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Apostila_Introdução à Sociologia da Violência (1)

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1/53 
 
 
Introdução à Sociologia da Violência 
 
 
 
Índice 
 
Apresentação 02 
 
Contextualização 02 
 
Relevância 02 
 
Bibliografia 03 
 
Avaliação 06 
 
Aula 1 – Definições de violência 07 
 
Aula 2 – Tipos de violência 15 
 
Aula 3 - Percepções sobre violência 22 
 
Aula 4 - Sociologia do crime e violência no Brasil (parte1) 31 
 
Aula 5 - Sociologia do crime e violência no Brasil (parte 2) 37 
 
Aula 6 - Sociologia do crime e violência no Brasil (parte 3) 46 
 
Trabalho final 51 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2/53
 
 
Apresentação: 
A disciplina Introdução à Sociologia está sendo iniciada. E almejamos que a disciplina 
contribua para a sua formação como profissional da área de Segurança Pública ou como 
estudioso do assunto. 
O curso, inicialmente, irá apresentar a reflexão sobre violência de diferentes tradições do 
pensamento social. Começando com a contribuição do florentino Nicolau Maquiavel 
(século XVI), passando por Thomas Hobbes (século XVII), Karl Marx (século XIX) e 
terminando com Max Weber e Nobert Elias (século XX). Em um segundo momento, serão 
discutidos os tipos de violência, tanto em relação a modalidades de violência quanto 
contra quem ela é direcionada. Em seguida, serão debatidas as percepções sobre a 
violência urbana, a relação entre mídia(s) e violência e o impacto do medo no 
comportamento dos indivíduos. O curso será finalizado com a análise das contribuições 
dos pesquisadores brasileiros Sérgio Adorno, Machado da Silva, Michel Misse e Alba 
Zaluar, que, com abordagens distintas, visam dar respostas à problemática da violência 
urbana. 
Desejamos que esses estudos e pesquisas lhe deem subsídios para a sua análise dos 
problemas relacionados à violência, segurança pública, ordem social e criminalidade na 
sociedade brasileira, e, que o estimule à elaboração de reflexões e pesquisas acadêmicas 
e cientificas. 
 
Contextualização: 
A disciplina Introdução à Sociologia da Violência, primeiramente, abordará as principais 
interpretações sobre violência no pensamento social ocidental. Em um segundo 
momento, será discutido o fenômeno da “segurança urbana” no Brasil. 
 
Relevância: 
A disciplina Introdução à Sociologia da Violência oferece um conhecimento necessário à 
reflexão sobre o fenômeno da violência para o profissional e o estudioso da área de 
Segurança Pública, ao trazer para análise tanto a contribuição de tradições do 
pensamento social, quanto de pesquisadores contemporâneos que se deparam com a 
problemática da violência urbana no Brasil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3/53
 
 
Bibliografia: 
Bibliografia básica: 
MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. 
 
NEIBURG, Frederico. O naciocentismo das ciências sociais e as formas de conceituar a 
violência política e os processos de politização da vida social. In Waizbort (org) Dossiê 
Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2001, p. 37-62. 
 
SOARES, Luiz Eduardo; PIQUET, Leandro. Os quatro nomes da violência: um estudo 
sobre éticas populares e cultura política. In Soares et alli. Violência e política no Rio de 
Janeiro: Relume Dumará, ISER, Rio de janeiro, 1996, p.13-58. 
 
Bibliografia complementar: 
 
ADORNO, Sergio. Exclusão socioeconômica e violência urbana. In Sociologias, Porto 
Alegre, ano 4, nº 8, jul/dez 2002, p. 84-135, http://www.scielo.br/pdf/soc/n8/n8a05.pdf 
 
BEATO, Cláudio. A mídia define as prioridades da segurança pública. In RAMOS, Sílvia & 
PAIVA, Anabela. Mídia e Violência. Rio de Janeiro, IUPERJ, 2007, p.33-5. 
 
BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Violência. In Dicionário crítico de sociologia. 2. ed. São 
Paulo: Ática, 1982, 599-614. 
 
BOMENY, Helena; COELHO, Maria Cláudia; SENTO-SÉ, João Trajano. Violência nas 
Escolas Públicas do Rio de Janeiro: notas exploratórias sobre a autoridade docente e as 
percepções da violência. Rio de Janeiro, 2009, p.70 a 109. 
 
Maria Drosila Vasconcelos - PIERRE BOURDIEU: A HERANÇA SOCIOLÓGICA Educação & 
Sociedade. Educ. Soc. vol. 23 no.78 Campinas, Apr. 2002. 
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000200006&script=sci_arttext 
 
Luís Eduardo Soares, Barbara Musumeci e Leandro Piquet “Violência contra a mulher: as 
DEAMs e os pactos domésticos”, IN Soares, L.E. e colaboradores. Violência e Política no 
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ISER. 1996. Relume Dumará., p. 65 a 106. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4/53
 
 
CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. Falando do crime e ordenando o mundo. In CALDEIRA. 
Cidades de Muros. EDUSP, São Paulo, 200-?, p. 27-56. 
 
CATÃO, Yolanda. Pesquisa de vitimização: notas metodológicas. IN Anuário do Fórum 
Brasileiro de Segurança Pública, São Paulo, Ano 2, 2008, 82-7. 
 
DA SILVA, Machado. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade 
contemporânea no Brasil urbano. In Sociedade e Estado, vol 19, no.1, Brasília jan/jun. 
2004 (também disponível no endereço http://www.scielo.br/pdf/se/v19n1/v19n1a04.pdf 
). 
 
KANT DE LIMA, Roberto, MISSE, Michel; MIRANDA, Ana Paula. Violência, criminalidade, 
segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia. In BIB, Rio de Janeiro, 
nº50, 2º semestre de 2000, p. 45-123. 
 
MISSE, Michel. Acumulação social da violência. In Malandros, marginais e vagabundos. 
IUPERJ, Rio de Janeiro, tese de doutorado, 1999, p.76-117. 
 
 
MISSE, Michel. Conclusões. In Malandros, marginais e vagabundos. IUPERJ, Rio de 
Janeiro, tese de doutorado, 1999, p. 388-97. 
 
RAMOS, Sílvia & PAIVA, Anabela. “Esqueçam o cadáver”: mudanças na cobertura de 
polícia e segurança pública. In RAMOS, Sílvia & PAIVA, Anabela. Mídia e Violência. Rio de 
Janeiro, IUPERJ, 2007, p.15-26. 
 
SOARES, Luiz Eduardo – “O inominável, nosso medo”. In Soares, L.E. Violência e Política 
no Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1996. 
 
 
SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de general: 500 dias no front da segurança pública 
do Rio de Janeiro. SP: Companhia das Letras, 2000. 
 
SOARES, Luiz Eduardo. 1996. Violência e Política no Rio de Janeiro. RJ: Relume Dumará. 
 
SOARES, Luiz Eduardo. 2000. Meu Casaco de General: 500 dias no front da segurança 
pública do Rio de Janeiro. SP: Companhia das Letras. 
 
 
 
 
 
 
 
 
5/53
 
 
SOARES, Luiz Eduardo. 2005. Cabeça de Porco, com MV Bill e Celso Athayde. RJ: 
Objetiva. 
 
SOARES, Luiz Eduardo. 2006. Segurança Tem Saída. RJ: Sextante. 
 
SOARES, Luiz Eduardo. 2006. Legalidade Libertária. RJ: Lumen-Juris. 
 
 
ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de Janeiro: UFRJ Editora, Ed. Revan. 
 
ZALUAR, Alba. Oito temas para debates: violência e segurança pública. 
http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/spp/n38/n38a02.pdf 
 
ZALUAR, Alba. A guerra sem-fim em alguns bairros do Rio de Janeiro. In Ciência e 
Cultura. http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n1/v54n1a19.pdf 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6/53
 
 
Avaliação 
 
Em todas as disciplinas da pós-graduação online existem: 
 
Avaliação formativa 
Não valem ponto, mas são importantes para o aprofundamento e fixação do conteúdo: 
 
 Atividades de fixação: são atividades de passagem, presentes 
dentro das aulas; são testes contextualizados ao conteúdo 
explorado. 
 Exercícios de autocorreção: questões para verificação da 
aprendizagem; são essenciais, pois marcam a sua presença em 
cada aula; 
Avaliação somativa 
Formam a sua nota final nesta disciplina: 
 Temas para discussão em fórum: aprofundam e atualizam os temas 
estudados em aula, além de ser um espaço para tirar suas dúvidas. Sua 
participação vale ponto; 
 Prova em data especificada no calendário acadêmico do curso, que será 
realizada no seu Pólo; 
 Trabalho final da disciplina: O texto deve ser digitado em folha A4, letra 
arial ou times new 12, entre linhas 1,5. Desenvolver o tema em até 2 
laudas. Ao utilizar as citações diretas dos autores, não esquecer de colocar 
a referência,ex (SOUZA, 2008, p. 67). De mesma forma ao fazer 
paráfrase do autor coloque seu nome seguido do ano. Ex: Segundo Souza 
(2008) a criminologia... 
Colocar ao final do trabalho as referências consultadas conforme o modelo 
de bibliografia que consta da bibliografia geral do curso. 
 
Tema: Elaborar resenha de acordo com a indicação bibliográfica abaixo: 
 
SILVA, Machado da. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da 
criminalidade contemporânea no brasil urbana. in sociedade e estado. v19, 
n1, brasília jan/jun. 2004 . Disponível no endereço: 
 http://www.scielo.br/pdf/se/v19n1/v19n1a04.pdf 
 
Orientações sobre a realização do trabalho podem ser obtidas com o professor on-line no 
Fórum de Discussão , no tópico Orientações do Trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
7/53
 
 
Aula 1: Definições de violência 
 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1) Descrever a contribuição teórica de cada autor; 
2) Comparar as ideias dos autores estudados; 
3) Usar a contribuição dos autores para analisar um fenômeno social; 
4) Criticar as teorias sociais estudadas. 
 
