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RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO – VÍCIO DO PRODUTO – SOLIDARIEDADE DO COMERCIANTE - EXCLUSÃO: com estudo de caso. Autora: Cristine Borges da Costa Araújo 1. INTRODUÇÃO 1.1. Objeto do Estudo Em conseqüência da intensificação das relações consumeristas, várias são as responsabilidades instituídas aos fornecedores de produtos e serviços, no que diz respeito ao fato e ao vício do produto, perante o consumidor final. A responsabilidade pelas relações de consumo, se subdivide em Responsabilidade pelo fato do produto e serviços e Responsabilidade pelo vício do produto e serviços, sendo o estudo apresentado, apenas focado no produto defeituoso, artigos 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor. O comerciante pode ser qualificado como “fornecedor aparente”, responsabilizado subsidiariamente, com fulcro no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, bem como solidariamente, pelo fundamento do artigo 18 do mesmo Código. Pelo caso prático, apresentado neste trabalho, será concluído que o comerciante não poderá ser responsabilizado pelo vício de qualidade do produto, nem subsidiariamente, nem muito menos solidariamente, tornando-se incabível a aplicação da penalidade pelo Órgão Fiscalizador – IPEM/RN (Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Rio grande do Norte). O presente trabalho, terá como objeto uma análise acerca da Responsabilidade civil, por seu histórico e conceito, bem como pelas relações civilistas e consumeristas, com foco no produto levado ao mercado de consumo pelo fornecedor e adquirido pelo consumidor. Priorizará o estudo inserido no Código de Defesa do Consumidor, na temática dirigida para a Responsabilidade pelo defeito do produto, referente ao caso prático, além de atentar para o estudo comparativo do tema, frente ao antigo Código Civil, ao Novo Código Civil, bem como, pela doutrina e jurisprudência. 1.2. Objetivo do Estudo Analisar a aplicação da Responsabilidade do fornecedor, bem como do comerciante, pelo fato e vício do produto exposto no mercado de consumo, provocando conflito na relação de consumo, discriminando a legislação vigente constitucional e infraconstitucional, bem como a doutrina e jurisprudências dominantes, com base, em caso prático. 1.3. Justificativa do Estudo O crescimento da sociedade de consumo e a produção em massa de produtos, fruto do crescimento tecnológico e da globalização, fez crescer a necessidade de certo controle, nesses bens colocados no mercado para consumo, a mercê do consumidor final. Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990), a responsabilidade pelo fato do produto, bem como a responsabilidade pelo vício do produto, consolidaram-se no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo surgir a responsabilidade objetiva daquele que fabrica, produz e fornece, onde o comerciante também pode ser responsável, subsidiaria ou solidariamente, dependendo da situação em que for enquadrado. No caso concreto estudado, foi verificado erro na composição têxtil de algumas blusas e vestidos, e o estabelecimento comercial foi multado pelo IPEM/RN, sob a assertiva de responsabilidade solidária, fato este ocorrido, não obstante a apresentação de Notas Fiscais que indicavam o fabricante do produto defeituoso. Por tais motivos, recorreu à Justiça e teve seu direito reconhecido, em Primeira e Segunda Instância, com base no art. 13 do Código de Defesa do Consumidor, desconhecendo ainda o Juízo, a relação de consumo, descaracterizando pois, a responsabilidade solidária do comerciante. Em sua conclusão, será demonstrada que a penalidade não deveria ter sido aplicada, em nenhum momento, por inexistir relação do defeito do produto com o artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor, bem como, por total inexistência de relação de consumo, para que se caracterize a responsabilidade solidária, com fundamento no art. 18 Codificado. Sendo assim, a presente pesquisa baseada em caso concreto, busca abordar, com base na legislação vigente, jurisprudências e doutrinas atualizadas, uma maior compreensão acerca dos tipos de responsabilidade do fornecedor, nas relações de consumo, definidas pelo defeito do produto, bem como a diferença da responsabilidade subsidiária e solidária do comerciante, quando na constatação do defeito do produto, apresentado para o mercado de consumo, quando, como pode e como deve ser aplicada esta responsabilidade. 1.4 Metodologia da Pesquisa A pesquisa apresentada é de cunho teórico, com abordagem qualitativa de caso prático, com fundamento na legislação, doutrina e jurisprudência nacional. 2. RESPONSABILIDADE CIVIL O conhecimento da Responsabilidade civil, como qualquer outro instituto jurídico, é resultado direto da análise do cotidiano da sociedade, por observação e estudos de casos concretos, quando da lesão ao patrimônio de outrem, passível de indenização. A Responsabilidade civil passou por intensas inovações no decorrer de todo o século XX, alguns de seus princípios, ganharam status de norma constitucional, com a promulgação da Carta Magna de 1988, enriquecidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que vem regulando as relações de consumo. Foram introduzidas profundas modificações na forma disciplinada pelo Código Civil de 1916, posto que essencialmente subjetivista, ajustando a disciplina da Responsabilidade Civil a crescente evolução da sociedade, provocando mudanças e reformas no Código Civil de 2002, que embora mantendo a responsabilidade subjetiva como regra, optou pela responsabilidade objetiva, em casos específicos, como se verá mais adiante. O termo responsabilidade, no campo jurídico, pode designar várias situações. No caso em estudo, observa-se àquela que atribui ao sujeito de assumir as conseqüências de um evento ou uma ação, tendo além do ato ilícito, outros fatos geradores da responsabilidade. CAVALIERI FILHO comenta (2006 p.17): (...) A responsabilidade civil é uma espécie de estuário onde deságuam todas as áreas do Direito – Público e Privado, contratual e extracontratual, material e processual; é uma abóbada que concentra e amarra toda a estrutura jurídica, de sorte a não permitir a centralização de toda a sua disciplina (...) 2.1. Histórico Na evolução histórica, se tem notícia de que a vingança coletiva, caracterizada pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um dos seus, era a forma primária da civilização de resolver conflitos existentes. Posteriormente, verificou-se a vingança privada, onde os homens faziam justiça com as próprias mãos, assegurados pela tão falada e comentada Lei de Talião. Remontando as suas origens à legislação mais antiga, encontra-se o Código Babilônico de Hamurabi (século XIX a.C) e o Código Indiano de Manu (século XIII a.C). Até então o Poder Público não intervinha. O Estado passou a intervir, com regras isoladas, focado na responsabilidade objetiva, a qual não depende da culpa, somente para declarar a forma de defesa da vítima, tal fato é observado na Lei das XII Tábuas, mais especificamente na Tábua VII, lei 11a. Remotos estudos informam, ser a Lex Aquilia (287 a.C) a primeira Lei, de forma ordenada, que regulamentou a Responsabilidade Civil delitual, sendo um plebiscito votado por proposição de um tribuno da plebe, de nome Aquilius, por volta do século III a.C., estabelecendo as bases da responsabilidade, a ponto de alguns textos, no estágio final do direito romano, já assegurarem a responsabilizaçãotanto por danos materiais quanto morais. As teses foram evoluindo, até que o Estado passou a intervir nos conflitos privados, fixando o valor dos prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a conciliação, renunciando à vingança. Na Idade Média, foi estruturada a idéia de dolo e culpa, distinguindo-se a responsabilidade civil da penal, antes não diferenciada pelo Direito Romano, o qual dava a responsabilidade tanto caráter de pena privada, como de reparação, sem distinção entre ambas. Consolidou-se nos tempos modernos, com a edição do Código Napoleônico de 1804, fonte inspiradora de toda a legislação codificada moderna, inclusive do Código Civil Brasileiro de 1916, que acolheu a teoria da culpa, no evento danoso passível de reparação. Por obra da doutrina, a teoria da responsabilidade civil se firmou, em consonância com o crescente progresso social e industrial, a responsabilidade civil evoluiu, teve alguns de seus princípios codificados pelo Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1o de janeiro de 1916), mas, sua maior evolução foi constatada com a promulgação da Constituição Federal, em data de 05 de outubro de 1988, posteriormente com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990) e mais recentemente com o Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), como veremos no discorrer deste trabalho. DINIZ (1998, p.22) assevera: A responsabilidade civil constitui um dos temas mais problemáticos da atualidade jurídica ante sua surpreendente evolução no direito moderno, seus reflexos nas atividades humanas e no progresso tecnológico e sua repercussão em todos os ramos do direito e na realidade social. Devido a seu campo ilimitado, não há entendimento uniforme doutrinário e jurisprudencial quanto à definição de seu alcance, à enunciação de seus pressupostos e à sua própria textura. 