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A INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL A interpretação constitucional conceituada como um conjunto de métodos e princípios, desenvolvidos pela doutrina e jurisprudência, consubstanciados em planos e premissas diferentes, auxiliam os operadores do direito na atividade interpretativa. Segundo o Professor Luís Roberto Barroso a “interpretação é atividade prática de revelar o conteúdo, o significado e o alcance de uma norma, tendo por finalidade fazê-la incidir em um caso concreto”1. Toda norma jurídica precisa ser interpretada, sejam elas claras ou obscuras. A zona de clareza apenas enfraquece a atividade do intérprete, embora não o condene a uma interpretação acrítica. Os diversificados métodos de interpretação constitucional serão brevemente expostos a seguir com seus conceitos e características. 1. Os Métodos de Interpretação 1.1. Método jurídico ou método clássico de interpretação O método jurídico ou clássico de interpretação adota a premissa de que a Constituição Federal é essencialmente uma lei, devendo ser interpretada segundo os métodos de interpretação adotados para as leis em geral. O intérprete deve ficar restrito à literalidade do texto constitucional, não sendo admitido a utilização de nenhuma forma de manifestação de juízos de valor. O método clássico é originário do direito privado. Ressalta-se, que é um método ainda utilizado quando se exige solução para casos práticos, que não requeiram maiores complexidades para serem resolvidos. Nesse método de interpretação as questões constitucionais se resolveriam apenas na aplicação das normas aos casos em geral. 1.2. Método tópico-problemático O método tópico-problemático é modernamente aceito em contrapartida ao método clássico. A base da interpretação não está na norma, mas sim no problema, no caso concreto. 1 Luís Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, 2004, p. 121-124. 2 O problema ou a tópica é a técnica do pensamento problemático, podendo-se dizer que os instrumentos hermenêuticos tradicionais não resolvem as aporias emergentes da interpretação concretizadora desse novo modelo constitucional e que, por isso mesmo, o método tópico-problemático representa se não o único, pelo menos o mais adequado dos caminhos para se chegar até a Constituição2. Assim, o intérprete deve preferir a verificação da finalidade prática da interpretação para resolver um problema prático. Isto é, o intérprete quer discutir o problema que está posto diante de si para solucioná-lo. Este método está ligado à ideia de constituição aberta. O método tópico foi desenvolvido pelos juristas alemães THEODOR VIEHWEG e JOSEF ESSER. A primeira obra sobre o assunto, denominada "Tópica e Jurisprudência", de autoria de Viehweg, foi publicada em 1953. O método tópico caracteriza-se como uma "arte de invenção" e, como tal, uma "técnica de pensar o problema", elegendo-se o critério ou os critérios recomendáveis para uma solução adequada. A interpretação constitucional reconduzir-se-ia à discussão do problema entre os intérpretes da Constituição, à luz de diferentes pontos de vista, dirigida a revelar a interpretação mais conveniente para o problema, em face de possibilidades extraídas da polissemia de sentido do texto constitucional. Conforme afirma Peter Häberle3, a sociedade dos intérpretes da Constituição deve ser aberta, trazendo a sistemática do problema para a sociedade, ou seja, aquele que vive a norma, não se restringindo aos aplicadores do direito. 1.3. Método hermenêutico-concretizador Neste método de interpretação o intérprete deve ter uma compreensão prévia do texto constitucional para permitir a concretização em uma determinada ambiência histórica. O método hermenêutico-concretizador foi desenvolvido por três juristas alemães Konrad Hesse, Friedrich Müller e Peter Häberle. Cada um deles ofereceu valiosas contribuições para o desenvolvimento desse método que gravita em torno de três elementos essenciais: a norma que vai concretizar, a compreensão prévia do intérprete e o problema concreto a solucionar. Contudo, faz-se mister observar a crítica do Professor Inocêncio Mártires Coelho quanto ao método de interpretação em análise, in verbis: 2 Gilmar Ferreira Mendes, Curso de direito constitucional, 2009, p. 123 3 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997, pág. 12. 3 Considerando, entretanto, que toda pré-compreensão, em certa medida, possui algo de irracional, pode-se dizer que, apesar dos seus esforços, os que propugnam por esse método, assim como os defensores do processo tópico- problemático, ficam a dever a seus críticos algum critério de verdade que lhes avalize as interpretações, de nada valendo, para quitar essa dívida, apelarem para uma imprecisa e mal definida verdade hermenêutica, que pode ser muito atraente, como ideia, mas pouco nos diz sobre os alicerces dessa construção4. Conclui-se, portanto, que no método hermenêutico-concretizador reconhece-se a prevalência do texto constitucional, ou seja, que se deve partir da norma constitucional para o problema. Enquanto no método tópico-problemático admite a preponderância do problema sobre a norma. 