Estudo dirigido da aula: 
 
1. Leia o texto condutor da aula. 
2. Participe do fórum de discussão desta aula. 
3. Realize a atividade proposta. 
4. Leia a síntese da sua aula. 
5. Leia a chamada para a aula seguinte. 
6. Realize os exercícios de autocorreção. 
 
Olá! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina Introdução à Sociologia da 
Violência. 
O primeiro desafio para a realização de um estudo sobre violência é definir seu 
conteúdo. Não existe uma definição única nem percepção consensual sobre o que é 
violência. 
 
A violência pode ser pensada como um fenômeno a ser analisado ou uma categoria 
analítica que serve para interpretar determinada realidade social. Também pode ser 
vista como negativa, como oposto à pacificação, ou positiva, por expressar um 
descontentamento diante da realidade, podendo iniciar um processo de mudança social. 
 
As manifestações da “violência” aparecem como uma questão a ser problematizada ao 
longo da história do pensamento social ocidental, nesta aula iremos debater como 
diferentes autores se apropriaram deste termo e compreenderam as suas 
manifestações. 
 
Bom estudo! 
 
 
 
 
 
 
 
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O primeiro desafio para a realização de um estudo sobre violência é definir seu 
conteúdo. Não existe uma definição única nem percepção consensual sobre o que é 
violência, não sendo a “violência” um conceito sociológico. 
 
Neste mesmo sentido, os discursos sobre a violência variam. A análise dos cientistas 
sociais Leandro Piquet e Luiz Eduardo Soares em dar respostas aos questionários 
aplicados, em 1984, a transeuntes na região metropolitana do Rio de Janeiro mostrou 
que o termo violência pode ser compreendido como crime ou ainda como pecado, 
miséria ou corrupção. 
 
Alba Zaluar, ao sistematizar, em 1999, a produção das ciências sociais sobre violência 
afirmou: 
 
“Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física 
ou os recursos do corpo em exercer a sua força vital). Esta força torna-se violência 
quando ultrapassa um limite ou perturba acordos tácitos e regras que ordenam 
relações, adquirindo carga negativa ou maléfica. É, portanto, a percepção do limite e da 
perturbação (e do sofrimento que provoca) que vai caracterizar um ato como violento, 
percepção esta que varia cultural e historicamente. As sensibilidades mais ou menos 
aguçadas para o excesso no uso da força corporal ou de um instrumento de força, o 
conhecimento maior ou menor dos seus efeitos maléficos, seja em termos de sofrimento 
pessoal ou dos prejuízos à coletividade, dão o sentido e o foco para a ação violenta. 
Além de polifônica no significado, ela também é múltipla nas suas manifestações. Do 
mesmo modo, o mal a ela associado, que delimita o que há de ser combatido, tampouco 
tem definição unívoca e clara. Não é possível, portanto, de antemão, definir 
substancialmente a violência como positiva e boa, ou como destrutiva e má” (p.8) 
 
A violência pode ser pensada como um fenômeno a ser analisado ou uma categoria 
analítica que serve para interpretar determinada realidade social. Também pode ser 
vista como negativa, como oposto à pacificação, ou positiva, por expressar um 
descontentamento diante da realidade, podendo iniciar um processo de mudança social. 
 
As manifestações da “violência” aparecem como uma questão a ser problematizada ao 
longo da história do pensamento social ocidental. Nesta aula, iremos debater como 
 
 
 
 
 
 
 
9/53
 
 
diferentes autores se apropriaram deste termo e compreenderam as suas 
manifestações. 
 
Maquiavel: a violência como constituinte da vida política 
 
O período medieval é caracterizado pelo domínio ideológico da Igreja. Com o 
Renascimento a universalidade da Igreja e suas verdades são contestadas. É neste 
terreno fértil para novas idéias que Nicolau Maquiavel (1469-1527), autor de “O 
Príncipe”, analisou a política não em relação a “como ela deve ser”, mas a “como de 
fato ela é”, a partir da descrição do papel do soberano e as formas de manutenção do 
governo. 
 
 Maquiavel ao discorrer sobre política mostra - a partir da análise da prática social e não 
por um argumento moral - que ações violentas, cruéis e ruins são constituintes da vida 
política. A preocupação do autor é com a estabilidade do governo (independente da 
forma de governo) e, para tanto, o soberano deve utilizar os meios necessários para 
consegui-la, ou seja, a conjugação de astúcia (formas não-violentas) e força (formas 
violentas). 
 
A violência é compreendida em um duplo sentido, negativo quando destrói e positivo 
quando é o meio pelo qual se restaura a ordem. Para o autor, a crueldade, quando bem 
praticada, garante a estabilidade do estado, daí a sua célebre afirmação “os fins 
justificam os meios.” 
 
Hobbes: a violência generalizada no estado natural 
 
Enquanto Maquiavel via a ameaça da violência como uma ferramenta política do 
soberano, Thomas Hobbes (1588-1676) sustentava que a associação humana era 
resultante do temor individual à violência, sendo esta uma característica do estado 
natural. 
 
Para Hobbes, o direito ilimitado de cada indivíduo a saciar os seus desejos gera a 
“guerra de todos contra todos”, a violência generalizada, sendo esta a “condição natural 
da humanidade”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
10/53
 
 
O medo da morte violenta, que Hobbes considerava o pior dos males, faz com que os 
indivíduos suspendam as hostilidades individuais e estabeleçam um pacto social. Então, 
a unidade do corpo político ocorre pela renúncia dos indivíduos aos seus direitos 
ilimitados, tendo como objetivo a estabilização das expectativas e paz social que será 
arbitrada por um soberano – que pode ser um indivíduo ou uma assembleia - com 
poderes absolutos. 
 
Marx: a violência como “parteira da história” 
 
Se para Hobbes a violência é um componente humano no estado de natureza, para Karl 
Marx (1818-1883) ela é oriunda de determinadas relações sociais de produção. Em vez 
do pressuposto individualista hobbesiano da “guerra de todos contra todos”, Marx 
discute a “luta de classes”, que coloca em confronto o “grupo” dos dominantes contra os 
dominados. 
 
A luta de classes, para Marx, é o mecanismo pelo qual ocorrem as mudanças sociais, 
ou, em outras palavras, a “transformação revolucionária de toda a sociedade”. O 
conceito “luta de classes” expressa a existência de uma forma de organização social em 
classes sociais, contendo uma relação de antagonismos de interesses entre elas. Com 
as classes dominantes explorando o trabalho das classes que não possuem os meios de 
produção ou propriedade. Neste sentido, a classe dominada, através da luta de classes, 
supera estas relações sociais de produção que provocam a sua opressão. 
 
A violência revolucionária contra os dominantes e as estruturas de dominação é 
percebida como positivapor Marx (por colocar fim à opressão de uma classe social por 
outra). Por outro lado, reconhece a violência praticada pelas classes dominantes como 
forma de manutenção da dominação. No modo de produção capitalista, o Estado é 
concebido como a agência que garante a dominação de classe da burguesia sobre o 
proletariado, tendo o Exército e a Polícia o recurso à violência ou sua ameaça para a 
manutenção dos seus interesses. 
 
Weber: a monopolização da violência pelo Estado moderno 
 
Assim com Hobbes, que defendeu o Estado como a agência que monopoliza a violência, 
Max Weber (1864-1929), ao analisar o Estado moderno, o define sociologicamente 
 
 
 
 
 
 
 
11/53
 
 
como “uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo 
da força física dentro de um determinado território”. Assim, teoricamente, a violência, 
enquanto recurso privado para a resolução de conflitos entre indivíduos, perde a 
legitimidade, e o Estado-Nação passa a deter o seu monopólio para regular a relações 
sociais. 
 
Para o autor, a relação entre Estado e violência é estreita, pois a violência legítima é o 
meio específico para manter a relação de homens dominando homens, que é o próprio 
Estado, sendo a “violência”, quando empregada pelos agentes estatais, no âmbito da 
legalidade e legitimidade, considerada “uso da força física”. 
 
Norbert Elias: a violência política 
 
A análise de Norbert Elias (1897-1990) sobre o processo de constituição dos Estados 
modernos, assim como Weber, confirma a monopolização da violência legitima por parte 
do Estado, acrescentando que este processo gera nos indivíduos o autocontrole, ou 
seja, a interiorização das coações sociais, que produzem o comportamento socialmente 
adequado, que pode ser traduzido na ideia de “processo civilizatório”. 
 
Elias chama atenção que, embora o processo civilizatório proclame a paz como valor 
positivo e pacifique a vida social, este processo não é unidirecional. A violência política – 
ou seja, o uso da força em situações públicas – é constitutiva deste processo, sendo os 
valores da paz estabelecidos através do recurso à violência, seja pela imposição de 
novos valores seja pelo extermínio de pessoas. 
 
Elias afirma que os estados de paz não são, historicamente, estáveis – eles são 
temporários e frágeis. 
 
Consideração final 
 
Como podemos ver através desses cinco pensadores, historicamente, a “violência” 
assumiu diferentes conotações, porém, em comum, os autores pensam a questão da 
ordem política através da relação constante entre violência e a consolidação ou 
manutenção de Estado e/ou governo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
12/53
 
 
Nas próximas aulas aprofundaremos o debate sobre violência e como podemos pensar a 
construção de uma ordem social e política, através do estudo dos seus tipos e 
percepções, além de trazer para o debate a contribuição de brasileiros sobre a violência 
urbana. Esperamos com isto que, ao final do curso, você disponha de mais ferramentas 
analíticas para a compreensão do fenômeno “violência”. 
 
