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RETENÇÃO INDEVIDA E EXTRAVIO DA CARTEIRA DE TRABALHO. MULTAS E INDENIZAÇÕES – PARTE 3 Como adiantamos no texto anterior (Retenção indevida e extravio da Carteira de Trabalho. Multas e indenizações – Parte 2),a maioria das lides envolvendo a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) trata da falta de anotações do contrato de trabalho, ou, como também verificamos no texto imediatamente antecedente (Retenção indevida e extravio da Carteira de Trabalho. Multas e indenizações – Parte 1), da inserção, nesse documento, de anotações desabonadoras da conduta do empregado. Em ambos os casos – sobretudo no segundo –, o ato ilícito do empregador pode causar dano ao empregado, não só prejuízo contratual, mas, dano reflexo (ou “ricochete”), material e moral. Por outro lado, pode ocorrer de o empregador reter indevidamente a CTPS ou mesmo extraviá-la. Nesse caso, as consequências para o empregado são ainda mais drásticas. Retenção indevida ou extravio da CTPS: ilícito civil, penal e trabalhista Com certeza, a retenção indevida ou extravio da CTPS, por culpa do empregador, pode causar dano muito mais grave do que a hipótese tratada nos textos anteriores. E não se trata apenas de ilícito trabalhista ou civil, mas, também, penal, a teor dos artigos 1º e 3º, da Lei 5.553/68,prevê: Art. 1º A nenhuma pessoa física, bem como a nenhuma pessoa jurídica, de direito público ou de direito privado, é lícito reter qualquer documento de identificação pessoal, ainda que apresentado por fotocópia autenticada ou pública-forma, inclusive comprovante de quitação com o serviço militar, título de eleitor, carteira profissional, certidão de registro de nascimento, certidão de casamento, comprovante de naturalização e carteira de identidade de estrangeiro. (…) Art. 3º Constitui contravenção penal, punível com pena de prisão simples de 1 (um) a 3(três) meses ou multa de NCR$ 0,50 (cinquenta centavos) a NCR$ 3,00 (três cruzeiros novos), a retenção de qualquer documento a que se refere esta Lei. Parágrafo único. Quando a infração for praticada por preposto ou agente de pessoa jurídica, considerar-se-á responsável quem houver ordenado o ato que ensejou a retenção, a menos que haja , pelo executante, desobediência ou inobservância de ordens ou instruções expressas, quando, então, será este o infrator. Ainda que não seja situação corriqueira, pode surgir no cotidiano das relações de trabalho. De fato, há no Poder Judiciário demandas tratando desse problema e a decisão abaixo (noticiada pelo site jusbrasil) ilustra bem esse quadro: Empregado de consórcio na cidade de Dianópolis, Tocantins, será indenizado pela perda da carteira de trabalho na empresa. A decisão do juiz Márcio Brito esclareceu que, "se o trabalhador tem o dever de zelar pela sua identidade de trabalhador, tal responsabilidade é dobrada em relação a um terceiro que recebe este documento para qualquer finalidade, sobretudo o empregador, partícipe da relação de trabalho e responsável por lançar todas as anotações necessárias para registrar a história de tal relação jurídica". O empregado ingressou com ação na Vara do Trabalho de Dianópolis, Tocantins, na qual pedia indenização por um acidente de trabalho e pelo extravio de sua carteira de trabalho, que depois de entregue ao funcionário da empresa, desapareceu. Ele alega dano moral e material. Na carteira, cinco contratos de trabalho estavam anotados, entre outras anotações funcionais do trabalhador. Baseada na negligência da empresa com causa do extravio da CTPS do empregado, a sentença do juiz Márcio Brito, ressaltou que "a CTPS é o documento mais importante da vida do trabalhador e, por conseguinte, da relação de emprego". Segundo ele, a CLT dedica ao tema um capítulo inteiro, o 1º, com 44 artigos. A carteira de trabalho é o registro histórico da vida do trabalhador e já na sua abertura apresenta um texto educativo com o seu significado, a obrigatoriedade para o exercício de qualquer emprego e o registro de todos os elementos caracterizadores da relação de trabalho. "É, portanto, um instrumento de múltiplas utilidades, um atestado de bons antecedentes", destaca. A defesa do empregador