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Steve Hayes Não fuja da dor

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Não fuja da dor!! 
Entrevista à VEJA- Steven Hayes 
Para um dos psicólogos mais polêmicosdos Estados Unidos, é preciso aceitar a 
tristeza porque felicidade não é normal 
 
 
O Psicólogo americano Steven Hayes, de 57 anos, está causando alvoroço entre seus colegas 
de profissão. Em seu novo livro, Saia de Sua Mente e Entre em Sua Vida, publicado no fim do 
ano passado nos Estados Unidos, ele rompe com um método em voga na psicologia há trinta 
anos: a terapia cognitiva, que instrui pacientes a se livrar de seus pensamentos e sentimentos 
negativos. Hayes diz que, ao contrário, é preciso aceitar a dor e o sofrimento como parte da 
vida. Suas teorias causam especial impacto no tratamento de distúrbios como a depressão e os 
transtornos de ansiedade. Autor de 27 livros e centenas de artigos científicos, nos últimos dez 
anos Hayes recebeu mais de 5 milhões de dólares do governo americano para avançar em seus 
estudos. Ex-presidente da Associação de Terapias Cognitivas Comportamentais, ele está há 
onze anos sem ter um ataque de síndrome do pânico, que o aflige desde os 29 anos. Hayes 
concedeu a seguinte entrevista a VEJA de sua casa no estado de Nevada, onde mora com a 
mulher, a psicóloga gaúcha Jacqueline Pistorello, e três de seus quatro filhos. 
 
 
Veja – Por que o senhor diz que felicidade não é normal? 
 
 
Hayes – Muita gente tem um conceito distorcido de felicidade. O mais comum é vê-la como 
ausência completa de dor e como uma seqüência de momentos nos quais a pessoa se sente 
bem. É fácil preencher a vida com uma série de episódios efêmeros de bem-estar, como sair 
com os amigos ou beber um bom vinho. São diversões que podem trazer satisfação 
momentânea, mas na manhã seguinte a vida não estará melhor e não haverá como evitar que 
aconteçam coisas ruins. Todos sabemos que um dia vamos morrer, todos nós lembramos da 
perda de um amigo querido, de algum erro que cometemos, de dramas, traições ou doenças. 
A diferença entre o homem e outras criaturas está na capacidade que ele tem de usar suas 
habilidades cognitivas para remoer os erros e infortúnios do passado e temer as incertezas do 
futuro. Por isso o normal é sentir dor e sofrer. 
 
Veja – Qual o problema em tentar evitar a dor? 
 
 
Hayes – Ao fazermos isso, acabamos criando uma série de medos e fobias, que aumentam 
ainda mais o sofrimento. O conceito de que felicidade é como a ausência de sentimentos ruins 
nos leva a reagir à dor de uma maneira que limita nossa vida. Ou seja, que só piora as coisas. 
Isso nos deixa menos abertos a estabelecer novos relacionamentos, leva-nos a evitar lugares 
que tragam lembranças do passado ou situações desagradáveis. Dessa forma, perdemos a 
oportunidade de um envolvimento real com o que acontece a nossa volta. Isso também nos 
impede de ir atrás do que realmente queremos. Em casos extremos, como na depressão, 
quem tenta a todo custo evitar a dor começa a ficar entorpecido. Passa a não sentir nada, 
apenas um vazio profundo. 
 
Veja – O suicídio é uma dessas formas de fuga da dor ou essa idéia é apenas um lugar-comum? 
 
 
Hayes – Trata-se da explicação mais plausível na maior parte dos casos. Muitos suicídios são 
um último esforço para acabar com a própria dor. Em seis de cada dez casos os suicidas 
deixam escrito, em bilhetes, que não agüentavam mais sofrer. Há uma mensagem nisso tudo: 
evitar os sentimentos dolorosos é rejeitar a própria vida. Aceitá-los como parte da existência é 
a melhor atitude. Até onde sabemos, depois de mortos não sentimos mais nada. E não há 
vantagem nisso. 
 
