
Indígenas do Brasil
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é, muitas vezes, a única saída que algumas comunidades encontram para acessar os seus direitos. A cidade é um desafi o e os motivos que levam a ela são diversos, conforme apontam os indígenas entrevistados. A maior parte deles (73%) residem em área urbana e 27% em área rural nas regiões metropolitanas. No entanto 49% viveram mais tempo nas aldeias do que na cidade, 36% moraram principalmente nas cidades e apenas 14% viveu igualmente nos dois ambientes. A população jovem é responsável pelo maior fl uxo migratório, pois os mais velhos raramente saem das aldeias. As razões alegadas para saída da aldeia, por 68% dos entrevistados, refe- rem-se especialmente a motivos econômicos: trabalho, falta de dinheiro, qua- lidade de vida melhor, acesso ao consumo, entre outras. A busca por trabalho assalariado corresponde a maior porcentagem, sendo que 50% dos entrevis- tados afi rmam que esse é um dos principais motivos que leva as pessoas a deixarem suas comunidades. Outro fator alegado por 23% dos entrevistados é de ordem social e fami- liar, ou para reunir os parentes ou por casamento. Também os confl itos inter- nos levam à cidade, assim como os confl itos por terra (8%, ambos). Porém, um dos motivos mais fortes, alegado por 27% dos entrevistados é a demanda por educação, porque as escolas da cidade são melhores e possuem todas as séries. Para 32% dos entrevistados uma das melhores coisas que a cidade oferece é a educação: estudar para entrar no mercado, escola infantil, acesso a universidade. Outra forte razão é a procura por atendimento médico (26%), já que nas cidades a acessibilidade a esse serviço é considerada maior. A qualidade de vida é considerada como uma das melhores condições que as aldeias oferecem; 45% dos entrevistados dizem que paz e uma vida saudável são as condições de vida em suas comunidades de origem. A relação com a 118 Indígenas no Brasil natureza também é um atrativo da vida em aldeia, 27% afi rma que essa relação é uma das melhores ofertas desse tipo de vida. Interação social, convivência com a família, respeito pelo outro, liberdade, despreocupação com o paga- mento de contas e compra de alimentos, bem como a vivência de suas práticas culturais são elementos considerados como vantagens que só a vida na aldeia pode oferecer. A cidade representa um ambiente de competitividade, em que os indivídu- os lutam entre si para ter acesso a bens diversos, o que provoca inquietação e desconforto; ambiente muito diferente da aldeia, no qual o acesso aos recursos necessários à reprodução social é mais livre e mais cooperativo. Os sistemas de organização social indígenas nem sempre podem ser repro- duzidos no contexto urbano. Em aldeias urbanas é mais provável que esse sis- tema seja observado, uma vez que os preceitos da coletividade resistem junta- mente com as relações familiares. Grupos indígenas que migram para a cidade, cujas famílias fi cam isoladas, podem apresentar maior difi culdade de organizar- -se coletivamente, embora as famílias de migrantes residam próximas umas das outras. Porém, mesmo na cidade grande, cada família localiza os parentes e tem sido cada vez mais comum os encontros, as festas e as articulações políticas. A religiosidade vivenciada em contexto urbano ilustra as reconfi gurações as quais estão infl uenciados, justamente pela difi culdade em reproduzir sua cosmo- visão em território diferente da aldeia. Quando questionados a respeito da sua religião, 51% se declararam católico, 29% evangélicos. Contudo, alguns povos como os Guarani declararam ser a sua religião o seu modo de vida Guarani. Preconceito: cidade, espaço vedado aos indígenas O preconceito contra as populações indígenas no Brasil ocorre de forma difusa e perversa. Apesar de 80% da população não-indígena entrevistada con- cordar que existe discriminação contra os indígenas, paradoxalmente, 96% dos