2.2. Conceito Etimologicamente, o vocábulo responsável, responder, conforme ensina SILVA, (1990, p. 124), vem do latim respondere, tomado na significação de responsabilizar-se, vir garantido, assegurar, assumir o pagamento do que se obrigou ou do ato que praticou. De acordo com SILVA (1990, p.125), Responsabilidade Civil, é a expressão usada na linguagem jurídica, em distinção à responsabilidade criminal ou penal. Designa a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano, quando injustamente causado a outrem. Revela-se, assim, ou melhor, resulta da ofensa ou da violação de direito, que redundam em dano ou prejuízo a outrem. Pode ter como causa a própria ação ou ato ilícito, como, também, o fato ilícito de outrem, por quem, em virtude de regra legal, se responde ou se é responsável. ... Percebe-se pela doutrina, a grande dificuldade enfrentada pelos autores em conceituar a responsabilidade civil. Cita-se alguns exemplos, segundo DINIZ (1998, p. 33/34): (...) Pirson e Ville conceituam a responsabilidade como a obrigação imposta pelas normas às pessoas no sentido de responder pelas conseqüências prejudiciais de suas ações; Sourdat a define como dever de reparar dano decorrente de fato de que se é autor direito ou indireto; e Savatier a considera como a obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que ele dependam. Outros como Josserand, a vêem sob um aspecto mais amplo, não vislumbrando nela uma mera questão de culpabilidade, mas de repartição de prejuízos causados, equilíbrio de direitos e interesses, de sorte que a responsabilidade, na concepção moderna, comporta dois pólos: o objetivo, onde reina o risco criado, e o subjetivo, onde triunfa a culpa. (grifo nosso) No Direito Positivo Brasileiro, a responsabilidade civil, vem para regular a conduta externa da pessoa física ou jurídica, no convívio social, pelos atos praticados por si ou seus representantes, que tenham causado danos, morais ou patrimoniais a terceiros, configurando o ilícito, tanto pela existência da culpa, como pela existência do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa, oriunda da imposição legal, gerando para ambas situações, obrigação de reparação. Sucintamente o conceito de responsabilidade civil, por DINIZ (1998, p.34): A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. RODRIGUES (2003, p.6), em sua obra, também conceitua a Responsabilidade Civil: A responsabilidade civil vem definida por SAVATIER como a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. Realmente o problema em foco é o de saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem o causou. Se a resposta for afirmativa, cumpre indagar em que condições e de que maneira será tal prejuízo reparado. Esse é o campo que a teoria da responsabilidade civil procura cobrir. 3. RESPONSABILIDADE CIVIL, A LUZ DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO O fato gerador da responsabilidade civil, sob o prisma do Código Civil é o ATO ILÍCITO, conquista do Direito moderno, estudada e difundida pelos alemães do século XIX, que criaram a parte geral do Direito Civil (Código Civil Alemão – BGB 1897), dando fundamento científico a teoria da responsabilidade atual. As definições clássicas de ato ilícito estão intimamente ligadas ao fator culpa. Com o advento do Código Civil de 2002, estas definições ficaram prejudicadas, haja vista que não se cogita a existência de culpa na responsabilidade objetiva. Para CAVALIERI FILHO (2006, p.32/33), o novo Código Civil assumiu em relação ao ato ilícito uma postura dicotômica, ou seja, o ato ilícito em sentido estrito, fundamentado na culpa (art. 186) e o ato ilícito em sentido amplo (art. 927, parágrafo único), àquele independente de culpa. Em sentido estrito, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade. ... Na responsabilidade subjetiva, como veremos, serão necessários, além da conduta ilícita, a culpa, o dano e o nexo causal. Esse é o sentido do art. 186 do Código Civil. A culpa está ali inserida como um dos pressupostos da responsabilidade subjetiva. (...)“ “Em sentido amplo, o ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico. Tal como o ato ilícito, é também uma manifestação de vontade, uma conduta humana voluntária, só que contrária a ordem jurídica. (...)” ” (...) Em sede de responsabilidade civil objetiva, cujo campo de incidência é hoje vastíssimo, só tem guarida o ato ilícito lato sensu, assim entendido como mera contrariedade entre a conduta e a ordem jurídica, decorrente de violação de dever jurídico preexistente. A responsabilidade civil, exibida pelo Código Civil de 1916, tem como única e principal estrutura a responsabilidade subjetiva, ou seja, baseada na culpa, enquanto que o Código Civil de 2002, embora também subjetivista, inovou nas entrelinhas e acrescentou a responsabilidade objetiva, sem culpa, baseada no risco, cujas diferenças observaremos no discorrer deste trabalho. 3.1. Responsabilidade Civil Contratual e Responsabilidade Civil Extracontratual A doutrina divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, com base na qualidade da violação do dever jurídico, que resultou dano a outrem, passível de indenização.A existência de vínculo obrigacional descumprido, gerador de indenização por inadimplemento, caracteriza a responsabilidade contratual, também denominada de ilícito contratual, existindo entre o agente e a vítima do dano, uma relação jurídica convencionada. O preceito que regula a responsabilidade contratual se encontra no artigo 389 do Código Civil: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” O ilícito pode se apresentar, também, fora de uma relação contratual, independente de convenção que relacione a vítima ao causador do dano, na verdade, o que existe é uma violação de conduta, infringindo a norma legal por dolo ou culpa, resultando prejuízo a outrem e o dever de indenizar. Trata-se então, da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, que se fundamenta no art. 186 do Código Civil, que dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Do dispositivo acima, percebe-se a existência de pressupostos, para que se caracterize a responsabilidade extracontratual e o dever de indenizar, quais sejam: ação ou omissão do agente; relação de causalidade; existência de dano e dolo ou culpa do agente. Quando da hipótese de responsabilidade contratual, anteriormente ao surgimento do dever de indenizar, há entre as partes, vínculo jurídico derivado de convenção, prevendo tal ato, bem como suas conseqüências; já na responsabilidade aquiliana, inexiste qualquer liame jurídico entre o agente causador do dano e a vítima, até que o ato daquele acione pressupostos da obrigação de indenizar, gerando tal obrigação. Assim, não seria demasiado considerar, que enquanto o art. 186, combinado com o art. 927, do Código Civil disciplina, as conseqüências oriundas da responsabilidade extracontratual, o art. 389 Codificado disciplina a responsabilidade contratual e seus efeitos. CAVALIERI FILHO conclui (2006, p. 18/19): Em suma: tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há a violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância ficam adstritos. E como contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei de ordem jurídica. Essa dicotomia, denominada clássica ou dualista, foi a acolhida pelo Código Civil brasileiro. Não obstante, essa distinção clássica, foi superada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 12, quando se reporta a responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços, pela violação da segurança, ocasionada por um acidente de consumo, pelo defeito do produto ou serviço, sendo esta sempre objetiva. A afirmativa acima será mais bem definida no decorrer deste trabalho, no capitulo que se refere a Responsabilidade nas Relações de Consumo. 