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Embodied Action, Enacted Bodies: 1 The Example of Hypoglycaemia “Ações incorporadas, corpos legislados”: O Exemplo da Hipoglicemia ANNEMARIE MOL AND JOHN LAW CORPOS VIVOS Disso todos nós sabemos: o corpo vivo é tanto objeto quanto sujeito. Sabemos que o corpo é um objeto do conhecimento médico. Quando observado a olho nu ou através de microscópios, CT-scans e outros maquinários visuais, o corpo é um objeto. É um objeto quando medido numa variedade de formas: como na verificação do pulso para determinar os níveis de hemoglobina, creatinina e cálcio no sangue. E o corpo-objeto pode também ser sentido: quando as mãos do doutor procuram por nódulos ou pontos de orientação durante uma operação. O corpo vivo é também sujeito. Ele é nós: por estarmos encarnados que somos seres humanos. Ou seja, o corpo é a nossa condição para. Ou melhor, o corpo é a contextualização encarnada dos nossos modos de vida. Por sermos corpos vivos experimentamos a dor, a fome ou a agonia assim como a satisfação, o êxtase, o prazer. E enquanto o corpo-objeto é exposto e exibido publicamente, o corpo-sujeito é privado e além disso – ou antes de qualquer coisa – é linguagem. Se alguém quiser escrever sobre os corpos vivos este parece ser o ponto de partida, este fato, de que temos um corpo-objeto público e somos um corpo-sujeito privado. Este fato vem sendo discutido na filosofia, antropologia e sociologia e também na medicina.2 Ele aparece recorrentemente em relatos do cotidiano. Todos sabemos disto. Mas talvez seja a 1 1 Existe no título do texto um jogo de palavras intraduzível no português – pelo menos por mim . Embodied é um termo que pode ser traduzido como incorporado ou encarnada, significando tanto a vida de algo quando a transladação de algo abstrato à existência. Já enacted tem a mesma raiz de action, mas seu sinificado literal é promulgado, decretado, como uma efetivação eficiente de algo legal, no sentido jurídico do termo. 2 2 Uma variedade de textos clássicos articulam este (agora comum) conhecimento em uma variedade de formas diferenciadas. Vejam, por exemplo, Merleau-Ponty (1962) para uma análise na qual o autor mobiliza a neurologia então corrente para falar sobre a imagem do corpo sujeito; ou Wittgenstein (1953) para a dificuldade de se falar sobre a dor e outras sensações físicas. hora de escapar desta auto-evidência. Talvez seja a hora de começar a saber algo mais – ou em outra direção. O corpo nem sempre foi um objeto/sujeito. Michel Foucault afirma que esta metáfora foi inventada no início do século XIX (FOUCAULT, 1976). Antes disso, doenças eram entidades em si mesmas, classificadas em tabelas nosológicas. Pacientes buscando por alívio deveriam descrever os males de que estavam sofrendo e os médicos, então, inferiam qual doença habitava o corpo do paciente – e o que aconteceria depois. Uma guinada epistêmica radical se fez necessária para que as doenças passassem a ser consideradas condições do corpo humano. Depois desta mudança, a verdade sobre a doença não poderia mais ser detectada ouvindo as palavras dos pacientes. Ao invés disso, requeria-se um olhar bem treinado para o exame de tecidos corporais. Deste então, estes tecidos desviantes ficam geralmente escondidos sob a pele e um conhecimento claro sobre as doenças só pode ser estabelecido depois da morte. Foi assim que a distinção entre corpo-objeto/corpo-sujeito sob a qual vivemos agora foi estabelecida. Nas palavras de Mark Sullivan: Para Bichat, o sujeito e o objeto da medicina não eram duas substâncias diferentes dentro do mesmo indivíduo, mas dois diferentes indivíduos: um vivo e outro morto. Conhecedor e conhecido eram epistemologicamente distintos, com o médico assumindo a posição do conhecedor e o paciente ou cadáver a posição do conhecido. (1986;344) Sulivan argumenta que essa divisão cria o dualismo decisivo que atormenta a medicina moderna. Este não é o dualismo atribuido a Descartes, entre dois tipos de substâncias, mente e corpo. É, isto sim, a distinção entre substância e atividade: Aqui, a atividade de auto-interpretação ou auto-conhecimento é eliminada do corpo mais do que a entidade da substância mental. O corpo conhecido e curado pela medicina moderna não conhece a si mesmo. (1986: 344) Sullivan e muitos outros buscam integrar o auto-conhecimento pessoal de volta à medicina moderna.3 Mas como? Muitos autores sugerem: ao lado ou acima do conhecimento que a medicina pode gerar acerca dos tecidos e seus desvios, os doutores deveriam dar espaço ao auto-conhecimento dos seus pacientes. Eles querem uma medicina não apenas que procure, mas que também escute; que garanta ao paciente o conhecimento de sua vida do mesmo modo que agora conhecem o corpo morto. Pode parecer difícil discordar do pedido de Sullivan por uma medicina que atenda não apenas aos órgãos de seus pacientes, mas também ao conhecimento que estes pacientes carregam de si mesmos. Mas aqui há um problema: ele deixa os modos de conhecimento envolvidos intocáveis. Por um lado, há um modo objetivo, público e científico, de conhecer o corpo exteriormente. Por outro, há um modo subjetivo, privado e pessoal, de conhecer o corpo interiormente. Estas são formas de conhecimento inventadas no tempo de Bichat. Foucault descreve como a moderna episteme (da qual eles fazem parte) está linkada ao nascimento da clínica médica. A moderna medicina e seu olhar voltado aos tecidos mortos e desviantes surgem com um tipo específico de hospital, um sistema específico para o treinamento médico e um modelo específico de práticas de tratamento. Juntos, eles tornam a patologia a última palavra, enquanto uma vasta gama de técnicas (do raio-x ao laboratório químico) são desenvolvidas para olhar além da pele dos corpos vivos. E foi apenas através deste caminho de ordenação do conhecimento médico que o autoconhecimento dos pacientes se tornou um assunto privado. Muito tempo já se passou desde o início do século XIX. Gostaríamos, portanto, de utilizar o trabalho de Foucault não como uma descrição acabada do que é “modernidade”, mas como uma inspiração para responder se ainda vivemos dentro da mesma episteme moderna. Gostaríamos de perguntar sobre os modos de conhecimentos exibidos nas práticas médicas correntes, sobre como o corpo é comumente conhecido. Mas colocar as coisas nestas palavras é ainda por demais restrito, porque, desta forma, parece que colocamos o conhecimento como ponto central. A fim de evitar essa suposição, parece-nos mais promissor fazer uma pergunta levemente diferente: o que é um corpo, nas condições de possibilidades deste começo de século XXI? Colocar uma pergunta nestes termos é um risco. O perigo é que a resposta seja simplesmente repetir o que já vem sendo dito pelos experts da biomedicina e/ou pacientes - dificilmente uma contribuição significativa. Buscar adicionar ou corrigir o conhecimento dos especialistas ou pacientes somente com as técnicas da etnografia ao nosso dispor seria igualmente fútil. Não, nós não “sabemos melhor”. Responder à pergunta “O que é um corpo?” é válida em um sentido completamente diferente. No sentido de mudar as bases nas quais as questões acerca da realidade dos