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A Dívida Pública no Brasil Referências: • Capítulo 9: A dinâmica da dívida pública e o caso brasileiro (Finanças Públicas - Fabio Giambiagi e Ana Cláudia Além) • Cap. 15: Necessidades de Financiamento do Setor Público, Déficits e Dívida Pública (item 15.3) (Finanças Públicas – Fernando Rezende) A dívida pública no Brasil • Quem fizesse uma projeção da dívida pública brasileira em 1980, partindo do pressuposto de que o déficit público seria bastante algo durante toda a década de 1980, provavelmente chegaria à conclusão de que a trajetória do endividamento público seria explosiva; • Observação dos dados: em meados dos anos 1990, o Brasil tinha uma dívida pública muito similar à do início dos anos 1980, expressa em percentagem do PIB; • Como isso se explica? A dívida pública no Brasil • Definição de senhoriagem: – Em termos históricos, a senhoriagem consistia no conjunto de obrigações e deveres que o vassalo medieval devia a seu suserano ou senhor; – Em termos mais específicos, isto é, quando relacionada com a emissão de moeda, a senhoriagem é a receita obtida por aqueles que têm o poder de emitir, decorrente da diferença entre o valor de face da moeda e seu custo de produção, que inclui o valor do metal correspondente (ouro, prata, bronze etc.) e o trabalho de cunhagem propriamente dito; Paulo Sandroni - Dicionário de Economia do século XXI A dívida pública no Brasil • Em parte, a explicação reside no quadro (p.222) a seguir: • Quadrante B: Déficit Público baixo e senhoriagem elevada → queda da dívida pública; • Quadrante C: Déficit Público elevado e senhoriagem baixa → aumento da dívida pública; • Quadrantes A e D: o sinal da variação da dívida pública é ambíguo. • O crescimento do PIB é um parâmetro relevante para a análise (relação dívida/PIB); – 1981/1984: negativo em 0,3% ao ano; – 1985/1989: 4,4% ao ano; – 1990/1994: 1,3% ao ano. Senhoriagem Baixa Elevada Déficit público Baixo A B Elevado C D A dívida pública no Brasil • Para entender o que aconteceu com a dívida brasileira, é necessário analisar outra variável: • Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP): corresponde ao conceito de déficit nominal apurado pelo critério “acima da linha”; refere-se a variação da dívida fiscal líquida entre dois períodos de tempo; • Déficit nominal = Gastos totais – Receitas totais; • Revisando: – Método “acima da linha” – representa a diferença entre os fluxos de receita e despesa, ou seja, é o excesso de gastos sobre a arrecadação; – Método “abaixo da linha” – considera o déficit como uma variação da dívida pública por meio de seu financiamento. A dívida pública no Brasil • Necessidade de Financiamento do Setor Público (NFSP): corresponde ao conceito de déficit nominal apurado pelo critério “acima da linha”; refere-se a variação da dívida fiscal líquida entre dois períodos de tempo; • Dívida fiscal líquida: é dada pela diferença entre a dívida líquida do setor público e o ajuste patrimonial; • Dívida líquida do setor público: é dada pela soma das dívidas interna e externa do setor público (governo central, Estados e municípios e empresas estatais) junto ao setor privado, incluindo a base monetária e excluindo-se ativos do setor público (reservas internacionais, créditos com o setor privado e os valores das privatizações); • Ajuste patrimonial: item da dívida líquida do setor público que contabiliza a diferença entre os passivos do governo, contraídos no passado e posteriormente reconhecidos (“esqueletos”), e os resultados da privatização. A dívida pública no Brasil • NFSP no conceito operacional: exclui das necessidades de financiamento nominais a correção monetária (efeito inflacionário) que incide sobre a dívida fiscal líquida. Seu correspondente pelo critério “acima da linha” é o déficit operacional; • Déficit operacional = Déficit primário (gastos não