3.2. Responsabilidade Subjetiva e Responsabilidade Objetiva Segundo RODRIGUES (2003, p.6): O fenômeno jurídico, embora seja um só, pode ser encarado sob mais de um ângulo. Vendo-o como um conjunto de normas que a todos se dirige e a todos vincula, temos o direito objetivo. É a norma da ação humana, isto é, a norma agendi. Se, entretanto, o observador encara o fenômeno através da prerrogativa que para o indivíduo decorre da norma, tem-se o direito subjetivo. Trata-se da faculdade conferida ao indivíduo de invocar a norma em favor, ou seja, da faculdade de agir sob a sombra da regra, isto é, a facultas agendi. Duas teorias diferenciam a responsabilidade subjetiva da responsabilidade objetiva, no âmbito da responsabilidade civil. A teoria clássica tem como principal pressuposto a responsabilidade subjetiva, fundamentada na culpa, também conhecida como teoria da culpa. A fundamentação da teoria da culpa ganhou magnitude pelo Código Civil Francês, então conhecido como Código de Napoleão. Muito bem difundido pelos estudiosos e doutrinadores franceses, que a partir de então, passaram a construir e difundir a doutrina subjetiva. A esta doutrina, filiou-se o legislador brasileiro, pelo artigo 159 do Código Civil de 1916, que dispunha: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. O Código Civil de 2002, em seu art. 186, manteve a culpa como fundamento da responsabilidade subjetiva: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” A responsabilidade é subjetiva quando baseada na culpa daquele que praticou ato ilícito, uma violação a um dever jurídico, provocando dano e prejuízo a vítima, logo, a mesma será obrigada a provar a culpa do agente na produção do dano, por isso, na ação reparatória, devem estar provados pela vítima a autoria, a culpabilidade, o dano e o nexo causal, sendo estes os requisitos principais da teoria em comento, claramente identificados no art. 186 do Código Civil. CAVALIERI FILHO fundamenta (2006, p. 41): Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil. Por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem mais presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e principalmente os absolutos, reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem”. Os pressupostos aqui examinados são comuns à responsabilidade contratual, com a ùnica peculiaridade de ser a prova da culpa, nesse caso, limitada à demonstração de que a prestação foi descumprida. A segunda teoria tem como fundamento o elemento objetivo, o dano. Na teoria objetiva, basta existir o dano, para surgir o dever de indenizar. Essa segunda corrente foi oriunda da constante evolução da sociedade, provocada pelo crescimento industrial e tecnológico, juntamente com o crescimento populacional, que com a geração de novas situações, restou impossibilitada a aplicação da teoria tradicional de culpa, principalmente pela dificuldade, em certos casos, de reunir todos os requisitos e/ou pressupostos para caracterizar esta referida teoria. Também denominada de teoria do risco, que se explica, pelo risco de determinadas atividades. Foi objeto de estudo principalmente na França, que sustentou a responsabilidade objetiva em determinadas situações, adotada no Brasil, em certos casos, como no Código de Defesa do Consumidor, atualmente ganhou novas proporções, com o advento do Código Civil de 2002, no parágrafo único do art. 927, art. 931 e outros. A aplicação desta teoria é excepcional, vez que a regra é a responsabilidadesubjetiva, e sua aplicação tem que estar disposta, expressamente, em lei. Na ação reparatória, basta a vítima provar a autoria e o dano, para obter êxito, em contra partida, se o suposto autor do dano não provar que a culpa foi exclusiva da vítima, não ficará isento de possível indenização. Assim, responderá civilmente pelo dano, aquele que, em virtude da atividade empreendida, expõe alguém ao risco de sofrer um dano. Como se percebe, o fundamento da responsabilidade objetiva está na existência do ônus da prova. Como ensina NORRIS (1996, p.34): Através de inversão do onus probandi, em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo ao agente, demonstrar a ausência de culpa, de sua parte, para se eximir do dever indenizatório. Para FIÚZA (2003, p. 615/616/617)), o Código Civil de 2002 ampliou a aplicação da teoria do risco, quando remeteu a esta, todos os casos em que a natureza da atividade do autor, implicar riscos para as demais pessoas. Enumerando as hipóteses de incidência, na seguinte forma: As principais hipóteses de incidência da responsabilidade objetiva são: 1a) responsabilidade dos pais pelos filhos menores, sob seu poder e companhia. Configurada a culpa do menor, os pais responderão, independente de terem ou não agido com culpa in vigilando; 2a) responsabilidade do tutor ou curador pelos pupilos ou curatelados, sob seu poder e companhia. Configurada a culpa do pupilo ou do curatelado, o tutor ou curador responderão, independente de terem ou não agido com culpa in vigilando; 3a) responsabilidade das pessoas jurídicas ou naturais que exerçam empresa hoteleira, de hospedaria, casa ou estabelecimento em que se albergue por dinheiro, mesmo para fins educativos, por seus hóspedes, moradores e educandos; 4a) responsabilidade daquele que, gratuitamente, participar nos produtos de crime, praticado por outrem, pelos danos, até a quantia com que se haja beneficiado; 5a) responsabilidade do empregador pelos danos que seus empregados, no exercício de suas funções, causarem a terceiros. Configurada a culpa do empregado, o empregador responderá, independentemente de ter ou não agido com culpa in eligendo; 6a) coisas caídas ou lançadas de prédio. Sempre que um objeto cair ou for lançado de imóvel, o dono deste responderá pelos danos, ainda que se prove o fortuito. Tratando-se de condomínio, todos os condôminos responderão, dividindo os prejuízos. Sendo identificada a unidade de onde veio a coisa, o condomínio terá assegurado direito de regresso contra ela. Apesar de o art. 938 do Código Civil não se referir expressamente à responsabilidade objetiva, neste caso, entende-se que o dever de indenizar subsiste, mesmo na ausência de culpa do dono do prédio, uma vez que a norma se refere a objetos não só lançados, mas também caídos em local indevido. Ademais, não fosse o caso de inversão do ônus da prova ou de responsabilidade objetiva, não haveria a necessidade de um artigo específico para a hipótese. Por outros termos se o legislador não tivesse a intenção de incluir a queda ou lançamento do objeto de um imóvel em lugar indevido, dentre os casos de responsabilidade objetiva, não lhe teria aberto artigo específico. A questão se solucionaria com a norma genérica dos arts. 186 e 927, provada a culpa do dono do imóvel; 7a) acidentes de trabalho. A Previdência Social deverá indenizar os danos sofridos pelo trabalhador no exercício de suas funções, a não ser que comprove ter sido dele a culpa; 8a) acidentes com aeronaves, trens e bondes. Os donos de aeronaves, trens e bondes são responsáveis pelos danos que estes causarem, ainda que provado o caso fortuito. Assim, se uma aeronave cai em virtude de raio que tenha incendiado suas turbinas, a companhia aérea deverá reparar todos os danos causados; 9a) acidentes nucleares. Havendo acidente nuclear, os responsáveis pela guarda do material radioativo deverão indenizar todos os danos ocorridos, ainda que se prove caso fortuito; 10a) aquele que agir em estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito ou estrito cumprimento de dever legal, apesar de não praticar ato ilícito, deverá reparar todos os danos sofridos por terceiros. Se para salvar alguém, for necessário arrombar uma porta, o dono da porta, desde que nada tenha a ver com o fato, deverá ser indenizado; 11a) os empresários individuais e as sociedades empresárias respondem objetivamente pelos danos causados por produtos que puserem em circulação. Esta norma já estava prevista, em outros termos no Código do Consumidor, segundo o qual o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. A responsabilidade recairá sobre o comerciante, se o produtor, o construtor, o fabricante ou o importador não puderem ser identificados; se o produto for fornecido sem identificação clara de seu fabricante, produtor, construtor ou importador; e se os produtos perecíveis não forem bem conservados: 12a) toda a pessoa que exercer atividade, que por sua natureza, importe risco às demais pessoas, responderá objetivamente pelos danos causados por sua atividade. Como exemplo, pode citar-se o caso de uma empresa que produz fogos de artifício. Vindo a fábrica a explodir, causando danos a outras pessoas, a indenização independerá da prova da culpa; 13a) acidentes ambientais; 14a) instituições que realizam pesquisas genéticas responderão objetivamente, segundo o art. 14 da lei 8.974/95. Por fim, constata-se que o Código Civil Brasileiro, por se estabelecer na teoria da culpa, tanto numa relação contratual ou extracontratual, e por exigir a comprovação do dano e do nexo de causalidade, a regra é a responsabilidade subjetiva, sendo exceção a responsabilidade objetiva e algumas leis extravagantes, onde se responde sem a exigência da comprovação da culpa. