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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS. PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA. APRENDENDO A FICAR EM PAZ: estudo do Swásthya Yôga no campo das iogas Rejane Valvano Corrêa da Silva 2010. Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. 2 APRENDENDO A FICAR EM PAZ: estudo do Swásthya Yôga no campo das iogas Rejane Valvano Corrêa da Silva Tese de Doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação em sociologia e antropologia – PPGSA, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Antropologia Cultural). Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli. Rio de Janeiro Julho de 2010. 3 APRENDENDO A FICAR EM PAZ: estudo do Swásthya Yôga no campo das iogas Rejane Valvano Corrêa da Silva Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli. Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Antropologia Cultural). Aprovada por: _________________________________________ Presidente, Prof. Emerson Alessandro Giumbelli _________________________________________ Prof. Federico Guillermo Neiburg _________________________________________ Prof. Fernando Rabossi _________________________________________ Prof. Octavio Andrés Ramón Bonet _________________________________________ Profa. Sandra Maria Correa de Sá Carneiro Rio de Janeiro Julho de 2010. 4 Silva, Rejane Valvano Corrêa da Silva. Aprendendo a ficar em paz: estudo do Swásthya Yôga no campo das iogas. / Rejane Valvano Corrêa da Silva. Rio de Janeiro: UFRJ, IFCS, PPGSA, 2010. xv. 269f. Emerson Alessandro Giumbelli. Tese de Doutorado, UFRJ, IFCS, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, 2010. 9f. 1 antropologia do corpo 2 Nova Era 3 antropologia da percepção 4 ritual I. Giumbelli, Emerson Alessandro. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. III.título 5 a Luiz, com amor. 6 AGRADECIMENTOS: O processo de pesquisa e escrita desta tese foi permeado por dificuldades e conquistas. Diante dos momentos de dúvida sobre se deveria insistir ou desistir e mudar o rumo de minha vida, foi preciso persistência e coragem para enfrentar os “fantasmas”. Só consegui produzir algo que tivesse orgulho mergulhando em momentos de solidão, que foram tão angustiantes quanto enriquecedores. Essa minha necessidade de estar só para produzir resultou num afastamento temporário e conseqüente redução na atenção que dei aos amigos e à família. Esses movimentos só foram possíveis porque, acima de tudo, fui compreendida, respeitada e apoiada. Expresso minha gratidão de forma mais direta a seguir. Em primeiro lugar, agradeço a orientação do professor Emerson Giumbelli por me aceitar quando já tinha começado e por, apesar dos muitos percalços, ter ido até o fim comigo. Por respeitar os caminhos que pude escolher trilhar. Gostaria também de agradecer a todo os membros da banca por terem aceito ler esta tese. Mais especificamente, a Federico Neiburg por me dar oportunidade de continuar a pesquisar e acreditar no meu potencial. A Fernando Rabossi por sua seriedade e atenção sem perder o bom humor. A Octavio Bonet pelo reencontro após cinco anos. E a Sandra Carneiro por sua disponibilidade. Algumas aulas foram especialmente marcantes na minha formação. Elsje Lagrou e Marco Antonio Gonçalves me apresentaram autores e questões aos quais me dediquei durante os últimos anos. A disciplina “antropologia do corpo” ministrada por Aparecida Vilaça no PPGAS, Museu Nacional, assim como sua participação na minha qualificação foram fundamentais para a escolha de autores e abordagens aqui nesta tese. A Yvonne Maggie por sua constante preocupação e carinho. A Dale Tomich pelo apoio, interesse, preocupação e carinho num momento decisivo de escrita. Claudia e Denise, secretárias imprescindíveis do PPGSA, que me orientaram em momentos decisivos. Aos colegas do PPGSA com os quais tive oportunidade de organizar uma Jornada Interna. A Dom Clemente, OSB, por ter aberto as portas da Faculdade São Bento da Bahia possibilitando uma série de experiências de ensino. Aos alunos da graduação e da pós-graduação da Faculdade e em especial meus ex-orientandos, Reinã, Lúcia, 7 Washignton, Sérgio, Donaldo e Rosevânia, por alimentarem a chama do ensino e da troca na vida acadêmica que tanto prezo. Aos meus primeiros professores de iogas, nos mais diferentes momentos. Pelos papos, pelas aulas, meditações, trocas. Em especial a Ana Mourthé pelas empolgantes conversas. Aos professores de Swásthya Yôga de Salvador, por terem me recebido como aluna e pesquisadora. Aos meus colegas de prática, não somente aos que tive oportunidade de entrevistar, como também aos que (silenciosamente) estiveram presentes nas aulas que juntos participamos. Alguns amigos torceram pela “novela” chamada tese e não perderam (quase) nenhum capítulo do seu desenrolar. Zílio Tosta com sugestões enriquecedoras e suprimentos de textos e músicas inspiradores. Sílvio Almeida por tantas horas dedicadas às nossas conversas e sua sensibilidade. André Rendano por sempre torcer por mim e acreditar em minhas potencialidades e por saber que sempre posso contar contigo para trocas filosóficas. Daniel Chomsky por reservar diversas vezes livros preciosos. Bruno Bar, o homem das tabelas do excell, que sempre coloca perguntas instigantes. Peter Fremlin pelas trocas sobre antropologia do corpo e pelo seu incrível bom humor e ironias refinadas. As saudades com a distância do Rio de Janeiro foram suavizadas por amigos que também “migraram” para lá, como Gino e Eugênio. O carinho e a receptividade de João Reis fizeram o tempo parar por algumas horas. Apesar de morar por pouco tempo em Salvador fiz alguns amigos que espero nunca perder contato: Cris e Marcelo, Biaggio, Rafael e Liliane, Luciana Cassini. A Cris por nossas conversas de assuntos variados – de médicos, a relações familiares e profissão – e por ter me abrigado quando voltei a Salvador. A Biaggio Talento por trocarmos críticas, textos, fotos e piadas. Aos meus parceiros de dança de salão, com quem pude relaxar e me divertir recarregando as baterias para poder voltar à escrita, Kléu, Adhemar, Fernando, Roni. Em especial, Ronaldo Thompson, que não só dançou, como contou os meses e as páginas das infinitas pilhas de papel por ele calculadas, e Júlio Gralha, por dividir comigo angústias acadêmicas. Aos professores, colegas e funcionários da FF, principalmente Chaim, Andrea, Susan, Mônica, Cynthia, Soraya e Lúcia pelo apoio afetivo e pelas questões que sempre me inspiram. 