corpos podem ser colocadas. Isso nos leva a um lugar onde a 3 3 De um modo bem foucaltiano nós não consideramos que “sentir” alguém no seu interior tenha sido sempre feito da forma atual e, sim, que este “sentir” foi “colonizado” e/ou descontextualizado pela medicina moderna. Em vez disso, ambos (sujeito e objeto do conhecimento) andam juntos. Para um maravilhoso estudo que permite aos leitores não apenas entender, mas também “sentir” como aspessoas se percebem habitando seus corpos de formas diferentes, ver Duden (1991). coleta de conhecimentos – seja objetivo ou subjetivo – não é mais idolatrada como o caminho mais importante de nos relacionarmos e estar no mundo.4 Todos temos e somos um corpo. Mas há uma maneira de sairmos desta dicotomia. Como parte das nossas práticas diárias nós também fazermos5 (nosso) corpo. Na prática, nós o sancionamos6. Se o corpo que temos é aquele conhecido pelos patologistas depois da nossa morte, enquanto o corpo que somos é aquele que conhecemos nós mesmos pelo autoconhecimento, então o que falar sobre o corpo que produzimos? O que pode ser descoberto e dito sobre ele? É possível investigar o corpo que criamos? E quais as consequências se a ação for privilegiada sobre o conhecimento? Para explorarmos estas questões, contaremos algumas histórias sobre a hipoglicemia extraídas de um estudo sobre o viver com diabetes.7 Conhecendo a hipoglicemia na prática 4 4 Algumas expressões e periodos do texto são bastante complexos, como neste parágrafo, tornando a tradução difícil ou simplesmente forçando-nos a uma leitura atenta para captar o sentido de cada palavra. 5 5 O verbo utilizado aqui, to do, tem, sozinho, uma conotação maior do que qualquer palavra que a signifique, também sozinha, em português. O mesmo verbo poderia ser traduzido como construir, preparar, trabalhar, representar, etc sem perder o sentido na frase. Optei por traduzir como fazer e construir ao longo do texto por ser, a meu ver, um termo mais objetivo dentre todas as traduções possíveis. 6 6 O termo enacted, no original, possui também inúmeros significados possíveis em português: legalizar, decretar, legislar etc. Dentro do texto, legislar parece ser a melhor tradução possível, mas não se pode esquecer que sua raiz vem do verbo to act: agir, fazer. 7 7 Para este estudo nós reunimos e analisamos uma vasta gama de materiais: textos médicos, artigos científicos, diários de pacientes e folhetos informativos, propagandas, textos autobiográficos. Também realizamos outras observações etnográficas de clínicas para pessoas com diabetes e entrevistamos pacientes e profissionais que consideramos importantes. No presente artigo, focamos particularmente no tratamento para pessoas com diabetes tipo 1 (diabetes de início precoce, a qual geralmente torna as pessoas insulino-dependentes), que é mais difícil de “gerir”. Na diabetes tipo 1 também ocorre uma maior tendência de se incidir em hipoglicemias. As citações neste artigo não pretendem mostrar ao leitor as especificidades da vida das pessoas que as proferem. Em vez disso, elas pretendem informar sobre as práticas com a diabetes – práticas que são tão dispersas que são difíceis de estudar etnograficamente por um grupo limitado de pesquisadores que têm um tempo limitado e que prefeririam não ter de se intrometer na vida das pessoas por muito tempo, passando dias e dias ao lado delas. Então, selecionamos tanto etnógrafos profissionais quanto pessoas vivendo com diabetes (leigos) – etnógrafos por direito – levando-os a selecionar, transcrever, combinar e contrastar suas histórias. Então, o que é hipoglicemia? A resposta a seguir vem de um texto médico:8 Nas pessoas que vivem sem diabetes melitus os níveis de glicose plasmática variam entre 3 e 8 mmol/l, dependendo do tempo decorrido desde a última refeição. Em geral, o critério para a hipoglicemia em um paciente com diabetes é estabelecido quando o nível de glicose plasmática está abaixo de 3,5 mmol/l. (Van Haeften, 1995: 142) Nesta definição, a hipoglicemia é localizada sob a pele e é um estado característico de um tecido corporal móvel: o sangue. É o nível de glicose no sangue abaixo de 3,5 mmol/l. É, portanto, um objeto/definição na linha da tradição patológica, revelando um corpo-que-tem. Mas o texto localiza a hipoglicemia também em outros lugares: “Hipoglicemia é um acontecimento frequente, uma complicação potencialmente séria no tratamento da diabetes melitus” (1995: 142) O tratamento da diabetes melitus não é localizado no corpo, mas nos hospitais, nos folhetos informativos e nas casas das pessoas. Está no dia-a-dia das pessoas que sofrem de diabetes melitus. Na vida diária, a hipoglicemia é algo que pode ocorrer, acontecer, ser feito. É uma complicação potencialmente séria. É fácil encontrar sentenças como esta nos textos médicos e artigos científicos: sentenças nas quais os fenômenos são apresentados como sendo parte das práticas nas quais eles ocorrem. 9 Mas não em qualquer lugar. Aspectos práticos tendem a aparecer nas seções de métodos e materias dos artigos científicos, mas não nas conclusões. Eles tendem a aparecer nas apresentações clínicas, mas não nos resumos epidemiológicos. Conhecimento sobre um corpo-que-tem e conhecimento sobre um corpo-que-faz tendem a se alternar. Portanto, a mudança que propomos é bastante simples mesmo que ela traga fortes consequências a longo prazo. Esta proposta significa trazer os aspectos práticos para primeiro plano o tempo todo. 8 8 Práticas para o tratamento da diabetes não são universais e nem mesmo generalizadas no mundo ocidental. Em outra parte deste estudo, esperamos apresentar comparações internacionais. Desde que o campo e as entrevistas apresentadas neste artigo são principalmente holandesas, nós utilizamos, aqui, um texto médico deste país. 9 9 Por mais que aqueles que trabalham dentro de uma tradição fenomenológica designem nosso “estar- no-mundo” como corpos, eles situam o (o entendimento do) corpóreo ao lado do conhecimento da representação dos corpos. (see, e.g., Csordas, 1994) baseando-se nesta tradição, estudos permitem-nos incluir as práticas de representação entre outras práticas. As quais são igualmente mundanas. A consideração do laboratório como um campo de práticas deve muito a Latour e Woolgar (1979. A mais bela explicação e defesa ainda é aquela encontrada em Latour (1988). Existem, claro, muitos estudos que descortinam práticas da vida cotidiana. E alguns, como este que estamos fazendo, movem-se de um lado a outro. Veja os ensaior em Les Objets dans l’action: de la maison au laboratoire (Conein et al., 1993). Nunca tomar o atalho no qual se entende a hipoglicemia como escondida no corpo ou sob a pele; nossa descrição etnográfica orienta-se consistentemente nas práticas nas quais a hipoglicemia está sendo forjada. Então, como a hipoglicemia é produzida? Uma primeira e importante maneira é, de fato, a conhecendo. Conhecer é uma prática: Só se torna possível falar sobre o nível de açúcar no sangue abaixo de 3,5 mmol/l se a pele de alguém é picada, uma amostra de sangue é tirada e seu nível de açúcar é medido. Estas coisas costumavam acontecer em um laboratório. Um técnico fazia uma punção na veia, coletava um