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL NAS RELAÇÕES DE CONSUMO A responsabilidade civil nas relações de consumo, surgiu do anseio social, como um novo direito, na busca de se adaptar as constantes mutações sociais, decorrentes do desenvolvimento tecnológico e científico do século XX, que exigiam urgentes transformações no ordenamento jurídico, vez que as normas existentes, por ultrapassadas, não alcançavam os constantes avanços da sociedade, o que vinha provocando um patente desequilíbrio entre o social e o jurídico. Como novo direito, o direito do consumidor, foi de encontro com a Codificação existente, principalmente o Código Civil de 1916, este totalmente individualista, ao contrário do que ansiava a sociedade de consumo, que buscava a igualdade nas relações consumeristas, que até então não existia. Com a Revolução Industrial, a produção passou a ser em massa, em grandes quantidades, devido a explosão demográfica, que exigia rapidez e agilidade com o aumento da demanda, conseqüentemente, a distribuição dos produtos, também sofreu transformações e pela enorme quantidade produzida, eram distribuídos em massa, passando o comerciante e o consumidor a receberem os produtos lacrados e embalados, na maioria das vezes sem conferir o que estavam adquirindo. Essa estrutura de produção e distribuição em grande quantidade, fez surgir novos instrumentos jurídicos, os tão conhecidos e falados contratos coletivos, contratosde massa e o mais famoso o contrato de adesão, este totalmente unilateral, com normas preestabelecidas somente pelo fornecedor, sem qualquer participação do consumidor, o que provocou práticas abusivas ostensivas, das mais vis possíveis, ocasionando insustentáveis desigualdades econômicas entre o fornecedor e o consumidor, estes, principais partícipes da relação de consumo. A economia mundial em constante crescimento e cada vez mais complexa, a cada década, corroborava para os mercados com menos fronteiras, ampliando as relações entre si, rumo a globalização. Tais transformações repercutiam externa e internamente, atingindo as relações de consumo, na medida em que a economia se internacionaliza, aumentava proporcionalmente o âmbito das relações consumeristas, provocando um crescente distanciamento entre o fornecedor e o consumidor. A conjuntura da época, marcada pela massificação das relações de consumo, prejudicava principalmente o consumidor, haja vista a sua condição de vulnerabilidade, frente a supremacia econômica em favor do empresário, que dominava o crédito e as técnicas de marketing, configurando uma situação de desequilíbrio na relação sócio-jurídica de que participavam. A sociedade de consumo, sempre crescente e desigual, onde o poder de barganha dos fornecedores esmagavam os consumidores vulneráveis, seja por práticas comerciais abusivas ou por divulgações de propagandas enganosas ou distorcidas da realidade. A responsabilidade civil do fabricante, do produtor ou do comerciante era regida somente pelo Código Civil (art. 159), por ser subjetiva, baseada na culpa, ao consumidor caberia o ônus de provar a culpa do demandado, pelo defeito de determinado produto ou serviço, o que, na maioria das vezes era impossível, principalmente quando o fabricante/produtor era de nacionalidade estrangeira, ficando os consumidores lesados e prejudicados, principalmente pelas dificuldades de acesso à justiça, por falta de uma legislação específica. Existia ainda a questão dos vícios redibitórios, no curto prazo de 15 (quinze) dias a contar da tradição para as coisas móveis e o ajuizamento da ação de responsabilidade contra o fabricante (nacional ou estrangeiro) no local da sua sede, o que dificultava a busca do direito e colocava o consumidor em situação de inferioridade, a mercê do poder econômico. A situação era crítica, não adiantava mais qualquer “remendo” na legislação, posto que as normas e remédios jurídicos existentes para a proteção efetiva do consumidor, encontravam-se obsoletas, ineficazes e totalmente ultrapassadas. A situação exigia uma nova postura jurídica, capaz de permitir o delineamento de um novo direito, fundado em princípios modernos e eficazes. Daí surgiu o direito do consumidor, nos principais países do mundo, graças aos estudiosos e aplicadores do direito, que com inovadoras e constantes decisões jurisprudenciais, fizeram-se entender pela mudança, provocando a edição de leis especiais que disciplinassem as relações de consumo. O Estado de Direito Brasileiro, ante a flagrante situação de desequilíbrio social e patente interesse público, interveio na órbita privada, no sentido de promover maior proteção ao consumidor, uma vez que cabe ao Estado, intervir na ordem econômica, quando o interesse público o exigir. Nas palavras de CARVALHO (http://www.neofito.com.br/artigos): Não estando fornecedores e consumidores em igualdade de posição, logicamente o modelo adotado pelo Estado para a elaboração de um Código de Defesa do Consumidor deverá ser, necessariamente, o modelo intervencionista, visando à uma possibilidade de elevação do consumidor, possibilitando, desta forma, uma igualdade de condições na relação de consumo. No Brasil, a lei especial que comandaria as relações de consumo, emanou de expressa determinação constitucional, com o advento da Carta Política de 1988. Nas constituições anteriores, não havia designação alguma à defesa do consumidor, por isso, o constituinte da atual Lex Mater, destacou os direitos do consumidor entre direitos e garantias fundamentais, bem como entre os princípios da Ordem Econômica. Confiram-se os dispositivos Constitucionais: Artigo 5o , inciso XXXII: Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXII – o Estado promoverá , na forma da lei, a defesa do consumidor; (...) Artigo 24, inciso VIII: Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII – responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (...) Artigo 150, parágrafo 5o. Art. 150. Sem prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) § 5o. A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. (...) Artigo 170, parágrafo V. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) V – defesa do consumidor; (...) Artigo 175, parágrafo único. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado. Por fim, o art. 48 do Ato das Disposições Transitórias onde ficou estabelecido prazo de 120 dias, da promulgação da Constituição Federal, para que o Congresso Nacional elaborasse o Código de Defesa do Consumidor. Observa-se, que nas oportunidades referidas, em títulos e capítulos distintos, a vontade do constituinte foi manifesta na expressão “defesa do consumidor”. O vocábulo “defesa”, originário do latim defensa, é um substantivo que significa a execução de um ato por alguém para se defender de algo contra si investido e que lhe cause dano. Não deixa de ser, a resistência a um ataque a um bem da vida, a fim de que seja restaurada a normalidade das relações jurídicas, ou, no entender de SILVA (1990, p.20), que expõe: (...) em sentido amplo, para indicar todos os meios que assistem a cada pessoa para contrapor-se aos ataques dirigidos à sua pessoa ou a seus bens, em virtude dos quais opõe justa repulsa as ofensas físicas ou jurídicas, pelos mesmos intentadas. A determinação da Constituição Federal em estabelecer regras de defesa do consumidor compreende, também, a sua defesa por meio de ações preventivas previstas na lei, em razão da potencialidade ofensiva presumidamente possuída por aqueles responsáveis pela fabricação e fornecimento do produto ou pela prestação do serviço. A defesa do consumidor está inserida na Carta Magna como garantia fundamental a ser dada pelo Estado ao cidadão.Nesse passo, NUNES (2004, p.65), dispõe: Não será possível interpretar adequadamente a legislação consumerista se não tiver em mente esse fato de que ela comporta um subsistema no ordenamento jurídico, que prevalece sobre os demais – exceto, claro, o próprio sistema da Constituição, como de resto qualquer norma jurídica de hierarquia inferior - , sendo aplicável às normas de forma supletiva e complementar. Ainda assevera NUNES (2004, P.65/66): “(...), o CDC é uma lei principiológica, modelo até então inexistente no Sistema Jurídico Nacional.” Continua: Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos, assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional.