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Proteínas IV: enovelamento protéico C E D E R J117 M Ó D U LO 3 - AULA 14 Proteínas IV: enovelamento protéico Na aula anterior usamos como exemplo o cadarço de sapato amarrado com o objetivo de mostrar como seria a estrutura terciária de uma proteína. Agora vamos discutir os mecanismos que fazem com que o cadarço se amarre e se mantenha amarrado e o modo pelo qual isso se processa. Objetivos • Aprender como se processa o enovelamento protéico e conhecer as prote- ínas que auxiliam no enovelamento protéico. No caso do nosso exemplo, é a mão da pessoa que amarra o sapato. E na célula? Quem desempenha a função da mão que ajuda as proteínas a se enovelarem? Será que existe uma “mão”, algum elemento que auxilie este processo, ou será que as proteínas se enovelam sozinhas? Enovelamento Protéico: o experimento de Anfinsen Um experimento interessante e simples realizado para responder a esta última questão, data da década de 60 e foi conduzido por Christian Anfinsen. Este pesquisador estudou a via de enovelamento da ribonuclease A, uma enzima que quebra o RNA em ribonucleotídeos. Esta enzima é um monômero, isto é, possui apenas uma subunidade, com quatro pontes de enxofre que ajudam a manter a sua estrutura terciária mais rígida. Em condições adequadas de pH, e na ausência de agentes perturbadores da estrutura de proteínas, a ribonuclease se encontra no estado nativo (N) e apresen- ta atividade enzimática. 1o passo do experimento: Anfinsen, para desenovelar completamente esta proteína, usou dois agentes drásticos que perturbam a estrutura das proteínas: a uréia (agente desnaturante) e o βββββ mercaptoetanol (agente redutor de pontes de enxofre). Na presença destas duas substâncias, a estrutura terciária da ribonuclease é desconstruída e ela passa para um estado conhecido como desenovelado (D) ou desnaturado. ESTADO NATIVO É o estado natural das proteínas no qual suas estruturas terciária e secundária (e quaternária, se houver) se encontram íntegras. Neste estado, elas estão aptas a desempenhar sua função. ESTADO DESNATURADO É o estado das proteínas quando parte ou a totalidade de sua estrutura foi perdida pela ação de agentes químicos, como a uréia. Quando são sintetizadas nos ribossomas, as proteínas se encontram no estado desnaturado e tendem a passar para o estado nativo em curto tempo. RIBONUCLEOTÍDEOS São as unidades formadoras do RNA (uracila, citosina, guanina, adenina). A ribonuclease é capaz de quebrar uma molécula de RNA em seus constituintes menores, isto é, em ribonucleotídeos. ENOVELAR Assumir a conformação nativa. Aula_14.p65 5/17/2004, 8:13 AM117 Proteínas IV: enovelamento protéico 118C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I Veja a Figura 14.1:AGENTE DESNATURANTE É aquele capaz de perturbar o estado nativo das proteínas. Pode ser de natureza química (uréia ou cloreto de guanidina), ou física (temperatura ou pressão). Valores extremos de pH (ácido ou básico) também podem desnaturar as proteínas. O que Anfinsen fez, neste momento, foi desenovelar a ribonuclease, dei- xando-a em um estado muito parecido com aquele no qual ela se encontrava quando saiu do ribossoma, após sua síntese dentro da célula, ou seja, o estado desenovelado ainda sem estrutura e função. 2o passo do experimento Qual foi, então, o próximo passo de Anfinsen? Ele usou a ribonuclease desenovelada e fez uma diálise. Na diálise, a proteína é colocada dentro de um saquinho que possui furinhos muito pequenos. Este é colocado dentro de um compartimento com bastante tampão, com o objetivo de lavar bem a proteína e remover os agentes perturbadores ou drásticos, no caso a uréia e o β-mercaptoetanol, utilizados na primeira etapa do experimento. Como os furinhos são muito pequenos, na lavagem somente a uréia e o β- mercaptoetanol passam para fora do saco, já que possuem tamanho muito inferior ao da ribonuclease, que fica retida dentro do saquinho. Após várias horas de lavagem, a uréia e o β-mercaptoetanol já não estão mais em contato com a enzima (Figura 14.2). Figura 14.1: Desnaturação da