entrevistados afi rmam não ter preconceito em relação aos mesmos. Con- fi rmando o primeiro dado, 83% dos indígenas confi rmam que há preconceito contra eles e 45% já sofreram algum tipo de discriminação. A maioria dos indígenas, 79%, afi rma que os brancos são os que mais expressam preconceito com relação a eles. Na sociedade envolvente, esse nú- A presença indígena nas cidades 119 mero se assemelha: 81% dos não-indígenas afi rmam que os brancos possuem mais preconceito. Quando questionados se há preconceito por parte dos indígenas em rela- ção aos brancos, 52% apontam que não. No entanto, apenas 21% dos não- -indígenas concordam com essa posição, sendo 69% os que afi rmam que há preconceito por parte dos indígenas em relação aos brancos. Entre os indígenas entrevistados, a percepção de que os negros não pos- suem preconceito contra eles supera metade da amostra, com 55%. O mesmo pode se dizer sobre o preconceito dos indígenas em relação aos negros: 66% afi rmam não existir preconceito. Mas, 45% dos entrevistados afi rmaram terem sido discriminados em decorrência de sua condição indígena. Esse índice diminui muito entre a população não-indígena, totalizando 11% os que afi rmaram ter sofrido algum tipo de discriminação. Comportamentos discriminatórios tais como estranhamento, aversão, ridicularização, estão entre as principais manifes- tações preconceituosas totalizando 58%, sendo mais expressiva em Campo Grande (66%). As expressões variam: piadas, gestos, ofensas com relação ao sotaque, desconfi ança, são apenas alguns exemplos que fazem parte do cotidiano dessas pessoas. Onze por cento dos entrevistados apontam para o fato de as pessoas se recusarem a atendê-los ou negarem atendimento diferenciado desrespeitando o Estatuto do Índio e as leis antirracismo. Hospitais, postos de saúde, estabe- lecimentos comerciais, hotéis estão entre os locais citados. Ofensas relativas à etnia, comentários pejorativos associando as populações indígenas à sujeira, alcoolismo, incapacidade e selvageria, surgem como mani- festações claras de intolerância. Também se verifi cou, para 7 % dos indígenas entrevistados, a ocorrência de verbalizações insinuando que a cidade não lhes pertence. A discriminação verbal foi citada por 44% dos indígenas. A discriminação para os indígenas é recorrente, uma vez que 30% dos en- trevistados apontam para o fato (18% afi rmam que isso ocorre de vez em quan- do, 6% dizem que quase sempre e 6% que a discriminação ocorre sempre). As situações discriminatórias são vivenciadas em espaços diversos, de modo geral 32% dos entrevistados citam a cidade como o local onde ocorreu a discriminação, sendo a escola o local onde ocorre grande parte das atitudes 120 Indígenas no Brasil preconceituosas, totalizando 17%; depois vêm os hospitais e postos de saúde; ruas e estabelecimentos comerciais foram citados por 8% dos entrevistados. Os brancos ou crianças brancas são os principais agentes discriminadores, totalizando 22% das respostas. Os alunos e colegas de sala de aula também estão entre os principais agressores, com 16%, seguidos por desconhecidos com 12%, profi ssionais da área de saúde com 8%, trabalhadores de estabele- cimentos comerciais com 7%. As ocorrências de situações de discriminação são recentes: 33% dos indí- genas relataram que passaram por uma situação desta natureza há menos de um ano, outros 33% que este fato ocorreu entre 1 e 5 anos. Na população em geral, 21% informam que a discriminação ocorreu há menos de 1 ano, e 26% entre 1 e 5 anos. Independentemente do motivo, a maioria (80%) dos indígenas entrevista- dos afi rmou que nunca recorreu à polícia. No entanto, dos 18% que afi rma- ram ter procurado a polícia, 4% indicam que foram tratados com hostilidade, quando perguntados se receberam tratamento diferenciado por serem indí- genas. Para solucionar o problema em que estavam envolvidos, 8% afi rmam que receberam auxílio de alguma instituição.