(...) E mais e principalmente: o caráter principiológico específico do CDC é apenas e tão-somente um momento de concretização dos princípios e garantias constitucionais vigentes desde 5 de outubro de 1988 como cláusulas pétreas, não podendo, pois, ser alterados. Assim, em setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor foi sancionado, entrando em vigor em Março de 1991, por intermédio da promulgação da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, diploma bastante elogiado por sua modernidade e aplicabilidade, muitos de seus princípios são inovadores, codificação digna de exemplo para os mais avançados países do mundo. Nos dizeres de NUNES (2004, p.3) “O resultado foi tão positivo que a lei brasileira já inspirou a lei de proteção ao consumidor na Argentina, reformas no Paraguai e no Uruguai e projetos em países da Europa.” Foi objetivado, com o intuito de tutelar, de forma única e uniforme os interesses patrimoniais e morais de todos os consumidores. Seus princípios e normas são de ordem pública e interesse social, restabelecendo o equilíbrio nas relações de consumo, ante a vulnerabilidade do consumidor. Essa vulnerabilidade prende-se ao contexto das relações de consumo, tal como figura na lei, independente de grau econômico ou cultural do envolvido, não admitindo prova em contrário. CAVALIERI FILHO (2006, p. 485/486) esclarece: Promover a defesa do consumidor (Constituição Federal, art. 5o, XXXII) importa restabelecer o equilíbrio e a igualdade nas relações de consumo, profundamente abaladas por aquele descompasso entre o social e o jurídico, ao qual nos referimos (Código de Defesa do Consumidor, art. 8o, III). Em outras palavras, a vulnerabilidade do consumidor é a própria razão de ser do nosso Código do Consumidor; ele existe porque o consumidor está em posição de desvantagem técnica e jurídica em face do fornecedor. E foi justamente em razão dessa vulnerabilidade que o Código consagrou uma nova concepção do contrato – um conceito social, no qual a autonomia da vontade não é mais o seu único e essencial elemento, mas também, e principalmente, os efeitos sociais que esse contrato vai produzir e a situação econômica e jurídica das partes que o integram. Ainda em razão dessa vulnerabilidade, o Estado passou a intervir no mercado de consumo ora controlando preços e vedando cláusulas abusivas, ora impondo o conteúdo de outras e, em certos casos, até obrigando a contratar, como no caso dos serviços públicos. Ao juiz foram outorgados poderes especiais, não usuais no Direito tradicional, que lhe permitem, por exemplo, inverter o ônus da prova em favor do consumidor, desconsiderar a pessoa jurídica, nulificar de ofício as cláusulas abusivas, presumir a responsabilidade do fornecedor até prova em contrário, e assim por diante. Importa relatar, que as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor, podem e devem ser aplicadas em todas as relações de consumo onde quer que venham ocorrer independentes da área do Direito. O âmbito da sua proteção, quando vinculada a uma relação de consumo, deve ser ampla e ilimitada, sem qualquer restrição, salvo quando se referir a consumo decorrente de atividades ilícitas, como o fornecimento de drogas, contrabando, etc. Entende-se por Relação de Consumo, a relação jurídica, contratual ou extracontratual, que tem de um lado o fornecedor de produtos e serviços e de outro o consumidor, objetivando a circulação de produtos e serviços, regulada pelo Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, muito bem elucida LISBOA (1999, p.5/6): A relação de consumo é o vínculo jurídico por meio do qual se verifica a aquisição, pelo consumidor, de um produto ou de um serviço, junto ao fornecedor. (...) De acordo com a sistematização dada pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro, apenas a relação jurídica de consumo sofrerá a sua incidência, e não outra. Para tanto, foram dispostos parâmetros para caracterização da relação jurídica de consumo. É descabida, portanto, a aplicação da legislação consumerista às relações jurídicas que não se encontrarem dotadas dos elementos subjetivos (fornecedor e consumidor) e objetivos (produto ou serviço), que a relação de consumo deve necessariamente conter, por força dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90. (...) Todos os elementos subjetivos da relação de consumo devem estar presentes, para que ela seja considerada como tal e sofra a incidência da norma jurídica protecionista do consumidor. Assim, em uma parte da relação jurídica, o fornecedor deve se fazer presente; e, na outra, o consumidor. (...) A destinação final é a causa que serve de motivo, de determinação da parte, o que permite a aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor. Ausente qualquer um desses elementos – fornecedor, consumidor, produto ou serviço e destinação final do bem da vida (causa) a relação não será de consumo, porém outra. Não obstante, toda a codificação em prol do consumidor, clara e objetiva, a sua aplicabilidade ainda não é tão freqüente, como deveria ser, sua existência de 15 (quinze) anos não comporta toda a experiência de 75 (setenta e cinco) anos de um Código Civil, totalmente individualista, no qual não exista a relação de consumo, na forma atualmente considerada. Interessante descrever o que observa NUNES (2004, p.2), quando do surgimento da legislação consumerista: “(...) durante praticamente o século inteiro, no Brasil, acabamos aplicando às relações de consumo a lei civil para resolver os problemas que surgiram e, por isso, o fizemos de forma equivocada.” Prossegue em seu raciocínio: Esses equívocos remanesceram na nossa formação jurídica, ficaram na nossa memória influindo na maneira como enxergamos as relações de consumo, e, atualmente, temos toda a sorte de dificuldades para interpretar e compreender um texto que é bastante enxuto, curto, que diz respeito a um novo corte feito no sistema jurídico, e que regula especificamente as relações que envolvem os consumidores e fornecedores. 4.1. Sujeitos da relação de consumo Nessa relação jurídica de consumo, figuram o CONSUMIDOR, e o FORNECEDOR de produtos ou serviços, ambos definidos pelos artigos 2o e 3o do Código de Defesa do Consumidor: Art. 2o. Consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo” Art. 3o. Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,que desenvolvem atividades e produção, montagem, criação, construção, transformação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1o. Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2o. Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Considera-se CONSUMIDOR o destinatário final do produto ou serviço, ou seja, o utente que faz uso do bem ou serviço, de forma imediata ou permanente, com exclusiva finalidade de consumo. Atenta-se ao fato de que se o produto ou serviço foi adquirido por alguém, para exercer outra atividade onerosa sobre o mesmo, este não será considerado consumidor, eis que houve apenas uma intermediação do bem ou serviço. É de ressaltar, que o consumidor não é meramente quem adquire o produto ou serviço, pagando o preço correspondente, mas também, aquele que efetivamente o fruirá, como no caso do terceiro, como destinatário final em operação não onerosa, realizada após a operação originária. Assim, a proteção da lei do consumidor, também atinge àquele que utiliza o produto ou serviço como destinatário final, como no caso de produto adquirido por alguém e emprestado ou cedido a terceiro. PAULO NETO (http://www.estacio.br/graduação/direito), assevera: Oportuno frisar-se que tais ilações só são possíveis em face do caráter objetivista que a Lei nº 8.078/90 imprimiu ao conceito de consumidor, o qual não teria limitações senão na destinação do objeto da relação, sem se importar com quaisquer limitações de índole subjetiva. Na definição de Consumidor, o referido Código trouxe inovações, quando incluiu a pessoa jurídica como sujeito da relação de consumo, na condição de consumidor, quando adquire produtos ou serviços exclusivamente para o seu uso, como destinatário final, não incorporando em outro ou o revendendo, nesse caso, devem também ser incluídas as entidades despersonalizadas, como o condomínio, a massa falida e o espólio. Dentro dessa ótica objetivista, que condicionou também as pessoas