo à dimensão religiosa e a outras formas de projeção psicológica. Dewan (2006b) conclui que as experiências óvni compartilham elementos essenciais e distintos de outros tipos de experiências anômalas, como aquelas relativas a fantasmas, demônios, anjos etc. As experiências óvni seriam fundadas em vivências estranhas, mas reais cultural e individualmente, que formam e são formadas pelas tradições culturais e esquemas mentais específicos (e.g., crenças, memórias, expectativas e vieses perceptuais próprios às experiências óvni). Bullard (1989) reconhece nas experiências óvni a interface com tradições folclóricas em aparência e função, mas afirma que a adaptação dessas para o contexto atual torna os óvnis a matéria quintessencial das lendas modernas, ao miscigenar temas contemporâneos (e.g., tecnologia, conspirações em escala global, astronomia, astrobiologia, preocupações ecológicas) e ancestrais (e.g., medos básicos, a jornada de amadurecimento psicológico, a busca por transcendência). Marçolla e Mahfoud (2002) analisaram relatos sobre luzes anômalas em Caeté, Minas Gerais, sob o prisma da pesquisa fenomenológica em psicologia. Os autores sugeriram que as experiências no local são típicas de moradores idosos, tendem ser 72 compreendidas em termos religiosos, como divinos, malignos ou absolutamente misteriosos, inomináveis. Sua veracidade não é questionada pelos protagonistas (o que remete a uma dimensão primária das experiências em relação às crenças populares que então se seguem e com as quais estabelecem relações dialéticas, como discutido em Bullard, 1989, Dewan, 2006b e Hufford, 1977, 1982). Assim, o que se põe em dúvida, embora não se negue, são experiências de terceiros e as explicações difundidas na cultura. A partir de Halbwachs33, compreendem os relatos como produto das memórias individual e coletiva. A memória individual fortalece o vínculo social, resgata e presentifica a tradição. Já a memória coletiva confirma a individual, oferece-lhe contexto e complementa lacunas. Com Taylor34, argumentam que a dimensão do sagrado fornece à razão contexto para reconhecer plausibilidade nas experiências. No curso de uma aproximação entre experiências óvni e a experiência religiosa, Lewis (1995) organizou obra que se tornou um clássico sobre o tema. O autor propõe que a hermenêutica do escritor popular Erich Von Däniken35 seja invertida, de modo que as experiências e narrativas atuais sobre óvnis e alienígenas tenham seus elementos religiosos tradicionais reconhecidos. Lewis propõe que a dessacralização da terra em detrimento do céu, típica nas religiões ocidentais, torna fenômenos celestes incomuns como potencialmente divinizáveis. Da mesma forma, óvnis e a divindade são essencialmente misteriosos (ou numinosos, como em Jung, 1958/1988), considerados mais poderosos que o ser humano, capazes de \u201cmilagres\u201d (e.g., curar, aparecer e desaparecer, flutuar, transpassar paredes, comunicar-se mentalmente, atravessar 33 Halbwachs, M. (1990) A memória coletiva. São Paulo: Vértice/Editora Revista dos Tribunais, cap.2. 34 Taylor, C. (1997) As fontes do self: a construção da identidade moderna. Trad. Adail Ubirajara Sobral e Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo: Loyola. 35 Erick Von Däniken (1935- ), escritor suíço, popularizou-se a partir da década de 1960 com a obra Eram os Deuses Astronautas? (São Paulo: Círculo do Livro, 1984) e suas sucessoras. Däniken defende que muitas religiões e mitos presentes na história humana (inclusive atuais) constituíram interpretações errôneas que povos antigos fizeram de experiências diretas com entidades extraterrestres e suas naves espaciais em visita à Terra. Assim, a hermenêutica de Däniken propõe que narrativas religiosas (e.g., a visão de Deus no Monte Sinai, a ascensão de Elias) sejam reinterpretadas enquanto pousos de naves fortemente iluminadas, abduções por alienígenas etc. 73 distâncias cósmicas). Em sua faceta oposta e complementar, as mesmas aptidões sobre- humanas, ao serem aliadas à aparência repugnante ou a intenções questionáveis dos alienígenas (e.g., em sofridas abduções), podem torná-los objeto de demonização. Desse modo, alienígenas se tornariam depositários de projeções religiosas diversas, boa parte das quais inconscientes para os que o fazem. Os óvnis e as inteligências que os pilotariam se tornariam promessa de salvação para a humanidade e o planeta, portadores de poderes sobre-humanos inimagináveis, sábios \u201cirmãos cósmicos\u201d prontos a conduzir e mesmo arrebatar a humanidade (mas apenas os terráqueos \u201cescolhidos\u201d) no auge da crise planetária, emissários do próprio Lúcifer nas vésperas do Juízo Final etc. Em sintonia com Jung (1958/1988), Lewis conclui que os alienígenas e óvnis de hoje cumprem funções outrora e/ou concomitantemente atribuídas a Deus, anjos e demônios, de modo a se tornarem \u201canjos tecnológicos\u201d (Lewis, 1995, p. XIII). Complementarmente, Saliba (1995, p. 41-48) aponta sete características que aproximariam, fenomenologicamente, as experiências óvni do campo religioso: A. Mistério: O pretenso encontro com óvnis e alienígenas traz consigo, na perspectiva dos protagonistas, uma compreensível \u201caura de mistério\u201d, uma alteridade radical ligada a questões não respondidas sobre \u201celes\u201d, dos tipos: O quê? Por quê? Como? B. Transcendência: Os óvnis e alienígenas viriam do céu, símbolo de transcendência, de planetas distantes ou outras dimensões, muito além da capacidade terrena em alcançar. Ademais, apresentam diversas outras performances sobre-humanas. C. Crença em entidades sobrenaturais: Os alienígenas tendem a ser entendidos como seres de natureza também sobre-humana, muitas vezes imateriais, análogos a deuses. Por sua vez, a citada hermenêutica de Däniken conduz a questão para o patamar literal. Muitas vezes são considerados emissários diretos de Deus ou de Lúcifer. 74 D. Perfeição: Muitas vezes, os alienígenas são tidos como membros de sociedades utópicas, limpas, otimizadas. São \u201cirmãos cósmicos\u201d repletos de sabedoria, bondade e beleza, que já dominaram as forças da natureza. E. Salvação: Com grande frequência, os alienígenas são ditos redentores, salvadores da humanidade no momento de crise planetária. Podem também curar doentes, ensinar caminhos espirituais e resolver crises existenciais. F. Visão de mundo: Os alienígenas podem se inserir em sistemas de crença maiores sobre o sentido da existência e o senso de propósito do universo. Assim, fariam parte dos planos de Deus (ou de Lúcifer) para a humanidade, fomentariam uma ressignificação da vida do protagonista após a experiência em direção à aceitação de realidades sutis ou maiores etc. G. Espiritualidade: As experiências óvni, especialmente as mais complexas, podem se aproximar de êxtases místicos, visões espirituais e ritos de passagem, demarcando uma mudança de consciência com conotação espiritual, existencial. Essa rápida revisão de literatura elencou alguns temas fundamentais sobre experiências óvni e sinalizou brevemente sua complexidade e relevância para a psicologia e ciências próximas. Enquanto aguardo para retomá-los na discussão dos resultados, seguem-se outros referenciais teóricos cruciais aos meus propósitos. 75 Capítulo