
Leonardo Breno Martins Contactos imediatos Investigando
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incluindo a realização de estudos quantitativos, novas perspectivas terapêuticas e a produção de classificações amplamente utilizadas. Assim, emerge "o ideal de um acordo mínimo com relação à delimitação formal e operacional das categorias diagnósticas empregadas" (Costa Pereira, 1998, p. 62), que encontrará seu expoente máximo na elaboração de manuais como na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, ou CID (OMS, 1993), atualmente em sua décima versão, e no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, ou DSM (APA, 1994), em sua quarta edição. O presente estudo se utiliza de um instrumento (MINI PLUS, cf. capítulo 10) baseado nas classificações e critérios diagnósticos do DSM-IV e da CID-10, de modo a herdar a psicopatologia de Jaspers e seus respectivos pressupostos. Todavia, o estudo sistemático das experiências anômalas exige a adoção de critérios múltiplos de saúde mental, pois a mera menção de vivências bizarras tende historicamente a ser considerada indicadora \u201cóbvia\u201d de transtorno mental. Isso é particularmente verdadeiro quando se trata de experiências em algo chocantes ou destoantes na cultura em que se inserem, como não raro ocorre com experiências óvni (Bullard, 1989; McLeod et al., 1996; Suenaga, 1999). Além disso, as classificações psiquiátricas possuem cada qual suas limitações (Almeida & Lotufo, 2003; Berenbaum et al., 2000). Assim, dado que o MINI PLUS tende a pontuar como indicadores de transtornos psiquiátricos menções a percepções e crenças incomuns que motivem algum estranhamento na cultura em que ocorrem, tomei o cuidado de, uma vez constatadas tais vivências pela aplicação do instrumento, buscar maiores 90 detalhes, incluindo sutilezas de sua adequação cultural (o que abarca a ampla \u201cpermissividade\u201d do sincretismo cultural brasileiro diante de vivências inusuais) e o confronto com referenciais teóricos que problematizam a relação entre transtornos mentais e experiências anômalas. Assim, como um referencial adicional qualitativo para a pesquisa, utilizo novamente (cf. Martins, 2010b) os já mencionados nove critérios de saúde mental propostos por Menezes Júnior e Moreira-Almeida (2009) para diferenciar transtornos mentais e experiências espirituais: ausência de sofrimento psicológico, ausência de prejuízos sociais e ocupacionais, duração curta, atitude crítica preservada, compatibilidade com o grupo cultural ou religioso do protagonista, ausência de comorbidades, controle sobre a experiência, crescimento pessoal ao longo do tempo e a construção de atitudes de ajuda aos outros. Sugiro ser viável a adição desse referencial por compartilhar o mesmo alicerce fenomenológico da obra de Jaspers (1979), pois ambos partem das vivências tal como são descritas por seus protagonistas. Assim, pretendo também comparar os resultados daquele estudo exploratório (Martins, 2010b) com a presente e mais sistemática investigação. Finalmente, como Menezes Júnior e Moreira-Almeida asseveram que seu modelo requer pesquisas, em diversificados contextos, para testar sua validade, sugiro que a presente pesquisa possa compor parte desse esforço de verificação. Adicionalmente ao apresentado no capítulo 5, relações teóricas podem ser a princípio sugeridas para serem testadas entre transtornos mentais e experiências óvni. A segunda hipótese deste estudo (cf. capítulo 10) se amparou nessas relações teóricas e no mencionado princípio da parcimônia ao aventar que indicadores de transtornos mentais atuais ou passados (na ocasião do episódio, para os protagonistas) se apresentariam em proporções significantemente superior nos grupos experimentais em relação a seus respectivos grupos controle. A perspectiva inicial a ser testada é de que tais fatores poderiam propiciar experiências associadas a alucinações e delírios, sejam de ordem primária, como no caso dos 91 transtornos psicóticos, sejam de ordem secundária, como nos transtornos depressivos, maníacos e ansiosos com componentes psicóticos. Ou seja, no mínimo da mesma forma como qualquer experiência de vida, ícone cultural ou estímulo avulso, óvnis e alienígenas poderiam compor alucinações e delírios, tanto em população clínica quanto não-clínica. Todavia, devido a seu caráter insólito e impacto cultural (Bullard, 1989; Dewan, 2006b; Suenaga, 1999), talvez seja concebível considerar um potencial maior do ícone óvni figurar como tema em quadros psicóticos, em comparação a temas aleatórios. Assim, cumpre investigar se o potencial se torna efetivo, de modo que houvesse relações significativas entre as experiências e perfis psicopatológicos. Finalmente, os já mencionados sinais e sintomas aparentemente secundários, posteriores a experiências óvni (Appelle et al., 2000; Bullard, 1989; McLeod et al., 1996; Suenaga, 1999), constituem um desafio explicativo, devido à incerteza sobre como e por que ocorrem. Dada o amplo leque de possibilidade de transtornos ditos secundários (e.g., estresse, fobias, ansiedade generalizada, ardência e sensibilidade nos olhos, queimaduras, anemia, erupções na pele, sede aguda, complicações gastrointestinais, sensação de nojo de si, lapsos de memória, mudanças profundas de personalidade), uma descrição de todos neste capítulo seria pouco parcimoniosa. Assim, também a esse respeito, adio maior detalhamento para a discussão dos resultados. Desse modo, a exploração detalhada de eventuais aspectos psicopatológicos das experiências e seus protagonistas poderá fornecer elementos para debater a questão, em seus aspectos ontológicos e fenomenológicos. 92 Capítulo 8 - Teoria da Atribuição de Causalidade Um dia descobriremos que a verdadeira intenção destes tais discos voadores era apenas estudar a vida dos insetos. Mario Quintana Desde suas primeiras versões, esta pesquisa foi concebida como quantitativa e qualitativa. Assim, os achados quantitativos oriundos da aplicação de instrumentos psicológicos permitiriam confrontar numerosos achados em outras culturas sobre diferenças individuais e transtornos mentais de protagonistas de experiências óvni e experiências anômalas em geral. Por sua vez, a introdução de análises qualitativas objetiva dinamizar os achados quantitativos, de modo a conferir-lhes sentido na cultura. Assim, em detrimento de uma concepção estática e descontextualizada sobre as relações entre características pessoais e tipos de experiências óvni, pretendo ampliar o foco para compreender processos de confluência e dissonância entre diversidade cultural brasileira, crenças idiossincrásicas e compartilhadas, diferenças individuais, categorias de experiências óvni, entre outras variáveis potencialmente em jogo. Essa resolução encontra sintonia e respaldo nas críticas cada vez menos raras acerca da fragmentação do conhecimento psicológico, processo esse que ocorreria em favor de preferências metodológicas e pressões sociais, em detrimento dos próprios objetos de estudo e sua desafiadora complexidade (e.g., Valsiner, 2006). A Teoria da Atribuição de Causalidade, ou simplesmente TAC (Dela-Coleta & Dela- Coleta, 2006), constitui um dos referenciais para as análises qualitativas devido à sua potencial contribuição para elucidação de conexões entre as variáveis supracitadas. Atualmente, a TAC se apresenta como um somatório de contribuições teóricas de base 93 cognitivista centradas na compreensão dos processos e referenciais culturais pelos quais as pessoas buscam explicar eventos e experiências que compõem seu cotidiano. Os processos de atribuição tendem a incidir sob eventos atípicos, a respeito dos quais o conhecimento prévio não pode