Buscar

O Problema do mal em Boécio

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 7 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

O Problema do mal em A Consolação da Filosofia de Boécio
	Boécio (Anicius Manlius Torquatus Severinus Boetius) nasceu em Roma por volta de 480 d.C, logo após o fim do Império Romano do Ocidente, e morreu em 524 d.C. Membro de uma poderosa família romana de senadores, perdeu seu pai ainda criança e foi adotado pelo cônsul Símaco, com cuja filha se casou. Tornou-se cônsul em 510 e viu seus dois filhos tornarem-se cônsules em 522. 
	As invasões externas, principalmente no Império do Ocidente, e as disputas teológicas, pricipalmente no Oriente, marcaram o conturbado século V. As disputas teológicas giravam em torno da natureza de Jesus Cristo, se humana ou divina, e se Maria, sua mãe, deveria ser considerada Mãe de Deus. Nestório, bispo de Constantinopla, sustentava que Maria não poderia se tida como Mãe de Deus. Já Cirilo, bispo de Alexandria, afirmava a condição de Maria de Mãe de Deus, face a natureza divina de Jesus Cristo. O concílio de Éfeso, em 431, acabou por condenar Nestório, afirmando que Cristo, uma única pessoa, possuía duas naturezas distintas, uma humana, outra divina. O concílio, porém, não agradou a alguns alexandrinos que defediam o monofisismo, uma doutrina que pregava que Cristo possuía apenas uma natureza divina. A doutrina da natureza dupla foi reafirmada no concílio de Calcedônia, em 451, que instituiu a regra ortodoxa de que Jesus seria verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
	Em 476, Odoacro, um comandante bárbaro, expulsa o último imperador ocioso do Império Romano do Ocidente, Rômulo Augustulo, tomando oficialmente o poder. Convertida, a partir daí, numa província gótica, pelos cinqüenta anos seguintes, a Itália é governada por Reis, que embora Cristãos, não dão importância aos acirrados debates cristológicos, assentindo numa forma de cristianismo, o arianismo, uma doutrina que negava que Jesus compartilhava a mesma essência ou substância com Deus. No governo do rei gótico Teodorico, instaura-se um regime de tolerância no qual arianos, católicos ortodoxos e judeus puderam viver juntos com tranqüilidade.
	É no governo de Teodorico que Boécio é chamado, em 522, a Ravena, capital de Teodorico, para tornar-se “mestre de ofícios”, um cargo administrativo de alto escalão. Honrado e íntegro, exercia, na sua vida prática, seus deveres com retidão, tanto quanto se dedicava à vida contemplativa, um de seus projetos, inconcluso, era uma tradução latina das obras de Platão e Aristóteles.
	Boécio, porém, não permance muito tempo no seu cargo. Pois, como católico e por ter defendido o senador Albino, acusado de traição em favor do imperador de Bizâncio, torna-se suspeito de conspirar contra Teodorico, suspostamente incitando o imperador Justino em Constantinopla a invadir a Itália.
	Condenado à morte pelo senado, é durante o período de encarceramento, antes da execução, que escreve o seu texto mais célebre: A Consolação da Filosofia. É nesse momemto, onde se ver injustamente acusado, que vai buscar consolo, não propriamente na religião como seria de se esperar de um cristão, mas na filosofia.
	No seu texto, a filosofia encarna a personagem de uma mulher de belo porte que dialoga com o injustamente condenado e vítima de tantos suplícios, Boécio. Ela vem administrar os seus “remédios” ao angustiado prisioneiro. Ele que se ver vítima da Fortuna, pois havia tido uma vida digna e honrada até então e agora caído em desgraça aguardava a morte.
	Porém o que mais aflinge a Boécio é o fato de ser injustamente castigado, passando-se por culpado aos olhos do povo:
Mas gostaria apenas de dizer que o fardo mais pesado com que a Fortuna possa aflingir alguém é este: que aos olhos do povo esteja sendo justamente castigado quem na verdade é inocente. Mas, quanto a mim, privado de todas as honras de todos os cargos, fui jogado na lama devido às minhas boas ações.�
	Uma das primeiras ingações da senhora Filosofia a Boécio é saber se o mundo é conduzido por fatos acidentais e governado pela Fortuna ou governado por uma razão. O desdobrar da argumentação mostra que é fácil perceber que a natureza é governada pela inteligência divina, porém o mesmo não parece se dar com as ações humanas. E isso faz parecer que os maus levam vantagem.
	Em seguida a Filosofia assume o papel da Fortuna, para fazer a defesa desta. Como exigir constância da Fortuna? Se pergunta. Não é ela por natureza inconstante. Ora concebe bens, ora tira-os. E diz, a Filosofia, “com efeito, em toda reviravolta da Fortuna, não há maior desgraça do que ter conhecido a suprema glória”. Como buscar, então, a felicidade na Fortuna?