financeiros – receitas não financeiras) + Pagamento de juros reais; • NFSP no conceito primário: exclui das necessidades de financiamento nominais, o pagamento de juros nominais que incide sobre a dívida fiscal líquida. Equivale ao déficit primário apurado pelo critério “acima da linha”; A dívida pública no Brasil 4,7 3,6 5,7 4,8 6,9 -1,4 0,2 1,7 0,7 -1,1 4,6 3,5 4 6,9 1,9 3,6 2 2,7 3,6 5 2,2 2,6 2,4 4,1 0,4 -0,3 1,2 0,7 -2 -1 0 1 2 3 4 5 6 7 8 Déficit público operacional e financiamento através da senhoriagem 1985/1998 (% PIB) NFSP - Operacional Senhoriagem Fonte: Banco Central – Livro pág. 224 A dívida pública no Brasil • A trajetória da dívida pública no Brasil nos 30 anos (1981-2010) pode ser decomposta em seis períodos: – 1981/1984; – 1985/1989; – 1990/1994; – 1995/1998; – 1999/2002; – 2003/2010; A dívida pública no Brasil A dívida pública no Brasil • 1981/1984; – Caracterizou-se pela elevação da relação dívida/PIB; – Contexto: forte déficit fiscal e estagnação econômica; – ↑ Déficit fiscal → ↑ dívida pública → ↑ relação dívida/PIB; – Em pouco tempo, a dívida passou de pouco mais de 20% do PIB, para mais de 55% do PIB, em parte devido aos déficits fiscais da época e, também ao impacto da desvalorização cambial de 1983; – Essa desvalorização elevou significativamente o valor da dívida externa, medida como percentagem do PIB; A dívida pública no Brasil • 1985/1989; – Déficit público: até 1989 manteve-se extremamente elevado; – Déficit similar ao da primeira metade da década de 1980, mas uma queda da relação dívida/PIB; – Três fatores para esta queda: 1) Crescimento do PIB (variação real acumulada de 24% no período); 2) A receita de senhoriagem aumentou → combinação de planos econômicos com taxa de inflação que depois dos planos voltavam a crescer, gerando um imposto inflacionário; 3) Importante subindexação da dívida, fruto da aceleração inflacionária, que na prática “comia” parte da dívida herdada do passado; A dívida pública no Brasil • 1990/1994; – Queda da importância relativa da dívida pública se manteve durante os primeiros anos da década de 1990; – Menor crescimento da economia; – Motivos da queda: 1) Diminuição das NFSP: o déficit operacional médio deste período chegou a zero; 2) Novo movimento de apreciação cambial – reduz a importância relativa da dívida externa; 3) O acordo da dívida externa daquele mesmo ano – implicou eliminar parte do seus valor, devido ao cancelamento parcial da dívida; – A dívida pública caiu para apenas 30% do PIB em 1994; A dívida pública no Brasil • 1990/1994; – Mudança de composição da dívida → tendência de diminuição da participação da dívida externa na dívida líquida total do setor público; • 1983: 2/3 da dívida total; • 1990: mais de 50% do total; • 1994: menos de 1/3 do total. – Razões desta mudança: • Processo de acumulação de reservas internacionais iniciado em 1991; – 1991: US$ 9 bilhões; – 1994: US$ 36 bilhões; • Processo de privatização → venda de empresas endividadas em US$ e que em consequência deixaram de constar na estatística de endividamento público; A dívida pública no Brasil • 1995/1998; – Depois de 1994: nova etapa na evolução da dívida → fatores opostos aos de 1990/1994; – Retorno a uma situação de déficits fiscais elevados e ao mesmo tempo, diminuição da senhoriagem; – A dívida pública voltou a crescer a partir de meados dos anos 90;A dívida pública no Brasil • 1999/2002; – 1999: inaugura-se a fase dos elevados superávits primários; – Dívida pública continuou aumentando; – Não mais pelos déficits elevados como até 1998 e sim devido ao efeito dos ajustes patrimoniais, associado ao impacto das sucessivas desvalorizações sobre a dívida pública afetada pelo câmbio – dívida interna indexada ao dólar e dívida externa pública; – A partir do Governo Lula: dívida líquida voltou a diminuir como proporção do PIB, com exceção de 2009 (ano de economia estagnada); A