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Princípios Farmacocinéticos Absorção de Fármacos A farmacocinética é a fração da farmacologia que estuda os processos de absorção, metabolismo, distribuição e excreção dos fármacos. É a partir dela que podemos entender como o fármaco vai ser tratado pelo organismo e compreender alguns aspectos clínicos evidenciados frente a sua administração. A farmacocinética é fundamental para o estudo basal da farmacologia e de grande importância para a prática clínica, pois vários são os apontamentos clínicos evidenciados devido a alterações em algum dos processos estudados por ela. Falar de absorção sem falar das vias de administração e dinâmica celular torna o estudo cansativo e incompleto, então se você não leu as duas postagens sobre o tema aconselho que antes de ler este tópico você estude esses dois conteúdos. Eles são cruciais para o melhor entendimento da matéria. Porém, se você já leu as duas e acompanha o site de forma contínua você se deparou com um tópico sobre a influência do pH. Nós entendemos um pouco da importância do pH do estudo farmacocinético ser tão importante quando citamos o exemplo dos anti- histamínicos de primeira e segunda geração comparando as diferenças na fase farmacocinética da distribuição. Para começar vamos estudar o primeiro processo que compreende o estudo farmacocinético: A Absorção. A absorção é definida de várias formas por diversos autores: Schellack (2004) traduz absorção como sendo “o movimento das moléculas das drogas a partir de seu sítio de administração para dentro da correte sanguínea”. Já Dale (2012) é bem sintético e ressalta que a “absorção é definida como a passagem de um fármaco de seu local de ação para o plasma”. Vários autores irão definir de uma forma diferente, porém todos com o mesmo sentido. Em nossos estudos utilizaremos a definição de Dale, para facilitar o entendimento. É interessante ter em mente que o processo de absorção depende de vários fatores intra e extracelulares. Para entendemos vamos citar propriedades de ambos os envolvidos, o fármaco e o meio onde o fármaco é administrado. Fármaco: Capacidade de dissolução (lipossoluilidade e hidrossolubilidade), tamanho da molécula, forma farmacêutica (comprimido, capsula, solução, etc), pH e interação com substâncias endógenas e exógenas. Meio de Administração: Área absortiva, perfusão sanguínea, presença de micronutrientes e macronutrientes e pH. Estes são alguns dos fatores que influenciam direta ou indiretamente o processo de absorção de um fármaco. Vamos estudar cada um deles: Capacidade de dissolução: O fármaco deve possuir uma hidrossolubilidade e uma lipossolubilidade apreciável. Parece controverso, mas quando pensamos em quais sistemas o fármaco irá passar faz todo e total sentido. Exemplificando na absorção por via oral, o fármaco necessita de uma lipossolubidade ideal para poder atravessar a membrana celular das células do intestino delgado e alcançar o sistema portal hepático, assim como necessita ser hidrossolúvel para poder se dissolver nos fluidos gastrintestinais. Em termos de difusão o fármaco atravessa a membrana plasmática de quatro formas principalmente, por difusão direta pela camada lipídica, pela utilização de uma aquaporina (isso se o fármaco possuir um tamanho inferior a 0,4 nm, o que não é algo comum, porém é uma via existente), combinando-se a transportadores de soluto ou outro transportador de membrana e por fim, por pinocitose. Tamanho da molécula: Quanto maior for o tamanho da molécula do fármaco mais difícil será o transporte pela membrana plasmática. Isso porque a membrana possui várias maneiras de ser permeada, porém a difusão simples é um dos processos de transporte mais comuns utilizados pelas moléculas. Logo, se um fármaco tiver um tamanho de molécula muito grande muito provavelmente ele terá que utilizar um outro método para penetrar a membrana plasmática (uma proteína transportadora por exemplo). Formas Farmacêuticas: Existem várias apresentações de fármacos no comércio brasileiro. Comprimidos, capsulas, drágeas, soluções, xaropes, suspenções, óvulos, pellets, pomadas, xampus, cremes, géis, supositórios, inaladores, aerossóis, colírios