
Indígenas do Brasil
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por dente\u201d que você menciona aqui em alguns momentos já aconteceu?] Já aconteceu... matar assim outra pessoa, irmão daquela outra pessoa, aí o outro mata. Aconteceu isso uma vez\u201d. Mas há também casos, como o do entrevistado pela pesquisa, que embo- ra ele seja uma \u201cliderança\u201d reconhecida como tal em nível nacional, prefere não se envolver na governabilidade da aldeia. Acha tudo muito complicado, prefere atuar em outros espaços sociopolíticos, como na interlocução com o Estado brasileiro ou agências apoiadoras fi nanceiras do movimento indígena, representando os interesses da sua coletividade de origem e/ou os Kaingang como um todo, como povo indígena: \u201cEu não faço parte dessa liderança. Eu fi z questão de ser mais um indígena dentro e respeitar. É muito complicado, talvez a gente tem conhecimento tão grande e se a gente querer mudar aquela coisa dentro da comunidade, você não sabe como vai acabar isso... Eu prefi ro ter o meu tempo livre para correr atrás de política, discutir política, problemas que vem voltado para a terra indígena, por isso eu não optei para ser um deles lá dentro. [entrevistador: \u201cVocê fala em nome do seu povo externamente?\u201d] Sim, externamente. Falo pelo povo nacio- nalmente, onde for...\u201d. A justiça e os direitos dos povos indígenas 41 A pressão e as leis dos brancos Os resultados da pesquisa realizada pela FPA nos leva a ver que não é possível, nem desejável, nas atuais circunstâncias, o Estado afastar-se ou ausentar-se do seu papel de proteção e promoção dos direitos assegurados aos povos indíge- nas no Brasil. Deixar os indivíduos, as famílias e as comunidades indígenas no confronto direto com as pessoas e os grupos organizados interessados em ocupar os territórios em que habitam e desfrutam, em explorar os recursos na- turais ali existentes, ou mesmo fazer uso dos seus conhecimentos e capacidade de trabalho, seria obviamente deixá-las ainda mais vulneráveis às várias formas de violência a que estão sujeitas. Seria também atentar contra os direitos desses povos assegurados na Constituição de 1988, como também nos mecanismos de direito internacional, como a Convenção 169 da Organização Internacio- nal do Trabalho (OIT) e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007). Esse diagnóstico fi ca muito claro na leitura do conjunto das entrevistas realizadas pela FPA com lideranças indígenas de di- ferentes povos e regiões do país. Por motivos de espaço, apresento abaixo um extrato do universo de depoimentos recolhidos. Lá nos Krikati12 (MA), diz a entrevistada, uma mulher, \u201ctem os posseiros invadindo, tirando as madeiras. Tem os caçadores, que entram na reserva pra caçar. Tem os pescadores, que entra e tem aquelas pessoas que entram, na épo- ca, pra pegar os frutos nativos, como buriti, juçara, bacuri, pequi. Então, isso a gente tem enfrentado muito na nossa reserva, mesmo que ela tá demarcada e homologada, mas por causa desta confusão de uma parte estar ocupada ainda pelos fazendeiros.\u201d Os Rikbaktsa13, no Mato Grosso, enfrentam problema semelhante. Per- guntado sobre se a Terra Indígena demarcada é sufi ciente para atender às ne- cessidades da comunidade, o entrevistado declara que: \u201cNo momento ela tá sufi ciente, eu não sei para o futuro. Isso que me preocupa também, a população vai crescer, será que a terra vai dar? É uma pergunta difícil 12 A Terra Indígena Krikati está localizada nos municípios de Montes Altos e Sítio Novo, na porção sudoeste do estado do Maranhão. 13 A língua falada pelos Rikbaktsa pertence ao tronco linguístico Macro-Jê. 42 Indígenas no Brasil de eu falar. [entrevistador: \u201cJá tiveram invasão no seu Território...