 
 
Weber afirma que a condição do Estado Moderno é o monopólio da violência. Isso 
pressupõe que o individuo vá deixar de recorrer a formas de segurança e justiça privada, 
pois estas questões passam a ser uma responsabilidade do Estado, ou seja pública. 
Acesse o Fórum de Discussão e debata os seguintes temas: 
“Por que para Weber é pressuposto para o Estado Moderno o monopólio da violência?” 
“Olhando para a realidade brasileira em que medida, podemos dizer que o Estado detém 
o monopólio legítimo da violência?” 
“Como você avalia o grau de confiança do cidadão no Estado no que se refere à 
capacidade de deter o monopólio da violência?” 
 
 
Compare o pensamento de Hobbes e Maquiavel no que se refere à atuação do soberano. 
 
 
Assista aos filmes: 
 
Coisas Belas e Sujas (2002), de Stephen Frears. 
Crash - no limite (2004), de Paul Haggis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
13/53
 
 
 
 
Nesta aula, você: 
- Analisou como cinco importantes autores do pensamento social ocidental abordaram o 
tema violência. 
- Atentou para o fato de que Maquiavel considera a violência como constituinte da vida 
política, sendo um recurso do soberano. 
- Deu-se conta que Thomas Hobbes parte da violência generalizada existente no estado 
de natureza, para justificar a legitimidade de um governo absoluto. 
- Avaliou a importância da violência no processo de mudança social, na teoria marxista. 
- Atentou para a monopolização da violência física legítima pelo Estado moderno, 
presente no pensamento de Weber. 
- Avaliou a violência política existente no processo de pacificação, identificado, por Elias, 
na formação dos Estados modernos. 
 
Após a apresentação de como alguns dos maiores autores do pensamento social 
ocidental viram a questão da violência. Na próxima aula discutiremos os tipos de 
violência, que podem ser qualificados tanto em relação a quem sofre quanto a 
modalidade de violência. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
14/53
 
 
 
Bibliografia básica: 
MANENT, Pierre. História intelectual do liberalismo: dez lições. 
NEIBURG, Frederico. O naciocentismo das ciências sociais e as formas de conceituar a violência 
política e os processos de politização da vida social. In Waizbort (org) Dossiê Norbert Elias. São 
Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2001, p. 37-62. 
SOARES, Luiz Eduardo; PIQUET, Leandro. Os quatro nomes da violência: um estudo sobre éticas 
populares e cultura política. In SOARES et alli. Violência e política no Rio de Janeiro: Relume 
Dumará, ISER, Rio de janeiro, 1996, p.13-58. 
Bibliografia complementar: 
BOUDON, R. e BOURRICAUD, F. Violência. In Dicionário crítico de sociologia. 2. ed. São Paulo: 
Ática, 1982, 599-614. 
KANT DE LIMA, Roberto; MISSE, Michel; MIRANDA, Ana Paula. Violência, criminalidade, 
segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia. In BIB, Rio de Janeiro, nº50, 2º 
semestre de 2000, p. 45-123. 
ZALUAR, Alba. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. In São 
Paulo em perspectiva, 13(3), 1999, p3-17. 
WEBER, Max. Ensaios de sociologia. São Paulo: Guanabara Koogan, 1982. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
15/53
 
 
Aula 2: Tipos de violência 
 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1) Comparar as ideias dos autores estudados; 
2) Usar a contribuição dos autores para analisar um fenômeno social; 
3) Criticar as teorias sociais estudadas. 
 
Estudo dirigido da aula: 
 
1. Leia o texto condutor da aula. 
2. Participe do fórum de discussão desta aula. 
3. Realize a atividade proposta. 
4. Leia a síntese da sua aula. 
5. Leia a chamada para a aula seguinte. 
6. Realize os exercícios de autocorreção. 
 
Olá! Seja bem-vindo à aula Tipos de violência. 
 
Como já foi dito no primeiro momento, é complicado apreender a violência como um conceito, 
sendo, portanto, possível percebê-la em suas manifestações. Nesta aula, discutiremos alguns tipos 
de violência que, tem se configurado histórico-socialmente como um problema para a nossa 
sociedade. A escolha, arbitrária por definição, não visa listas os “tipos mais graves”, no entanto, 
pelo limite de tempo e a impossibilidade de se discutir um maior número, optou-se por selecionar 
três tipos de violência: A simbólica, que essencialmente não se manifesta pelo contato físico; a no 
ambiente escolar, por estar relacionada a um espaço fundamental de socialização; e a contra a 
mulher, que é voltada a uma minoria social e estar inserida no mundo privado. 
 
 
Bom estudo! 
 
 
Violência simbólica 
 
O conceito “violência simbólica” foi elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu para explicar 
um tipo de violência que não envolve a agressão física, mas um processo de socialização 
exercido pelas instituições e seus agentes, e cuja função é fazer com que as ideias 
sociais dominantes sejam vistas como “naturais”. 
 
 
 
 
 
 
 
16/53O sistema de ensino, para Bourdieu, produz a violência simbólica ao impor ao aluno das 
classes populares as crenças e valores das classes dominantes. Desta forma, a 
dominação ocorre pela aceitação das regras e sanções. 
 
Com isso, o autor põe para o debate pontos valiosos para a ideologia republicana, como 
a igualdade de oportunidades e o sistema de ensino como garantidor da igualdade social. 
 
 
Violência na escola 
 
As escolas, como uma instituição social, vivem em frequentes transformações. Nos 
últimos anos o debate sobre o sistema de ensino e ambiente escolar, absorveu um novo 
componente: a “violência nas escolas”. 
 
Os cientistas sociais João Trajano, Helena Bomeny e Maria Cláudia Coelho entrevistaram 
docentes de colégios públicos do Rio de Janeiro com o objetivo de compreender melhor o 
que se passa dentro dos muros das escolas. Eles identificaram algumas percepções 
recorrentes nos discursos destes profissionais sobre a violência escolar, a partir de um 
eixo central, que é a autoridade do professor. Desta forma: 
 
A) O “deslizamento” entre as noções de violência e indisciplina – que faz com que 
se estabeleça um continuum, ou ainda uma equivalência, entre esses dois 
fenômenos. 
B) A relação entre ausência de socialização primária para o respeito para com o 
outro e a eclosão da violência/indisciplina na escola – desta forma, a falta de uma 
“educação que vem de casa” se faz sentir nas relações interpessoais na escola. 
C) A discussão sobre a quem cabe a “responsabilidade” pelo aluno, se à escola ou 
à família – para os professores, muitas famílias, em vez de ter a escola como 
“parceira”, lhe transferem toda a responsabilidade pela educação dos filhos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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A pesquisa identificou que os professores relacionam a “aprovação automática”1 nas 
primeiras séries do ensino fundamental como causa da frágil construção da autoridade do 
professor, criando como consequência a indisciplina, a perda do controle e o aumento da 
violência nas relações humanas, a qual, em um primeiro momento, se manifesta em 
ambiente escolar. 
 
 
Violência contra a mulher 
 
A violência contra a mulher é definida como: 
Qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, 
sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada: 
a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação 
interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua 
residência, incluindo-se, entre outras formas, o estupro, maus-tratos e abuso 
sexual; 
b) ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo, entre 
outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição 
forçada, sequestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em 
instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e 
c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra. 
(A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a 
Mulher, Belém do Pará, 1994). 
 
Historicamente, a violência contra a mulher encontrou forte legitimidade social, 
principalmente no espaço privado, independente do nível de renda e grau de 
escolaridade. Conforme depoimento do psicólogo Fernando Acosta para a Revista IstoÉ 
(ed. 1812, reportagem de capa, seção Brasil, 30/06/04). 
 
 
 
 
 
1 A aprovação automática é um dispositivo pedagógico introduzido no ensino público do Rio de 
Janeiro a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996. Neste sentido, os 
alunos da 1ª a 3ª séries são automaticamente promovidos para as séries posteriores, independente do 
desempenho escolar do aluno naquele ano. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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“A violência é tão corriqueira que muitos homens não a identificam. É uma 
geração que foi criada para não levar desaforo para casa.” 
 
A reação das mulheres a isto foi a transformação da mera descrição “violência contra a 
mulher” em signo político. Exemplo disto é a criação em diferentes estados brasileiros, a 
partir da década de 1990, de Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher, como uma 
política de segurança pública. 
 
No artigo “Violência contra a mulher: as DEAMs e os pactos domésticos” (1996), Luiz 
Eduardo Soares, Barbara Musumeci e Leandro Piquet analisaram 5% dos casos atendidos 
nas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher do Estado do Rio de Janeiro, e 
concluíram que aumentou o número de registros de lesões corporais dolosas contra a 
mulher --fato que estaria relacionado à confiança adquirida pela instituição e ao 
movimento destas mulheres na direção de ajuda externa. Além disso, observaram que as 
relações privadas e seus participantes passaram a ser compreendidos no espaço público, 
o que provocou a generalização da ideia de violência de gênero, ou contra a mulher. 
 
Outra conquista das mulheres foi a criação da Lei nº 11.340/2006, mais conhecida como 
Lei Maria da Penha2, que trouxe mudanças e inovações, definindo formas de violência 
doméstica contra a mulher independente da orientação sexual, estabelecendo medidas 
de proteção emergenciais para a mulher vítima e seus familiares, vedando a aplicação de 
penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária. Ainda não existem estudos 
aprofundados sobre o impacto desta nova lei sobre o comportamento das mulheres e dos 
agressores, ou a propósito da absorção dessas mudanças por parte das instituições 
policiais e jurídicas. 
 
Considerações finais 
 
Nesta aula, vimos que Bourdieu pensou a escola como produtora da violência simbólica, 
entendida como uma estratégia de dominação de classe por meio da internalização, no 
individuo em formação, de valores e crenças, fazendo com que este aceite a sua situação 
 
 
 
 
2 Maria da Penha é uma biofarmacêutica que ficou tetraplégica como consequência de duas tentativas de 
homicídio praticadas por seu marido. 
 