Veja – Quando encostamos a mão numa panela quente, o reflexo natural é afastá-la 
imediatamente. Não está na natureza humana evitar a dor? 
 
 
Hayes – Em termos. O problema é que estamos vivendo uma espécie de ditadura da felicidade. 
Aceitar a dor sempre fez parte dos costumes e tradições humanas. Hoje, pela primeira vez na 
história da humanidade, existem tecnologia, remédios e terapias para acabar com a dor. Isso 
não é lá muito sábio. Ao buscar um desses recursos, corre-se o risco de cometer um erro que 
tornará aquela dor inevitável, transformando a vida em uma espiral infinita de sofrimento. 
 
Veja – O senhor pode dar um exemplo? 
 
 
Hayes – Imagine alguém que tenha sido traído pelo parceiro no passado e, por isso, só 
consegue ter relacionamentos superficiais, em que o risco de se magoar é pequeno. Esses 
relacionamentos servirão para distrair ou para aplacar a solidão, mas nunca atingirão o nível 
de envolvimento e intimidade desejado. Nesse caso, a persistência do medo de sentir dor 
acaba tendo um efeito permanente na vida do indivíduo. É como se sua mente sabotasse sua 
própria vida. 
 
 
 
Veja – Que tipo de felicidade se deve buscar? 
 
 
Hayes – A pessoa deve definir o que realmente quer da vida a longo prazo, descobrir quais são 
seus próprios valores e viver de acordo com eles. Isso é ser feliz. Para alguns, significa ajudar os 
outros e sentir-se útil para a sociedade. De nada adianta querer se sentir feliz o tempo todo. 
Vamos imaginar uma situação de dor extrema: a morte iminente da mãe. O filho está a seu 
lado para dizer quanto a ama e ouvir o que ela tem a lhe falar. É óbvio que esse não é um 
momento feliz. Tem, no entanto, um significado valioso para a vida daquele filho. Imaginemos 
uma outra cena, de aparente felicidade: um homem rindo, dançando, tomando um bom 
drinque e, no fim da festa, indo para casa com uma loira escultural. À primeira vista, ele está 
feliz. E se eu disser que essa é a décima vez que ele se embebeda neste mês? E se disser que 
ele está bebendo para esquecer os problemas em casa, que acabou de conhecer a mulher com 
quem saiu e não vai se lembrar de nada no dia seguinte? Uma situação aparentemente 
prazerosa pode ser destrutiva e não acrescentar nada, em termos emocionais, a seus 
protagonistas. Nosso conceito de felicidade está ligado a emoções de curto prazo. Essa 
correlação nunca foi verdadeira. 
 
Veja – Como essa idéia pode ser transformada em tratamento psicológico? 
 
 
Hayes – Uma etapa da terapia de aceitação e comprometimento, que defendo no meu último 
livro, consiste em ajudar os pacientes a encontrar seus valores e objetivos. Um dos exercícios 
que proponho é que eles escrevam seu próprio epitáfio, uma frase que considerem digna de 
ser colocada em seu túmulo. O resultado em geral é algo próximo de "aqui jaz Sally, que 
amava muito seus filhos", não "aqui jaz Sally, que tinha uma casa enorme" ou "aqui jaz Sally, 
que sofria de ansiedade". Ou seja, queremos que nossa vida seja lembrada pelos valores que 
seguimos. As artimanhas que usamos para não sentir dor nos desviam de nossos objetivos. E é 
por eles que vale a pena viver. Nosso trabalho é ir na direção oposta à de nossos medos. 
Tentamos conseguir, com muito cuidado, fazer o paciente explorar a tristeza, a depressão e a 
ansiedade que ele sente, para percebê-las e observá-las. 
Veja – Não é um processo muito arriscado? 
Hayes – O que nós propomos não é tentar mudar os pensamentos ruins, mas que eles sejam 
aceitos e deixem de influenciar o comportamento do paciente. O processo consiste em se 
distanciar aos poucos de todos os pensamentos, tantos os negativos como os positivos. O 
resultado é que as obsessões vão se diluindo. Em um caso grave, obtém-se sucesso quando o 
paciente começa a ter consciência do que o aflige. Um paciente psicótico dá sinais de melhora 
quando muda o pensamento "eu sou a rainha de Sabá" para "eu estou pensando que sou a 
rainha de Sabá". O segundo passo é o paciente descobrir que tipo de vida quer ter e tentar 
conquistá-lo, sem permitir que o medo de sentir dor o desvie de seus objetivos. 
 