dívida pública no Brasil • 2003/2010; – A partir de 2003: a intensidade da apreciação cambial fez com que a dívida externa associada ao câmbio diminuísse rapidamente, gerando um efeito patrimonial favorável para as contas públicas → diminuição da dívida pública; A dívida pública no Brasil • Dívida líquida do setor público e ajustes patrimoniais – Dezembro (% PIB) – pg. 229 Fonte: Banco Central. Para 2010, setembro. Composição 1998 2002 2006 2010 Dívida líquida do setor público 38,9 60,6 47,0 41,0 Dívida fiscal 37,9 39,1 36,9 34,0 Ajustes patrimoniais 1,0 21,5 10,1 7,0 Privatização -3,0 -4,3 -2,8 -2,2 Outros ajustes 4,0 25,8 12,9 9,2 Sobre dívida interna 0,4 10,3 5,0 3,4 Sobre dívida externa 0,5 8,5 3,0 2,6 Demais ajustes patrimoniais 3,1 7,0 4,9 3,2 A dívida pública no Brasil -30,0 -20,0 -10,0 0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 Dívida líquida do setor público - 2013/2015 (% PIB) Total Interna Externa Dívida externa negativa: “Temos mais créditos do que dívidas no exterior. A dívida desapareceu no sentido contábil, apenas” – então presidente do Banco Central, Gustavo Franco (1998). Inflação e Déficit Público • Uma das principais fontes de financiamento do déficit público é a emissão monetária: • Excesso de oferta de moeda na economia = aumento de preços → detentores de moeda = perda do poder aquisitivo; • “Como o governo é detentor do monopólio da emissão, ele pode apropriar-se de recursos reais, por meio do aumento dos gastos, em troca de emissão de base monetária”; • Senhoriagem = receita total do governo oriunda do aumento da base monetária; • Parte do aumento da base monetária é destinada a satisfazer ao aumento dos encaixes reais, em função do crescimento econômico e do aumento das transações econômicas e a outra utilizada para cobrir as necessidades oriundas do aumento da inflação. Inflação e Déficit Público • Senhoriagem = receita total do governo oriunda do aumento da base monetária; 𝑆ℎ𝑡 = ∆𝑀𝑡 𝑃𝑡 = 𝜇𝑚𝑡 = ∆𝑚𝑡 + 𝜋𝑡𝑚𝑡 • Onde: – 𝜇𝑡 = taxa de crescimento da base monetária (𝑀𝑡); – 𝑚𝑡 = saldos monetários reais; – 𝜋𝑡 = taxa de inflação. • A receita total da senhoriagem pode ser interpretada como imposto, no qual 𝜇𝑡 é a alíquota de imposto e 𝑚𝑡 a base de incidência da arrecadação; • A senhoriagem pode ser decomposta em crescimento dos saldos monetários reais + o imposto inflacionário (𝜋𝑡𝑚𝑡); Inflação e Déficit Público • A senhoriagem deverá ser igual ao imposto inflacionários na hipótese que ∆𝑚𝑡 = 0. 𝑆ℎ𝑡 = ∆𝑀𝑡 𝑃𝑡 = 𝜇𝑚𝑡 = ∆𝑚𝑡 + 𝜋𝑡𝑚𝑡 • Onde: – 𝜇𝑡 = taxa de crescimento da base monetária (𝑀𝑡); – 𝑚𝑡 = saldos monetários reais; – 𝜋𝑡 = taxa de inflação. • Países com baixas taxas de inflação, essa fonte de receita tem sido pequena; – EUA (1980/91): senhoriagem = 0,4% PIB ; imposto inflacionário = 0,9% PIB; • Países com elevada taxa de inflação: – Brasil (1980/91): senhoriagem = 3,8% PIB e imposto inflacionário = 14,2% PIB; Inflação e Déficit Público • Questões importantes quanto ao financiamento inflacionário do déficit público: Existe um nível ótimo de arrecadação deste imposto? Dito de outra forma, o imposto inflacionário obedece à curva de Laffer? Até que ponto esse tipo de financiamento do déficit público pode acarretar um processo inflacionário crônico ou uma hiperinflação? Qual o tipo de dependência do déficit público em relação ao nível de inflação? Revisando: Curva de Laffer • Teoria desenvolvida pelo economista monetarista Arthur Laffer; • Existe uma relação peculiar entre a arrecadação tributária e a taxa de impostos na economia; • Quando a taxa de impostos é baixa, a relação é diretamente proporcional, mas depois de ultrapassar um ponto de maximização da arrecadação, a relação passa a ser inversamente proporcional; • A partir de determinado nível de tributação, qualquer elevação da taxa, em lugar de provocar aumento da arrecadação, resultaria numa redução; • As causas principais deste fenômeno