jurídicas como consumidoras, na relação de consumo codificada, o legislador foi de encontro, com a doutrina européia, que alberga somente as pessoas físicas e morais (entidades assistenciais, de beneficência, etc..) a legislação de proteção ao consumidor. No caso da pessoa jurídica, considerada consumidora, há de se observar que o produto ou serviço adquirido pelo ente, seja relacionado ao consumo, no caso de bens, que não se refira a bens de capital, e que entre o fornecedor e o então consumidor (pessoa jurídica), haja uma vulnerabilidade em detrimento daquele, com o fito de respeitar as relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista econômico, organizada pelo Código Civil. O FORNECEDOR, figura como o operador econômico, pessoa física ou jurídica, que participa do ciclo produtivo-distributivo, desenvolvendo atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Do conceito legal, pode-se deduzir que fornecedor é aquele que provisiona o mercado de produtos ou serviços destinando-os ao consumo, assim, para a sua configuração, basta que desenvolva atividade civil ou mercantil, sendo responsável pelo oferecimento, entrada ou intermediação de produtos e serviços no mercado, como práticas de atos de comércio ou de indústria continuados e habituais. Desde que pratiquem atividades de fornecimento, oferecimento de bens ou serviços, ao mercado consumidor, outras entidades podem ser conceituadas como fornecedores, participando da relação de consumo, sendo hábeis a assumir obrigações, como por exemplo os entes despersonalizados. A pessoa Jurídica de Direito Público, também foi destacada no conceito de fornecedor, dessa forma, o Poder Público, por si, suas empresas públicas, bem como as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, sujeitam-se as disciplinas do Código Consumerista, quando partícipes da relação de consumo. Assim, os entes públicos ligados ao Poder Público serão considerados fornecedores, em razão dos serviços ou produtos disponibilizados no mercado, participando da relação de consumo, somente mediante tarifa ou preço público, quando desta forma, agem sem que prevaleça o poder de império do Estado. Desta forma, resta induvidoso que na relação de consumo estando presentes um fornecedor e um consumidor, havendo entre eles um produto ou a prestação de um serviço, as regras a serem aplicadas à relação jurídica existente, serão as previstas na Lei nº 8.078/90, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor, revogando-se outras disposições conflitantes, mesmo porque o referido Código estabelece normas de ordem pública e interesse social. A colocação de bens e serviços no mercado de consumo a cargo dos fornecedores, provoca uma responsabilidade decorrente do inadimplemento da obrigação contratual (responsabilidade contratual) ou da violação de direitos tutelados pela ordem jurídica de consumo (responsabilidade extracontratual). Antes do advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil dos fornecedores era obtida com a aplicação do art. 159 do Código Civil, na qual deveria ser comprovada a culpa ou dolo do fornecedor, para poder ser aplicada alguma responsabilidade de reparação do dano, eventualmente ocasionado, como explicitado acima. Como analisa CARVALHO (http://www.neofito.com.br/artigos): (...), podemos observar que o atual Código de Defesa do Consumidor – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 – inovou em relação à responsabilidade do fornecedor junto aos consumidores, tornando-se inaplicável, in casu, o art. 159 do Código Civil. (...) Com o Código Consumerista, o fornecedor de produtos e serviços, tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independente de culpa, a responsabilidade então, passa a ser objetiva, fundada na teoria do risco. Deste modo, numa relação de consumo, a responsabilidade gerada pelo simples fato de dispor-se o fornecedor a realizar atividades, em solidariedade ou não, gerando produtos ou executando serviços, é sem dúvida, um corolário do princípio da segurança materializado no art. 8o do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece o dever do fornecedor de não colocar no mercado de consumo, produtos ou serviços com defeitos ou vícios, que coloquem em risco a saúde ou segurança do consumidor. O artigo 8o do Código de Defesa do Consumidor preleciona: Art. 8o. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito. Parágrafo Único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto. Na relação de consumo, distinguem-se dois tipos de responsabilidade, sistematizadas pelo Código, quais sejam: a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, fundamentada pelos artigos 12 a 14 e 17 e a responsabilidade por vício do produto e do serviço, nos artigos 18 a 20, ambos, do Código de Defesa do Consumidor. Com a Lei nº 8.078/90 foi estatuída uma nova mentalidadeem relação ao consumo, fazendo com que o cidadão passasse a exigir qualidade dos produtos e dos serviços oferecidos, alterando de modo substancial, as relações econômicas, beneficiando tanto o consumidor, como também o mercado. Além dos remédios processuais, o consumidor tem o respaldo das entidades públicas e particulares, que o orientam na defesa de seus direitos, entre outras: - PROCON - Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor, órgão da secretaria Estadual de Justiça e Defesa da Cidadania; - DECON - Departamento Estadual de Polícia do Consumidor, órgão da Secretaria da Segurança Pública; - IPEM – Instituto de Pesos e Medidas da Secretaria de defesa do Consumidor, fiscaliza o padrão do produto no mercado, por fiscais, passível de aplicação de multa, quando o produto não está de acordo com as normas pertinentes; - INMETRO – Instituto de metrologia normalização e qualidade industrial; - IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, entidade privada. Importante aduzir, que até o presente tópico, foram pinceladas, noções da responsabilidade civil e da responsabilidade consumerista, com o objetivo de melhor esclarecer a relação de consumo, para que pudesse ser introduzido o caso concreto, objeto deste trabalho, o qual se refere tanto a responsabilidade pelo fato do produto, em seus artigos 12 e 13, como a responsabilidade pelo vício do produto, art. 18, ambos, do Código de Defesa do Consumidor. O foco deste trabalho se refere, ao caso concreto, onde foi imputado pelo IPEM/RN (Instituto de Pesos e Medidas do Estado do Rio Grande do Norte), ao comerciante a responsabilidade solidária, com conseqüência de multa pecuniária, em decorrência de auto de infração, por irregularidades da identificação de produtos têxteis comercializados por este, com fulcro no art. 12 e 18 do Código de Defesa do Consumidor, além da legislação específica, sendo isentado da respectiva multa, pelo Juízo da Terceira Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte, com base no art. 13 do Código de Defesa do Consumidor, decisão confirmada pela Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5a Região, o que será explicitado quando da explanação dos fatos, mais adiante. Porém, antes da apresentação do estudo de caso, importante definirmos, em breve relato, a questão do fato e do vício do produto, citando e enfatizando os artigos pertinentes ao caso concreto, quais sejam, arts. 12, 13 e 18 do Código de Defesa do Consumidor. 