8 Não sei o que teria sido de mim diante dos momentosde angústia sem o envolvimento e a ajuda de Virginia Portas, com sua escuta e intervenções provocadoras, e Daniel Murai, com sua dedicação bem humorada ao cuidar dos outros sem abrir mão de seus trocadilhos. À minha tia e madrinha Marisa, que sempre torce por mim e ao meu tio Pedro, que partilhou comigo suas experiências ao praticar iogas. À minha irmã Eliane, que se preocupa comigo. Ao meu pai (in memoriam) por ter ousado ser professor universitário durante toda sua vida e ter me levado para passeios divertidos em faculdades desde quando eu era criança. Até hoje ainda é minha inspiração para querer ser professora e pesquisadora. À minha mãe por sempre se envolver de corpo e alma com meus sonhos, mesmo quando lhe pareçam confusos e esfumaçados e lhe demandem muita paciência. Eu não conseguiria ter feito esta tese sem sua ajuda. Ao grande amor da minha vida, Luiz, por ter suportado minhas infinitas questões, por não ter desistido nem dos seus, nem dos meus, nem dos nossos sonhos. Por ter ouvido infindáveis vezes as milhares versões do que escrevia. Por me respeitar e admirar exatamente do jeito que sou. Por ser meu companheiro inclusive nos debates seja a partir de livros, filmes, conversas, jogos de futebol ou alguma frase que ouviu alguém dizer na rua. Por seu prazer de buscar comigo soluções criativas e por todas as piadas que fizemos e gargalhadas que gozamos até perdermos o fôlego. Enfim, por estar ao meu lado nos momentos felizes e dolorosos. 9 “Yôga é uma prece feita com o corpo.” (DeRose) "Sim, quando a navalha da concentração da mente afiada pela retenção do alento amolada sobre a pedra da renúncia, cortou a trama da vida, o yôgin fica para sempre liberto das suas amarras". Ksurika Upanishad (enviado por e- mail pelos meus professores em março de 2009) “Quando alguém treina uma vez, nada acontece. Quando a pessoa se força a fazer algo cem, mil vezes, ela certamente se desenvolve além do físico” (Emil Zatopek, corredor conhecido como “A locomotiva humana”) “Só os que procuram o absurdo atingem o impossível. Acho que o meu está guardado no sótão... Agora mesmo subo e o comprovo” (Maurits C. Escher, artista holandês, 1898-1972) 10 RESUMO APRENDENDO A FICAR EM PAZ: estudo do Swásthya Yôga no campo das iogas. Rejane Valvano Corrêa da silva Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli. Resumo da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Antropologia Cultural). Ao procurar aulas de iogas nas cidades do Rio de Janeiro e de Salvador (Bahia) encontramos diversos estilos. Diante das semelhanças nas diferenças, defendemos a existência do campo das iogas e propomos que: os alunos de iogas, mediante exercício regular de técnicas específicas e explicações filosóficas, religiosas ou espirituais, aprendem a “ficar em paz” e isso é o que une esses diferentes estilos. Por “ficar em paz” entendemos a capacidade de controlar estímulos internos e externos que afetam a pessoa. A fim de demonstrar essa tese, depois de apresentarmos o campo das iogas, focamos nosso estudo num estilo – o Swásthya Yôga, codificado por DeRose. Analisamos algumas propostas presentes em livros feitas por professores deste estilo aos seus alunos. Em seguida, complementamos as análises com nossa observação participante em aulas de Yôga feitas em Salvador. Realizamos uma abordagem fenomenológica dessas aulas enquanto ritual para “aprender a ficar em paz” focando a importância da atenção com o corpo. O domínio de técnicas realizadas durante as aulas envolvia a capacidade de permanecer imóvel durante um tempo de maneira confortável e em silêncio: habilidades adquiridas por meio do exercício de técnicas de si. Palavras-Chave: antropologia do corpo, antropologia da percepção, Nova Era, campo das iogas, técnica de si, pessoa, ritual. Rio de Janeiro Julho de 2010. 11 ABSTRACT LEARNING TO “BE AT PEACE”: study of Swásthya Yôga in the yoga field. Rejane Valvano Corrêa da silva Orientador: Emerson Alessandro Giumbelli. ABSTRACT da Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA, IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas (Antropologia Cultural). Upon looking for yoga classes in the cities of Rio de Janeiro and Salvador (Bahia) we found several styles of yoga. Despite these demarcations of differences, we defend the existence of the yoga field and propose that students of each type of yoga, through regular exercise of specifc technical and philosophical, religious or spirituals explanations, learn to “be at peace” and this is what unites these different styles. By “be at peace”, we mean the ability to control internal and external impulses that affect the person. In order to demonstrate this thesis, after presenting the yoga field, we focused our study on a style – the Swásthya Yôga – “encoded” by DeRose. We examine some proposals made to practioners by teachers in Swáshtya Yôga literature. We complement these analyses with those of our participant observation in Yôga classes in Salvador. Focusing on the importance of attention with the body, we realized a phenomenological approach to this classes understanding them as a ritual for "learning to be at peace". The mastery of techniques used during the practice involved the ability to remain motionless for a certain period of time comfortably and noiselessly: skills acquired through the exercise of techniques of the self. Keywords: anthropology of the body, anthropology of perception, New Age, field of yogas, technology of the self, person, ritual. Rio de Janeiro Julho de 2010. 12 Lista de ilustrações: Quadro I Algumas atividades físicas e os locais onde são realizadas 34 Quadro II Algumas instituições do campo das iogas 41 Figura 1 Propaganda do Swásthya Yôga em cartão postal 54 Figura 2 Propaganda do Swásthya Yôga de Salvador, Bahia 55 Diagrama 1 Sobre os campos de acordo com CONFEF 95 Diagrama 2 Relação entre o campos das iogas e o da educação física 106 Figura 3 DeRose fazendo “Yôga” na praia 135 Figura 4 Foto de DeRose com seus livros 137 Quadro III “cronologia histórica do Yôga” 145 Figura 5 Os sete centros psicoenergéticos (cakra) do corpo. 162 Figura 6 Representações gráficas de kundaliní, os sete chakras e as duas nadis. 163 Quadro IV Sobre as partes do Yoga Pré-Clássico e do Yoga Clássico. 177 Quadro V Representação das etapas do método Swásthya Yôga. 186 Figura 7 Mapa com a localização da Unidade Ondina 199 Figura 8 print screen da página principal da Unidade Ondina. 242 Figura 9 Instrutor realizando ásana. 244 Figura 10 Instrutora realizando ásana. 245 Figura 11 Instrutor de Swásthya Yôga 247 Figura 12 Instrutora realizando ásana invertido. 248 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 16 1.1 O QUE QUEREMOS DIZER COM A EXPRESSÃO “APRENDER A FICAR EM PAZ”: 19 1.2 TRAJETO PERCORRIDO NESTA TESE 28 1.3 EXPLICAÇÕES SOBRE O USO DAS GRAFIASE DE ALGUNS TERMOS 31 2 CAMPO DAS IOGAS A PARTIR DO RIO DE JANEIRO 33 2.1 APRESENTANDO IOGAS: partindo do Rio de Janeiro e chegando a Salvador (Bahia) 35 2.1.1 Campo das iogas no Rio de janeiro e em Salvador 35 2.1.2 Com quem fazer aulas de iogas? 42 2.1.3 Como e onde encontrar aulas de iogas? 