pouco de sangue em um tubo pequeno, inseria- o em uma máquina e lia os resultados. Isto ainda acontece, mas agora vem sendo acompanhado por uma outra prática de medição. Desde que o maquinário necessário vem sendo minimizado, pessoas com diabetes podem, agora, carregá-lo consigo e medir seus próprios níveis de açúcar. Basta fazer um furo no dedo e pôr uma gota de sangue em um bastão de medição. O bastão é colocado dentro de uma máquina e, dentro de poucos segundos, um número surge na tela. De todo modo, nada disto é fácil. Fazer um furo no dedo pode doer, o número pode durar algum tempo para aparecer – e assim por diante. Mensurar é uma tarefa exigente e às vezes impossível de aplicar na prática. Segundo as palavras de um médico residente em entrevista: Eu entendo perfeitamente bem que não é sempre fácil. Comoeste paciente que eu tenho e trabalha nas estradas. Você senta lá em uma vala, com sujeira por todo lado, as mãos sujas e nenhum lugar para se esconder. Eu não mediria nada também, se estivesse no lugar dele. Valas sujas são um problema. Mas medir seu nível de açúcar também é difícil em uma reunião de negócios onde você não pode se retirar por um minuto ou dois. Ou se você está fazendo compras com seus amigos; ou ensinando uma sala cheia de crianças. Não obstante, é possível medir o nível de açúcar de alguém em uma cozinha limpa ou em um banheiro – isto é, em um local onde as circunstâncias estão tão sob controles quanto em um laboratório. Desta forma, a hipoglicemia pode ser julgada como um nível de açúcar no sangue abaixo de 3,5 mmol/l. Sullivan e muitos outros críticos argumentam que a medicina deveria conhecer os corpos vivos de uma maneira mais rica do que conhece os cadáveres em silêncio. Deveriam apreciar o fato de que os pacientes são capazes de ação. Mas pedir às pessoas com diabetes para serem tão ativas quanto técnicos de laboratórios não resolve o problema: simplesmente transforma-os em seus próprios patologistas. Não encerra o dualismo entre o conhecimento médico e o paciente cujo corpo é conhecido, mas apenas o muda de lugar, pois passa a ser uma prática de cada indivíduo particular. Atender não apenas ao corpo que temos, mas também ao corpo que somos requer conhecimento do seu interior. E, curiosamente, no cuidado diário (ou na prevenção) da hipoglicemia, o autoconhecimento é pelo menos tão importante quanto a medição. Pois se alguém é sensível ao seu próprio estado físico interior, pode-se sentir a hipoglicemia (a ´hipo´) se aproximando e fazer alguma coisa para aumentar seu nível de açúcar no sangue. Mas se autoconhecer não é, de forma alguma, uma coisa simples e direta. Não é algo que todas as pessoas sejam capazes de fazer; tanto quanto a medicina não se silencia sobre este autoconhecimento. Algumas pessoas são boas nisso, outras, não. Como colocou uma enfermeira de cuidados a pacientes com diabetes: Às vezes, encontramos pessoas aqui que nunca sentiram nada. Elas fazem tudo que é prescrito. Então tentamos dar a elas uma boa prescrição, dizemos a ela o que fazer e colocamos alguns momentos extras de medição. Mas então quando algo fora do esperado acontece, elas se deparam com problemas. Enquanto outros, bem, eles me contam que dificilmente conseguem mais de um ou dois dias fazendo o controle de medição, mas eles nunca relatam “hipos”, no entanto. Eles, de alguma forma, sentem ela se aproximando. A enfermeira acredita que as pessoas que “sentem, de alguma forma, a hipoglicemia se aproximando” são melhores porque elas podem ter vidas mais flexíveis. Elas podem lidar com uma hipoglicemia inesperada que porventura ocorra caso elas estejam distantes de suas rotinas. Ela descreve com entusiasmo como participa de programas de grupos de apoio onde o autoconhecimento é ensinado para aqueles que não o possuem.10 No tratamento de pessoas com diabetes, então, o autoconhecimento não é silenciado pela medicina, mas usado como um recurso – e extendido onde possível.11 Pode haver um dualismo entre conhecer corpos objetivamente a partir do exterior ou objetivamente a partir do interior. Mas se, como sugerimos, a prática é persistentemente a superfície, então parece-nos que a relação entre a medição e a percepção pessoal é muito mais complexa. Às vezes, e para algumas pessoas, sentir-se mal é uma razão suficiente para agir. Medir é simplesmente desnecessário. Mas em outras circunstâncias a percepção pessoal e a medição são postos em contraste e este último é visto como mais preciso. Isto porque sentir-se mal não está necessariamente relacionado a hipo, mas, por outro lado, pode ser efeito de uma queda do nível plasmático de açúcar de, digamos, 15 para 8 mmol/l. Isto significa que sentir-se mal não é necessariamente uma razão para aumentar o nível de açúcar no sangue de alguém, mas deve antes ser uma razão para medí-lo. E algumas pessoas simplesmente não se sentem mal, portanto elas sempre têm de fazer a medição se elas 10 1 E a possibilidade mais provável para aqueles que adoeceram recentemente: a capacidade de sentir uma hipoglicemia chegando pode também se deteriorar como consequência da diabetes. 11 1 A medicina ocidental depende em muitos aspectos do autoconhecimento que os pacientes têm acerca de seus corpos. Afim de possibilitar aos doutores que usem suas ferramentas de diagnósticos apropriadamente, os pacientes primeiro devem responder questões como: “Como você se sente?”, “Onde dói?”, “À que horas?”, “É uma coceira ou uma pontada?” e por aí vai. Em todas as críticas do abandono da medicina ao autoconhecimento de seus pacientes esta dependência tem sido negligenciada. Mas veja, por exemplo, Strauss et al. (1985), que presta atenção ao trabalho de articulação em que os pacientes e doutores estão envolvidos querem aferir os seus níveis plasmático de açúcar. Mas, do ponto de vista do etnógrafo, a correlação mais importante entre objetividade e subjetividade vem com o uso das máquinas de medição no treinamento de uma maior sensibilidade interior. Nos programas de treinamento, os indivíduos são ensinados a adivinhar seus níveis de açúcar primeiro e só depois medí-los. O objetivo não é torná-los em primorosos estatísticos, mas encorajá-los a interromper o que quer que seja para sentir os seus corpos interiormente. É seduzi-los à prática do autoconhecimento. Contrariando, prevenindo e produzindo Hipoglicemia. Mas “produzir” hipoglicemia não é apenas umas questão de conhecê-la a partir da medição exterior, sentí-la dentro de si ou alguma combinação destes dois fatores. Quando perguntamos a Miriam T., que vive com diabetes há anos, “O que é hipoglicemia?”, ela nos contou uma história diferente: Bem, se, no momento em que um diabético vai dormir, nós temos [um nível de açúcar plasmático] 4 [mmol/l], então você simplesmente sabe que em algum momento você corre risco de ter uma hipo durante a noite, porque está muito baixo. Seu nível deveria estar em 6 ou 7, mas o que acontece é isto, bem, oh merda!, eu acordo no meio da noite e tremo, tremo, tremo e suo; e então eu tenho de me levantar e comer alguma coisa. Não se eu estiver sendo bem-comportada, mas se estou sendo descuidada, bem, sim, aí eu tenho que me levantar. Nessa história há números (4,6,7) e há