\u201d] Sim pelos fazendeiros, de primeiro foi tudo grilado... A gente morava ali, as quatro cida- des que a gente frequenta, era tudo área indígena, e tudo lá foi grilado, matou muitos índios e aí, logo nos primeiros contatos, mataram muito índio, a gente era bastante, e tiraram nós e uma área para outra área e onde é que nós temos um pedacinho... De longo tempo, a gente sabia que tinha perdido aquilo, aí co- meçamos a brigar na justiça e conseguimos a terra Japuíra e mudamos com um pouco de pessoal para lá. (\u2026) São terras homologadas demarcadas, mas mesmo assim também estão dando trabalho. [entrevistador: \u201cPor quê?\u201d] Porque tem muitos invasores, tem muitos grandes fazendeiros lá dentro, mas mesmo assim foram demarcadas é criação de gado, posseiros também, tem muita gente lá. [en- trevistador: \u201cMesmo homologadas?\u201d] Mesmo homologadas. [entrevistador: \u201cE a justiça?\u201d] A justiça está muito lenta, não está reconhecendo, que 100% daquilo lá é terra indígena, é legítima.\u201d No caso dos Guarani-Kaiowá (MS), além da falta de terra, a população convive rotineiramente com situação de violência e pistolagem. A violência da discriminação também está presente na atuação do agente da Justiça, do próprio Estado. Conforme foi relatado por uma das lideranças daquele povo, \u201cA gente tem confl ito com os fazendeiros, latifundiários, muito problemático. E hoje na nossa região tem a segurança do fazendeiro que é um guarda que fi ca lá, mas é assim, pistolagem legalizada, ele mata mesmo, sem piedade, a gente morre como animal. [entrevistador: \u201cVocê presenciou pessoas conhecidas...\u201d] Tem. In- clusive em dezembro um pessoal foi ocupar uma fazenda aí, e a gente perdeu dois professores, um a gente conseguiu achar o corpo e o outro desapareceu e até hoje. Então foi uma barbaridade. E a própria justiça do país não consegue enfrentar esse problema. [entrevistador: \u201cJá tiveram índios presos...\u201d] Vários e perseguidos tem vários. E assim, quem assassina índio não vai preso e quando a gente luta pelo direito da terra, a gente vai preso, eles levam preso.\u201d Os Karipuna14 (AP) também vivem em semelhante tensão: 14 Os Karipuna vivem em sua maioria às margens do rio Curipi, afl uente do rio Uaçá, no norte do estado do Amapá, área de fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. A justiça e os direitos dos povos indígenas 43 \u201cSair dessa área e fi car um pouco mais pra dentro da terra, pra que as crianças não sofram com questão de violência, isso porque hoje a gente já sofre com questão de invasão, de pessoas querendo caçar na terra e de surpresa chegam à aldeia armadas. Tem pessoas que roubam e tentam se esconder dentro da aldeia, e os policiais vão de uma maneira um pouco agressiva adentrando as casas, aldeias mesmo e causam certo pavor na população. Esse é um dos impactos que esses povos vêm sofrendo. (...) Isso é complicado, a gente vive numa área de muito confl ito. Hoje há, não há muitos indígena Karipunas fora, mas há uma ligação muito forte com a terra indí- gena, e os índios estão sempre indo e vindo dentro da aldeia, mas na realidade os procuradores da Funai não atuam quando é confl ito fora da terra, e também quan- do há confl itos individuais. Dizem que é de uma pessoa e ela tem que encontrar alguém para fazer a defesa, e eles dizem que podem atuar em casos coletivos e que seja de interesse da comunidade indígena. (...) A gente tenta sensibilizá-los, que é uma causa toda e no momento a gente não consegue avançar. A gente tá tentando montar parceria com outros procuradores para tentar ajudar algumas famílias que precisam desse apoio da questão jurídica.\u201d A falta de política coerente e adequada que coordene a promoção dos di- reitos indígenas com a sustentabilidade ambiental também emerge como ou- tra área foco de violências e limitação ao exercício da autodeterminação e a autonomia territorial indígena. É o caso da situação vivida pelos Tupaiô (PA), como relatado a seguir: \u201cPor enquanto os parentes que moram dentro da reserva, a única pressão que nós temos lá é com CMBIL, Ibama... que querem fazer um plano de manejo dentro das terras indígenas. Plano de manejo, que os indígenas e não-indígenas trabalhem com plano de manejo