4.2. Responsabilidade pelo Fato e pelo Vício do Produto 4.2.1. Responsabilidade objetiva nas relações de consumo Como relatado em linhas passadas, o modelo de responsabilidade civil, adotado pelo Código Civil de 1916, vigente à época, revelava-se inadequado e insuficiente ante as características da sociedade consumerista, provocando um crescente descompasso na relação de consumo. Sensível a esta mutação na ordem social, o legislador procurou adequar essa mudança também no ordenamento jurídico, o que foi concretizado pelo Código de Defesa do Consumidor, que adotou o sistema da responsabilidade civil objetiva, visando a assegurar ao consumidor a máxima tutela de direitos. Corrobora PAULO NETO (http://www.estacio.br/graduação/direito): É de se registrar que a existência de um conjunto orgânico e sistêmico de normas legais destinado especificamente às relações de consumo não revela senão a preocupação do Estado em adequar os institutos jurídicos à realidade de ditas relações, caracterizadas, como afirmado antes, pelo desequilíbrio, fruto da desigualdade existente entre os sujeitos que delas participam em posições antagônicas. Nesse sentido, vale dizer, por exemplo, que a liberdade contratual plena, assentada na autonomia da vontade, no pacta sunt servanda e na igualdade formal das partes, institutos imperativos no Direito Civil, encontram no CDC, restrições que protegem os interesses do consumidor em face de sua hipossuficiência. Outrossim, cite-se, ainda exemplificativamente, que a responsabilidade civil por acidentes de consumo é objetiva, ao contrário do que se dá nas relações ordinárias regidas pelo Código Civil, em que, via de regra, a responsabilidade é assentada na culpa, sendo, pois, de índole subjetiva. A responsabilidade civil objetiva, tem como base a teoria do risco, qual seja, a atividade exercida pela pessoa, física ou jurídica, cria um risco de dano para terceiros. Na relação de consumo, essa atividade é realizada em benefício daquele que a pratica, ou seja, em proveito do agente. Em face desse risco, insurge a responsabilidade pelos danos causados em decorrência da conduta de quem a pratica e se favorece de tal atividade, não sendo imprescindível a prova do dolo, negligência, imprudência ou imperícia, ou seja, dispensável a comprovação da culpa. Assim, na responsabilidade objetiva, não se exige do consumidor prova de culpa do fornecedor, produtor, fabricante, importador, e até do comerciante, em certos casos, para que o mesmo seja obrigado a reparar o dano, basta a prova eficaz do evento danoso contra si praticado e do nexo causal entre a comportamento do agente e o dano. Expõe PAULO NETO (http://www.estacio.br/graduação/direito), na responsabilidade objetiva, “a prova de culpa é inexigível, seja porque ela é presumida, seja porque, de todo dispensável ou prescindível.” Comenta: Assim, há a responsabilidade objetiva com culpa presumida e a responsabilidade objetiva com culpa prescindível. No primeiro caso, embora a culpa não precise ser provada pela vítima, permite-se que o agente faça prova ao contrário, isto é, prova de fato que exclua sua culpa, donde se conclui que, neste caso, milita uma presunção relativa de culpa do agente, tendo-se, por conseqüência apenas, a inversão, em detrimento deste, do onus probandi. No segundo caso, o agente da conduta lesiva será responsabilizado independentemente da existência de culpa; não há qualquer indagação acerca de culpado agente; os fatos são vistos de forma objetiva, não cabendo valoração comportamental do agente ou de quem quer que seja. Desta feita, na relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor é sempre objetiva. Resta argüir, que estão expostos aos mesmos riscos, passíveis de responsabilidade do fornecedor, tantos as relações de consumo originadas de contratos, como aquelas oriundas extra contratualmente, posto que o legislador unificou o regime, para assegurar maior proteção ao consumidor. 4.2.2. Responsabilidade pelo fato do produto A responsabilidade pelo fato do produto, no entendimento CAVALIERI FILHO (2006, p. 498), “(...) é um acontecimento externo, que ocorre no mundo exterior, que causa dano material ou moral ao consumidor (ou ambos), mas que decorre de um defeito do produto. “ O produto será tido como defeituoso quando não oferecer a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: sua apresentação; o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam e a época em que foi colocado em circulação. Consoante o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, esse defeito pode ser de concepção (criação, projeto, fórmula), de produção (fabricação, construção, montagem) e ainda de comercialização (informações, publicidade, apresentação, etc.). A repercussão externa do defeito do produto se materializa, provocando os chamados acidentes de consumo, atingindo a incolumidade físico- psíquica do consumidor e o seu patrimônio. Então, a responsabilidade pelo fatodo produto, é aquela decorrente de danos materiais ou morais, ocasionados pelo defeito do produto, provocando um acidente de consumo danoso para o consumidor ou terceiro, quando a este equiparado. No sistema brasileiro, a responsabilidade do fabricante, independe de culpa, como expressa o art.12 do Código de Defesa do Consumidor: Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente de existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1o. O produto é defeituoso quando não oferecer a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – sua apresentação; II – o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi colocado em circulação. § 2o. O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado. § 3o. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I – que não colocou o produto no mercado; II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Segundo se entende pelo dispositivo acima, o fato gerador que fundamenta a responsabilidade do fornecedor, não é mais a relação jurídica contratual, tampouco a conduta culposa, mas sim o produto defeituoso lançado no mercado, e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente. Ao desconsiderar a culpa, o legislador acolheu os postulados da responsabilidade objetiva, posto que desconsidera no plano probatório quaisquer investigações relacionadas com a conduta do fornecedor. Conforme se observa no respectivo artigo, o legislador tentou atrair para o campo incidental da norma todas as técnicas de elaboração dos produtos, bem como toda a gama de procedimentos utilizados com vistas àquele objetivo. A doutrina costuma caracterizar os defeitos dos produtos, da seguinte forma: - Defeito de concepção – pode resultar do erro no projeto tecnológico do produto, como na escolha do material inadequado, ou ainda, do componente orgânico ou inorgânico nocivo a saúde. Provoca reação em cadeia, alcançando todos os produtos da mesa série, cuja prevenção é realizada com o recolhimento do produto, já exposto no mercado, o chamado recall. - Defeito de produção – são aqueles ocasionados em decorrência de falha no processo produtivo, mecânico ou manual, relacionados a fabricação, a construção, a montagem, a manipulação e ao acondicionamento dos produtos, intrinsecamente alistado com o controle de qualidade desenvolvido pela empresa. - Defeito de informação ou de comercialização, são aqueles de decorrem de sua apresentação, informação insuficiente ou inadequada ao consumidor, veiculadas no produto, em sua embalagem ou acondicionamento, bem como pelos meios de comunicação. O defeito suscetível ao dano é aquele relacionado com a segurança que dele se espera, levando-se em consideração aspectos extrínsecos, como a apresentação do produto, e intrínsecos como a sua utilização e a época em que foi colocado em circulação. Na realidade, as circunstâncias de fato, em cada caso concreto, é que irão ditar as regras para aferição dos defeitos apresentados. Assim, observa-se que no fato do produto o defeito é tão grave que ultrapassa o limite valorativo do produto, provocando um acidente que atinge, geralmente, além do patrimônio, a incolumidade físico-psíquica do consumidor, causando-lhe danos à sua saúde ou a sua segurança. CAVALIERI FILHO (2006. p.498) exemplifica: (...) Ora é um defeito de fabricação ou montagem em uma máquina de lavar, numa televisão, ou em qualquer outro aparelho eletrodoméstico, que provoca incêndio e destrói a casa; ora uma deficiência no sistema de freio do veículo que causa acidente com graves conseqüências; ora, ainda, é um erro na formulação de medicamento ou substância alimentícia que causa dano a saúde do consumidor, como câncer, aborto, esterilidade e etc. Pergunta-se, e de quem seria a responsabilidade pelo fato do produto? Em consonância com o artigo 3o do Código de Consumidor, o fornecedor alcança todos os partícipes do ciclo produtivo-distributivo, fazendo surgir 03 (três) modalidades de responsáveis, quais sejam:o real (fabricante, construtor, produtor); o presumido (importador) e o aparente (comerciante). A bem da verdade, o art. 12 do Código somente responsabiliza, pelo fato do produto, o fabricante, o produtor, o construtor e o importador, excluindo o comerciante. CAVALIERI FILHO com muita propriedade explica (2006, p.503): (...) O comerciante foi excluído em via principal porque ele, como já destacado, nas relações de consumo em massa, não tem nenhum controle sobre a segurança e qualidade das mercadorias. Recebe os produtos fechados, embalados, enlatados, como ocorre, por exemplo, nos super e hiper mercados, nas grandes lojas de departamentos e drogarias, e assim os transfere aos consumidores. Em suma, o comerciante não tem poder para alterar nem controlar técnicas de fabricação e produção. Desta feita, cabe ao fabricante ou produtor, assumir o risco de todo o processo de produção e do ciclo do consumo, posto que dominam todo o processo de produção e são os responsáveis diretos pela