tremedeira e suadeira. Mas Miriam T. também fala sobre acordar no meio da noite, com raiva de si própria por estar sendo descuidada. A ação crucial requerida é comer. E aí eu me repreendo e vou até a geladeira e pego um iogurte e ponho um pouco de açúcar. E às vezes eu sento no chão, comendo, pois é tudo o que eu consigo fazer numa hora dessas: sentar no chão da cozinha e comer meu iogurte com açúcar. E então, gradualmente, me sentir melhor. Na vida cotidiana das pessoas com diabetes, hipoglicemia é algo que elas conhecem bem, mas o ponto chave de sua relação com ela não é agregar conhecimento e sim intervir. Para Miriam T., a maneira mais relevante de interagir com a hipoglicemia não é nem sentí-la e nem medí-la, mas contrariá-la. Então, quando questionada sobre o que é a hipoglicemia, ela fala sobre acordar durante a noite e tomar iogurte com açúcar.12 Algumas pessoas até constroem a hipoglicemia sem sequer saber o que é isto. Elas tentam evitá-la a todo custo. Como relata uma enfermeira: Nós temos também esta paciente, uma mulher idosa que se tornou dependente de insulina recentemente, que está com tanto medo de ter uma hipo que, qualquerhora que ela se sente mal, ela come. Aí ela come e come... E ela não gosta de medir seu nível de açúcar, então ela pode se sentir mal, não por causa do nível de açúcar no sangue estar baixo, mas só porque ele caiu. Estava, digamos, em 15 e caiu para 8 e isso faz ela se sentir mal e ela quer evitar ter uma hipo, daí ela come – e come até o açúcar chegar a 15 de novo. E então ela se sente extremamente infeliz porque, você sabe, ela está ficando gorda. Engordar não é um “sinal clínico” de hipoglicemia e pode ser um modo específico de agir, que é a prevenção. Evitar a hipoglicemia comendo sempre que se sente mal não é um curso de ação encorajado por enfermeiras. No entando, é compreensível, pois há boas razões para evitar a hipoglicemia. Aqui vão as palavras de Miriam T. novamente: “Com a insulina, afinal, você tem uma droga letal dentro de casa. As pessoas são mortas por ela. Se você tomar demais e não comer nada, bem, então você morre.” Nas práticas atuais de tratamento, as pessoas com diabetes aprendem a injetar sua própria insulina, mas não demais. Elas aprendem a frustrar a hipoglicemia ou, de preferência, prevenir a sua ocorrência de qualquer forma, não comendo sempre que se sentem mal, mas apenas quando é estritamente necessário. Medir e sentir formam apenas uma pequena parte daquilo que se requer de um “paciente ativo” e adquirir conhecimento não é o objetivo destas atividades. Balanceando a ingestão de alimentos, os exercícios e as injeções de insulina o que as pessoas com diabetes estão tentando é evitar a hipoglicemia – e hiperglicemias também. Elas devem manter seus níveis de açúcar em uma meta adequada. A medicina tem mudado esses níveis limites através das últimas décadas. Níveis ideais de açúcar no sangue agora são menores do que costumavam ser, desde que mantê-los baixos tende a adiar o aparecimento de complicações secundárias. São complicações desagradáveis: a medida em que as pessoas com diabetes vão envelhecendo, elas se tornam mais suscetíveis 12 1 Comer, por sua vez, está relacionado com o corpo de maneiras complexas, que vão muito além de “combater a hipoglicemia”. Estar tais atividades mundanas sócio-corporais pode lançar luz sobre muitos grandes aspectos da vida, como mostrado na interessante investigação sobre comida e memória de Sutton (2001). do que outras a perder a visão, sofrer de neuropatias ou desenvolver arteriosclerose. Nos estudos clínicos existem comparações entre as pessoas que são tratadas de forma tradicional (com uma única injeção de insulina por dia e uma medição de controle do nível de açúcar no sangue trimestral) e aqueles cujos níveis de açúcar são regulados estritamente aos níveis mais baixos (mantidos com inúmeras pequenas doses de injeções de insulina por dia e tantas medições auto-administradas quanto necessárias). O segundo grupo acabou por apresentar, estatisticamente, uma maior qualidade de saúde a longo prazo. Como explica um médico residente: Doze, quinze anos atrás, você ainda podia fazer um julgamento apropriado para investigar se a regulação estrita melhora os resultados dos pacientes a longo prazo. Mas agora isto não seria ético. Não pode mais. Provas suficientes já foram reunidas, mesmo que os ensaios que foram feitos não sigam o que eu acredito que seja um bom programa de tratamento. A política de tratamento atual é a de regulação estrita, apertada, constante, sempre que possível. Estatisticamente, ela melhora a saúde dos pacientes a longo prazo, mas possui a desvantagem de levar a uma maior incidência de hipoglicemia. Se os limites são estabelecidos muito baixos não surpreende que a frequência de níveis de açúcar também muito baixos aumentem. Assim, enquanto as pessoas são ensinadas a evitar a hipoglicemia e a contrariá-la o mais rápido possível, ensaios clínicos recentes – e as normas criadas a partir deles – na verdade produzem hipoglicemia. Este efeito, de fato, não foi algo desejado, mas consequência da tentativa de adiar complicações a longo prazo. Acontece, então, que conhecer a hipoglicemia não é o interesse principal da prática médica. Nos encontros de profissionais de saúde há uma tentativa de aumentar a habilidade de seus pacientes de contrariar ou evitar a hipoglicemia, enquanto que implementar tais programas de tratamento provoca um aumento total de “incidentes hipoglicêmicos” – como efeito colateral. Incorporar e excorporar Perguntamos “o que é hipoglicemia” e descobrimos que pode ser: medida como o nível de açúcar no sangue abaixo de 3.5 mmol/l; sentida como suor, tremores ou um conjuntos de sensações de desconforto; combatida como algo que responde à ingestão de açúcar; evitada por medo de um coma ou, pior, da morte; e, ao mesmo tempo, é também produzida como uma tentativa de evitar complicações a longo prazo. Tendo todos estes sentidos, hipoglicemia pode ser todas estas coisas. Mas o que elas implicam para o corpo? Existem duas respostas para esta pergunta. Primeiro, ao regular a hipoglicemia, os corpos fazem uma porção de coisas: eles agem. E, segundo, enquanto ela é medida, sentida, combatida, evitada e produzida, os corpos estão sendo regulados também. 