e soluções otológicas, são alguns exemplos dessas apresentações. Via de regra as formulações líquidas são mais rapidamente absorvidas no que comparado às solidas, pois estas não necessitam passar por uma dissolução para que haja a liberação do fármaco, diferente das outras apresentações sólidas, mas não podemos esquecer que existem vários outros fatores determinantes para a absorção do fármaco. Interação com substâncias endógenas e exógenas: Alguns fármacos sofrem interação com nutrientes, com outros fármacos ou até mesmo com substâncias do nosso próprio organismo. Para exemplificar: a tetraciclina se administrada com leite forma um quelato e não é absorvida pelo organismo, da mesma forma que o cetoconazol precisa de um meio ácido para ser absorvido. Segundo Elvino Barros (2011) é aconselhável até o uso de refrigerantes de cola ou sucos cítricos na administração deste antifúngico. Utilizando o mesmo cetoconazol e a tetraciclina como exemplo, o uso do hidróxido de alumínio concomitantemente a esses fármacos dificulta a absorção de ambos, pois a tetraciclina forma quelato com cátions di e trivalentes (Ca²+ do leite, Al³+ do hidróxido) e a basicidade do meio dificultaria a absorção do cetoconazol. Já fica explicado com este exemplo também a presença de micro e macronutrientes na velocidade de absorção no meio absortivo. Área absortiva e perfusão sanguínea: Quanto maior for a área de absorção melhor será o processo da mesma. O reto por exemplo, possui uma área de absorção apreciável. Alguns medicamentos como o diazepam e o metronidazol são bem absorvidos nesta região (Schellack, 2008). É uma opção válida quando o paciente está impossibilitado de deglutir e o medicamento precisa ser administrado, por exemplo. A perfusão sanguínea também é de suma importância no processo absortivo. Inflamação e queimaduras facilitam a absorção, pois são dois casos em que existe uma perfusão sanguínea elevada, fazendo com que o transporte para a circulação sistêmica seja mais rápido. A queimadura tem um quadro específico, pois devido a lesão de várias porções da pele um creme não precisaria, por exemplo, transpor tantas camadas para alcançar o alvo para qual ele foi formulado. Evidentemente existem cremes e cremes, dependendo da formulação a camada-alvo da pele muda. Mas este tópico já cabe a farmacotécnica, uma outra linha das ciências farmacêuticas que não cabe um aprofundamento no assunto neste tópico. E assim finalizamos essa primeira parte introdutória à farmacocinética. No próximo tópico iremos abordar a absorção nas diferentes vias de administração, exemplos clínicos e prática. Influência do pH Quando falamos em dinâmica celular no post passado, vimos os diferentes tipos de acessos que o fármaco pode utilizar para atravessar a membrana celular. Em algumas vias de administração a passagem através da membrana é imprescindível para a absorção do fármaco. Pegando como exemplo a via oral, o fármaco passa por dois extremos de pH, passando do estômago (ácido) ao intestino (alcalino) ficando claro que a influência do pH merece uma atenção maior. Via de regra os fármacos são ácidos fracos ou bases fracas, logo existem na forma ionizada e não ionizada no meio. Como vimos, a forma não ionizada do fármaco é mais apolar e mais fácil de ser difundida pela membrana plasmática, diferente da forma ionizada, que possui carga e uma polaridade elevada. Os fármacos polares possuem um alto grau de dificuldade em transpor a membrana plasmática,porém Rang & Dale (p. 101, 2012) afirmam que a impermeabilidade membranar absoluta a moléculas polares (sem ajuda de transportadores) é algo que não deve ser levado ao extremo. A membrana plasmática possui várias características como fluidez e flexibilidade, então é completamente possível que em algum momento ou situação ocorra esse transporte de moléculas polares através da membrana. Porém este transporte deve ocorrer de maneira reduzida em quantidade e sem comparação com a solubilidade de compostos apolares em termos de difusão membranar. Entendendo o equilíbrio em função do pH: Pegando a equação de dissociação de um ácido temos que: Figura 01 – Reação de dissociação Note que a equação tende ao equilíbrio, então