50 2.2 O CAMPO DAS IOGAS E O FENÔMENO NOVA ERA 61 2.2.1 Busca por novos conhecimentos e sincretismo 62 2.2.2 Noção de pessoa holista e experiência mística 67 2.2.3 Auto-aperfeiçoamento 72 2.3 A RELAÇÃO DO CAMPO DAS IOGAS COM O DA EDUCAÇÃO FÍSICA: disputas acerca de (auto-)regulamentação 79 2.3.1 Introdução do gosto por atividades físicas 80 2.3.2 Campo da educação física 87 2.3.3 Legalizando os profissionais de iogas: disputando controle com os professores de educação física 93 3 SWÁSTHYA YÔGA: A PROPOSTA DE DEROSE 112 3.1 IMPORTÂNCIA DO SAMÁDHI NO SWÁSTHYA YÔGA 116 3.1.1 Noção de pessoa e filosofia Sámkhya: a diferença entre ser e existir 117 3.1.2 Mitos e fatos passados fundadores do Swásthya Yôga (e do campo das iogas): alguns autores e textos hindus reconhecidos por DeRose ao codificar o Swásthya Yôga 138 14 3.1.2.1 Relação entre Swásthya Yôga e religiões 147 3.1.3 Raízes tântricas do Swásthya Yôga: fisiologia sutil e noção de pessoa 152 3.2 TÉCNICAS DO SWÁSTHYA YÔGA: mecanismos de autocontrole e auto-aperfeiçoamento 170 3.2.1 Mecanismos aprendidos e exercitados nas aulas de Swásthya Yôga 176 3.2.2 Mecanismos propostos para o cotidiano de cada um 186 4 AULAS DE SWÁSTHYA YÔGA E PRÉ-YÔGA 196 4.1 CHEGANDO E DESCREVENDO O AMBIENTE DA UNIDADE ONDINA: 198 4.2 ANÁLISES DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM DO “FICAR EM PAZ” 206 4.2.1 Noção de tempo durante as aulas de Yôga 207 4.2.2 Meios de comunicação utilizados 216 4.2.2.1 Recepção dos alunos 222 4.2.2.2 Avisos: importância dos alunos estarem informados 224 4.2.2.3 “Fórmula de despedida” 225 4.2.2.4 Cumprimento na porta 227 4.2.3 Análise das partes das aulas de Pré-Yôga 228 4.2.3.1 Pránáyáma 229 4.2.3.2 Kriyá 236 4.2.3.3 Ásanas 238 4.2.3.4 “Relaxamento consciente” 255 4.2.3.5 Considerações acerca da análise das aulas de Pré-Yôga 256 4.3 PONTO DE VISTA DOS PRATICANTES 259 4.3.1 Percepções dos alunos 262 4.3.2 Práticas fora da Unidade 268 4.3.2.1 Consumo de alimentos, bebidas e drogas 268 4.3.2.2 Estudando Yôga (e iogas) 272 4.3.2.3 Levando o aprendizado da Unidade para o mundo “lá fora” 275 15 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 278 REFERÊNCIAS 285 APÊNDICE I: ROTEIRO DO QUESTIONÁRIO ABERTO 294 APÊNDICE II: ALGUNS ENDEREÇOS ENCONTRADOS NA INTERNET SOBRE IOGAS 296 16 1 INTRODUÇÃO Comecei a visitar o “mundo iogue”, entre idas e voltas, em 2001. Apesar de em 1989 ter comprado um livro de “Yoga” (NETSCHER, 1979) e ter me interessado pela ioga, restringi-me àquela época a tentar fazer algumas posturas copiando os quadrinhos, no chão do meu quarto. Morava em Jacarepaguá e não conhecia nenhum lugar que tivesse aulas. Meu tio materno faz aulas de ioga em Copacabana há muito tempo, de modo que cresci achando que “sabia” o que era ioga, tendo ouvido falar ou visto fotos e livros. Tive infância, adolescência e juventude permeadas por diversas atividades físicas e esse foi um dos motivos para eu escolher fazer graduação em Educação Física. Em 1995 terminei minha Licenciatura em Educação Física (UERJ) e desejei fazer um mestrado. Para atingir meus objetivos de pesquisa, conclui que seria melhor fazer outra graduação. Em 2001 formei-me bacharel em Filosofia (PUC-Rio), durante a qual estudei diferentes teologias e interessei-me pelo filósofo alemão que fez uma primeira leitura sobre hinduísmo, budismo, outras religiões e filosofias de matriz oriental. Em 2004 defendi minha dissertação de mestrado, também em filosofia, cujo tema era a compreensão de Arthur Schopenhauer sobre liberdade e responsabilidade ao criticar Kant e trazer alguns autores da filosofia oriental. Somente em 2001, então morando em Copacabana, é que passei a freqüentar aulas de iogas. Estava fazendo musculação numa academia de ginástica e ouvi anunciarem no microfone da academia que haveria uma aula gratuita de ioga com o apoio da empresa Molico. Fui fazer a aula. O professor Edson Charles estava vestindo uma bermuda preta, sem camisa e descalço – lembro aos leitores que, geralmente, as academias não permitem que se malhe sem camiseta e tênis – na sala de lutas, ou seja, em uma sala com muitos colchonetes. Ele estava apenas divulgando seu trabalho, pois na época dava aulas na Casa de Pedra, na Gávea, com Paula Saboya. As aulas eram de “Hatha Yoga” e “Introdução ao Asthanga Vinyasa Yoga” – embora no panfleto do local estivesse escrito aulas de “Power Yoga”. Fui introduzida a um grupo de meditação e fiz alguns meses de aula, às segundas, quartas e sextas-feiras, e parei. No ano seguinte, 2002, fui procurar aulas de ioga em Copacabana e, depois de visitar alguns estúdios/academias resolvi fazer aula no CÍTARA (Centro Integrado do Tratamento da Alma, Reabilitação e Assistência) com os professores Roberto Nogueira, às terças e quintas, e com Maria Alexandre, às segundas, quartas e sextas-feiras. Desta 17 vez eu fazia aula cinco vezes por semana: três aulas de “Hatha Yoga” e duas de “Yoga Terapia”. Mais uma vez parei. Durante o ano de 2003 fiquei pensando sobre as experiências que eu havia tido até então nas aulas de iogas. Surgiram algumas questões que seriam minhas companheiras durante sete anos. Essas questões me instigaram a ousar pesquisá-las e fiz um projeto de doutorado, cujo resultado venho finalmente expor. Comecei meu doutorado em 2004 e em outubro voltei a fazer aulas de ioga. Desta vez, no Largo do Machado, com a professora Ana Márcia Mourthé. Nossas conversas, agora acompanhadas por estudos antropológicos, foram muito mais maduras do que as conversas com os outros professores. Infelizmente, fiquei apenas por dois meses, até dezembro, por dificuldades financeiras que permaneceram até 2006, quando mudei-me para Bahia, onde fui aluna de Norbert e Dragos. Minha situação então agora era outra e era preciso readaptar minha pesquisa, que, inicialmente, propunha fazer a etnografia no Rio de Janeiro, talvez até em mais de um local. No Rio eu tinha tempo, mas faltava grana. Em Salvador, minha situação invertera: passei a ter condições financeiras para bancar a pesquisa, mas o tempo era bem restrito. Era preciso fazer um mapeamento num lugar que nunca tinha estado antes e escolher o local para fazer etnografia de forma que fosse compatível com meu horário de trabalho e com as distâncias que teriam que ser percorridas no cotidiano. No Rio de Janeiro, eu tinha praticado aulas em três lugares diferentes (Gávea, Copacabana e Largo do Machado), com cinco professores. E se eu tinha percebido técnicas comuns isso não excluiu a identificação de diferenças. Os nomes das aulas, os textos recomendados, as técnicas utilizadas tinham sempre pontos em comum e, simultaneamente, idiossincrasias. A partir dos dados coletados no Rio, decidi que escolheria o mais rápido possível onde faria a etnografia. Durante a busca de alguém que pudesse acelerar esse processo, conheci uma aluna de “Swásthya Yôga” que me levou à Unidade onde fazia aula. Fui bem recebida, o preço era acessível à minha realidade (vale lembrar que, na época, essas mesmas aulas eram mais caras no Rio de Janeiro, pois eu já havia feito pesquisa de locais onde eram oferecidasaulas deste estilo de ioga) e era uma oportunidade para conhecer o método do, segundo comentários que ouvi e li ao longo desses anos, “polêmico” e, para mim, por isso mesmo instigante, Mestre DeRose. Fiquei na Unidade Ondina por dezessete meses. Em fevereiro de 2008 voltei a morar no Rio de Janeiro, onde pude efetivamente fazer o trabalho analítico. 