Veja – Quetécnicas o senhor utiliza? 
 
 
Hayes – Eu ensino os pacientes a identificar seus sentimentos e a tratá-los como se fossem 
objetos. Uma das técnicas consiste em resumir os pensamentos ruins em uma única palavra e 
dizê-la alto e rápido por 45 segundos. Aos poucos, a palavra perde seu sentido e o paciente 
começa a ouvir apenas um ruído. Com isso, ele se dá conta de que não vale a pena se estressar 
ou acabar com sua vida por causa daquela palavra, daquele ruído. Outras vezes, pedimos para 
o paciente cantar seus pensamentos negativos ou repeti-los imitando a voz de um personagem 
de desenho animado. Funciona também na voz de um político impopular. O propósito não é 
ridicularizar o paciente, mas fazê-lo notar que se trata apenas de um pensamento. Essa técnica 
vale para todo tipo de problema, desde memórias desagradáveis, medos, traições, culpa até 
dependência de substâncias químicas. 
 
Veja – Em quanto tempo os resultados aparecem? 
 
 
Hayes – Em alguns casos, em poucas horas. Certa vez obtive bons resultados com psicóticos 
em apenas três dias. Com pessoas que sofrem de alcoolismo ou dependência química são 
necessárias ao menos 25 sessões. Muitas vezes, a mente insiste em não cooperar. Quando 
pensamos em algo, a tendência é julgarmos o pensamento como certo ou errado. O que eu 
tento fazer é sair desse caminho óbvio. Por isso a mente protesta. 
 
Veja – Quase 20% da população mundial terá depressão em algum momento da vida. Por que 
essa doença se tornou tão comum? 
 
 
Hayes – Não é só a depressão. Nas últimas décadas assistimos ao rápido crescimento de uma 
série de doenças psicológicas. Isso inclui desde os transtornos de humor, como a depressão e o 
distúrbio bipolar, até os de ansiedade, como a síndrome do pânico, o transtorno obsessivo-
compulsivo e o stress pós-traumático. A explicação é que não sabemos mais lidar com nossas 
experiências negativas. Muitos depressivos pioram em decorrência de um processo que 
chamamos de rejeição dos sentimentos: você tenta não sentir o que está sentindo, e o 
resultado é que sente mais ainda. 
 
Veja – Por que isso ocorre com mais freqüência na atualidade? 
 
 
Hayes – No mundo moderno esse processo é intensificado por dois motivos. O primeiro é que, 
com a tecnologia fazendo tudo mais fácil, somos pressionados a acertar sempre e a conseguir 
tudo o que queremos. Com isso, temos dificuldade em lidar com nossos limites e com os 
percalços do cotidiano. No passado, as pessoas aprendiam a se decepcionar e a aceitar suas 
fraquezas de maneira mais saudável. Basta olhar para as tradições religiosas que antes tinham 
grande aceitação: os fiéis jejuavam porque essa era uma forma de simular a dor dos 
antepassados ou de um salvador. O segundo motivo é a ditadura da felicidade superficial, que 
nada tem a ver com uma vida repleta de sentidos. Hoje você diz às crianças que elas devem se 
sentir bem de dia e de noite, e se elas não conseguem é porque há algo errado. O resultado é 
que elas se tornam incapazes de lidar com o desconforto de uma maneira saudável. No futuro, 
essas crianças serão mais vulneráveis a problemas de saúde mental. 
 