 
 
 
 
 
 
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de dominado. Por outro lado, a violência de outros tipos na escola aparece como um 
fenômeno recente que tem preocupado professores e a própria instituição, e colocado em 
xeque a autoridade escolar. 
 
A violência doméstica tem raízes profundas na nossa sociedade e conta com uma 
histórica legitimidade social, a qual tem sido enfrentada, entretanto, com a criação de 
políticas públicas, o que não significa que exista uma clareza sobre a complexidade deste 
fenômeno. 
 
Na próxima aula, abordaremos as percepções sobre a violência. Neste sentido, o “medo” 
aparece como um sentimento importante que direciona as condutas individuais. Também 
serão discutidos o sentimento de insegurança e de segurança, o papel da mídia e as 
pesquisas de vitimização - estas podem se configurar em instrumentos úteis para o 
conhecimento da dinâmica criminal e do perfil das vítimas de violência e crimes. 
 
 
 
A violência simbólica ocorre, segundo Bourdieu, no sistema de ensino. Porém ela difere 
da violência na escola descrita no artigo “Violência nas Escolas Públicas do Rio de 
Janeiro: notas exploratórias sobre a autoridade docente e as percepções da violência.”. 
Acesse o Fórum de Discussão e debata: “É possível fazer um paralelo entre estes 
dois tipos de violência?”. 
 
 
 
Entreviste individualmente três adolescentes que frequentam a escola e peça para que 
eles respondam às seguintes questões: 
 
A) Há violência na sua escola? (se não for, conhece alguma escola aonde exista 
violência) 
B) Como se manifesta? 
C) Como os professores, pais e alunos tratam desta questão? 
Analise as respostas comparando com as percepções apresentadas pelos professores no 
artigo “Violência nas Escolas Públicas do Rio de Janeiro: notas exploratórias sobre a 
autoridade docente e as percepções da violência”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
20/53
 
 
 
Assista aos filmes:Acorda Raimundo... Acorda! (1990), de Alfredo Alves. 
Pelos meus olhos (Espanha, 2002), de Icíar Bollain. 
 
Consulte os sites: 
www.violenciamulher.org.br 
www.patriciagalvao.org.br 
 
 
Nesta aula, você: 
- Analisou três tipos de violência presentes na nossa sociedade. 
- Atentou para o fato de que a violência simbólica não está relacionada a uma agressão 
física, mas a um processo de socialização coercitivo que inviabiliza a igualdade entre os 
indivíduos e à plena liberdade. 
- Deu-se conta que o debate sobre a violência escolar traz a discussão sobre a 
autoridade do professor e como é construída (ou não) dentro do atual modelo 
pedagógico. 
- Avaliou a importância de observar os aspectos privados existentes na violência contra a 
mulher. 
 
 
Na próxima aula, abordaremos as percepções sobre a violência. Neste sentido, o “medo” 
aparece como um sentimento importante que direciona as condutas individuais. Também 
será discutido o sentimento de insegurança e de segurança, o papel da mídia e as 
pesquisas de vitimização - estas podem se configurar em instrumentos úteis para o 
conhecimento da dinâmica criminal e o perfil das vítimas de violência e crimes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Bomeny, Helena, Coelho, Maria Cláudia & Sento-Sé, João Trajano. Violência nas Escolas 
Públicas do Rio de Janeiro: notas exploratórias sobre a autoridade docente e as 
percepções da violência. Rio de Janeiro, 2009, p.70 a 109. 
Maria Drosila Vasconcelos - PIERRE BOURDIEU: A HERANÇA SOCIOLÓGICA Educação & 
Sociedade. Educ. Soc. vol. 23 no.78 Campinas, Apr. 2002. 
 
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000200006&script=sci_arttext 
Luís Eduardo Soares, Barbara Musumeci e Leandro Piquet “Violência contra a mulher: as 
DEAMs e os pactos domésticos”, IN Soares, L.E. e colaboradores. Violência e Política no 
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ISER. 1996. Relume Dumará., p. 65 a 106. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Aula 3: Percepções sobre violência 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1) Descrever a contribuição teórica de cada autor; 
2) Usar a contribuição dos autores para analisar fenômenos sociais; 
3) Criticar as teorias sociais estudadas; 
4) Descrever as principais questões que envolvem os temas estudados. 
 
 
Estudo dirigido da aula 
 
1. Leia o texto condutor da aula. 
2. Participe do fórum de discussão desta aula. 
3. Realize a atividade proposta. 
4. Leia a síntese da sua aula. 
5. Leia a chamada para a aula seguinte. 
6. Realize os exercícios de autocorreção. 
 
Olá! Seja bem-vindo à aula Percepções sobre violência. 
 
Nesta aula, iremos discutir as percepções da violência. Para tanto, em um primeiro 
momento será abordada a questão do medo como fator fundamental na forma como as 
pessoas lidam com as interações sociais e que pautam as suas dinâmicas individuais, 
este ponto possibilita discutir os aspectos objetivo e subjetivo da segurança. Neste 
módulo também abordaremos uma reação decorrente do medo e da violência que é o 
recurso a formas privadas de segurança e proteção, bem como a relação entre mídia(s) e 
violência. 
 
Outro ponto que será abordado aqui é a pesquisa de vitimização, que consiste em um 
instrumento criado para se conhecer o perfil das pessoas que são vitimas da violência 
bem como as suas percepções sobre violência e as instituições de segurança pública e 
justiça criminal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Percepção coletiva de (in)segurança: sentimento de paz e de medo 
 
A literatura sobre sociologia da violência observa que a (in)segurança possui duas 
dimensões: 
 
- A (in)segurança concreta ou (in)segurança objetiva, que está relacionada ao 
risco real de sofrer vitimização, de forma que quanto menor a ameaça maior será a 
segurança concreta; 
 – O sentimento de (in)segurança ou (in)segurança subjetiva, sendo a sua maior 
expressão o medo de ser vitimizado, independentemente de qualquer ameaça concreta. 
Assim, o medo é proporcional ao sentimento de insegurança, mas independente ou 
desproporcional ao risco real. 
 
Uma dimensão não se traduz necessariamente na outra. O sentimento de segurança ou 
insegurança, de um modo geral, não esta relacionado, diretamente, ao risco de ser 
vítima da violência, mas à “avaliação social a respeito da possibilidade de alguém se 
tornar vítima/autor de um crime, e às conseqüências advindas deste fato” (MIRANDA, 
2008, p.91). Cotidianamente, é possível um indivíduo se sentir seguro em um local com 
alto índice de ocorrências criminais, ou vice-versa. O impacto da redução do risco por 
uma política pública, ou por outro motivo, não significa reduzir o medo da sociedade de 
ser vítima de um crime. 
 
O medo é uma emoção que impacta o comportamento dos indivíduos, alterando a forma 
de construção e percepção da ordem social. Estratégias de redução do medo são 
diferentes daquelas empregadas para reduzir a criminalidade. 
 
Medo 
“A situação essencial para o aparecimento do medo é a percepção de um 
objeto perigoso, ou de uma condição ameaçadora. O fato fundamental na 
situação parece ser a ausência de poder ou capacidade da pessoa para 
dominar a ameaça. Surge o medo se ela não sabe como evitar a ameaça e, 
especialmente, se o seu caminho de fuga está bloqueado. O terror mais 
profundo pode ser provocado por um sentimento de impotência diante de 
forças esmagadoras, tais como as de um terremoto ou de outros 
 
 
 
 
 
 
 
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cataclismos da Natureza. Em menor escala, o mesmo sentimento pode ser 
provocado na criança pelas severas ameaças do pai, porque elas lhe 
parecem incontroláveis”. 
“Com o tempo, podemos nos habituar com os objetos perigosos e viver 
perto deles sem apreensão. Isso ocorre porque aprendemos a lidar com 
eles. Mas o medo surge se a situação imediata se transforma, de forma que 
se perturbam os nossos meios já conhecidos de lidar com esses objetos”. 
“Deve-se notar, especialmente, que alterações inesperadas em nosso 
ambiente conhecido podem provocar o medo. Tudo se passa como se 
tivéssemos organizado os nossos mundos de maneira a nos proteger, de 
forma que qualquer perturbação nessa ordem provoca, imediatamente, a 
nossa apreensão. Observa-se comumente, que uma criança muito nova se 
angustia caso ocorram mudanças em seu ambiente conhecido. O ‘terror do 
desconhecido’ não é apenas uma expressão literária, pois se verifica, 
universalmente, que o estranho e o novo podem provocar medo nos 
observadores.” 
“Com o medo, talvez mais do que qualquer outra emoção, o contágio dos 
outros é muito intenso. O fato de ver e ouvir outras pessoas em estado de 
terror provocará, muitas vezes, o pânico no observador, mesmo que nada 
mais exista, no ambiente, que possa provocá-lo”. 
(Krech, D. & Crutchfield, R. As emoções do homem. In Elementos de 
Psicologia, 1980, p.273) 
 
Alguns autores atribuem o crescente medo e insegurança da população à ênfase de 
matérias produzidas pela mídia sobre circunstâncias aterrorizantes e aos interesses 
econômicos do setor de segurança privada. Este é um ponto importante para analisar. 
Porém, não é aconselhável desconsiderar que o grau de informação sobre e de 
previsibilidade de acontecimentos que envolvam violência, assim como o nível de 
credibilidade das agências de segurança pública para garantir a ordem social, constituem 
fatores que influenciam o sentimento de segurança ou insegurança dos indivíduos. E isso 
nem as diferentes mídias nem um setor econômico podem controlar totalmente. 
 
É importante ressaltar que cada vez mais o sentimento de segurança de determinadas 
coletividades está sendo construído através de estratégias particulares que utilizam a 
segregação em ruas com cancelas e em condomínios --os quais, em alguns casos, se 
 
 
 
 
 
 
 
25/53
 
 
assemelham a cidades devido à sua extensão e aos serviços oferecidos (CALDEIRA, 
2000)--, como também atravésda contratação de policiais para atuar em um 
determinado espaço como agentes de segurança privada. 
 