o ácido em um meio aquoso vai se dissociar até que a fração ionizada seja equivalente a não ionizada, formando assim um equilíbrio. O processo é observado de maneira diferente quando nós temos o contato de um ácido fraco com o meio básico. Os ácidos fracos (p ex. fármacos) tendem a se dissociar com mais intensidade em meios alcalinos buscando a neutralização. Supondo que um ácido fraco seja administrado em um meio como, por exemplo, o plasma sanguíneo (pH em torno de 7,4), ele tende a se dissociar mais em comparação a administração do mesmo fármaco no corpo gástrico, onde o pH gira em torno de 1,4. Partindo desse pressuposto, podemos imaginar que um fármaco seria melhor absorvido no estômago (pH ácido), por estar menos dissociado e teria dificuldade de ser absorvido no intestino (pH básico), devido ao alto grau de ionização, correto? Errado. Quimicamente falando faz todo o sentido, porém quando vamos estudar a fisiologia anatômica dos dois órgãos podemos ver que o estômago, além de ter pouca área de absorção, possui as células mucosas que são responsáveis pela produção do muco gástrico, dificultando ainda mais a absorção do fármaco. Diferente do estômago o intestino possui uma grande área disponível para absorção (cerca de 200 m²) e as vilosidades que facilitam com que o fármaco chegue a circulação sanguínea. Por mais que a porção ionizada seja predominante no intestino dificultando a sua absorção, temos que lembrar que estamos falando de ácidos e bases fracas, que tendem a se dissociar pouco. Lembrando também que os testes clínicos e a formulação dos fármacos levam em consideração a perda em cada dose devido a ionização, metabolismo, excreção, dentre outros fatores. Como resultado desse estudo prévio temos o efeito terapêutico alcançado e uma biodisponibilidade apreciável. Prática clínica: A ionização de fármacos explica vários fatos clínicos como, por exemplo, o motivo pelo qual existe uma diminuição de efeitos sedativos dos antagonistas histamínicos (H1) de segunda geração. Os fármacos pertencentes a essa classe encontram-se ionizados no plasma sanguíneo fisiológico ocasionando uma diminuição da difusão através da barreira hematencefálica, diminuindo assim a interação com o sistema nervoso central. Já os de primeira geração encontram-se não ionizados no plasma, logo são mais apolares e possuem um nível de difusão membranar elevado, podendo alcançar o sistema nervoso central com mais facilidade. Um fenômeno observado quando ocorre o acúmulo de fármaco em um meio específico é o chamado aprisionamento iônico. Este aprisionamento ocorre quando um fármaco passa de um meio para outro (meio extra para o meio intracelular por exemplo) e é ionizado, formando um acúmulo desse fármaco em um dos meios. Já que ele se encontra ionizado fica complicado a volta para manter o equilíbrio da concentração, ocasionando esta situação de aprisionamento. De modo geral drogas ácidas tendem a permanecer no meio extracelular e drogas básicas no meio intracelular, tendo em vista que o pH do meio intracelular é em torno de 7,0 e do meio extra em torno de 7,35. Existem grupos de fármacos que se utilizam deste mecanismo para ter seu efeito terapêutico. É o exemplo de alguns fármacos antimaláricos (como a Cloroquina) que no ambiente ácido do vacúolo alimentar do parasita a base livre fica aprisionada, o que contribui para a interrupção da via de digestão da hemoglobina. Este mecanismo de digestão é o foco do efeito tóxico do parasita. Segundo Goodman (2012), nos túbulos renais, onde um fármaco lipossolúvel pode ser reabsorvido por difusão passiva, a excreção deste mesmo fármaco pode ser facilitada alterando-se o pH da urina. Quanto mais alcalina for a urina mais ela irá favorecer a excreção de fármacos ácidos, pois a ionização do mesmo irá diminuir o seu coeficiente de partição. Acontece o mesmo com fármacos básicos em meios ácidos. Com isso finalizamos esse pequeno resumo sobre as influências do pH em relação a fármacos. Como literatura de consulta indico tanto a 12ª edição do Goodman como a 7ª do Rang, ambas abordam bem o conteúdo e possuem exemplos diferentes na prática clínica.
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