13 Mas calma!, isso tudo é ainda mais 13 1 Existe ao longo do texto uma série de jogos de palavras entre os termos act [agir] e enact [regular]. complicado. Pois agir e ser regulado andam juntos. Assim, podemos perguntar: enquanto ele está agindo, o que o corpo pode ser? Esta é a questão para a qual nos voltamos agora. Patologistas que observam cadáveres ou doutores que usam instrumentos com a intenção de ver através da pele de pacientes vivos estão, principalmente, preocupados em observar. Esta prioridade, em qualquer nível, é a forma pela qual Foucault descreve o “olhar clínico”, o modo de saber dominante na medicina surgido no início do século XIX. Os corpos dos doutores estão ativos neste olhar, mas apenas parcialmente. É principalmente os olhos que praticam a ação. As tecnologias que ajudam os médicos a “ver através” da pele dos corpos vivos podem também adicionar os ouvidos à ação, o sentido tátil do observador ou até mesmo o olfato – ainda que o conhecimento dominante permaneça metaforicamente visual.14 Quando Sullivan e outros incita-nos a considerar o autoconhecimento do paciente, eles estão salientando a importância de outra faculdade sensorial: de sentir o bem-estar físico interior. Assim, o conhecimento dos corpos envolve todos os sentidos.15 E o conhecimento-na-prática envolve ainda mais o corpo - tal como as mãos que o manipulam e não podem tremer demais. Outras formas de monitorar a hipoglicemia depende não apenas das mãos, mas também da boca que morde, do sistema digestivo e do metabolismo de cada célula em particular. Regular a hipoglicemia envolve o corpo por inteiro. Mas este corpo não é um conjunto bem definido: ele não é fechado, mas possui fronteiras semipermeáveis. Vamos começar levando em consideração as medições. Certamente, elas dependem dos olhos daquele que lê o display na máquina. Mas antes os olhos e as mãos têm de estar ativos. Eles espetam e são espetados. Mira cautelosamente: próximo à ponta do dedo mas não na ponta do dedo: se, por acaso, você ficar cego algum dia na sua vida vai precisar da ponta dos dedos para se locomover. Uma mão espreme uma gota de sangue da outra mão. Também elas inserem o bastão coletor que absorve o sangue dentro do compartimento de medições na máquina. Desta forma, tudo vai bem. A enfermeira: Às vezes eu não entendo a indústria. Aqui, tente, você pode abrir essa tampa? Eu dificilmente consigo. E um monte de pessoas com diabetes, a medida que vão envelhecendo, elas têm mais dificuldade de usar as mãos. Ou com pessoasjá 14 1 Todas as práticas de conhecimento dependem do corpo ativo do cognoscente, mesmo que um bocado de esforço seja gasto para expulsar a relevância de alguns desses corpos – notavelmente naqueles conhecimentos práticos denominados “ciência”. Para conhecer a história e a persistente e mutável relevândia do conhecimento-dos-corpos, ver os ensaios em Lawrence e Shapin(1998) 15 1 Assim como outras formas de conhecimento, a etnografia inclusa. Veja Stoller (1989). velhas, as mãos delas tremem demais para inserir o coletor na máquina, aqui, veja essa máquina aqui... Impossível! E ainda existem máquinas com displays tão pequenos que os números não podem ser lidos de forma nenhuma. Ainda mais se a pessoa não tiver uma boa visão. E aí as coisas grandes e sólidas que podem ser usadas por qualquer um, os jovens não gostam. Eles querem algo que possam carregar pra qualquer lugar, algo pequeno. Com desing fashion, assim eles podem sair mostrando. Mãos são ativas na medição da hipoglicemia, mas elas não agem sozinhas. Elas interagem com as máquinas. O sucesso dessa interação depende da extensão na qual mãos e máquinas são adaptadas e adaptáveis umas às outras. Algumas coisas podem ser feitas somente se um corpo está preparado e treinado para fazê-las – outras vacilam quando uma máquina não é adequadamente ajustada ao corpo ao qual deve servir. Máquinas só se tornam instrumentos se o corpo pode manipulá-las e incorporá-las nas suas ações. Desse modo, medições dependem mais de um conjunto de fatores do que de um corpo isolado. O corpo que mede funde-se ativamente às máquinas de medição. E quanto ao corpo que sente? Miriam T., no meio da entrevista: “Bem, desculpe-me. Eu preciso ir à cozinha agora, preciso comer uma maçã ou algo do tipo”. Miriam T. sente a hipoglicemia chegando e deseja uma maçã – ou algo do tipo – com o intuito de combatê-la. Ela não mede seu nível de açúcar: ela odeia ter de pinicar o dedo e evita isso o máximo que pode.16 No entanto, seu desejo não provém de um corpo nem isolado e nem delimitado: ele abrange muito mais. Eu, bem, eu conheço meu corpo bem e se eu fico me pinicando e medindo a mim mesma agora, eu sei que justamente naquela hora eu tô baixa, porque eu meio que sinto, eh... Eu tenho de comer algo mais, porque eu ingeri demais. É isso. Nós Estávamos comendo chilli hoje de noite e tinha todos aqueles feijões e carboidratos, e aí eu tendo a ingerir duas ou três unidades a mais pra que não suba demais, mas agora eu tava fazendo umas coisas no jardim e, bem, hmmm, eu tenho de comer alguma coisa extra porque, se não, eu fico mal. Mas 16 1 A questão da quantidade de dor envolvida na medição é interessante à sua própria maneira. Alguns dos nossos informantes dizem que não sentem dor. Uma pessoa afirma que não sente dor porque ela não se importa tanto em se medir – ele diz que tem a impressão de que quanto mais a pessoa se importa em se medir, mais ela sente dor. De todo modo, se alguém não sente dor nenhuma, isso não é um bom sinal: pode indicar uma neuropatia que se estabeleceu e atrapalha a sua sensibilidade à dor. . agora nós vamos ter algumas nozes e aí eu me permito mesmo comer um pouco de, hah, nozes. Na sua apreciação de si mesma como estando “baixa”, Miriam T. inclue: tabelas de carboidratos e sua experiência com máquinas de medição; o chilli que ela comeu; as unidades de insulina que ingeriu; sua jardinagem; e até a promessa de nozes. Ela incorpora aquilo que a rodeia. O corpo autoconhecido tem fronteiras semipermeáveis. Mas não apenas aquilo que vem de fora permeia o corpo; acontece também um movimento em outra direção. Algumas atividades corporais podem tomar lugar além da superfície da pele. O marido de Miriam T., Josef, por exemplo, parece ser muito bom em detectar a hipoglicemia de sua esposa: Então ele me olha e diz “Você não acha melhor comer alguma coisa?” Ou ele nem olha, mas ele percebe por alguma coisa que eu esteja fazendo. Eu me irrito de um jeito diferente. Ou então fico nada amigável. E ele sabe como eu tô, o que está acontecendo. E geralmente ele está certo. Mais tarde, Josef entra na sala e admite com certo orgulho que frequentemente consegue sentir quando Miriam T. não está bem. De fato, ele não fala sobre ver, mas sobre sentir. Assim, enquanto o corpo-em-prática pode incorporar algo daquilo que o rodeia pode também – como dizê-lo? – excorporar17 algumas de suas ações. A atividade mesmo de sentir- se pode tomar lugar fora do próprio corpo. A ação física é necessária para sentir e medir – e também para combater a hipoglicemia. Fazendo algo ao se sentir “baixa”, Miriam T. procura morder, mastigar e engolir. Ela deve fazer isto por ela mesma. Ela precisa de uma maçã – ou algo do tipo – para comer. Se as pessoas combatem a hipoglicemia fisicamente aquilo que as rodeiam deve estar preparado para a ação. Miriam T.: Eu nunca saio de casa sem comida na bolsa. Nunca. Sem insulina na minha bolsa, sem dextrose em minha bolsa. Nunca. Não importa o que seja, eu sempre carrego algo comigo. Porque aí quando eu tô em algum lugar, esperando lá, e tenho de comer alguma coisa, bem, então eu não posso ter aquilo. Eu não posso não ter algo para comer ali. 17 1 Neologismo criado pelos autores. Miriam leva comida aonde quer que vá e cuidadosamente espalha dextrose e biscoitos ao seu redor. Eles estão no porta-luvas do carro, nos cestos de sua bicicleta, no quarto de cima. “Isso se tornou comum, pertence a mim. Sou eu”. Coloquemos desta maneira: em complemento ao corpo de alguém deve haver um corpo próximo pronto para a ação. Mas também seguimos a sugestão de Miriam T.: lugares