ribonuclease A. Figura 14.2: Diálise da ribonuclease. - Aula_14.p65 5/17/2004, 8:13 AM118 Proteínas IV: enovelamento protéico C E D E R J119 M Ó D U LO 3 - AULA 14 3o passo do experimento Isto feito, como será que se encontra a ribonuclease? Anfinsen surpreendeu-se quando, ao medir a atividade da ribonuclease que estava dentro do saquinho, obser- vou que ela apresentava atividade quase idêntica à da proteína que não tinha sido tratada com uréia e β-mercaptoetanol. Isto sugere que a ribonuclease que estava no estado desenovelado se reenovelou sozinha, assumindo sua conformação original (nativa) dotada de função. Até mesmo as quatro pontes de enxofre existentes entre as cisteínas foram reformadas certinhas! Conclusão do experimento Com este experimento bastante simples, Anfinsen nos mostrou uma coisa muito importante: a seqüência primária da proteína é que determina sua estrutura terciária. Em outras palavras, poderíamos dizer que as proteínas enovelam-se sozi- nhas sem a ajuda de nenhum outro fator. No experimento de Anfinsen, nada mais havia dentro do saquinho a não ser a própria ribonuclease e sua presença foi sufi- ciente para que a proteína reassumisse sua conformação nativa e funcional. Vol- tando ao exemplo do cadarço do sapato, seria como se o cadarço pudesse se amarrar sozinho, sem a ajuda da mão! Deduzimos, então, que mutações que alteram a seqüência primária das pro- teínas podem comprometer a sua estrutura terciária e, conseqüentemente, sua função. Você seria capaz de imaginar como as mutações poderiam afetar a função de uma proteína? Seqüência primária da proteína � Estrutura terciária � Proteína Funcional Graças a esta descoberta, Anfinsen recebeu o prêmio Nobel em 1972. MUTAÇÃO É a substituição de um aminoácido, na proteína, por outro alterando a sua seqüência primária. Aula_14.p65 5/17/2004, 8:13 AM119 Proteínas IV: enovelamento protéico 120C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I Enovelamento protéico assistido Em uma célula de Escherichia coli, uma proteína com 100 aminoácidos pode ser sintetizada e montada em 5 segundos a 37oC. Entretanto, algumas proteínas não sabem se enovelar sozinhas e precisam de uma “mãozinha”, como o cadarço que precisa de uma mão para amarrá-lo. Em nossas células, existem algumas proteínas denominadas chaperones moleculares. A função das chaperones é interagir com as proteínas que necessi- tam enovelar-se, auxiliando-as a assumir a conformação nativa. Elas podem ser encontradas em organismos, desde bactérias até o homem. Existem duas classes de chaperones moleculares: Classe 1: Proteínas de Choque térmico As chaperones desta classe são encontradas em células submetidas ao estresse térmico e por isto são chamadas proteínas de choque térmico. Elas se ligam às regiões hidrofóbicas das proteínas que ainda estão desenoveladas, evitando que a proteína agregue. A agregação ocorre quando pro- teínas desenoveladas (ou parcialmente enoveladas) interagem umas com as outras, formando uma espécie de “maçaroca” dentro da célula (Figura 14.3). Obviamente, esta “maçaroca” não é desejável, já que a proteína que nela se encontra não pode desempenhar sua função. CHAPERONES MOLECULARES Proteínas de choque térmico e seu papel no enovelamento protéico. ESTRESSE TÉRMICO Quando se expõe células em cultura a uma temperatura mais elevada em relação àquela que, em geral, elas necessitam para crescer. Figura 14.3: Enovelamento de uma proteína após sua síntese (tradução) no ribossoma. Observe que a proteína pode se unir a outras proteínas antes de completar o enovelamento, formando agregadosindesejáveis dentro das células. Entretanto, as proteínas de choque térmico são capazes de atuar como guardiãs e impedir a agregação, ao evitar o contato entre duas proteínas parcialmente enoveladas. Aula_14.p65 5/17/2004, 8:13 AM120 Proteínas IV: enovelamento protéico C E D E R J121 M Ó D U LO 3 - AULA 14 A agregação de proteínas é um tema muito importante nos dias de hoje, sendo a causa de várias doenças como a da “vaca louca” e a doença de Alzheimer, por exemplo, que serão tratadas em mais detalhes na