	Para a Filosofia, não bastasse as reviravoltas que a Fortuna pode dar, deve-se levar em conta o fato de que os homens dificilmente se mostram satisfeitos com sua situação, mesmo que aparentemente favorável: 
Em suma: ninguém está contente com a sua situação, e cada situação comporta um aspecto que não se nota a menos que seja experimentado, e quem o experimenta sabe quão ruim ele é. Acrescento ainda o caso das pessoas mais favorecidas pela Fortuna, cuja sensibilidade aumenta na medida de sua felicidade; a menor adversidade as abate: é preciso muito pouco para tirar os afortunados da sua felicidade.�
	Chega-se à conclusão de que não de pode encontrar a felicidade na Fortuna. A felicidade deve ser algo independente desta. Para a Filosofia, a felicidade não pode ser encontrada em algo que é exterior ao indivíduo, pois o que lhe é externo nem sempre está sob seu controle.
	Embora, consideremos que os homens, naturalmente, não buscam o mal para si e sim o bem, são levados muitas vezes ao engano. A aquisição de riquezas pode até tornar mais suportável as depedências, mas não as suprimem, criam até novas dependências. Honras, riquezas, poder, fama e prazeres são incapazes de proporcionar uma verdadeira felicidade, tendo em vista que sempre irá faltar algo. E mesmo que não falte, a mera possibilidade de perder algum desses bens já é causa de angústia. Tudo se mostra felicidade aparente. 
	Mas onde encontrar o verdadeiro bem? Aquele a que nada falta? Deus, o princípio de todas as coisas, é bom. E como não se pode conceber nada melhor que Deus, o bem supremo está presente nele. ‘’É pela aquisição do divino que as pessoas podem se tornar felizes”�. Considerando que todos os bens humanos, riquezas, honras etc, são buscados em vista da felicidade, esta é superior àqueles bens, e a posse dela independe deles. “Deus é bom, o bem supremo, e portanto a felicidade reside nele”�.
	Considerando, porém, que Deus é bom, é o supremo bem, e que ele dispõe todas as coisas em vista do bem; considerando que ele é o piloto e o governante do universo e que ninguém pode duvidar que de que Deus tenha poder sobre todas as coisas, por que o mal existe? 	Nas palavras de Boécio:
Mas talvez a principal de minhas angústias seja que, apesar da existência de um ser bom que comanda o universo, o mal possa existir e até ficar impune. Isso apenas já é bastante surpreendente, e certamente deves concordar. Mas a situação é pior ainda: enquanto o vício reina e prospera, a virtude não apenas não recebe recompensa alguma, mas também é calcada pelos pés dos celerados e levada ao suplício em lugar do crime. Que tais coisas aconteçam no reino de um Deus onisciente, onipotente e que quer apenas o bem faz com que as pesssoas fiquem admiradas e lamentem o fato.
	A Filosofia se propõe a mostrar, porém, que o poder está sempre do lado dos bons, enquanto os maus são sempre rejeitados e fracos, e também que jamais se vêem crimes impunes ou qualidades sem recompensas. 
	A senhora Filosofia mostra que há duas condições necessárias para a realização das coisas humanas: a vontade e a capacidade. A realização da felicidade, fim último dos homens, depende dessas duas condições. Vimos que todos, bons ou maus, procuram com toda diligência o bem, ou aquilo que lhes parece o bem. Se considerássemos que os maus pudessem obter o verdadeiro bem, eles deixariam de ser maus. Assim, fica evidente a incapacidade e a fraqueza dos maus. Pois embora a natureza nãocesse de indicar o caminho do bem, eles se mostram incapazes de possuir o verdadeiro bem, por se deixarem tornar escravos de suas próprias paixões.
	Um outro argumento a corroborar a fraqueza dos maus é que os homens não são capazes de tudo, porém, são capazes do mal. Deus, no entanto, que faz somente o bem, é onipotente. Os homens que podem fazer também o mal são menos poderosos que os outros. 
	O bem, diz a Filosofia, é a própria recompensa. Uma vez que sua posse é a própria felicidade, fim último de todas as coisas. Todas as pessoas de bem tornam-se felizes porque são boas. Isso não pode ser dado ou retirado pela Fortuna. E como o bem supremo reside em Deus, as pessoas boas tornam-se também partícipes da divindade.
	O mau é um infortúnio em si mesmo, pois se todas as coisas tendem para o bem, deixar de realizar esse fim é ir contra a própria natureza. A possibilidade de realizar algum mal é uma infelicidade ainda maior do que somente querer ou poder realizá-lo. Dessa forma, o próprio mal é a desventura dos que com ele se comprazem.