 
Reação: formas privadas de segurança 
 
Inicialmente, é importante fazer uma distinção entre dois conceitos: segurança pública e 
proteção. O primeiro é contemporaneamente concebido na perspectiva da construção de 
um Estado Democrático de Direito, que pressupõe ser a segurança pública um direito de 
todos, enquanto a proteção se refere às estratégias e recursos individuais não acessíveis 
a todos. Pode-se apontar pelo menos dois problemas com o recurso da proteção: o 
deslocamento da violência e da criminalidade para aqueles que não podem “pagar” por 
proteção; e/ou a transformação dos indivíduos em reféns deste recurso, pois ele não visa 
a solucionar as causas que geram violência, medo e crime. 
 
Neste sentido, podem-se considerar “proteção” as diferentes formas privadas de 
segurança, sejam elas formais, informais, legais, ilegais, violentas ou não-violentas. 
 
Embora formas privadas de segurança tenham existido ao longo da história da 
humanidade, o seu crescimento recente tem chamado a atenção, sendo relacionado ao 
aumento da violência urbana e da criminalidade. Ao analisar os efeitos da fala sobre o 
crime na reprodução da violência e do medo em São Paulo, a pesquisadora Tereza Pires 
Caldeira afirma que, comumente, a experiência com um crime violento desencadeia nas 
vítimas ações que reforçam o sentimento de perda e restrição, tanto através de 
mudanças estruturais (muda de endereço, coloca aparatos de segurança na casa), 
quanto de hábitos (maior controle dos filhos, contratação de segurança, renúncia a sair 
de casa). 
 
Ao afirmar que “a fala do crime faz a violência proliferar ao combater e simbolicamente 
reorganizar o mundo” (CALDEIRA, p.43), a autora diz que esta fala produz uma forma 
específica de percepção e interação sociais, estética urbana, políticas públicas e 
comportamentos políticos, que reforçam frequentemente a proposta de segregação 
espacial e social, e a construção de estereótipos, além de legitimar o recurso à violência 
ilegal (milícia, grupos de extermínio, linchamento) contra grupos sociais, sendo tudo isso 
 
 
 
 
 
 
 
26/53
 
 
contrário à consolidação da ordem social democrática, cujos valores envolvem igualdade 
civil e tolerância. Nesse sentido, a violência e o crime constituem um desafio para a 
consolidação da democracia. (CALDEIRA, p.45) 
 
Mídia(s) e violência 
 
A centralidade no discurso político que os temas “segurança pública” e “violência” 
adquiriram, nas últimas décadas, impactou os enfoques e coberturas dadas a esses 
temas pelas redações dos jornais. Antes, um espaço desvalorizado, ocupado por 
“profissionais menos experientes ou menos preparados”, tem passado por mudanças que 
vão, de uma cobertura mais sensacionalista, enquadrada na editoria de polícia, para a 
adoção de pautas sobre segurança pública comentadas por especialistas –em cujo âmbito 
os fenômenos da criminalidade e da violência são compreendidos como integrados a 
outros temas como educação, planejamento urbano, saúde e trânsito. 
 
Mesmo reconhecendo as mudanças ocorridas na última década, esta relação, mídia(s) e 
violência, merece ser cuidadosamente problematizada. A existência de uma cultura 
política que adota ações reativas e pontuais em detrimento da valorização e adoção de 
ações integradas, planejadas e avaliadas, resulta que no campo da segurança pública as 
ações governamentais sejam guiadas muitas vezes pelo que mobiliza a opinião pública. 
Neste sentido a(s) mídia(s) acaba(m) “pautando” as prioridades das ações de segurança 
pública, a partir daquilo que ela selecionou como relevante. E partindo do pressuposto 
que a escolha dos fatos que viram notícia não é objetiva, neutra nem imparcial, embora 
muitas vezes as notícias sejam representadas assim, pode-se dizer que esta relação 
acaba reforçando a desigualdade no provimento de segurança pública entre grupos 
sociais e regiões da cidade. 
 
Pesquisa de vitimização 
 
A partir da década de 1990, aumentou o interesse e consequentemente a produção de 
pesquisa e dados quantitativos e qualitativos sobre violência e segurança pública. 
 
Para além do aumento real da produção de informações sobre esse campo, persiste entre 
os pesquisadores e gestores do campo da segurança pública o debate sobre a qualidade 
dos dados oficiais e a insuficiência de dados estatísticos. A precária disponibilização de 
 
 
 
 
 
 
 
27/53
 
 
dados, a ausência de uma base de dados oficiais integrada e a falta, imprecisão ou erro 
no ato de registrar e classificar o fato abrem o debate sobre a confiabilidade dos registros 
oficiais, fazendo com que as pesquisas quantitativas ainda não forneçam adequadamente 
informações necessárias para que se lide, rigorosamente, com o fenômeno da violência 
urbana. 
 
Parte da informação produzida é decorrente dos registros policiais, que representam 
parte dos dados oficiais. Porém, esses registros referem-se a uma pequena parte dos 
delitos praticados, pois, em qualquer país, há a cifra oculta, ou seja, a subnotificação, os 
crimes não reportados à polícia, e o sub-registro, crimes reportados mas não registrados. 
As motivações diversas para este fenômeno incluem: descrença no sistema de segurança 
pública, gravidade do delito, relação com agressor, medo de retaliações, valor envolvido, 
temor da própria polícia. 
 
A pesquisa de vitimização é uma estratégia complementar para se obter informação 
sobre o campo da violência e da segurança pública, uma vez que, através de entrevistas 
com as vítimas, é possível coletar várias dados sobre o crime, tanto o que foi registrado 
quanto aquele que não foi. Com estes dados é possível conhecer os motivos da 
subnotificação, as circunstâncias envolvidos no crime (grupo vulnerável), além do 
sentimento de insegurança da população, sua percepção sobre os agentes de segurança 
pública e sua atitude diante deles. 
 
Embora esta pesquisa tenha limites (como a subjetividade e a memória do entrevistado 
ao descrever os acontecimentos), ela configura um instrumento útil para embasar a 
formulação de políticas públicas de segurança. No Brasil, porém, ainda é pouco utilizada, 
seja por não haver uma prática política de formulação de diagnósticos para a proposição 
de políticas e ações públicas, seja pelo elevado custo de sua elaboração. De fato, as 
poucas pesquisas realizadas dificultam uma comparação regional e temporal, pois cada 
uma adotou uma metodologia específica. Assim, atualmente é discutida a padronização 
do método para a realização de pesquisas de vitimização e para a classificação dos 
dados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28/53
 
 
 
Acesse o Fórum de Discussão e debata os seguintes temas: 
Por que é possível afirmar que “o medo é um péssimo conselheiro”? 
Como você avalia o crescente recurso à segurança privada (formal e informal) e 
valorização de espaços privados. 
 
 
Leitura: 
Soares, Luiz Eduardo. O inominável, nosso medo. In Soares e outros. Violência e Política 
no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, ISER, Relume Dumará, 2006, p.59-63. 
Athayde, Celso, MVBill e Soares, L.E. Cabeça de Porco. Rio de janeiro, ed. Objetiva. 
2005. 
Sugestão de filmes: 
O Homem do Ano (2001) – Diretor: José Henrique Fonseca. Brasil 
Zona do Crime (2007) – La Zona. Diretor: Rodrigo Plá. Espanha /México 
 
 
 Assista ao filme “O homem do Ano”, de José Henrique Fonseca, e faça uma reflexão 
sobre as seguintes questões: 
- como ocorre a ordem social; 
- como a violência legal e ilegal é pensada pelos personagens; 
- como aparece o sentimento de (in) segurança. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Nesta aula, você: 
- Analisou a questão “violência urbana” a partir de diferentes ângulos. 
- Atentou para o fato de que o medo, que estabelece o sentimento de insegurança, não é 
uma emoção irrelevante para a construção da ordem social. 
- Deu-se contaque a relação mídia(s) e violência é complexa e ambígua, merecendo 
grande atenção. 
- atentou para os problemas existentes na consolidação da democracia com a adoção do 
recurso individual de proteção. 
- Avaliou a importância da realização de pesquisas de vitimização como uma estratégia 
complementar para o conhecimento de dados essenciais para a construção de políticas 
públicas. 
 
 
Nesta aula, vimos como o medo produz um determinado tipo de comportamento que 
afeta a interação social. Também discutimos o papel da mídia e a importância de 
pesquisas que possibilitem medir o nível de vitimização e credibilidade das instituições de 
segurança pública na sociedade. 
Na próxima aula, abordaremos as percepções sobre a violência. Neste sentido, o “medo” 
aparece como um sentimento importante que direciona as condutas individuais. Também 
será discutido o sentimento de insegurança e de segurança, o papel da mídia e as 
pesquisas de vitimização - estas podem se configurar em instrumentos úteis para o 
conhecimento da dinâmica criminal e o perfil das vítimas de violência e crimes. 
 
 
Bomeny, Helena, Coelho, Maria Cláudia & Sento-Sé, João Trajano. Violência nas Escolas 
Públicas do Rio de Janeiro: notas exploratórias sobre a autoridade docente e as 
percepções da violência. Rio de Janeiro, 2009, p.70 a 109. 
Maria Drosila Vasconcelos - PIERRE BOURDIEU: A HERANÇA SOCIOLÓGICA Educação & 
Sociedade. Educ. Soc. vol. 23 no.78 Campinas, Apr. 2002. 
 
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000200006&script=sci_arttext 
 
 
 
 
 
 
 
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Luís Eduardo Soares, Barbara Musumeci e Leandro Piquet “Violência contra a mulher: as 
DEAMs e os pactos domésticos”, IN Soares, L.E. e colaboradores. Violência e Política no 
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ISER. 1996. Relume Dumará., p. 65 a 106. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Aula 4: Sociologia do crime e violência no Brasil (parte1) 
 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1) Descrever a contribuição teórica de cada autor; 
2) Usar a contribuição dos autores para analisar fenômenos sociais; 
3) Criticar as teorias sociais estudadas; 
4) Descrever as principais questões que envolvem os temas estudados. 
 