18 Ao longo desses anos, ao buscar aulas de ioga no Rio de Janeiro, deparei-me, ao circular pelas cidades, fazer aulas com diferentes professores e ler revistas sobre “Yoga”, com o que estou chamando de vários “estilos” de iogas: Ashtanga Vinyasa Yoga, Yogaterapia, Power Yoga, Iyengar Yoga, Viniyoga, Sivananda Yoga, Swásthya Yôga, Hatha Yoga, Raja Yoga, Bakti Yoga, Mantra Yoga, Jñana Yoga, Yoga integral, Tantra Yoga, Ioga Fitness, etc. Entendo que, de alguma forma, participei do boom das iogas nesta cidade no início do século XXI e pude observar certa estabilização atingida. Eu participava de eventos e lia em reportagens de jornais e revistas que o número de pessoas que praticavam iogas vinha aumentando de forma considerável 1 . A pergunta básica que me acompanhava era: por que cada vez mais pessoas procuram essas aulas nestes dois locais? Essa pergunta acabou se desdobrando em outra: o que os professores de iogas ensinam em suas aulas? Para responder isso busquei compreender como se apresenta, se fundamenta e se estrutura uma proposta de ioga. Georg Simmel, em As grandes metrópoles e a vida do espírito (2005), escreveu que as cidades grandes cosmopolitas têm como duas de suas características peculiares a diversidade e a intensidade de estímulos no cotidiano e que para se adaptarem à esse tipo de vida, algumas pessoas buscariam mecanismos de autoconservação que Simmel chama de “reserva em relação aos outros”, pois a grande quantidade de estímulos geraria uma incapacidade de reagir com uma “energia adequada” a todos eles. Algumas pessoas desenvolveriam o que o autor denomina por “caráter blasé” mediante o qual a pessoa renuncia a reagir aos estímulos. Ao ler esse texto consegui colocar em palavras o que rondava meus pensamentos: será que alguns habitantes das cidades do Rio de Janeiro e de Salvador vêem buscando aulas de iogas como um mecanismo que lhes possibilita viver nesses ambientes grandes e cosmopolitas cheios de estímulos diversos e intensos? Apesar da variedade de “estilos” e a partir de nossas pesquisas participando em aulas de iogas com diferentes professores, lendo livros sobre o assunto e conversando com alunos de iogas, nossa tese é que: a prática de iogas, mediante técnicas específicas e explicações 1 Em 2001, a reportagem intitulada “O que a ioga oferece que faz tanto sucesso?”, identificava um segundo boom da ioga no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Neste ano contava-se que 1,5 milhão de norte-americanos praticavam algum tipo de ioga (Cf. http://www1.folha.uol.com.br/folha/equilibrio/noticias/ult263u633.shtml. Acesso em: 10 out 2002). No Brasil não há um consenso entre os professores de iogas. Em 2002, DeRose afirmou haverem 5 milhões de praticantes, enquanto o Consulado Geral da Índia estimava o número em torno de 1 milhão e Pedro Kupfer e Anderson Allergro achavam que o número era menor do que este. (Cf. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3006200222.htm Acesso em: 15 mar. 2004). 19 filosóficas, religiosas ou espirituais, ensina os seus praticantes a “ficarem em paz” – isso é o que une esses diferentes estilos. Assim, nossos objetivos nesta tese são: a) identificar a existência de diferentes estilos de iogas e a sua convivência nessas duas cidades com suas diferentes explicações e metodologias e do que lhes é comum; b) no método de DeRose, entender as dimensões filosóficas, religiosas ou espirituais, que conferem significados aos mecanismos de controle prescritos que viabilizariam o “aprender a ficar em paz”; c) analisar em que sentido o “aprender a ficar em paz” ao praticar Yôga pode ser entendido como uma técnica de salvação e como um ritual e d) analisar como aulas de Yôga podem ajudar na redução da influência de estímulos através do exercício do “aprender a ficar em paz”. Para atingirmos esses objetivos sem desconsiderar nosso tempo reduzido com outros trabalhos, escolhemos fazer a etnografia de um único estilo (Swásthya Yôga) e num único local (Unidade Ondina, em Salvador) como escrevemos ainda a pouco. 1.1 O QUE QUEREMOS DIZER COM A EXPRESSÃO “APRENDER A FICAR EM PAZ”: Consideramos que a proposta comum a todos os estilos de iogas (ou pelo menos da maioria) é que as suas aulas pretendem ensinar seus alunos a ficarem em paz. Criamos essa expressão “aprender a ficar em paz” com o intuito de focar tanto o fato de ser uma habilidade adquirida, daí ser um aprendizado, quanto a idéia de que a paz tem uma duração, acontece durante um tempo. A duração desse estado muda de pessoa para pessoa sendo a proposta ideal que ela dure a vida inteira sem, no entanto, excluir gradações na própria pessoa. Entendemos que essa habilidade de “ficar em paz” refere- se à capacidade de ter sob controle estímulos externos e internos que nos afetam. Sabemos que existem diversas formas de controlar a influência desses estímulos, como o uso de soníferos, por exemplo, e, neste sentido, a prática de técnicas de iogas é um, dentre outros, dos mecanismos utilizados nas sociedades carioca e soteropolitana. Um exemplo de controle sobre estímulo externo é o aprender a não competir com os outros em alguns momentos. Neste sentido, afirmações do tipo “vá no seu limite, não importa o que o colega do lado (não) consegue fazer”, encontradas tanto em livros, quanto ouvida durante os diferentes estilos de iogas que fizemos, também ajudam a entender a nossa expressão “aprender a ficar em paz”. Não ignorando o ambiente das duas cidades onde nas relações de trabalho a competição, muitas vezes, se 20 faz presente, parece-nos que, em algumas circunstâncias, é preciso desencorajar a competição. Quanto aos estímulos internos, como a sensação de dor, ficar em paz é não se reduzir a essa dor por identificar-se (exclusivamente) a ela. Sentir-se em paz por um tempo não é o mesmo que felicidade, gozo, satisfação de um desejo. O sentido que estamos conferindo ao “ficar em paz” é um estado de controle do que estimula a pessoa. Além disso, como veremos na análise das aulas, a pessoa pode reagir a vários estímulos, a apenas um ou a nenhum. O que mais importa é o aprendizado ao que se vai reagir. A nosso ver, “ficar em paz” é um aprendizado que é exercitado pelo aluno ao ficar em silêncio e imóvel intencionalmente e o fato de os gestos serem executados de forma consciente nos estimularam a fazer uma leitura não dualista entre corpo/ mente ou corpo/ alma. Analisar gestos conscientes para nós demandou uma leitura de textos de antropologia sobre noção de pessoa e sobre corpo que não o dualizassem. Quando escrevemos que o caminho a ser trilhado é aprender a ficar em silêncio e imóvel intencionalmente estamos considerando a importância de realizar gestos conscientemente. Essa é a leitura que nós estamos fazendo, o