	Não obstante tudo isso, pode-se constatar que muitas vezes os bons são castigados enquanto os maus desfrutam de boa sorte. Boécio pergunta então à senhora Filosofia por que Deus permite o mal. A Filosofia mostra que a questão é complexa, e que ao abordar tal questão normalmente surgem outras mais complicadas, tais como a indivisibilidade da Providência, do curso do Destino, do conhecimento e da predestinação divinas e do livre-arbítrio.
	Todas as coisas do mundo, submersas num movimento incessante, se vistas do ponto de vista da inteligência divina, guardam uma perfeita unidade. É a Providência que ordena na sua unidade de desígnio a multiplicidade do mundo. Os acontecimentos particulares vistos na sua individualidade, constituem o Destino. A Providência abarca todas as coisas de uma vez, apesar da diversidade e do número infinito destas. O Destino reparte cada coisa individualmente situando-a no espaço e no tempo. Embora o Destino esteja contido na Providência, esta é muito mais ampla. E aquelas coisas que estão sob seu exclusivo domínio fogem às vicissitudes do destino, por estarem mais próximas da divindade. E quanto mais alguma coisa se distancia da inteligência suprema, mais estará sujeita aos liames do Destino. Portanto, todo o universo é regido por uma lei que orienta todas as coisas para o bem, sendo estas tanto mais perfeitas, quanto mais próximas estiverem do bem supremo. 
	Mesmo aquelas coisas que parecem contrárias aos desígnios do bem, quando vistas do ponto de vista da Providência, percebe-se que até elas colaboram para o bem. A Providência, que conhece a necessidade de cada indivíduo, concede a cada um aquilo de que necessita. Quando não recompensa ou põe à prova os bons, corrige os malfeitores. E mesmo quando concede dádivas aos maus, pode evitar males maiores, que só a inteligência divina, que tudo sonda, poderia saber. Então, dessa perpectiva, a Fortuna é sempre boa, porque ou será justa ou será útil. E, mais precisamente, “a Fortuna dos que estão na posse da virtude ou em seu caminho é sempre boa”�, porque “a virtude deve seu nome ao fato de que não cede à adversidade”�. 
Vós combateis numa batalha – e quão árdua é a batalha! – contra toda forma de Fortuna para impedi-la de vos desmoralizar, se ela vos for adversa, ou de vos querer corromper, se vos sorrir. Mantendo-vos no meio! Para além ou para aquém dessa linha média encontra-se o desprezo da felicidade e não a recompensa do esforço. Depende apenas de vós dar à Fortuna a forma que desejais. Com efeito, cada vez que a Fortuna parece adversa, se ela não pões à prova ou não emenda, é porque pune.�
	No livro V, como desdobramento das reflexões anteriores, Boécio indaga à senhora Filosofia sobre a existência do acaso. A Filosofia nega a existência do acaso, visto que todas as coisas estão submetidas às leis divinas, e, portanto, o acaso seria impensável. Começa, então, uma discussão sobre livre arbítrio e presciência divina. 
	O problema é que, se Deus conhece de antemão todas as coisas, estas devem necessariamente acontecer. Nessa situação como ficaria o livre arbítrio? Se os indivíduos estão subordinados a um determinismo, como considerar a correção de suas ações, visto não terem outra opção? 
	Para a senhora Filosofia as almas humanas são tanto mais livres, quanto se mantém na contemplação da inteligência divina. Afastando-se desta elas descem e vão juntar-se as coisas corporais, nesse estado acabam por si torna “prisioneiras de sua própria liberdade”. A Providência divina, por sua presciência, reserva a cada um o que lhe está reservado segundo seus méritos. Porém, a presciência não exclui a liberdade humana. Visto que “tudo que é conhecido não é compreendido segundo suas características, mas sim segundo a capacidade daqueles que procuram conhecer”�. A inteligência divina é capaz de apreender as coisas de forma absoluta, e essa compreensão não depende em nada da natureza da coisa conhecida. Deus, como ser eterno, e a eternidade é tida como a posse inteira e perfeita de uma vida iluminada, não está subordinado ao tempo, possui o processo por inteiro. E da mesma forma que temos o conhecimento do presente, sem que esse conhecimento gere uma necessidade para a as coisas que estão acontecendo, Deus no seu “eterno pesente”, embora conheça de antemão todas as coisas, não cria para elas uma necessidade.
	
	
	
	
Referências bibliográficas:
BOÉCIO. AConsolação da Filosofia. (trad. do Latim por Willian Li). 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
KENNY, Anthony. Uma Nova História da Filosofia Ocidental - Filosofia Medieval. vol II. São Paulo: Edições Loyola.
�Boécio. A Consolação da Filosofia. trad. do Latim: Willian Li. São Paulo: Martins Fontes, p. 15 (I, 8)
� Ibidem, p. 35 (II, 7)
� Ibidem, pg. 79 (III, 19)
� Ibidem, pg. 77 (III, 19)
� ibdem, p. 127 (IV, 13)
� Ibdem, p. 127 (IV, 13)
� Ibdem, p. 127-128 (IV, 13)
� Ibidem, p. 144 (V, 7)

Outros materiais