alegou que foi emitida segunda via, o que o isenta de ter que indenizar o empregado, porém a sentença destacou que "a simples emissão de uma segunda via da CTPS com anotação do último contrato de trabalho não é capaz de resgatar todas as utilidades deste documento que se confunde com a própria imagem do trabalhador perante o mercado de trabalho, o comércio, as instituições bancárias, o mercado imobiliário, a família, os amigos, etc". A decisão, que faz referência à jurisprudência de outros tribunais e do TST, determinando a indenização do empregado por danos morais no valor correspondente a 10 vezes o salário recebido na empresa. (Decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, em 24/05/2010) Normalmente, esse tipo de contenda ocorre nas seguintes situações: a empresa retém a CPTS do empregado, para anotações, em prazo maior do que 48h, que é o permitido por lei; encerra suas atividades, muda de endereço, mas, não a devolve ao empregado. Pode ocorrer por negligência do empregador ou de seus prepostos, também por acidente, causando extravio do documento, até mesmo má-fé. O empregador, conforme art. 29 da CLT, não pode reter a CTPS por mais de 48 horas, devendo ser compelido a devolvê-la, quando menos, pelas vias administrativas (artigos 36 a 39 da CLT), com anotações pertinentes (art. 29, §§ 1º a 6º, da CLT), sem prejuízo da multa prevista no art. 53 da CLT e, caso não cumpra a obrigação, multa do art. 54 da CLT. A CTPS como requisito essencial ao exercício de trabalho A CTPS é requisito essencial ao exercício de qualquer labor (art. 13º da CLT). Sem ela, o empregado está impossibilitado de exercer atividade profissional. O empregador que a retém indevidamente, ou dá causa ao seu extravio, impõe dano ao trabalhador, sobretudo pelo impedimento de conseguir novo emprego, o que se agrava em face da natureza alimentar do trabalho (danos materiais). Sem dúvida, esse ato ilícito (art. 186 do Código Civil), sobremaneira grave, causa consternação, contrariedade, descontentamento (danos morais). Aliás, o impedimento ao trabalho, por si só, causa dissabor. Imagine-se a hipótese em que o trabalhador possua registros de outros empregos na CTPS, como, inclusive, ocorreu na decisão judicial supramencionada, elemento comprobatório de experiência – como exige o mercado – primordial para conseguir novo trabalho. Retendo a CTPS do trabalhador, o empregador está, também por outro aspecto, causando dano: impedindo que obtenha direitos sociais que dependam de anotações lançadas naquele documento (por exemplo, previdenciários). O extravio desse documento causa danos difíceis de serem reparados, ou mesmo irreparáveis. Em muitos casos, somente a conversão em perdas e danos resolve a quaestio. Sem a CTPS é imensa a dificuldade de provar o período de trabalho, para fins de aposentadoria. Em grande parte dos casos, empresas relativas aos registros mais antigos, lançados na CTPS, nem existem mais. Nessas situações, o empregado teria de propor demanda judicial, com a finalidade de provar exercício do trabalho, para completar o período de contribuição e obter respectiva aposentadoria. Se o empregado não possuir outro documento relativo aos empregos lançados na CTPS extraviada, ou não conseguir, junto aos principais órgãos governamentais que cuidam da espécie (Ministério do Trabalho e Previdência Social), ao menos algum indício, dependeria exclusivamente de prova testemunhal, o que sempre é complicado e praticamente impossível em relação a empregos muito antigos. Ainda que consiga provar, toda essa via crucis é danosa por si só. A propósito, o empregado não é obrigado asolicitar outra CTPS senão nas condições descritas no art. 21 da Consolidação das Leis do Trabalho. E mesmo que obtenha a segunda via, o problema principal ainda persiste: a perda dos registros lançados na CTPS anterior e os percalços que terá de percorrer para comprová-los por outros meios. Retenção indevida ou extravio da CTPS: indenização por danos materiais e morais A todo agravo cabe reparação,conforme descrito no art. 5º, V, da Constituição Federal. A par da obrigação contratual (e legal) de devolver a CTPS, devidamente anotada, a simples retenção indevida, o que muitas