bem organizados se tornam parte do self atuante, do eu, o que significa que vai bem além do corpo. Regulando a hipoglicemia, os corpos atuam. Mas esses corpos ativos não estão isolados. Ao invés disso, suas fronteiras são frágeis. Eles interagem e às vezes mergulham parcialmente naquilo que está ao derredor. Isto é até mais óbvio quando medir e sentir são esquecidos e a ação vem tarde demais. Pois se a hipoglicemia fica realmente mal, o corpo começa a perder sua capacidade de agir por si mesmo. Com o nível de açúcar no sangue muito baixo, a pessoa começa a se comportar estranhamente, agressivamente, como se estivesse bêbada. Miriam T. alertou seus colegas de trabalho. Aí eu disse pra eles: se algum dia eu ficar nesse estado, me tirem do salão principal da loja, me tirem do salão para a sala de estoque ou o escritório, qualquer lugar, pro banheiro. Eu não ligo. Mas eu ficaria tão envergonhada se começasse a ter uma hipo na loja. Uma hipoglicemia severa é seriamente incapacitante. Primeiro, o corpo se torna desonesto e constrangedor; depois ele pode cair e entrar em coma. Em coma, a pessoa não pode comer ou beber mesmo que haja açúcar disponível. Em vez disso, é necessário aplicar uma injeção de glucagon: o hormônio que leva o corpo a liberar parte de seu estoque de açúcar para a corrente sanguínea. Um corpo em coma pode até responder ao glucagon, mas é uma outra pessoa que precisa aplicar a injeção. Josef e alguns colegas de Miriam T. no supermercado aprenderam como fazer isso. Se suas mãos e boca não estão mais hábeis para agir são eles que devem combater a hipoglicemia dela. Aqui, novamente, como nos atos de medir e sentir, as fronteiras do corpo-em-prática são parcialmente permeáveis. Um corpo ativo incopora partes e peças do mundo ao redor, enquanto que a sua ação pode ser deslocada para fora do corpo, excorporada. Destacar persitentemente a prática muda a nossa percepção do corpo, o corpo-em- ação.Olhos perscrutantes ainda são importantes (eles devem ler os números nos displays das máquinas de medição), mas eles estão acompanhados de mãos manipuladoras (às quais picam e espremem sangue ou carregam açúcar até a boca). Autopercepção continua importante, mas comer e beber parece ser mais crucial para sobreviver. De fato, a atividade paradigmática do corpo-em-ação não é a observação e sim a metabolização. Esta observação se encaixa perfeitamente na nossa observação anterior de que o corpo ativo possui fronteiras semipermeáveis. Um corpo que observa, não: ele vê o que há lá fora e sente o que há aqui dentro. Um dos passos mais importantes para adquirir autoconhecimento é a habildidade de diferenciar entre o eu [self] e o outro, entre aquele que vive no aqui dentro e aquele que, por ser exterior, não vive. 18De todo modo, para o corpo metabólico, interior e exterior não são fronteiras estáveis. Falar sobre metabolismo é, acima de tudo, falar sobre comer, beber, respirar; sobre defecar, urinar e suar. Para o corpo metabólico incorporar e excorporar são atos essenciais. In/coerências O corpo é ativamente engajado em regular a hipoglicemia; (a ameaça da) hipoglicemia, por sua vez, ajuda a regular o corpo – de uma forma bastante específica. Existem muitas formas diferentes de regular os corpos.19 Por exemplo, viver com asma torna as pessoas conscientes do ar que respiram, assim como praticar ioga (Willems, 1998). As pessoas que se tornam cegas depois do nascimento dão descrições emocionantes do opaco, dos espaços cheios de obstáculo que passam a habitar (Golledge, 1997). A academia pode produzir músculos fortes ou dar uma sensação de sua inadequação. Aqueles que tentem a perder peso passam a habitar uma realidade metabólica na qual comida consiste em calorias e exercícios físicos são um caminho para perdê-las. E, retornando ao dia-a-dia daqueles que vivem com diabetes, aqui o corpo é também regulado como um sistema metabólico, passando a considerar a comida como uma maneira de calcular carboidratos e exercícios como um meio de queimar açúcar. O que está em jogo a curto prazo é, principalmente, o balanceamento do nível de açúcar no sangue mais do que o fato de acumular gordura a longo prazo. No sistema metabólico daqueles que vivem com diabetes muitas coisas relevantes são colocadas juntas: comida com insulina com exercício com nível de açúcar no sangue... Os níveis de açúcar, por sua vez, possuem ainda mais links, uma vez que, com o passar do tempo, níveis altos de açúcar podem causar obstrução das artérias por arteriosclerose, deterioração da visão e perda sensorial devido a degradação dos neurônios. O corpo se torna cada vez mais enredado a medida que passa a conviver com a diabetes. E mesmo assim não é um todo coerente. Em vez disso, ele é um conjunto de tensões. Por exemplo, ocorrem tensões entre os interesses dos seus vários orgãos. Regular o nível de açúcar com precisão pode ser bom para as artérias, os olhos e os neurônios, mas desde que aumente o risco de hipoglicemia, pode ser ruim para o cérebro. Como um médico residente nos disse: 18 1 Para uma investigação experimental sobre como a diferenciação entre o eu [self] o outro é estabelecida no conhecimento que as pessoas têm de seus corpos desde a infância, ver Butterworth (1995) 19 1 Este fenômeno, com uma pequena diferença, pode também ser chamado de “realização de corpos”. Para uma defesa da “mudança performática” em uma linguagem filosófica, com as múltiplas formas da construção de diferenças entre os sexos como seu alvo de análise, ver Butler (1993). Deixa eu te falar. Isso me preocupa; me preocupa mesmo. Desde que aqueles ensaios foram publicados uma regulação mais apertada se tornou bem popular. Meus colegas mais jovens tendem a aceitar isso. Apenas aceitam, sem imaginar se as pessoas estão realmente aptas para isso, se elas podem permanecer baixas sem cair para várias hipos. Está na literatura. É “baseado na ciência”! Quanto menos experiência os doutores possuem, mas eles amam falar que é “baseado na ciência”. Mas nós começamos a perguntar aos pacientes um pouquinho mais sistematicamente sobre seus acidentes de hipoglicemia, fazendo-os escrever diários ou coisa que o valha, e os números que eles relatam são chocantes! Bem maior do que tínhamos estipulado. E nós olhamos para a literatura, pois de fato as pesquisas sobre hipoglicemia crescem gradualmente, e existem artigos atrás de artigos sobre como hipos causam danos cerebrais. Ninguém sabe ao certo quanto dano. A regulação apertada não é boa ou ruim para o corpo como um todo. É boa para certas partes do corpo e ruim para outras. Pois existem tensões no cotidiano dos corpos e das pessoas, dos dois. Qual a opinião menos ruim? Permitir um nível maior e arriscar uma arteriosclerose, cegueira ou uma perda da sensibilidade neuronal em 20 anos? Ou manter o nível baixo, mas arriscar hipoglicemias que a longo prazo podem tornar perigoso dirigir ou carregar uma criança por causa da possibilidade de um coma? Qual vida viver? E em qual corpo? Uma que perde as contas e tem mãos trêmulas que podem sentir ou uma com artérias entupidas que perde a visão e não pode sentir muito bem, mas ao menos permanece lúcida? Estas são as opções com as quais se defrontam as