introdução da coisa perigosa no mercado e por intermédio deste os produtos chegam aos distribuidores, já preparados e embalados, para o consumo. Caso exista mais de um fabricante, para o mesmo produto, ou mais de um causador do dano, todos deverão responder solidariamente pela reparação. No caso, cabe ação regressiva contra aquele que efetivamente deu causa ao defeito ou contra os demais coobrigados, na medida da participação de cada um, consoante preleciona o art. 7o, parágrafo único e art. 25, parágrafo primeiro do Código de Defesa do Consumidor. Não caberá responsabilidade do fornecedor, do dever de reparar, pelo fato do produto, em síntese, se provar a ausência de nexo causal ou por culpa exclusiva da vítima ou terceiro, conforme preleciona o art. 12, § 3o, I, II, III. O artigo 13 do Código de Defesa do Consumidor, se reporta a responsabilidade do comerciante, na seguinte forma: Art.13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso. Como verificado no art. 12 Codificado, o comerciante foi excluído do rol dos principais responsáveis pelos acidentes de consumo ocorridos, quanto ao fato do produto, haja vista que não possui qualquer tipo de controle sobre a segurança e qualidade das mercadorias, eis que as recebe em embalagens fechadas. Excluído, mas não esquecido. O legislador achou por bem, responsabilizar o comerciante subsidiariamente, ou seja, em via secundária, como uma segundaopção, quando o fabricante, o construtor, o produtor ou importador não puderem ser identificados; o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador ou quando o comerciante não conservar adequadamente os produtos perecíveis. Dessa forma, muitas são as possibilidades de o consumidor acionar os responsáveis pelo defeito do produto. No caso do comerciante, é o denominado fornecedor aparente, aquele que revende o produto, o expõe a venda, ou até mesmo vincula sua marca, embora não seja este o fabricante. A inclusão do comerciante como responsável subsidiário, não exclui a responsabilidade do fornecedor, muito pelo contrário, mesmo naqueles casos de má conservação de alimentos, o fabricante e o produtor não ficam isentos do dever de indenizar. CAVALIERI FILHO opina com acuidade (2006, p. 505): O comerciante, repetimos, não é terceiro em relação ao fabricante (produtor ou importador), pois é ele que o escolhe para vender os seus produtos. Logo, responde também por qualquer defeito do produto ou serviço, mesmo que surja já no processo de comercialização. O dever jurídico do fabricante é duplo: colocar no mercado produtos sem vícios de qualidade e impedir que aqueles que os comercializam, em seu benefício, maculem sua qualidade original. A ação de responsabilidade civil por danos causados ao consumidor, pelo fato do produto, prescreve em 05 (cinco) anos, iniciando-se a contagem do prazo, na data que restou conhecido o dano e sua autoria. Na respectiva ação, pode ser pleiteada, além das perdas e danos, se ocorridas, invocar-se o dano moral, face ao sofrimento suportado, o dano estético, quando existente e as prestações vencidas e vincendas, caso seja reduzida a capacidade laborativa do consumidor. Com o fito de enriquecer este estudo, alguns exemplos jurisprudenciais, acerca da responsabilidade pelo fato do produto, apud VENOSA (2003, P.161): Indenizatória – Explosão de foguete ou rojão, antes de ser lançado – Lesões gravíssimas, na mão direita da vítima – Necessidade de amputação – Lesão corporal parcial e permanente – Vítima especialista em operações especiais da Polícia Militar – Marca de foguete e falha do objeto comprovado – Culpa do fabricante, pela falta de segurança no foguete, que poderia causar acidentes, mesmo com pessoas experientes – Existência de seqüela a justificar o ressarcimento dos danos morais e o pagamento das próteses e do tratamento psicológico – Responsabilidade objetiva do fabricante, pela indenização reconhecida – Inteligência do artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor – Inadmissibiliade de fixação de pensão, por caracterizar a duplicidade de vencimentos – Verba honorária fixada em quantia condizente com a complexidade da causa – Ação julgada procedente, em parte – Agravo retido, contra o despacho saneador, não conhecido – Agravo retido, contra a determinação de desentranhamento de prova, apresentada com a apelação não provido – Recursos não providos” (TJSP- Ap. Cível 80.991 – 4, 25-10-99, 8a Câmara de Direito Privado – Réu. Zélia Maria Antunes Alves). Código de Defesa do Consumidor. Art.12. Lata de tomate Arisco. Dano na abertura da lata. Responsabilidade civil da fabricante. O fabricante de massa de tomate que coloca no mercado produtos acondicionados em latas cuja abertura requer certos cuidados, sob pena de risco à saúde do consumidor, e sem prestar a devida informação, deve indenizar os danos materiais e morais daí resultante. Rejeitada a denunciação da lide à fabricante da lata por falta de prova. Recurso não conhecido. (STJ – Acórdão REsp 237964/SP (199901023734) RE 341571, 16-12-99, 4a Turma – Réu. Min. Ruy Rosado de Aguiar). 4.2.3. Responsabilidade pelo Vício do Produto A responsabilidade por vício do produto, é disciplinada na Seção III do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente em seu art. 18, e não se confunde com a responsabilidade pelo fato do produto, uma vez que o defeito, no caso, é menos grave, trata-se de defeito que lhe é inerente e intrínseco, então chamados de vícios in re ipsa (na própria coisa), apenas provocam um mau funcionamento do produto ou diminuem seu valor, não provocam danos, nem acidentes de consumo. O Código de Defesa do Consumidor prevê a responsabilidade civil do fornecedor por vício do produto, ao mesmo tempo em que disciplina as respectivas sanções, a serem impostas por iniciativa do consumidor a ser ressarcido. A quem diga que são similares aos vícios redibitórios, doutrina civilista. O que não possui cabimento, vez que o vício do produto pode estar oculto ou aparente, enquanto que os vícios redibitórios somente são ocultos. Na verdade, a responsabilidade por vício, adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, desmistificou o tradicional instituto dos vícios redibitórios, admitindo o vício aparente. O Código de Defesa do Consumidor remodelou a responsabilidade por vícios, nas relações de consumo, uma vez que o regime jurídico dos vícios redibitórios, advindo da legislação civil por vício da coisa, valorava apenas a troca e não o uso ou consumo, permanecendo o consumidor, vulnerável e inferior juridicamente, com relação ao uso de bens de consumo. Para NETTO LÔBO (http://www.brasilcon.org.Br): (...) O regime da responsabilidade por vício adotado pelo Código de Defesa do Consumidor destravou as amarras que cerceavam os movimentos do tradicional instituto dos vícios redibitórios, flexibilizando os modos de exercitar as pretensões, admitindo o vício aparente e ampliando o alcance ao enlaçar os serviços prestados. Os princípios fundamentais de um e de outro são comuns, no entanto, tornando valiosa e fascinante a recepção da experiência antiga, desde os romanos, para que os esforços conjugados do antigo e do novo indiquem um regime jurídico apropriado às demandas de nosso tempo. A solução, mais uma vez, foi encontrada na responsabilidade objetiva do fornecedor. Significativa mudança, acrescentada pelo Código de Defesa do Consumidor, se refere à transferência do ônus da prova para o fornecedor, que tem, nas palavras de NETTO LÔBO (http://www.brasilcon.org.Br) que “(...) comprovar que a coisa ou o serviço foram entregues sem vícios ocultos ou aparentes, e que tais defeitos são supervenientes e imputáveis exclusivamente ao consumidor, à culpa exclusiva deste. (...)” Os vícios são divididos em: vícios de qualidade, por inadequação do bem de consumo à sua destinação, então reportados aos artigos 18, 20 e 21 do Código de Defesa do Consumidor, e vícios de quantidade, referente a pesos e medidas, identificado no artigo 19 do referido Código. CAVALIERI FILHO (2006, p. 520) exemplifica: (...) É o automóvel que apresenta problema no motor, a televisão que não tem boa imagem, o ferro elétrico que não esquenta, a geladeira que não gela, o medicamento com data vencida ou inadequado ao tratamento a que se destina, o produto alimentício com peso inferior ao indicado na embalagem. (...) O interesse maior desse estudo, está definido no vício de qualidade, objeto do artigo 18, caput do Código de Defesa do Consumidor, o qual será descrito abaixo: Art.18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas
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