Estudo dirigido da aula 
 
1. Leia o texto condutor da aula. 
2. Participe do fórum de discussão desta aula. 
3. Realize a atividade proposta. 
4. Leia a síntese da sua aula. 
5. Leia a chamada para a aula seguinte. 
6. Realize os exercícios de autocorreção. 
 
Olá! Seja bem-vindo à aula Sociologia do crime e violência no Brasil (parte1). 
Os artigos e matérias publicadas em grandes jornais explicitam a representação de que a 
violência impôs “um novo tempo”, com rupturas e continuidades nas relações na cidade. 
As matérias jornalísticas e os debates sobre segurança pública e violência relacionados 
ao aparecimento ou aumento de diferentes signos de violência urbana contribuíram para 
a representação social de uma crescente violência urbana e recente, constituindo, assim, 
um perigo social multifacetado. 
Comumente com metáforas de guerra as matérias jornalísticas indicam um colapso do 
modelo de integração social, onde a favela aparece como local responsável pela 
reprodução deste perigo por abrigar a parte do comércio vísivel de drogas ilícitas, assim 
como as relações violentas daí decorrentes. 
Nesta aula, nos deteremos nos estudos do sociólogo Luis Antonio Machado da Silva, que 
tem trabalhado com o conceito de “sociabilidade violenta” para compreender a questão 
da violência urbana na contemporaneidade. Michel Misse, cujas ideias, iremos debater 
também, olhando para o Rio de Janeiro trabalha com a proposta de uma acumulação 
social da violência, destacando que historicamente há a representação de que a cidade 
foi tranquila... sempre no pretérito...enquanto, o presente, seja em 1900 ou 2000, 
percebido como violento. 
Bom estudo! 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Machado da Silva e a sociabilidade violenta 
O sociólogo Luiz Antonio Machado da Silva vem trabalhando com o conceito denso de 
sociabilidade violenta para compreender a questão da violência urbana. 
 
Para o autor, a violência urbana não é um conceito (ou um recurso para a compreensão 
e explicação de um fenômeno social), mas o objeto a ser compreendido. A violência 
urbana é uma representação de práticas e modelos de conduta que moldam uma ordem 
social. 
 
Ao olhar para essas representações de práticas e modelos de conduta (violência urbana), 
definidas comumente como crime comum violento, e para seu impacto na organização 
social nos centros urbanos, o autor conclui que as práticas de criminosos comuns 
promovem a ruptura da normalidade da vida cotidiana, afetando a qualidade das 
relações entre os indivíduos. Surgindo, daí, uma nova forma de sociabilidade, de relação 
social, marcada pela violência, que expressa um individualismo contemporâneo (ao não 
se fundamentar na alteridade nem na intersubjetividade compartilhada). Essa nova 
forma de sociabilidade é responsável por construir e manter uma ordem social. 
 
Esta ordem social decorrente da sociabilidade violenta é baseada no recurso universal ao 
uso da força e não está subordinada nem está em conflito com a ordem institucional-
legal. Assim, o uso da força que era um recurso eventual de realização de interesses, 
passa a ser o princípio que regula as relações entre os indivíduos. 
 
Os indivíduos “portadores da violência urbana” -- que não se constituem como um 
coletivo organizado em torno de interesses e valores comuns -- diferenciam-se do 
contingente de dominados e podem aderir a essa ordem social violenta sem, no entanto, 
cancelar a ordem institucional-legal. 
 
 
A acumulação social da violência, de Michel Misse 
 
O conceito de acumulação social da violência, cunhado por Michel Misse, visa mostrar 
que esta violência percebida como recente é fruto de um processo histórico e cumulativo. 
 
 
 
 
 
 
 
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Embora tenha tido pontos relevantes com o incremento do comércio de drogas e 
armamento no Rio de Janeiro, reduzir a explicação da violência ao aumento do tráfico é 
ignorar a complexidade de eventos, padrões, experiências, dimensões e práticas que se 
relacionam ao processo. 
 
Malandros, marginais e vagabundos são tipos sociais historicamente datados, 
representativos de três grandes ciclos de acumulação social da violência no Rio de 
Janeiro, os quais, na representação social de suas épocas, eram vistos como perigosos. 
 
Dessa forma, do século XIX até a década de 50 do século seguinte, o tipo social presente 
na representação social como desnormalizado3 foi o malandro. O malandro era avesso ao 
trabalho, segundo o sambista Moreira da Silva, que conheceu nove décadas de 
malandragem: “malandro é o sujeito que consegue viver honestamente do trabalho 
alheio. Quem faz desonestamente é apenas ladrão”.4 Neste trecho, Moreira destaca a 
habilidade e a sedução do “bom malandro” – que o diferencia do ladrão. Astuto, só 
utilizava a violência em último caso, tinha um estilo de vida orgiástico, vestia-se bem, 
utilizava a lábia e era sociável, suas atividades de “ganho” estavam relacionadas ao jogo 
do bicho, à prostituição, ao estelionato e à relação com alguns políticos como cabo 
eleitoral. O malandro tinha características positivas. 
 
E são as pessoas identificadas com o tipo “malandro” as incriminadas desse período. Era 
através do estereótipo do malandro que a polícia e a sociedade construíam o suspeito, ao 
qual destinavam os esforços que visavam manter a ordem social na cidade do Rio de 
Janeiro. 
 
A sujeição é um processo social. É a partir da análise do processo de “incriminação” e 
“criminação”5 – que ocorrem de forma interrelacionada – que se percebe que há sujeição 
 
 
 
 
3 “A normalização é, assim, a dinâmica de produção da sociabilidadeentre sujeitos sociais 
considerados como potencialmente desafiliáveis, egoístas e, portanto, perigosos – representações que 
ganharam sua melhor expressão teórica na obra de Hobbes”. (MISSE, 1999, p. 47) 
4 FARIAS, Antonio Carlos de. O malandro de pijama. Pensata. Folha On Line, 28/03/2002. 
5 CRIMINAR - Definir como crime e atribuir ao evento a natureza de crime. É o processo 
através do qual se define o comportamento como crime. Interpretação do evento como crime. 
(Criminar – atribuir ao evento o caráter de crime). 
 
 
 
 
 
 
 
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criminal, quando “há reprodução social de ‘tipos sociais’ representados como criminais ou 
potencialmente criminais”(MISSE, p.66). Desse modo, o ator social pertencente ou 
identificado com determinadas categorias desnormalizadas de indivíduos, deixa de ser 
alguém que cometeu um crime e passa a ser um “bandido”, alguém de quem se espera 
uma “conduta criminosa”. Passa-se a ver a essência dele como criminosa, sem 
considerar que crime é uma construção social. A sujeição criminal supõe uma 
roteirização. 
 
Na década de 1950, junto com as mudanças no processo de sociabilização na cidade, 
alavancadas pelo aumento da população urbana, a industrialização e a ampliação de 
postos de trabalho formal, percebe-se uma mudança do tipo social desnormalizado. 
Identificando o marginal com características negativas, estabelece-se uma oposição com 
o tipo anterior: ignorante, analfabeto, utilizando aleatoriamente arma de fogo (é a 
brutalidade no lugar da astúcia do malandro), organizado em bandos, negro ou mulato, 
cachaceiro ou maconheiro, praticando atividades como roubo à mão armada, 
arrombamento e tráfico. Ocorre a mudança e, no lugar do malandro, surge o marginal, 
que assume tanto os padrões do banditismo, quanto da representação social do 
malandro. O crescimento da baixada fluminense e a segregação urbana decorrente, nos 
anos 1960, condensara o tipo social do marginal. 
 
A construção do bandido como categoria social não é unilateral, depende do olhar do 
outro e a relação com este. Porém, naturaliza-se a construção social, de modo que ele 
mesmo vai se sujeitar a desempenhar o papel. Ser bandido converte-se em traço de 
caráter. 
 
A polícia também para cada época teve uma atuação diferenciada, não apenas reagindo 
às modificações do banditismo urbano, mas também contribuindo para esta alteração.6 O 
aparecimento do esquadrão da morte formado por policiais, na década de 1950, e o seu 
envolvimento com assassinato de agentes identificados como perigo social, evidenciam 
 
 
 
 
 INCRIMINAR – Atribuir ao indivíduo o comportamento criminoso. Procurar o sujeito que 
praticou aquele crime. 
6 MISSE, 1999, p.390. 
 
 
 
 
 
 
 
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uma mudança de relações a partir da privatização do uso da força física, e o uso desta 
como forma de resolução de conflito. 
 
O tipo social que vai aparecer na década de 1970 é o vagabundo, que terá uma maior 
organização e violência do que o seu tipo social anterior. Dessa forma são rotulados 
os traficantes, os assaltantes, os pivetes, os sequestradores, pelos próprios bandidos 
e pela polícia. 
 
Nas últimas décadas, observa-se a ampliação da sujeição criminal para além daqueles 
que se envolveram com práticas identificadas como crime, atingindo também grupos 
que possuem alguma relação com esses. 
 
A acumulação social da violência, segundo Michel Misse, está relacionada também à 
“sobreposição de dois mercados ilícitos: um oferece mercadorias ilegais e outro parasita 
o primeiro ao produzir mercadorias políticas, isto é, tudo aquilo cujo valor depende 
diretamente do emprego ou ameaça do emprego da força ou da violência, mesmo 
quando com amparo legal”. A intensificação desses mercados com a participação ativa da 
polícia e a ampliação da sujeição criminal cria uma situação de maior imprevisibilidade 
para grupos excluídos e estigmatizados socialmente. 
 