Veja – O senhor está dizendo que a tendência para querer evitar o sofrimento a qualquer custo 
é o único fator de risco para a depressão? 
 
 
Hayes – Não. O histórico familiar conta muito. A propensão à doença é maior quando há casos 
de depressão, transtornos de ansiedade ou alcoolismo na família. Esses três distúrbios andam 
juntos, e na raiz de todos eles está a dificuldade em lidar com a dor. Em geral as mulheres 
tendem a ter mais depressão que os homens. Por uma questão cultural e educacional, elas são 
estimuladas a agir passivamente ao lidar com emoções negativas. 
 
Veja – Como distinguir depressão de tristeza? 
 
 
Hayes – Os sintomas da depressão avançam por um período maior, no mínimo por semanas. 
Quando está deprimido, o paciente não quer sentir mais nada. A metáfora usada é a de um 
buraco que se abre no chão e suga todas as suas emoções e energias. Um dos principais 
sintomas é a falta total de interesse na vida. O indivíduo não quer mais saber de comida, sexo 
ou qualquer atividade que costumava lhe interessar. 
 
Veja – O que o senhor acha do uso de remédios antidepressivos em combinação com a 
terapia? 
 
 
Hayes – Tenho algumas ressalvas aos remédios que não tiveram sua eficácia comprovada, 
como alguns antidepressivos. A indústria faz bilhões de dólares com esses remédios, e seus 
resultados muitas vezes são pífios. O Prozac, por exemplo, foi anunciado como uma revolução 
no tratamento da depressão. Em uma pesquisa recente, ele teve nos voluntários um efeito 
apenas um pouco melhor do que o de placebo. Com resultados como esses, o melhor seria 
tomar pílulas de açúcar em vez de antidepressivos. Outras vezes, combinar remédio e terapia é 
improdutivo, porque a droga, além de causar dependência, interfere no que o paciente faz no 
consultório. Tranqüilizantes contra a ansiedade, por exemplo, prejudicam os efeitos das 
terapias de exposição, aquelas em que o paciente enfrenta situações nas quais é obrigado a 
vencer os próprios medos. 
 
Veja – O senhor teve seu primeiro ataque de pânico aos 29 anos. Como isso mudou a sua vida? 
 
 
Hayes – Eu tive síndrome do pânico e agorafobia. Tinha medo de lugares e situações em que 
não poderia ser socorrido caso passasse mal. Cheguei a um ponto em que não podia entrar em 
um elevador, participar de reuniões ou mesmo falar ao telefone. Foi algo realmente doloroso, 
porque não podia seguir plenamente a vida que tinha escolhido. Dar aulas era um suplício. 
Meu primeiro ataque aconteceu logo depois de me divorciar e, por isso, não pude ser o pai 
que gostaria de ter sido para meu filho mais velho. Eu estava empenhado em uma guerra 
dentro da minha própria cabeça. 
 
Veja – Como o senhor se curou? 
 
 
Hayes – Durante dois anos, eu não podia entrar em lugares pequenos nem muito abertos. 
Tudo o que eu fazia girava em torno da doença. Foi quando me dei conta de que, se não 
reagisse, ela acabaria enterrando minha carreira. Aos poucos, comecei a aprender a aceitar a 
dor e a ver meu problema com certo distanciamento. Ter passado por essa experiência hoje 
me ajuda a compreender meus pacientes. Faz onze anos que não tenho uma crise. Quando a 
última ocorreu, aprendi a nunca dizer nunca. Sempre digo que ainda não estou curado. Nunca 
estarei. Sou uma pessoa com síndrome do pânico em recuperação. É o mesmo que ser um ex-
alcoólatra.

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