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RETENÇÃO INDEVIDA E EXTRAVIO DA CARTEIRA DE TRABALHO. MULTAS E INDENIZAÇÕES – PARTE 1 Carteira de Trabalho ou, mais tecnicamente, Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), é documento obrigatório para prestação de serviços profissionais no Brasil. Destina- se a comprovar dados sobre as atividades do trabalhador. Do ponto de vista estritamente jurídico, sua finalidade é comprovar o contrato de trabalho, mas, não o substitui. De fato, ao contrário da confusão recorrente quanto a esse tipo de documento, a Carteira de Trabalho não traz em seu bojo o contrato de trabalho, de per si, mas, anotações que o provam, até porque o pacto laboral é ajuste expresso ou tácito, como se depreende dos artigos 442 e 447, da CLT. Deveras, a forma escrita não é de sua essência, como, inclusive, é regra geral nos contratos. Possui, também, finalidade social, pois suas anotações reproduzem o fator tempo e a vida funcional do trabalhador (reajustes salariais, alteração de funções, férias, etc.), garantindo acesso a alguns dos principais direitos sociais, como seguro-desemprego, benefícios previdenciários típicos (aposentadoria, auxílio-doença, reabilitação) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Consulte também: • Seguro-desemprego: Estabilidade vs. Rotatividade da Mão de Obra – I • Seguro-desemprego: Estabilidade vs. Rotatividade da Mão de Obra – II • FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço): Conceito e Natureza Jurídica • FGTS: Indenização por dispensa. "Instabilidade" e rotatividade de mão de obra Carteira de Trabalho e Previdência Social: documento obrigatório Nos termos do artigo 13, da CLT, a CTPS é obrigatória para exercício de qualquer emprego, urbano ou rural, ainda que em caráter temporário, e, também, para atividade por conta própria (trabalho autônomo). Nessa última hipótese, então, ressalta questão interessante e rara de se ver na prática: o contrato do autônomo, prestando o trabalhador serviços de natureza remunerada à empresa ou a quem ela se equipara, deve ser registrado na Carteira Profissional. A finalidade principal é servir de prova à obtenção de benefícios previdenciários (aposentadoria principalmente). Mas, há outra função importante, desconsiderada, em geral, no cotidiano forense: inversão do ônus da prova. Da mesma maneira que a CTPS, para o empregado, serve de prova do contrato de trabalho, igualmente para o autônomo há essa prerrogativa. Mais ainda: se o registro do contrato e demais anotações servem para atestar relação de trabalho com autonomia (podendo ser declinada por outro meio de prova – oral, por exemplo), sua ausência pode militar a favor do trabalhador, isto é, presumindo-se existência do vínculo de emprego em vez de labor autônomo, invertendo-se, então, o ônus da prova e cumprindo ao empregador, de pronto, provar que a relação é de autônomo. Medida mais útil, claro, na inexistência de contrato escrito, nos moldes tradicionais, o que, aliás, é comum. São poucos os casos em que se constata contrato de autônomo devidamente formalizado, ou melhor, que represente realmente a prestação de serviços que se pactua. O mais comum é a fraude: relação de emprego mascarada por labor autônomo apenas para escapar de encargos trabalhistas. Contratos escritos de autônomo, na maioria dos casos, são meras descrições fictícias não representando, pois, a real contratação. O trabalhador, diante da concorrência do mercado, não tem opção de escolha: aceita a ficção ou fica desempregado. No entanto, não trabalha com autonomia, mas, de forma subordinada, daí a fraude. Enquanto não houver legislação equiparando, ainda que em parâmetros mínimos, direitos do empregado comum ao trabalhador autônomo, que presta serviços a empresas, esse problema não vai acabar. Curiosamente, o que se apresenta como solução é a possibilidade de contratação indiscriminada de autônomos – pois estes não representariam “custo”. Não se apresenta alternativa sob o ângulo do autônomo, isto é, para melhorar sua situação. Essa lógica está invertida. A contratação de autônomos não deve visar à redução de custos. O correto é conceder autonomia ao trabalhador para que tenha total liberdade de executar suas