pessoas com diabetes. Mas não, não leva a lugar algum falar sobre opções. Pois se alguém tivesse a oportunidade de escolher seria óbvio a sua opção: uma combição idealmente balanceada. Regulação estrita, baixo nível de açúcar no sangue e uma rápida detecção e combate à hipoglicemia. Este ideal, no entanto, é insustentável. Ele depende da capacidade para avaliar o nível de açúcar, calcular o que a pessoa come e manter o controle de quanta energia é gasta durante os exercícios físicos – intermitantemente, um momento após o outro, sem nunca parar. E ainda há mais. A característica mais torturante de se tentar manter um nível de açúcar sanguíneo estável é que se pode falhar por mais que se tente. Às vezes, níveis de açúcar se comportam de maneiras imprevisíveis. Miriam T.: Você nunca sabe o que está acontecendo. As emoções são tipicamente difíceis de lidar, um bocado difíceis. Elas gastam energia, cansam, e aí vai você, um pouco de riso ou de choro e você tem uma baixa. Então, novamente, elas podem levar à liberação de qualquer que seja seu acúmulo de açúcar no corpo. Então quando eu faço uma medição, eu penso: Eu não como nada faz horas. Então por quê está em 13, 13? O balanceamento de açúcar é parte do sistema metabólico: o termo sugere um circuito fechado, mas algumas variáveis estão faltando. Elas agem imprevisivelmente ou não são conhecidas. Isto significa que a obrigação de um controle constante implica na ameaça de uma falha inesperada. E você nunca sabe o que está acontecendo. O mesmo é verdade para complicações de longo prazo. Níveis de açúcar baixo permanentes pretendem prevenir complicações secundárias, mas até mesmo aqueles que seguem um regime severo podem cair vítimas deles. Como um residente diz: E aí as pessoas me dizem, elas falam: “Oh, doutor, eu vi tal pessoa caindo na sala de espera, e uma de suas pernas foi amputada. Isto me assusta, isto me assusta como a peste! Agora, se eu controlo tudo direitinho, e permaneço abaixo de 10 como eu devo, por favor, me prometa que isso não vai me acontecer, que eu não vou ter de amputar uma perna”. É disso que eles querem se assegurar. Mas, claro, eu não posso prometer nada. Eu queria poder, mas não posso. Estatisticamente as correlações são claras: uma regulaçãoapertada no balanceamento dos níveis de açúcar trazem mais riscos de acontecer algumas complicações ao longo da vida do que níveis que permanecem altos ou mantêm uma frequência de altos e baixos. Mas o que acontece ao indivíduo é imprevisível. Olhos podem se tornar cegos, ou não. O desenvolvimento de doenças neurológicas pode ser adiado, ou não. Arteriosclerose pode se desenvolver rapidamente, ou não – e se se desenvolver rapidamente as artérias da perna podem se deteriorar tão rapidamente que uma amputação talvez seja a única maneira de interromper a dor ou prevenir uma gangrena e a morte. Então, é uma segunda tensão que assola o corpo vivendo com diabetes: a tensão entre o controle e os caprichos do destino. De todo modo, apesar dos cálculos que a pessoa faz, sua taxa sanguínea de açúcar continuará agindo de forma irregular, errática. Por mais sucesso que ela tenha vivendo uma vida sob controle, esta mesma vida gera surpresas angustiantes. O tratamento moderno para diabetes exige que os pacientes mantenham uma contagem constante de tudo o que acontece com seus corpos, ainda que tais processos não possam ser contados. Uma terceira tensão decorre da maneira pela qual uma porção de necessidades e aspirações devem ser mantidas conectadas e incorporadas ou, como poderíamos dizer, siamesizadas. O corpo-com-diabetes vive com uma série de tensões, mas a pessoa com diabetes não é apenas a “pessoa com diabetes”. Elas podem ter asma, praticar ioga, ficar cega, ser transexual, ir para a academia ou tentar perder peso. Elas podem trabalhar em valas, reuniões executivas ou em frente a uma sala de aula. Elas podem se apaixonar ou se desapaixonar, ter depressões ou ataque de gripe, viajar nos feriados, trabalhar no jardim, ir para o shopping ou fazer provas. As especificidades das inúmeras formas nas quais as pessoas podem vivenciar seus corpos de alguma maneira têm de ser combinadas com aquelas que são “práticas da diabetes”. Cecília H.: Eu sou uma pessoa muito esportiva. Adoro correr, nadar, pedalar, jogar vôlei, tenis, uma porrada de coisas. Então isso era o que mais me preocupava quando eu ouvi meu diagnóstico: que eu ia ter de desistir daquela parte da minha vida. E, de primeira, de fato, eu me senti tão infeliz, eu pensei que iria me sentir fraca pelo resto da minha vida. Mas então, gradualmente, eu conquistei isso, retomei: o esporte, sabe? Um bocado do que eu vivia, realmente. Eu simplesmente queria aquilo. Eu queria demais! E aí eu fui e fiz. Mas não foi fácil e ainda não é. Pois a questão é: você pode ter uma hipo quando seus músculos gastam energia demais, nem sempre aqui e agora, imediatamente, mas às vezes horas e horas depois. Então se você corre no finalzinho da tarde corre o risco de ter uma hipo durante a noite. O corpo de uma pessoa-esportista e o corpo de uma pessoa-com-diabetes vivem em tensão. A explosão de energia do primeiro não coexiste muito bem com o precário balanço de energia do segundo. É uma tensão difícil! Algumas pessoas manejam esses malabarismos incessantes com certo sucesso e convivem com esta tensão por um longo tempo. Aqueles que não conseguem fazer isso se vêm obrigados a desistir de uma parte deles mesmos. Se lidar com hipos que vêm durante à noite é tão complicado, eles precisam desistir da vida esportiva. Mas se eles se atêm ao esporte e testam seus limites, então existe o risco de que eles caiam um dia na sarjeta e morram.20 Isto sugere que a idéia de que temos um corpo coerente ou somos um todo esconde um bocado de trabalho. E este trabalho tem de ser feito por alguém. Você não tem, você não é, um corpo-que-se-encaixa, naturalmente, por si mesmo. Manter-se um todo é uma das tarefas desta vida. Não é algo dado, mas deve ter conquistado, debaixo tanto da pele quanto para além dela, na prática. O que se segue 20 2 Na verdade, um dos internos observado e entrevistado descreveu uma paciente sua que não queria desistir de pilotar – um esporte seriamente perigoso para alguém com diabetes, porque se você tem uma hipo é impossível para os outros te tirarem dali. De algum modo, viver no limite pode, para algumas pessoas, valer muito para desistir. Sobre a combinação de esportes radicais e deficiências, ver Moser (2003) Nas tradições teóricas ocidentais, “o corpo” é caracteristicamente evocado como um caso exemplar do que é ser um todo. Um “todo orgânico” soa como uma tautologia.21 Esta idéia se encaixa com o conhecimento do corpo como algo que temos e algo que somos. O corpo-que-temos, a espera do olhar do observador na mesa de exames, não se alarga para além das bordas da maca. Ele permanece passivamente nos limites de sua pele. A tarefa do observador é entender como esse corpo se encaixa: a coerência sistemática do corpo-que- temos nunca é questionada. Mas o corpo-que-somos é também, ou deveria ser, um todo. As pessoas cuja imagem de seus corpos não são coerentes, que não sentem seus corpos na íntegra, são diagnosticadas como