1.4. Método normativo-estruturante Este método foi desenvolvido por Friedrich Müller, cuja proposta é extraída a partir da diferenciação entre texto e norma constitucional, porque o “texto de um preceito jurídico positivo é apenas a parte descoberta do iceberg normativo”5. Assim, a interpretação constitucional reduzir-se-ia à análise do programa normativo, simbolizado pelo enunciado prescritivo, e domínio normativo, traduzido pela parcela da realidade social consubstanciada pelo programa normativo, destinada à revelação da norma de decisão, vale dizer, norma imediata e concretamente aplicável ao caso concreto. 1.5.Método científico-espiritual Esta vertente de interpretação busca a análise do texto constitucional a partir da compreensão do seu sentido, ou melhor, do “espírito” da norma. É um método de cunho sociológico, que analisa as normas a partir da ordem de valores subjacente ao texto constitucional, a fim de alcançar a integração da constituição com a realidade espiritual da comunidade. Assim, “para os adeptos do método científico-espiritual – que é o das ciências da cultura, em geral-, tanto o Direito quanto o Estado e a Constituição ajam vistos como 4 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2009, p. 125 5 Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucional, 2005 4 fenômenos culturais ou fatos referidos a valores, a cuja realização os três servem de instrumento”6. 2. Princípios de Interpretação Constitucional 2.1. Princípio da unidade da constituição Segundo esta diretriz de interpretação, as normas constitucionais devem ser concebidas como integrantes de um sistema e não isoladamente, evitando-se contradições e antinomia. É decorrência natural da soberania a impossibilidade de coexistência de mais de uma ordem jurídica válida e vinculante no âmbito de seu território. Este princípio impõe o dever de harmonizar as tensões e contradições entre as normas. Consigna-se, que este princípio é base jurídica para todos os métodos de hemenêutica constitucional. Faz-se mister consignar a posição do Colendo Supremo Tribunal Federal a respeito: A tese de que há hierarquia entre as normas constitucionaisoriginárias, dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras é incompossível com o sistema de Constituição rígida. Na atual Carta Magna ‘compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da constituição’ (artigo 102, ‘caput’), o que lhe implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se esta teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentar a tese de inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou a emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação a outras que não sejam consideradas cláusulas pétreas, e portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido. (STF, DJU, 10 maio 1996, ADIn 815-3/DF, Rel. Min. Moreira Alves). 6 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2009, p. 128 5 2.2. Princípio da supremacia da Constituição A Constituição Federal é fonte primária da produção normativa, ditando competência e procedimentos para elaboração dos atos normativos inferiores. A Constituição possui posição hierárquica superior às demais normas do ordenamento jurídico. Este princípio não denota um conteúdo material próprio, mas apenas ressalta a supremacia que tem a Constituição de um Estado soberano sobre às leis em geral. 2.3. Princípio da máxima efetividade Segundo os ditames desse princípio deve ser atribuído à norma o sentido que lhe dê maior eficácia e que não a restrinja indevidamente. A efetividade seria um quarto plano de análise dos atos jurídicos, juntamente com a existência, a validade e a eficácia. Diz respeito ao reconhecimento do direito pela sociedade, é uma aproximação entre o “dever-ser normativo” e o “ser da realidade social”. Confere então ao aplicador do direito a interpretação das normas constitucionais, otimizando a sua eficácia sem alterar o seu conteúdo. 2.4. Princípio da interpretação conforme a Constituição O princípio da interpretação conforme a Constituição tem dupla finalidade. É um princípio de hermenêutica e de técnica de decisão. Enquanto princípio, a interpretação conforme a Constituição tem como premissa maior a preservação da validade de certas normas, suspeitas de inconstitucionalidade. Assim, no caso de normas polissêmicas, deve-se dar preferência à interpretação que lhes confira um sentido em conformidade com a Carta Política. Contudo, enquanto técnica de decisão só se deve declarar a inconstitucionalidade de uma lei em último caso, pois toda norma tem como fundamento a presunção de legalidade. Logo, quando a norma possui várias interpretações (texto plurissignificativo), o intérprete deve buscar a interpretação que seja conforme a Constituição, preservando a norma. Portanto, pode-se dizer que: Modernamente, o princípio da interpretação conforme passou a consubstanciar, também, um mandato de otimizar do querer constitucional, ao não significar apenas que entre distintas interpretações de uma mesma norma há de se optar por aquela que a torne compatível com a Constituição, mas também que, entre diversa exegeses igualmente constitucionais, deve-se escolher a que se orienta para a Constituição ou a que melhor corresponde às decisões do contribuinte.7. 