“Policiamento preventivo” passa a ser sujeição criminal dirigida às camadas populares. 
Dessa forma, a sujeição criminal (ou rotulação com o estigma do criminoso), que passa a 
ser o princípio orientador da prática de policiais, contribui para a concretização da 
profecia que se autorrealiza. 
 
 
 
 
 
 
Assista ao filme Madame Satã (2002) , de Karim Aïnouz. 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Recorra a arquivos de jornais, filmes, músicas ou documentos históricos do inicio do 
século XXI e analise como o tipo social “perigoso” foi representado. 
 
 
Nesta aula, você: 
- Analisou a questão “violência urbana” a partir da contribuição de Michel Misse e 
Machado da Silva. 
- Atentou para o fato de que, para Machado, existe uma sociabilidade violenta 
responsável pela configuração de uma ordem social. 
- Deu-se conta que existe a violência urbana é um processo histórico e cumulativo. 
- Atentou para o ponto que em cada momento histórico, há um grupo percebido como 
portador da violência. 
 
Na próxima aula, vamos continuar discutindo as contribuições de teóricos brasileiros, 
destacando as principais reflexões e interpretações sobre a questão “violência urbana”. 
Neste sentido, analisaremos a contribuição de Alba Zaluar e Sérgio Adorno. 
 
 
DA SILVA, Machado. Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade 
contemporânea no Brasil urbana. In Sociedade e Estado, vol 19, no.1, Brasília jan/jun. 
2004 (também disponível no endereço 
 http://www.scielo.br/pdf/se/v19n1/v19n1a04.pdf ). 
MISSE, Michel. Acumulação social da violência. In Malandros, marginais e vagabundos. 
IUPERJ, Rio de Janeiro, tese de doutorado, 1999, p.76-117. 
MISSE, Michel. Conclusões. In Malandros, marginais e vagabundos. IUPERJ, Rio de 
Janeiro, tese de doutorado, 1999, p. 388-97. 
 
 
 
 
 
 
 
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Aula 5: Sociologia do crime e violência no Brasil (parte 2) 
 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1) Descrever a contribuição teórica de cada autor; 
2) Usar a contribuição dos autores para analisar fenômenos sociais; 
3) Criticar as teorias sociais estudadas; 
4) Descrever as principais questões que envolvem os temas estudados. 
 
Estudo dirigido da aula 
 
1. Leia o texto condutor da aula. 
2. Participe do fórum de discussão desta aula. 
3. Realize a atividade proposta. 
4. Leia a síntese da sua aula. 
5. Leia a chamada para a aula seguinte. 
6. Realize os exercícios de autocorreção. 
 
Olá! Seja bem-vindo à aula Sociologia do crime e violência no Brasil (parte 2). 
Nesta aula, debateremos as contribuições de Sergio Adorno e Alba Zaluar para a 
compreensão da violência e do crime no Brasil. Esses dois teóricos têm em comum a 
preocupação em compreender a dinâmica da violência em uma sociedade marcada por 
grande desigualdade social e intensa violação de direitos humanos. 
Assim, os autores se propõem a pensar as ambiguidades existentes em um Estado que 
legalmente defende a igualdade entre os cidadãos, mas que nos conflitos sociais e 
atuação estatal no espaço público demonstram a existência de diferenças no 
reconhecimento da dignidade individual e atribuição desigual ao valor da vida dos seus 
cidadãos. 
Para analisar essas questões foram selecionados artigos desses autores, que 
orientarão o debate de suas ideias principais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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As reflexões sobre a relação violência e exclusão socioeconômica, de Sergio 
Adorno 
 
Começaremos com a contribuição de Sérgio Adorno, que é doutor em Sociologia pela 
Universidade de São Paulo (USP), Professor-titular do Departamento de Sociologia 
FFLCH-USP, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP) e responsável 
pela Cátedra UNESCO Educação para a Paz, Direitos Humanos, Democracia e Tolerância. 
 
Em seu artigo “Exclusão socioeconômica e violência urbana”, o autor trabalha as relaçõesexistentes entre violência e exclusão socioeconômica. Para pensar a relação, o autor faz 
uma avaliação histórica desde a independência do Brasil aos dias atuais, destacando as 
mudanças ocorridas na política e na economia brasileiras, e as formas de integração 
social correlacionadas, bem como a oferta pelo Estado de serviços sociais básicos. Com 
isso busca explicitar a forma como a sociedade foi constituída e seus indivíduos foram 
incorporados (ou não) às dinâmicas econômicas, políticas e de proteção social. 
 
O autor destaca que: 
 
 Com a Independência em 1822, o Brasil se desvincula politicamente de Portugal, 
mas mantém, por mais seis décadas, uma estrutura político-social e econômica 
fundada na monarquia e na exportação, monocultura, mão-de-obra escrava e 
grandes propriedades rurais. Isso se traduziu em uma sociedade cujo poder 
político foi fortemente marcado pelo patrimonialismo, que garantia a preservação 
dos interesses da elite agrária, através da aliança deste grupo com representantes 
dos estamentos burocráticos, formando elites políticas regionais. Na prática, isto 
resultava em uma frágil diferenciação entre o que é público (de todos) e privado. 
 
 Ao longo da segunda metade do século XIX, com a predominância da produção do 
café, ocorreram mudanças na estrutura sócio-política. Uma delas foi a 
transferência do centro político e econômico do Nordeste para a Região Sudeste 
 
 
 
 
 
 
 
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do país, a adoção do trabalho de imigrantes europeus em regime de colonato7 e a 
instauração da República no país. 
 
 As primeiras décadas do período republicano (1889 a 1930) são marcadas pela 
crescente urbanização, criação de uma indústria nacional e a incorporação de 
mão-de-obra assalariada, que se constituiu, principalmente no Sudeste, em um 
proletariado ativista. Nessa época, observa-se o aprofundamento das 
desigualdades regionais e a concentração das riquezas nas mãos das elites 
agrárias e industriais. 
 
 Na segunda metade do século XX, intensifica-se a urbanização, cria-se um parque 
industrial resultante do aumento da produção interna, diminuem as importações e 
se formam organizações profissionais e sindicatos. 
 
 Nas duas últimas décadas, redemocratiza-se o país, ou melhor, implanta-se o 
Estado Democrático de Direito, pela primeira vez em termos constitucionalmente 
plenos. Nesse contexto de fortes e profundas mudanças, há novo impulso de 
desenvolvimento econômico, com a modernização de segmentos do mercado, a 
informatização de serviços, maior participação política e reivindicatória, ampliação 
da oferta de saúde e educação básica. Porém os padrões de concentração de 
riqueza e desigualdade social não se alteraram, além de os conflitos sociais terem 
se agravado. 
 
Nessas últimas décadas, perduram as violações de direitos humanos que marcaram 
intensamente o período ditatorial (1964-1988 ou 1984) e se observa o aumento das 
taxas de violência: crime comum, violência letal relacionada ao crime organizado, 
explosão de conflitos nas relações pessoais e intersubjetivas. E o aparecimento do tráfico 
de drogas, que afeta a forma de organização e sociabilidade nas classes populares. A 
partir disso, Sergio Adorno identifica três causas do aumento das taxas de violência. 
 
 
 
 
 
7 Diferentemente do trabalho assalariado, o regime do colonato se caracteriza pelo pagamento do trato do 
cafezal, pagamento variável de acordo com a colheita e a permissão para a exploração de lavoura de subsistência 
e venda do seu excedente. 
 
 
 
 
 
 
 
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1) Mudanças nos padrões de violência e criminalidade: 
As mudanças socioeconômicas experimentadas nas últimas décadas alteram a forma das 
interações sociais e a relação com o Estado. Elas também repercutiram nos padrões de 
violência e criminalidade, mais notadamente alterando o crime comum contra o 
patrimônio praticado por indivíduos isolados, que deu lugar a uma modalidade de 
criminalidade organizada que relaciona diferentes tipos de crimes e cruza as fronteiras 
nacionais. 
 
2) Crise no sistema de justiça criminal: 
A forma de operar o sistema de justiça criminal não acompanhou as mudanças ocorridas 
nos padrões de violência e criminalidade, resultando em instituições com baixa 
capacidade de retorno às demandas sociais, que manifestavam, crescentemente, a 
expectativa de garantia de ordem e respeito a leis. O resultado final é a impunidade 
penal e a descrença da população em relação à eficácia do sistema – e, 
consequentemente, o recurso privado a formas de justiça e proteção. 
 
3) Desigualdade social e segregação urbana: 
Na década de 1970, acreditava-se que a criminalidade e a violência tinham raízes 
estruturais, que decorriam do modelo capitalista, suas formas de exclusão social e luta 
de classes. Esta crença levou os setores progressistas da sociedade daquela época a 
formularem uma correlação simétrica entre pobreza e violência/criminalidade, sendo o 
criminoso representado como vítima da injustiça social. Logo, o crime e a violência não 
eram considerados um problema em si, mas – conforme Luiz Eduardo Soares vinha 
chamando a atenção desde 1998, em diversos artigos (vide, por exemplo, Meu Casaco 
de General: 500 dias no front da segurança pública do Rio de Janeiro. SP: 
Companhia das Letras, 2000) -- a consequência de uma opção de modelo econômico, 
bastando acabar com a pobreza para se “criar” a ordem social. A crítica a essa correlação 
veio de setores conservadores, segundo os quais o crime não seria decorrente do modelo 
de política distributiva, mas da falta de repressão ao crime e da aplicação rigorosa de leis 
penais. 
 