que não significa que não saibamos que alguns professores de iogas não a façam. Como veremos mais a frente, o próprio Georg Feuerstein (2006) escreve que “Yoga” na Índia não tem um consenso e que há algumas interpretações que são dualistas e outras não. Há um debate na antropologia sobre como os corpos vem sendo analisados. A abordagem tradicional é considerada como dualista e, recentemente, vem surgindo a proposta de se fazer estudos que considerem os corpos como agentese não mais apenas como objetos. Nossa principal referência é Thomas Csordas que estuda rituais e defende que a corporeidade (“embodiment”2) é um paradigma que pode de alguma forma dialogar com o que ele chama de paradigma da textualidade. Para ele, em Modos somáticos de atenção, “... a experiência corporificada é o ponto de partida para analisar a participação humana em um mundo cultural.” (2008, p.368). Segundo Csordas em The body’s career in Anthropology (1999) e Margaret Lock e Nancy Scheper-Hughes em The mindful body (1987), as referências tradicionais de antropologia do corpo consideram-no apenas como objeto de estudo dualizando-o em relação a outra instância como a mente, ou a alma, ou o espírito. Lock e Scheper- Hughes (1987) identificam três níveis de análise dos corpos. O primeiro nível é o do 2 Estamos considerando a tradução deste termo utilizada em Csordas (2008). 21 “corpo individual” que tem Marcel Mauss como principal exemplo. O segundo nível é o do “corpo social”, que é definido segundo a sugestão de Mary Douglas: refere-se aos usos representacionais do corpo como um símbolo natural com o qual se pode pensar natureza, sociedade e cultura. O terceiro nível é o do “corpo político” e refere-se à regulação, fiscalização e controle dos corpos, tendo Michel Foucault como referência principal. Os dois primeiros níveis teriam como uma das características abordagens dualistas entre corpo/ mente ou corpo/ espírito. Uma das explicações para o dualismo corpo/ espírito nos seres humanos seria o dualismo sagrado/ profano informando e justificando esta relação separada. Isso é feito por em Marcel Mauss e Robert Hertz. A polaridade no corpo é explicada e mesmo justificada pela polaridade religiosa por Hertz em A preeminência da mão direita (1980). Segundo ele, a educação e o treinamento do uso da mão direita, simultaneamente ao desestímulo ao uso da mão esquerda, são reflexos da hierarquia presente na sociedade. Não é a fisiologia que determina o uso da mão direita, mas a cultura de hierarquia entre coisas opostas (dualismo). Daí também as sociedades ocidentais considerarem esquerda e direita como opostas. O dualismo entre corpo e alma foi formulado por Mauss em As técnicas do corpo e Uma categoria do espírito humano, que foram publicados pela primeira vez em 1934 e 1938, respectivamente. Para Mauss, o corpo é o primeiro e o mais natural instrumento do homem. Cada alma tem seu corpo e deve submetê-lo segundo seus interesses. O “homem total” é a soma de aspectos da sociologia, da psicologia e de sua fisiologia (que é individual, mas não só). Como Lock e Scheper-Hughes (1987) escrevem, para Mauss os impulsos inconscientes dos corpos devem ser dominados pela consciência. A idéia de usar o próprio corpo aparece na antropologia pela primeira vez em Mauss (2003b), que caracterizou como “técnicas do corpo” as “maneiras pelas quais os homens sabem servir-se de seus corpos”. Neste sentido, as técnicas do Yôga seriam mais uma maneira de “usar” o corpo, um instrumento de algo “maior” ou superior, como a alma ou a mente. Como bem apontou Márcia Teixeira (2001), Mauss considera que o corpo faz parte da natureza, que tem leis imutáveis. Resta às culturas usar, domesticar, treinar e aperfeiçoar o que está ao seu alcance, como o corpo – o seu próprio e o dos outros. Mauss entende por “técnica” todo ato tradicional eficaz de ordem mecânica, física ou físico-química. O fato de ser tradicional é importante porque permite a transmissão do conhecimento técnico. 22 Se considerarmos que ao longo de toda a tese mencionamos tantas vezes que as iogas possuem técnicas, faz todo sentido falarmos numa abordagem do corpo como sendo um objeto sobre o qual se aplica atos mecânicos e físicos. No entanto, esta análise do corpo como objeto não nos possibilita pensar agência do que o aluno sente ao aprender a técnica. Por exemplo, se os pranayamas (exercícios respiratórios) fossem feitos sem que se exigisse ou ao menos sugerisse aos alunos que tomassem consciência do que estávamos fazendo. Daí dizermos que o problema da abordagem para a análise que pretendemos fazer nesta tese está na forma como Marcel Mauss compreende consciência, como algo independente das sensações, como sendo algo em si sem agência. Se Mauss pode falar que a consciência deve dominar o corpo, é porque, segundo Lock e Scheper-Hughes, ele pressupõe duas instâncias diferentes que se relacionam podendo assim hierarquizá-las no sentido de dizer que uma parte do ser humano (a mente, ou a consciência) pode controlar a outra (o corpo). Dois trabalhos de Mary Douglas, Pureza e perigo, escrito em 1966, e Natural symbols, de 1973, são considerados importantes tanto por Csordas (1999), quanto por Lock e Scheper-Hughes (1987). Segundo Csordas, Douglas se compromete a entender o corpo como um “meio de expressão” e, em termos de corporalidade, como uma “técnica de expressão”. Para Douglas, os corpos dos indivíduos são mais um símbolo da sociedade na qual eles se encontram. Sociedades com muito controle prezam corpos sob controle e desvalorizam estados de descontrole, como o transe, por exemplo. Douglas não pensa que há uma natureza humana universal, ao contrário de Mauss, para quem todos os seres humanos têm corpos iguais definidos por sua natureza. Os corpos, afirma Douglas segundo Csordas, são suporte das estruturas sociais, daí haver diferenças nos seus usos, que são definidos pelas técnicas transmitidas e aperfeiçoadas de acordo com aquelas estruturas. Csordas (1990), partindo da noção de percepção de Maurice Merleau-Ponty e de prática de Pierre Bourdieu, propõe o que ele batiza por paradigma da corporeidade, cujo objetivo principal é opor-se ao dualismo cartesiano. Sua posição inicial é a de que o dualismo corpo/ mente, corpo/ alma restringe o próprio antropólogo ao fazer pesquisa de campo e ao analisar os dados. A primeira percepção do indivíduo “embodied” não separa corpo/ mente – é o “estado pré-objetivo” ou pré-reflexivo, que se refere à noção de percepção de Merleau-Ponty. Primeiro há a percepção, depois os conceitos, que são objetivações. Os conceitos são construídos a partir de percepções. 