atividades, inclusive para inúmeros outros contratantes. Para isso não deveria se submeter a horários, aos rigores do contrato de emprego, nem se subordinar a quem dirige a prestação de serviços, entre outras questões. De todo modo, vínculo de emprego é “contrato realidade”, pelo que, então, os escritos não têm o condão, por si só, de afastar o que ocorre na prática: se o contrato, no mundo dos fatos, é de emprego, não é a forma escrita que o anulará. Sua função é provar. Mais, ainda, inverter o onus probandi. Em resumo, a CTPS é documento obrigatório para o contrato de trabalho em sentido amplo. Mas, há exceções[1]: a) o trabalhador fronteiriço[2] – por exemplo, paraguaio que labore em território brasileiro, na fronteira – pode exercer atividade remunerada sem a CTPS, bastando documento de identidade emitida pela Polícia Federal; b) estrangeiros com visto provisório para permanecer no Brasil podem laborar com registro em documento emitido pela Secretaria de Imigração; c) estrangeiros com visto de cortesia, oficial ou diplomático, também não necessitam de CTPS, porém só podem exercer atividade remunerada restrita ao Estado estrangeiro, nos termos do art. 104, da Lei 6.815/80; d) estagiários, que, nos termos da Portaria 1.002/67 do Ministério do Trabalho, possuem carteira de trabalho específica (raramente utilizada na prática). Anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) As anotações do contrato de trabalho na CTPS também são obrigatórias, conforme artigos 29 a 35 da Consolidação das Leis do Trabalho. Resumidamente, pode-se destacar o seguinte: a) Prazo para anotação do contrato de trabalho é de 48 horas e o empregado deve ser registrado desde o primeiro dia de trabalho (o § 3ª, do art. 13, da CLT, é exceção, mas, não exime o empregador de, a posteriori, efetuar registro na CTPS, desde o dia em que o empregado começou a laborar, não justificando, em absoluto, a contratação sem registro); b) Anotações típicas: admissão, rescisão, remuneração, férias, contribuição sindical, dados do PIS; c) São vedadas anotações desabonadoras do empregado (para esse tema destaco abaixo tópico específico); d) A microempresa e a empresa de pequeno porte não estão desobrigadas de efetuar anotações na CTPS do empregado. Consulte a propósito: • Obrigações trabalhistas das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – 1 • Obrigações trabalhistas das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – 2 e) É proibida retenção de qualquer documento de identificação pessoal, nos termos do art. 7º, da Lei 5.553/68; especificamente no caso trabalhista, o empregador não pode reter a CTPS por mais de 48 horas; mesmo na hipótese de anotações, então, a CTPS deve ser devolvida ao empregado no prazo legal; f) As anotações serão feitas: a qualquer tempo, por solicitação do trabalhador; no caso de rescisão contratual; ou necessidade de comprovação perante a Previdência Social; g) Estimativas de gorjeta devem ser anotadas (mais comuns no trabalho do garçom: Gorjetas: Retenção pelo empregador para pagamento de encargos) h) Anota-se, também, salário-utilidade (in natura), na hipótese de o empregador fornecer alimentação, vestuário, habitação, transporte, higiene, nos termos do artigo 458 da CLT; i) Acidentes do trabalho serão anotados pela Previdência Social. Vedação de anotações desabonadoras do empregado na CTPS São expressamente vedadas anotações desabonadoras do empregado na Carteira de Trabalho e Previdência Social. Não se pode anotar, por exemplo, que a razão da dispensa foi por justa causa ou ainda indicar motivos ensejadores da falta grave. A razão é clara:dificultariam a obtenção de novo emprego, implicando em violação da liberdade de trabalho, constitucionalmente garantida (art. 7º, XIII, da CF/88). A prática demonstrou que empregadores evitam contratar empregado dispensado por justa causa, isto é, por conta de seu “passado desabonador”[3]. Como se a punição devesse perseguir o trabalhador pelo resto de sua vida profissional. Se, em Direito Penal, a pena não deve passar da pessoa do condenado (já dizia Marquês de Beccaria), em Direito do Trabalho a pena máxima, que é a dispensa por justa causa, não deve passar do contrato que a originou. Não se trata de o empregador