vezes ocorre por longo período, pode causar dano ao trabalhador. Por exemplo, se a empresa “fecha as portas” e se encontra em lugar incerto e não sabido. Nesses casos, é comum o empregado levar anos a fio para encontrar ao menos os sócios (quando consegue), o que, em geral, só é efetivado mediante ação judicial. De maneira ainda mais grave há dano pelo extravio desse documento. Se há culpa do empregador, ou de seus prepostos (art. 932, III, do Código Civil), há dever de indenizar. É o que impõe o artigo 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Em que medida? Conforme estudamos no artigo anterior, deve-se considerar a extensão do dano (princípio da restitutio in integrum, conforme art. 944 do Código Civil); a saber: a) lucros cessantes e danos emergentes (danos materiais): a impossibilidade de trabalhar, cujo prejuízo decorre sobretudo do caráter alimentar do exercício laboral; b) indenização por perda de uma chance: eventualmente, pode se confundir com a hipótese anterior, porém trata, de modo mais específico, da impossibilidade de atestar experiência profissional anterior, o que poderia dificultar obtenção de novo emprego. Mais ainda pela dificuldade de se obter direitos sociais: FGTS, seguro-desemprego e o mais nefasto de todos: dificuldade de comprovar tempo de contribuição para fins de aposentadoria; c) reparação de caráter pedagógico: evitar que o mau empregador pratique ilegalidades (conforme o ditado: “só doendo no bolso para se cumprir a lei”; d) danos morais: pela conduta censurável do empregador, que, agindo de forma culposa, demonstra descaso e desrespeito, situações que, de per si, causam aborrecimento, contrariedade. Critérios para apuração da indenização Como calcular esse tipo de indenização? Não há parâmetros estanques, até porque a lei não os especifica. Na decisão acima indicada, condenou-se o empregador a pagar, a título somente de danos morais, dez vezes o salário do empregado lesado. Entretanto, "cada caso é um caso". As situações podem variar muito, mas, parece razoável se utilizar, além do salário do empregado, multas previstas nos artigos 49 a 56 da Consolidação das Leis do Trabalho, que, apesar de sanções administrativas, aplicadas pelo Ministério do Trabalho, podem servir como ponto de partida, por analogia, para se apurar a indenização. É o exemplo do artigo 52, da CLT, que prevê multa de meio salário mínimo regional pelo extravio da CTPS. Poderia ser aplicada, por exemplo, levando em conta a questão "tempo". É comum, na Justiça do Trabalho, condenação nas referidas multas (principalmente pela falta de anotações), diariamente, até que a obrigação seja cumprida. Seria o caso de encontrar o salário/dia pelo parâmetro do artigo 52, da CLT, aplicando-o pelo tempo total da lesão? É uma possibilidade. Porém, insista-se, as variantes são muitas. Realmente, várias questões devem ser consideradas, notadamente em relação aos direitos materiais simples: o tempo em que ficou retida a CTPS e o efetivo prejuízo causado (se, por exemplo, impediu recebimento de direitos sociais ou mesmo a obtenção de novo trabalho); se houve extravio, a idade do trabalhador e o tempo restante para se obter aposentadoria, entre outras questões. O mais importante é se observar o princípio da restituição integral (art. 944 do Código Civil): danos emergentes, lucros cessantes, perda de uma chance, reparação pedagógica, danos morais, que não se excluem, mas, se complementam. No texto seguinte, verificaremos as multas aplicadas pelo Ministério do Trabalho e também questões processuais envolvendo o tema em estudo. Consulte também nosso trabalho sobre responsabilidade civil nos acidentes e doenças do trabalho: Culpa e Risco nos Acidentes do Trabalho: Alcance do artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal Este artigo foi originalmente publicado no Juslaboral.Net. É expressamente proibida sua reprodução em blogs, sites, ou qualquer outro meio. Se estiver lendo-o em outro local, trata-se de violação dos direitos autorais. Por favor, comunique-nos: Contato. © Marcos Fernandes Gonçalves. Todos os Direitos Reservados. Para citações, consulte nossos Termos de Uso.
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