desviantes. E a medicina morderna, com sua pluralidade de especialidades, é largamente criticada por falhar em apreciar o todo. Se somos um todo, e assim afirma a crítica, por que não somos tratados como tal? No entanto, se colocarmos em primeiro plano as práticas de negociação com a realidade e fizermos isto persistentemente, o corpo como um “todo orgânico” não mais será algo auto-evidente. Contudo, isto não implica que o corpo-que-fazemos seja fragmentado, o inverso de ser inteiro. Se fôssemos criar nossos corpos de maneiras que os fragmentássemos, a morte nos seguiria rapidamente. O corpo que criamos não é nem um todo e nem é fragmentado. Ele possui uma configuração complexa.22 Existem fronteiras ao redor do corpo que criamos: É Miriam T. quem sente calafrios quando tem uma hipo e não Josef, seu marido. Mas as fronteiras são semipermeáveis: Josef pode sentir a hipo de Miriam por ela e o doce iogurte que ela toma interrompe sua hipo. Desde que não se desintegre, o corpo-que-criamos permanece integrado. De qualquer forma, ele é cheio de tensões. Existem tensões entre os interesses de seus vários órgãos; tensões entre ter o controle e ser impetuoso; tensões, também, entre as exigências do jogo com a diabetes e outros desejos e necessidades. Na prática do dia-a-dia de construir nossos corpos tais tensões não podem ser evitadas. Goste ou não, elas devem ser controladas. O corpo-que-criamos não é um todo. Manter-nos integrados é uma das tarefas da vida. Isso traz implicações sobre o que podemos esperar ou requerer da medicina. Sullivan argumenta que a medicina deve adicionar o autoconhecimento de seus pacientes aos resultados de suas práticas clínicas (ou, mais especificamente, patológicas). Nossa sugestão é diferente. Nossa sugestão é de que, ao invés de adicionar mais uma camada de conhecimento, a medicina deveria mudar a sua auto-compreensão. A medicina deveria vir a reconhecer que o que ela tem a oferecer não é um conhecimento de corpos isolados, mas uma gama de diagnósticos e intervenções terapêuticas sobre corpos vivos, e, assim, dentro da vida diária das 21 2 Em seu grande ataque sobre como o “Pensamento Ocidental” tenta esquecer o corpo, Lakoff e Johnson exploram muitas metáforas fascinantes: a idéia de todo orgânico entre elas. Mas enquanto eles trazem a questão do corpo para dentro da filosofia, que por tanto tempo a excluiu, ainda falam de um corpo que temos e somos. Seu “corpo” permanence observativo, não é um corpo que criamos, e não é metabólico (ver Lakoff e Johnson, 1999). 22 2 Para uma variedade de explorações acerca desta complexidade, ver as contribuições em Law e Mol (2002) pessoas.Mesmo o olhar patológico não é meramente um olhar, mas envolve manipulação. As atividades médicas sempre dizem respeito tanto ao que está abaixo quanto ao que está além da pele. Mas todas as operações médicas, mesmo as que parecem simplesmente um cuidado com os corpos, são intervenções em vidas, e, portanto, elas devem ser avaliadas como tal. Assim sendo, não faz sentido melhorar sua eficácia em um ou dois parâmetros quando o amplo leque dos efeitos de suas práticas exigem uma atenção auto-reflexiva.23 Não se pode esperar que todos esses efeitos produzam melhorias. Ao expressar como ela é feita, ao considerar os efeitos de suas atividades, a medicina deveria ser sábia para confrontar sua própria tragédia: intervenções médicas dificilmente trazem apenas melhorias e benefícios, mas também trazem uma carga de desafortunados “efeitos colaterais”; uma vez que elas carregam consigo uma transferência de um conjunto de tensões. Posto desta maneira, pode parecer que sugerimos que a auto-reflexão médica tome um rumo etnográfico. E assim fazemos.24 Curiosamente, os métodos etnográficos que colocam as práticas em primeiro plano e reúnem entidades diferenciadas em uma única história não são novidades para a medicina. Na sessão de materiais e métodos dos artigos científicos, aspectos práticos de todos os tipos (a configuração das intervenções em questão, a tecnologia mobilizada, as características do paciente e aí por diante) são escrupulosamente explícitas. É apenas na conclusão que elas tendem a ser esquecidas. E escute atentamente a uma entrevista clínica: o doutor pergunta “Como você está?” ou “O que posso fazer por você?” e espera que o paciente possa contar uma história sobre os eventos de sua vida cotidiana no qual entidades de todos os tipos (feijões, sangue, companheiros de mesa, carros, agulhas, açúcar) coexistem e interferem uns com os outros. Uma boa anamnese, finalmente, discorre sobre a situação do paciente numa linguagem que fala dos seus níveis de açúcar no sangue, suas ambições de trabalho, suas doses prescritas de insulina, sua vida amorosa, operações feitas para retirar e moderar o acúmulo de gordura e, se preciso for, tudo de novo do começo ao fim. Por que não contar histórias sobre a própria medicina numa linguagem similar? A auto-reflexão feita pela medicina atual é predominantemente de cárater epidemiológico. Epidemiologia também traz consigo entidades díspares, mas seu método de contagem isola cada suposta variável de todas as outras e é incapaz de articular links e tensões entre elas. Neste ponto, a recontagem etnográfica é uma técnica mais promissora: ela pode produzir histórias ricas de corpos vivos nas quais a medicina figura como uma parte da vida cotidiana. No entanto, narrativas suaves que buscam encontrar coerência não a encontrarão. 23 2 Isto implica que a clínica epidemiológica não é mais suficente para a avaliação das intervenções médicas. Para um exemplo que demonstra como explorar os detalhes das intervenções clínicas e seus vários efeitos pode ajudar não apenas na avaliação como também na melhoria da clínica, ver Lettinga e Mol (1999) 24 2 So far it has mainly been patients who have told stories about their lives with medical interventions together with disease. Other possible participants have been much less forthcoming. One might say that what we argue for here is that the turn to practice that such literature exemplifies should be taken up in professional self-reflection as well. (See, e.g., Frank, 1995; Murphy, 1990; and, for an intriguing mixture of daily life stories and cultural analysis, Stacey, 1997.) Se os aspectos trágicos de viver-sob-tensão e intervir-para-melhorar estão para ser contados, então roteiros irregulares se fazem necessários. E tais narrativas devem ser contadas por uma variedade de narradores cujas vozes possam ser desenhadas em conjunto e/ou em conflito. Pois é aí que os pacientes entram novamente: conhecimento, não apenas autoconhecimento, mas um conhecimento igualmente capaz de contar histórias sobre a medicina e os efeitos de suas intervenções. O objetivo total da forma polifônica de histórias investigativas não precisa se encerrar em uma conclusão. Sua força pode muito bem provir das questões que deixa em aberto. Não, se a medicina se esquecer de seus aspectos práticos novamente, se ela assistir persistentemente ao corpo-que-criamos, isto não resolveria todos os problemas, muito menos os problemas que nos afligem, seus pacientes, mas mesmo assim vale a pena tentar.
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