23 A influência de Bourdieu em sua teoria se faz sentir na sua afirmação de que o pré-objetivo não é pré-cultural: o pré-objetivo (as percepções) acontece no seio da cultura (habitus). A afirmação de Bourdieu (1983c) de que toda prática é resultado dialético das estruturas constitutivas com o habitus é central para Csordas. Essas estruturas, segundo Bourdieu, são as condições materiais de existência típicas de uma classe que geram habitus. A educação primeira deposita em cada agente uma “lei imanente”, de forma que diante de situações são produzidas estratégias objetivamente, que são consideradas como necessárias. Essas estratégias partem de condições de existência. Cada condição de existência impõe definições diferentes do (im) possível, do provável ou do certo. Cada condição de existência é um modo de engendramento e diferentes modos de engendramento produzem diferentes habitus. O habitus, sendo uma avaliação subjetiva baseada nas primeiras experiências, é um sistema de disposições duráveis que são adquiridas. O habitus é um princípio gerador incorporado, e mesmo no íntimo do sujeito há uma coação das condições e dos condicionamentos sociais. Outra proposta de conceito não dualista é a idéia de “mindful body”, feita por Lock e Sheper-Hugues (1987), as quais se deparam com a dificuldade de achar palavras para falar do corpo sem opô-lo a outra instância. Elas partem de uma “antropologia médica”ao falarem em um “mindful body”, um corpo que pensa (pensante), sem a separação entre corpo e mente. Para elas, não pode haver mente sem corpo, e vice-versa. O corpo é considerado como fonte de percepção de sensações táteis, auditivas, visuais. Acima de tudo, uma antropologia do corpo deve estudar as emoções, que são consideradas como a forma pela qual o corpo experimenta e projeta a doença e a dor. Contra a idéia de emoções privadas e instintos inatos, as autoras concordam com Clifford Geertz que a emoção e o sentimento humano não estão nunca livres do contexto cultural no qual se encontram. Para elas, em momentos de transe profundo, experiência sexual e doenças, mente e corpo são um e, assim, oferecem uma pista para se entender o que elas chamam de corpo pensante. Doenças são formas de comunicação, “a linguagem dos órgãos”, por meio das quais a natureza, a sociedade e a cultura se expressam simultaneamente (1987, p.31). No entanto, ainda se está abordando o corpo como objeto. Ao se falar em usos dos corpos o foco está na diferença do uso de um objeto que poderia ser outra coisa que não o corpo. Tratar o corpo como sendo sujeito e pensar até que ponto o corpo é um sujeito que tem uma característica peculiar: é isso que nos interessa. Ao não dualizar corpo e mente, falamos numa mente que é sujeito sendo também corpo e vice-versa. 24 Essa idéia de que é interessante fazer análises sem fundamentá-las em dualismos é defendida por Lock e Scheper-Hughes (1987) e Csordas (1990, 2008). Os três afirmam que para abordar o corpo de forma não dual, são necessários outros conceitos e outras compreensões de corpo. Assim, Csordas (1990) afirma que a leitura do existencialismo fenomenológico é considerada como capaz de ajudar a abordar metodologicamente os corpos ou as emoções dos “nativos”. A fenomenologia se opõe ao fisicalismo da biogenética, por não considerar o homem exclusivamente por sua parte corporal, desligada de consciência. Mais especificamente, Csordas parte da fenomenologia proposta e elaborada pelo filósofo Merleau-Ponty (1975), para quem o corpo é a sede da percepção e o modo de estar no mundo, de “ser-no-mundo”. Afirmar que o homem vive no mundo significa, dentre outras coisas, que ele apresenta-se sobre-determinado pela história na qual participa. O corpo deste sujeito é considerado pelo filósofo como existindo histórica e socialmente e não pode ser reduzido a algo “natural” e “biológico”, como se fosse algo universal, atemporal e acultural. Em A fenomenologia da percepção (1971), diz-nos Merleau-Ponty que “o mundo é aquilo que percebemos” (p. 14). Além disso, “... O problema do mundo é, para começar, o do corpo próprio, e este consiste em que tudo permanece nele” (p. 208 – grifo do autor). O mundo permanece no próprio corpo do homem e, por isso, na primeira parte deste livro Merleau-Ponty dedica-se especificamente ao corpo, que, segundo ele, já é consciência. A consciência, sendo sempre consciência de alguma coisa, está destinada a um mundo para o qual ela não deixa de se dirigir. O homem existe enquanto consciência encarnada no corpo. Essa maneira de entender que a consciência tem intencionalidade e não é em si (como Mauss entende, por exemplo) muda muita coisa ao não explicar a presença do homem por meio do dualismo corpo/ mente, ou corpo/ consciência. Esse modo de estar no mundo, de ser-no-mundo defendido por Merleau-Ponty nos possibilita uma análise não dualista principalmente do que experimentamos durante nossa observação participativa em campo. Se tivéssemos ficado apenas olhando e anotando o que os alunos faziam, nossas sensações geradas com a prática do pré-Yôga e do Swásthya Yôga seriam outras. 25 Para Merleau-Ponty não há dualismo entre corpo/ consciência e todo ato humano “tem um sentido”, como já teria dito Sigmund Freud3, e o filósofo acrescenta que a maneira de ser com relação ao mundo (maneira de se relacionar com o tempo e com outros homens) projeta-se em todas as atitudes. A vida corporal e o psiquismo estão numa “relação de expressão” recíproca, de forma que não é possível separar ação de consciência. Nosso argumento é que durante as aulas, os alunos aprendem a permanecer em silêncio e imóveis conscientemente. Cada aluno participava „inteiro‟, não fazíamos exercícios corporais ou para o corpo, como se as técnicas fossem aplicadas ao corpo; as técnicas eram realizadas com o corpo, com a mente, com o espírito – enfim, era a pessoa toda que realizava a técnica. Ficar em silêncio engloba tanto o não falar, como o não fazer barulho ao se mexer e também não pensar nem sentir nada. Porém, não era num estado de torpor que silêncio e imobilidade eram experimentados, ao contrário, era recomendado permanecer consciente sobre o que se fazia. Era existir consciente do silêncio que se aprendia a realizar fora e dentro de si. Quando se praticava esse exercício, tornava-se mais fácil o controle dos estímulos internos e externos e, assim, o “ficar em paz”. Mais do que falar sobre o corpo, pretendemos falar com o corpo. Em outras palavras, nossa análise considera o corpo como sujeito de conhecimento e não apenas como objeto conhecido, o corpo como agente, como parte fundamental do que se conhece e do como se pode conhecer. Para tal, Bruno Latour também é importante. Em seu texto How to talk about the body (2004), descreve uma idéia de corpo como aquele que aprende a ser afetado; ter um corpo é aprender a ser atingido por outras entidades, sejam elas humanas ou não. Se um kit de odores, produzido na indústria farmo-química, pode servir como técnica a ser aprendida para se distinguir vários odores, mesmo que suas diferenças sejam sutis, significa dizer que o corpo aprendeu a ser afetado por diversos odores. Como as próprias pessoas dizem, segundo exemplo de Latour, elas “tornam-se um nariz”. O corpo é por ele definido como interface, como produto de várias relações. Adquirir um corpo é um investimento progressivo que produz ao mesmo tempo um meio sensível e um mundo sensível. Quando se adquiri uma técnica nova, a pessoa é capaz de habitar em um mundo diferente. Assim, as técnicas de si, de 3 Merleau-Ponty está se referindo à Introdução à psicanálise de S. Freud. 