são: – Evasão fiscal (quando os impostos são muito elevados); – Desestímulo provocado sobre os negócios em geral. Revisando: Curva de Laffer Inflação e Déficit Público • Existem limites que determinam o financiamento via imposto inflacionário. • Aceleração da inflação → reduz a demanda por moeda; • Portanto, existe um nível de inflação que maximiza a receita do imposto inflacionário. A partir desse ponto, a queda da base de arrecadação mais que compensa o aumento da inflação, que funciona como a alíquota do imposto; • Há, portanto, uma curva de Laffer para o imposto inflacionário. Inflação e Déficit Público Taxa de inflação (𝝅) 𝜋 ótimo Inflação e Déficit Público • O nível ótimo de taxa de inflação depende de fatores, como a capacidade de substituição da moeda por outros ativos que forneçam alto grau de liquidez e que possam compensar a perda com a erosão real; • Quanto mais elevada for essa capacidade, maior será a inflação requerida para atingir a receita máxima; Inflação e Déficit Público • Efeito Tanzi: – Defende que a inflação reduz a receita tributária em termos reais em decorrência da defasagem entre o fato gerador do imposto e sua efetiva coleta (recebimento dos recursos pela autoridade fiscal); – Segundo este efeito, a inflação contribui para redução real da receita e aumento do déficit público; – Governos: forma de minimizar o efeito Tanzi → adotar a indexação do sistema tributário, ou seja, cobrar os impostos em termos de um índice que acompanhe a evolução da inflação; Inflação e Déficit Público • Efeito Tanzi: – Brasil: criou-se a Unidade Fiscal de Referência (Ufir) uma espécie de moeda indexada para o pagamento de impostos; • No auge da hiperinflação brasileira (entre o final de 1989 e início de 1990), a Ufir sofria variações diárias, acompanhando a aceleração inflacionária; • Com o advento do Plano Real buscou-se eliminar os mecanismos de indexação que alimentavam a memória inflacionária. Manteve-se a Ufir, mas sua frequência de variação foi reduzida. – A defasagem na arrecadação varia entre os países e de acordo com o tipo de imposto. – Países desenvolvidos: a defasagem média é menor do que nos países em desenvolvimento, principalmente devido à maior eficiência da administração e do sistema tributário; Inflação e Déficit Público • Efeito Tanzi: – Defasagem média é menor para impostos sobre a renda (de um mês para aqueles retidos na fonte) e maior nos impostos indiretos (de 6 a 10 meses para impostos sobre o consumo de bens e serviços); – Estudos sugerem uma relação inversa entre a eficiência do sistema tributário e a utilização do imposto tributário; – Países em que a base de tributação é, em grande parte, formada por uma população de baixa renda e possuem uma administração tributária ineficiente, dependem significativamente do imposto inflacionário;Inflação e Déficit Público • Efeito Patinkin: – Sugere que a elevação dos preços pode proporcionar a redução do déficit público por meio da queda real nos gastos públicos; – Para isto ocorrer, basta o governo adiar pagamentos e postergar aumento de salários num ambiente de aceleração inflacionária; – Com uma inflação de 1.000% ao ano, um atraso de 15 dias nos salários ou no pagamento dos benefícios previdenciários é responsável por uma redução real de 10,5% nesses gastos; Inflação e Déficit Público • Efeito Patinkin: – Esse efeito torna-se mais forte à medida que a inflação atinge patamares mais elevados (por exemplo, a partir de 1.000% ao ano); – Com isso, o déficit público tende a ser ajustado, dado que os gastos não estão indexados (ou indexados de forma imperfeita), enquanto a receita acompanha mais de perto a aceleração inflacionária; – Estudos empíricos para o Brasil (Cardoso, 1998, e Bacha, 1994) sugerem que o efeito Patinkin domina o efeito Tanzi, sobretudo nos períodos de elevada inflação.
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