Aula 17. Esta mesma classe de chaperones também está envolvida na manutenção de determinadas proteínas no estado desenovelado, para que elas possam ser transpor- tadas para o interior das organelas. Neste processo, as chaperones se grudam às proteínas, assim que elas são liberadas nos ribossomas, mantendo-as esticadas e sem estrutura até que elas cheguem na sua organela-alvo onde, então, se enovelam. Classe 2: Chaperoninas A esta classe pertencem as proteínas complexas que ajudam no enovelamento das proteínas que não sabem se enovelar sozinhas. Elas funcionam como uma espécie de concha que se abre permitindo a entrada do peptídeo desenovelado, fechando-se em seguida. Quando fechada, é criado um ambiente livre de água, permitindo que os resíduos de aminoácidos apolares da proteína, que será enovelada, se encontrem e formem o miolo ou o cerne da proteína nativa. Todo esse processo de “abre e fecha” das chaperoninas, requer gasto de ATP. Veja Figura 14.4: Na classe das chaperoninas, encontramos as proteínas denominadas dissulfeto isomerase. Elas ajudam a formar as pontes de enxofre de proteínas que estão se enovelando e que possuem estas pontes na sua conformação nativa. No caso da ribonuclease, que possui quatro pontes de enxofre, estas se for- mam sozinhas, conforme Anfinsen nos mostrou em seus experimentos. Entretanto, nem todas as proteínas são tão “espertas” como a ribonuclease. Muitas delas, aque- las que possuem pontes de enxofre, precisam de uma “mãozinha” da proteína dissulfeto isomerase para que os pares de cisteína corretos se encontrem e formem as pontes. Figura 14.4: Estrutura da GroEL ES. GROEL E GRO ES DISSULFETO ISOMERASES Ajudando a fazer pontes de enxofre corretas PEPTIDIL PROLIL ISOMERASE Aula_14.p65 5/17/2004, 8:13 AM121 Proteínas IV: enovelamento protéico 122C E D E R J BIOQUÍMICA IQUÍMICA I Outra proteína dentro da classe das chaperoninas denomina-se peptidil prolil isomerase. Esta chaperonina especializou-se na conversão dos isômeros da ligação peptídica da prolina, que podem existir na forma cis ou trans. Tal conversão é muito lenta, necessitando de uma “ajudinha”. Assim, a prolil isomerase torna mais acelerada esta reação permitindo que a proteína se enovele rapidamente. Enfim, ninguém poderia imaginar que por trás de uma simples proteína exis- tissem tantas histórias interessantes. Quando a gente come um bife ou mesmo olha para as próprias mãos, onde existem milhares de proteínas, nem imagina que trabalho a célula teve para sintetizá-las e montá-las. De qualquer forma, esta linha de montagem deve funcionar perfeitamente, caso contrário a existência da vida fica ameaçada. ISOMERIZAÇÃO DAS PROLINAS Figura 14.5: Esquema do mecanismo de ação da proteína dissulfeto isomerase. Observe que ela é capaz de desfazer as pontes de enxofre erradas ao fazer pontes de enxofre com a proteína de interesse. Desta forma, a dissulfeto isomerase deixa livre as cisteínas corretas que devem fazer as pontes de enxofre presente na proteína nativa. Veja a Figura 14.5: Aula_14.p65 5/17/2004, 8:14 AM122 Proteínas IV: enovelamento protéico C E D E R J123 M Ó D U LO 3 - AULA 14 Exercícios 1. Por que você acha que as chaperoninas precisam proteger os aminoácidos apolares durante o enovelamento protéico? E os aminoácidos polares? 2. Explique, com suas palavras, quais foram as principais conclusões do experimento de Anfinsen. 3. Um estudante de doutorado estudava o enovelamento de uma proteína de bactéria que ele havia purificado. No entanto, ele observava que a proteína sempre agrega- va em seus experimentos. O que você aconselharia a este estudante? Como resol- ver o problema? Resumo Após ter aprendido os quatro níveis organizacionais das proteínas você viu, nesta aula, como se processa o enovelamento protéico. Foi apresentado o experimento do Anfinsen que mostrou como a estrutura primária da prote- ína determina a sua estrutura terciária. Você também aprendeu como se processa o enovelamento protéico assistido e as proteínas que nele atuam. Aula_14.p65 5/17/2004, 8:14 AM123
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