26 que nos fala Michel Foucault (1994), são vistas por Latour como meios que ensinam a própria pessoa a ser afetada. Entendemos que as aulas de iogas, ao menos as de Yôga (onde efetivamente fizemos nossa etnografia), despertavam a consciência dos estímulos para que, em seguida, aprendêssemos a controlá-los. Assim como os produtores de perfume, sobre os quais Latour nos fala, precisavam aprender a ser afetados pela maior diversidade de odores para poder classificá-los e combiná-los; para os alunos de Yôga poderem “ficar em paz” era preciso aprender a ser afetado conscientemente para poder classificar os estímulos (se internos ou externos, por exemplo) e escolher aos quais reagiria. E se nós estamos distinguindo estímulos internos dos externos, apesar disso não ser dito, mas experimentado ao longo das aulas de Yôga, entendemos que seja necessário apresentar a noção de pessoa segundo DeRose. Não há como falar em noção de pessoa em antropologia sem partir de Mauss, que escreveu Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu” (2003b). Neste texto, seu objetivo é fazer uma história social da idéia de pessoa, que é, para ele, uma das categorias do espírito humano. Mauss considera que a noção de pessoa é uma categoria que foi se desenvolvendo no tempo em algumas civilizações. Para estudar como a noção de pessoa foi elaborada nas diversas épocas,Mauss considera os direitos, os costumes, as estruturas sociais e as mentalidades de diversas sociedades. Maria Barroso em A construção da pessoa “oriental” no ocidente (1999) desenvolve a idéia de Bildung como construção de si a partir do entrelaçamento de características do pensamento romântico com o orientalismo. Ela explica como a idéia de autoconhecimento na ioga pressupõe no Ocidente a noção de pessoa burguesa, a qual é algo construído, adquirido, culturalmente renascido, pois o ser pode ser aperfeiçoado, passar por um processo, um movimento que o transforme. Isso é curioso quando comparado à noção de pessoa aristocrática, que tem um modelo já dado, atribuído, pois o ser é algo divino e imutável. A possibilidade de se construir difundida pela noção de pessoa burguesa é fundamental para nós, posto que abordaremos a importância das pessoas mudarem. Enfim, a idéia de que é possível se aperfeiçoar, se transformar, de que o homem pode dispor de “técnicas de si” perpassa todos os discursos e práticas que estudamos. E se a idéia de fabricação do corpo é discutida e desenvolvida em muitos estudos de etnologia ameríndia, mais uma vez, queremos apontar a diferença entre corpo-objeto e corpo-sujeito, este capaz de se construir por participar do processo. 27 Segundo Anthony Seeger, Roberto Da Matta e Eduardo Viveiros de Castro (1987), por exemplo, uma das características das sociedades indígenas sul-americanas são as noções ligadas a corporalidade e construção da pessoa como princípios de organização social. O papel do corpo é ser uma matriz de significados sociais e objeto de significação social. Victor Turner, Mary Douglas e Claude Lévi-Strauss têm em comum que a corporalidade não é vista como experiência infra-sociológica, o corpo não é tido por simples suporte de identidades e papéis sociais, mas sim como instrumento, atividade, que articula significações sociais e cosmológicas; o corpo é uma matriz de símbolos, que ocupa posição central, e um objeto de pensamento. A fabricação, decoração, transformação e destruição dos corpos são temas em torno dos quais giram as mitologias, a vida cerimonial e a organização social. Há discursos sobre fisiologia dos fluidos corporais e os processos de comunicação do corpo com o mundo. O nome, as substancias, a “alma” e o sangue dizem mais que a linguagem abstrata de direitos e deveres. Também em nossa etnografia os fluxos corporais fazem parte da construção de si, porém não como suporte, mas como agentes. Precisamos voltar para a expressão “aprender a ficar em paz” por termos ainda dois comentários a fazer. Um se refere ao fato de Foucault falar na capacidade do homem de dominar técnicas que lhe possibilitem atingir um determinado fim (ser feliz, puro, sábio, perfeito, imortal). Ele estudou essa capacidade em diversos grupos sociais como a sociedade grega antiga e a “sociedade moderna ocidental”. Nestas duas sociedades, ele identificou mecanismos de controle utilizados por um grupo para dominar outro, sendo os asilos, as penitenciárias e as escolas, alguns dos exemplos estudados por ele (FOUCAULT, 1997). No entanto, essa capacidade de atingir um fim desejado mediante o uso de técnicas por meio do controle também é exercido por uma pessoa em relação a si mesma, é o autocontrole. Para abordar essa habilidade, Foucault cunhou a expressão “técnica de si” (1994; 1985), que diz respeito aos movimentos do indivíduo sobre si mesmo por meio dos quais ele é capaz de interferir sobre seu corpo, sua alma, seus pensamentos, suas condutas, seus modos de ser. Em outro texto, Foucault e Sennett afirmam que “Se alguém quiser analisar a genealogia do sujeito na civilização Ocidental, terá que levar em consideração, não somente técnicas de dominação, mas também técnicas do self...” (1981, p.7 – grifo nosso). Sendo as “técnicas do self” formas de subjetivação, pretendemos estudar que técnicas são acionadas na construção de si pelos agentes sociais, como elas são entendidas e quais são as motivações para exercitá-las (regularmente). 28 O outro comentário refere-se ao nosso procedimento de começarmos esta tese partindo do pressuposto de que um dos fins buscados pelo exercício das técnicas das iogas é, como estamos convencionando chamar, justamente “aprender a ficar em paz”. Silêncio e imobilidade como meios que viabilizam e materializam o autocontrole precisam ser analisados considerando até que ponto esse aprendizado, proposto por DeRose e realizado pelos alunos de Yôga, está mais para um ascetismo ativo ou para uma prática mística. Se Weber em Rejeições religiosas do mundo e suas direções (1982b) distingue o ascetismo ativo do misticismo como diferentes formas de buscar a salvação, o exercício de técnicas de Yôga pode ser entendido, em alguns momentos, como modo de agir neste mundo e, em outros momentos, como modo de não agir, de contemplar. Além disso, também nos interessa entender em que sentido é possível compreender as iogas enquanto “técnica racional de salvação”, em outras palavras, o discurso sobre iogas e sua prática são formas de “racionalização” (ética) da conduta da vida (WEBER, 1997, 1982a)? 