7 Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2009, p. 142 6 2.5. Princípio da correção funcional Este princípio de hermenêutica constitucional também denominado de justeza ou conformidade funcional consagra que o resultado da interpretação não pode conduzir à quebra do esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido, como por exemplo o caso da separação dos poderes. 2.6. Princípio da harmonização O princípio da harmonização também denominado da concordância prática impõe que o intérprete deve coordenar os bens jurídicos em conflito ou concorrência, de forma a evitar o sacrifício total de um deles (proporcionalidade). Este princípio é corolário do princípio da unidade da Constituição, determinando que os bens jurídicos devam coexistir harmoniosamente, sem predomínio de uns sobre os outros. 2.7. Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade Estes princípios hermenêuticos são parâmetros de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: o devido processo legal e a justiça. A razoabilidade supõe equilíbrio, moderação, harmonia, o que não seja arbitrário e corresponda ao senso comum. A razoabilidade tem origem norte-americana e era inicialmente aplicada ao controle de constitucionalidade. É um mecanismo de criação do direito e diz respeito à adequação de sentido que deve haver entre a ordem, a segurança, a paz, a solidariedade e a justiça. A proporcionalidade teve origem na Alemanha, onde era utilizada no controle dos atos do Poder Executivo; mais ligada, portanto, ao direito administrativo do que ao direito constitucional. É mecanismo de concretização do direito. Segundo o Professor Luís Roberto Barroso: Em resumo sumário, o princípio da razoabilidade permite ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos quando: a) não haja adequação entre o fim perseguido e o instrumento empregado (adequação); b) a medida não seja exigível ou necessária, havendo meio alternativo menos gravoso para chegar ao mesmo resultado (necessidade/vedação do excesso); c) os custos superem os benefícios, ou seja, o que se perde com a medida é de maior relevo do que aquilo que se ganha (proporcionalidade em sentido estrito)8. 8 Luís Roberto Barroso, Curso de direito constitucional contemporâneo, 2009, p. 305. 7 A Carta Magna de 1988 não menciona expressamente o princípio da razoabilidade, surgindo duas correntes: uns extraem este princípio da cláusula do devido processo legal; outros acreditam que ele é inerente ao Estado de Direito, integrando o sistema de modo implícito. O princípio da razoabilidade tem parceria com a isonomia. Legislar consiste em discriminar situações e pessoas por variados critérios; a razoabilidade é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferença é aceitável e se o fim visado é legítimo. 3. Conclusão Por todo o exposto, é devido ressaltar que a aplicação tanto dos métodos modernos quanto dos princípios constitucionais consiste em que toda a tarefa de interpretação da Constituição Federal deve estar voltada para um único objetivo: concretizar os direitos fundamentais. O movimento constitucionalista cresce junto com o movimento de concretização dos direitos fundamentais, ou seja, constituição e direitos fundamentais são a mesma coisa, assim, toda a tarefa de interpretação deve estar voltada para a concretização dos direitos fundamentais. Ressalta-se ainda as sábias palavras doProfessor Cândido Rangel Dinamarco9: A liberdade do juiz encontra limites nos ditames da lei e dizer que esta precisa ser interpretada teologicamente para fazer justiça e que o juiz direciona sua interpretaçãopelos influxos da escola axiológica da sociedade não significa postular por algo que se aproxime da escola do direito livre. Referência Bibliográfica: BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo, 2009. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2004. 9 Cândido Rangel Dinamarco, Instrumentalidade do processo, 8a ed, Malheiros editores, 2000, p. 321 8 DINAMARCO, Cândido Rangel, Instrumentalidade do processo, 8a ed, Malheiros editores, 2000. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997. MENDES, Gilmar Ferreira, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Curso de direito constitucional, 2009. MÜLLER, Friedrich, Métodos de trabalho do direito constitucional, 2005.
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