verificar questões pertinentes à vida pregressa do cidadão (pessoal, então), como é exigido em determinadas funções. O que está em jogo são questões pertinentes à execução específica de um contrato de trabalho, cujas variantes são inúmeras e não necessariamente se repetirão no contrato vindouro, sob outras condições, outro empregador, nova realidade. É comum, por exemplo, nas atividades de segurança patrimonial o empregador exigir “folha corrida” (ficha de antecedentes criminais) do empregado. Praticamente não há objeções quanto a esse procedimento, dada a natureza da função. Mas, nos demais casos, seria medida questionável. De qualquer maneira, há incômoda indagação para esse tipo de problema: jamais se dará oportunidade a quem, um dia, cometeu erros? Consulte também: Trabalho do presidiário e vínculo de emprego Na Justiça do Trabalho há inúmeras demandas pleiteando-se indenização por danos morais e materiais em razão de anotações desabonadoras na CTPS do trabalhador (falta grave, motivo da dispensa, etc.). O Judiciário tem repudiado esse tipo de procedimento, sem dúvida, altamente prejudicial ao empregado. São conhecidas as “listas negras” criadas por maus empregadores, indicando ao novo contratante o “passado” do trabalhador. Em muitos casos sequer existem atos desabonadores, do ponto de vista objetivo. Aliás, a dispensa por justa causa, na maioria esmagadora dos casos, é carregada de conteúdo subjetivo, só por isso já não poderia servir de parâmetro para “julgamento” da conduta do trabalhador. Não se pode admitir, em nome dos mais comezinhos princípios fundamentais, laborais e de cidadania, que eventuais erros contratuais do obreiro fiquem “carimbados” pelo resto de sua vida profissional. Isso gera desemprego e, por conseguinte, desequilíbrio social. Esse tipo de procedimento (espécie de “pesquisa” da vida profissional pregressa do empregado) é flagrantemente ilegal. Todavia, por ser conduta difícil de ser provada ainda ocorre, infelizmente, até com certa frequência. Os §§ 4º e 5º, do artigo 29, da CLT, a tanto, dispõem expressamente: § 4º. É vedado ao empregador efetuar anotações desabonadoras à conduta do empregado em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social. § 5º O descumprimento do disposto no § 4º deste artigo submeterá o empregador ao pagamento de multa prevista no art. 52 deste Capítulo. Evidentemente, a multa, que é de cunho administrativo, não exclui a possibilidade de indenização por danos materiais e morais. Mesmo a anotação que se reporte a uma ação trabalhista deve ser evitada, porque, também, vejam só como é nossa cultura, ainda que o direito de ação seja constitucional, empregadores evitam contratar quem já demandou empresa na Justiça do Trabalho (sem dúvida, temos muito a aprender em termos de cidadania). A propósito, decisão recente do Tribunal Superior do Trabalho: DANOS MORAIS - REGISTRO NA CTPS DECORRENTE DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL - REFERÊNCIA À VARA E AO NÚMERO DO PROCESSO. Ao proceder a anotação da Carteira de Trabalho do Autor, fazendo constar que o registro decorreu de determinação judicial, a Reclamada praticou ato ofensivo à honra, ensejando o pagamento de indenização por danos morais. Precedentes. - (RR - 73840-41.2009.5.03.0027, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: 3/9/2010) (decisão na íntegra, neste link) No artigo seguinte desta série vamos estudar especificamente as multas e indenizações pela retenção indevida e extravio da Carteira de Trabalho e Previdência Social, por culpa do empregador. NOTAS [1] Cf. Sérgio Pinto Martins, Comentários à CLT. 10ª ed. São Paulo : Atlas, 2006, p. 57. [2] “Fronteiriço é o estrangeiro natural e residente em país limítrofe ao território nacional que pode estudar ou exercer atividade remunerada em município brasileiro fronteiriço ao seu país de origem, desde que autorizado pela Polícia Federal” (fonte: http://portal.mte.gov.br/ctps/estrangeiro.htm). [3] Idem, Ibidem, p. 63. Leia mais: http://www.juslaboral.net/2011/11/retencao-indevida-e-extravio- de.html#ixzz1eQhin4z7 Não autorizamos cópia integral do artigo na Internet ou qualquer outro meio © Marcos Fernandes Gonçalves
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