A partir dessa crítica (a primeira voz acadêmica a dissociar pobreza e violência foi a de 
Alba Zaluar –vide A Máquina e a Revolta. SP: Brasilense, 1986), os pesquisadores 
chegaram à conclusão de que o problema não era a pobreza, mas (além, de vários 
outros grandes desafios) a criminalização do pobre, que encontrava eco na ação 
 
 
 
 
 
 
 
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repressiva da polícia e condenatória do Judiciário. A análise comparada da incidência de 
crime demonstrou que, muitas vezes, há menos crimes nas cidades mais pobres e mais 
crimes onde há circulação de riqueza e dinheiro. Mas, de qualquer forma, Sergio Adorno 
destaca que não há como ignorar a relação entre a concentração de riqueza e a 
precariedade da vida coletiva nos bairros periféricos, que também apresentam os 
maiores índices de violência fatal – o que recoloca de outra forma a correlação pobreza 
violência, agora sob outras mediações, como aquela desempenhada pelo tráfico de 
drogas. 
 
Por mais que nas últimas décadas o Brasil tenha experimentado um forte crescimento 
econômico e um indiscutível fortalecimento da democracia política, elementos 
relacionados à democracia social não foram devidamente assegurados. 
 
O autor também destaca que é importante considerar que a forma como é vivida a 
desigualdade social mudou ao longo do tempo, pois houve o aumento do consumo (como 
computadores, eletrodomésticos) e do acesso a bens duráveis em todas as camadas 
sociais, inclusive nas mais pobres. Por outro lado, ainda há acentuada restrição de 
direitos e de acesso a instituições promotoras de bem-estar e cidadania. 
 
Pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, que buscou investigar a relação entre 
distribuição espacial da violência e distribuição espacial das condições de vida e infra-
estrutura urbana, mostrou que esses mapas se sobrepõem. O autor destaca que os 
problemas colocados pela pobreza, pela desigualdade e pela exclusão social, como a 
frequente violação dos direitos fundamentais do indivíduo, não estão relacionados a um 
desenvolvimento econômico incompleto. Em vez de um problema de matriz econômica, a 
raiz do problema é da ordem da justiça social, cujo enfrentamento consiste no 
reconhecimento de direitos iguais, com aconstrução de normas e princípios gerais a 
partir dos quais se construa a resistência moral dos cidadãos à violação dos direitos 
fundamentais, sobretudo do direito à vida, que edifica outros direitos como liberdade, 
igualdade, propriedade e a segurança. 
 
O reconhecimento da igualdade de direitos é o alicerce da construção de “critérios 
universais e legítimos, socialmente pactuados e compartilhados, de julgamento dos 
litígios e das contendas sociais” (p.44). 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Com isso é possível conectar justiça social e justiça penal, e garantir, além dos direitos 
políticos, direitos sociais e civis que não só geram a “pacificação social” como asseguram 
a cidadania democrática. 
 
 
Alba Zaluar e a construção da masculinidade 
 
Alba Zaluar é professora-titular de Antropologia no Instituto de Medicina Social da 
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, coordenadora do Núcleo de Estudos das 
Violências – NUPEVI, além de ser, nas ciências sociais brasileiras, uma das pioneiras a 
estudar, na década de 1970, a violência. Entre várias e ricas contribuições, notadamente, 
tiveram destaque os estudos sobre as classes populares urbanas e o olhar aguçado sobre 
as identidades e sobre o impacto da criminalidade na vida social local, por trás do 
estigma do morador da favela. 
 
No livro Condomínio do Diabo, no capítulo “As classes populares urbanas e a lógica do 
‘ferro’ e do fumo”, a autora buscou compreender como as práticas classificadas como 
criminosas estavam entrelaçadas com outras práticas sociais e constituíam a vida social 
local, na década de 1980. 
 
Observou a construção da categoria “bandido”, que se diferenciava do “malandro” 
descompromissado das décadas anteriores por este novo tipo social assumir o “batente” 
de uma rotina de atividades criminosas -- enquanto o bandido se opunha à categoria 
“trabalhador”, que é aquele que se sujeita a empregos mal-remunerados e relações de 
trabalhos humilhante. O “ganho suado” do “trabalho honesto” se contrapõe ao “dinheiro 
fácil” da criminalidade. 
 
Em outro artigo do mesmo livro, “Crime, justiça e moral: a versão das classes 
populares”, a autora discute o conjunto de valores que está relacionado ao mundo da 
criminalidade e, portanto, à arma de fogo --“instrumento de trabalho” básico que garante 
a estrutura do seu negócio pela imposição da força. Assim, a arma de fogo é relacionada 
tanto ao acesso ao dinheiro quanto à garantia de respeito pelo medo. Conquanto haja 
estruturação de relações hierárquicas e de submissão pela força dentro das organizações 
criminosas, notadamente as do tráfico de drogas, se pode afirmar que as relações de 
lealdade e solidariedade são menos estáveis. 
 
 
 
 
 
 
 
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O porte de arma de fogo pelos envolvidos no tráfico de drogas não só faz com que estes 
atores sejam temidos, e consequentemente passem a se beneficiar de um sentimento de 
respeito social, quanto faz com que passem a ter acesso aos bens de consumo cobiçados 
pelos jovens (com padrão de consumo caracterizado pelo imediatismo e descontrole) e a 
conquistar e manter as mulheres mais desejadas, adquirindo prestígio como homem ao 
demonstrar a capacidade de prover e garantir proteção --o que, no seu entendimento, 
não conseguiriam como “trabalhadores”. 
 
A polícia e a Justiça são instituições avaliadas negativamente pelos entrevistados no 
artigo. Avaliações positivas são pontuais e pessoais. O reconhecimento da existência da 
corrupção policial faz com que as organizações criminosas preservem os seus membros 
dos confrontos com a polícia, através da associação com policiais corruptos, de tal forma 
que quanto maior riqueza o criminoso acumular, maiores serão as suas chances de ficar 
fora do sistema prisional. No artigo “Crime organizado, violência e poder: bairrismo fora 
do lugar”, Zaluar assinala as mudanças de comportamento do tipo social “bandido”, que 
observou nas décadas de 1970 e 1980. Olhando para o caso da máfia italiana, 
desconstrói a ideia de “poder paralelo”, mostrando que a máfia, para funcionar, se apoia 
no poder constituído. Ou seja, no funcionamento da máfia, há pontos de convergência 
entre a estrutura legal/estatal e a criminosa. E o mesmo se aplica às organizações 
criminosas brasileiras. 
 
 
O Filme Cidade de Deus retrata o cotidiano de um conjunto habitacional no Rio de 
Janeiro, que foi o local no qual a antropóloga Alba Zaluar posteriormente analisou as 
interações sociais. 
Com base no filme, acesse o Fórum de Discussão e responda: 
1. Como ocorre a construção da masculinidade entre os personagens. 
2. Como é retratado o bandido e o trabalhador? Existe oposição entre eles? 
3. Como a população vivencia as práticas criminosas dos bandidos? Como ela 
interage? 
 
 
 
 
 
 
 
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Busque dados que mostrem a mudança do consumo nas últimas décadas em todas as 
camadas sociais. 
 
 
ZALUAR, Alba. Oito temas para debate: violência e segurança pública 
http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/spp/n38/n38a02.pdf 
ZALUAR, Alba. A guerra sem-fim em alguns bairros do Rio de Janeiro. In Ciência e 
Cultura. http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v54n1/v54n1a19.pdf 
 
Assista aos filmes: 
 
Abril Despedaçado (2001), de Walter Salles. 
Quase Dois Irmãos (2005), de Lúcia Murat 
Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles 
 
Visite o site: 
www.nevusp.org 
 
 
Nesta aula, você: 
 
- Analisou a questão “violência urbana” a partir da contribuição de Alba Zaluar e Sergio 
Adorno; 
- Atentou para o fato de que, para Sergio Adorno a compreensão da violência urbana 
requer a análise das mudanças ocorridas na política e na economia brasileira e as formas 
de integração social correlacionadas. 
- Deu-se conta que existe uma sobreposição entre os espaços onde ocorre a maior 
quantidade de violação aos direitos humanos e os espaços de maior fragilidade 
socioeconômica. 
 
 
 
 
 
 
 
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- Atentou para o ponto que para Sergio Adorno as causas do aumento da violência estão 
relacionadas às mudanças nos padrões de violência e à criminalidade; à crise no sistema 
de justiça criminal, à desigualdade social e segregação urbana. 
- Atentou para a questão que práticas classificadas como criminosas estão entrelaçadas 
com outras práticas sociais e constituem a vida social local, 
- A construção do bandido está relacionada à valorização de uma masculinidade voltada 
para a violência, consumo e capacidade de prover. 
- O crime organizado depende da estrutural legal, portanto é inapropriado falar em poder 
paralelo. 
 
 
Na próxima aula, vamos continuar discutindo as contribuições de teóricos brasileiros, 
destacando as principais reflexões e interpretações sobre a questão “violência urbana” de 
Luiz Eduardo Soares. 
 
 
ADORNO, Sergio. Exclusão socioeconômica e violência urbana. In Sociologias, Porto 
Alegre, ano 4, nº 8, jul/dez 2002, p. 84-135, http://www.scielo.br/pdf/soc/n8/n8a05.pdf 
 
ZALUAR, Alba. Condomínio do diabo. Rio de janeiro, UFRJ Editora, Editora Revan. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Aula 6: Sociologia do crime e violência no Brasil (parte 3) 
 
Ao final desta aula, você deverá ser capaz de: 
1) Descrever a contribuição teórica do autor; 
2) Usar a contribuição do autor para analisar fenômenos sociais; 
3) Criticar as teorias sociais estudadas; 
4) Descrever as principais questões que envolvem os temas estudados. 
 
Estudo dirigido da aula 
 
1. Leia o texto condutor da aula. 
2. Participe do fórum de discussão desta aula. 
3. Realize a atividade proposta. 
4. Realize o trabalho final 
5. Leia a síntese da sua aula. 
6. Realize os exercícios de autocorreção. 
 
Antes de começarmos o estudo desta aula, assista no ambiente on-line ao vídeo com 
comentários do coordenador do curso Luiz Eduardo Soares. 
 
Olá! Seja bem-vindo à última aula da disciplina Sociologia da Violência. Nesta aula, 
focaremos a contribuição de Luiz Eduardo

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