1.2 TRAJETO PERCORRIDO NESTA TESE: Por tudo isso, nossa tese é composta por mais três partes, além desta Introdução. Na Parte 2 apresentamos o contexto no qual as aulas de Yôga se encontram, começando pelo Rio de Janeiro e chegando em Salvador. Para tal, esta parte foi dividida em três. Iniciamos nossa pesquisa tendo em conta a existência de diferentes estilos de iogas, assim procuramos desvendar algumas diferenças acerca do que era oferecido e por quem (alguns professores, alguns estilos), e dos espaços escolhidos para realização das aulas para que pudéssemos entender como era sua convivência. Alguns antropólogos, como Leila Amaral (2000), Maria Barroso (1999), José Guilherme Magnani (1999; 2000) e Jane Russo (1993), Tales Nunes (2008) localizam as iogas como estreitamente ligadas ao fenômeno da religiosidade Nova Era, que buscava métodos e técnicas “alternativas” aos que na época eram dominantes. Ao apreciarmos o que DeRose conta de sua trajetória em Yôga, Mitos e verdades (1996), ficamos sabendo que ele experimentou e estudou muitas “correntes”, freqüentou espaços “esotéricos”, mas que com o tempo eles não o satisfaziam mais. Então, a partir de algum momento em sua vida, ele passa a fazer questão de distinguir o seu Yôga de qualquer religiosidade. Isso nos fez pensar se poderíamos falar em campo das iogas, no sentido formulado por Bourdieu (1983a), tornando exeqüível a distinção de áreas diferentes sem, no entanto excluí-las de um possível, mas não necessário, diálogo. A 29 possibilidade deste refere-se a dois valores que consideramos comuns: noção de pessoa holista e cuidado de si como auto-aperfeiçoamento. E como todo campo tem seus objetos de disputa interna, não poderíamos deixar de apresentar os do campo das iogas. Essa independência do campo das iogas sem pregar um isolamento de outros campos de saberes ou práticas também precisa ser pensada em relação ao que estamos chamando de campo da educação física, se quisermos localizar o contexto das iogas no Rio de Janeiro e em Salvador. DeRose em Tudo sobre Yôga (2003) também faz questão de distinguir as aulas de Yôga das de educação física, reforçando nosso argumento. Essa separação dos campos das iogas do da educação física, principalmente nos últimos dez anos, aproximou bastante os professores de diferentes estilos de iogas. Pensando na idéia de que todo gosto por algo é produto de um processo social e histórico (BOURDIEU, 1983b) era imprescindível apresentarmos, ao menos resumidamente, em que sentido consideramosque o campo da educação física influenciou a demanda por iogas nas duas cidades. A nosso ver, também era importante identificar os debates sobre a legalização profissional do professores de iogas e as atitudes de (tentativa de) controle destes pelos professores de educação física. Compreender como as sensações são abordadas e estimuladas pelos professores de iogas é importante porque se trata de um argumento utilizado por eles a fim de deixar clara a diferença entre sua prática e a dos exercícios ministrados pelos professores de educação física. É comum os professores de iogas afirmarem que sua particularidade é abordar os alunos em sua “totalidade”, ao contrário do que os professores de educação física fariam. É na Parte 3 que analisamos algumas propostas do método Swásthya Yôga, sistematizado por DeRose, disponibilizadas em três livros dele e no de Sérgio Santos, professor de sua rede, posto nosso objetivo de entender as dimensões filosóficas que conferem significados aos mecanismos de controle prescritos que viabilizariam o “aprender a ficar em paz”. Nós nos apoiamos no conceito de “identidade relacional” formulado por Edward Evans-Pritchard (2002), para apresentarmos a dimensão filosófica que DeRose busca a fim de fundamentar a identidade do seu método. Como ele o “sistematiza” sempre em comparação com outros estilos de iogas, também abordamos outras dimensões (religiosas ou espirituais) que as fundamentam. Como complemento ao que DeRose faz, fornecemos exemplos concretos que buscamos em livros de outros professores de iogas, sendo dois de Hermógenes e um livro de Pedro Kupfer. 30 Esta parte está dividida em dois momentos, no primeiro apresentamos uma definição de Swásthya Yôga dada por DeRose e demonstramos a importância do autoconhecimento e da “iluminação” (o samádhi). Em seguida, analisamos mecanismos de autocontrole e alguns passos que se espera que os iogues dêem até chegarem a uma libertação que, segundo os autores, só é possível por meio do auto-aperfeiçoamento. Em ambos os momentos pretendemos analisar em que sentido o “aprender a ficar em paz” ao praticar Yôga pode ser entendido como uma técnica de salvação (no sentido de Max Weber) e uma técnica de si nas palavras de Foucault. Por fim, direcionando o foco para nossa etnografia realizada em aulas de Yôga, analisamos como estas podem ajudar na redução da influência de estímulos através do exercício do “aprender a ficar em paz”, bem como em que termos esse aprendizado pode ser entendido como uma técnica de salvação (WEBER, 1997) ou cuidado de si (FOUCAULT, 1985). Sabendo que uma coisa é a proposta do método sistematizado por DeRose e outra é o que instrutores por ele formados e seus alunos entendem e praticam, na Parte 4 nosso objetivo é analisar o cotidiano que vivenciamos com alunos de uma Unidade do Swásthya Yôga durante nossa observação participativa. Nosso argumento nesta parte da tese é que no cotidiano realizávamos uma série de rituais a fim de obtermos certos controles, cujo ápice seria o controle dos estímulos no aprendizado do “ficar em paz”. Começamos apresentando a unidade na qual foi feita a etnografia e descrevendo o ambiente: dados que revelam a importância de alguns valores da realidade social construída como limpeza, silêncio, organização (tudo tem seu lugar), convite a um aprofundamento no conhecimento do Swásthya Yôga, diferença do mundo “aqui dentro” em relação ao mundo “lá fora” no que se refere aos usos e significados de tempo e espaço. O auge desta parte é a análise de seqüências antes, durante e depois das aulas que deixaram transparecer a importância do controle pela previsibilidade, típica de rituais (LEACH, 1978; TAMBIAH, 1985). Também examinamos as formas de comunicação presentes nas aulas (olhares, falas, toques) e os “modos de atenção” (CSORDAS, 2008) estimulados durante a sua prática. Por fim, apresentamos alguns pontos de vista dos praticantes que entrevistamos (alunos das aulas na Unidade com os quais convivemos) no tocante às próprias aulas e também às técnicas que eles disseram realizar no mundo “lá fora”. Optamos por não entrevistar DeRose por não termos sido alunos dele e por focarmos nesta parte da tese o cotidiano que experimentamos. 31 Por fim, nossas considerações finais são apresentadas constatando onde conseguimos chegar e abrindo com sugestões para próximas pesquisas. 1.3 EXPLICAÇÕES SOBRE O USO DAS GRAFIAS E DE ALGUNS TERMOS Um dos recursos que utilizamos para apresentar várias vozes nesta tese, inspirados nos nossos nativos, é o uso de diferentes grafias para algumas palavras centrais. DeRose (1996, 2003, 2006) e os instrutores por ele formados falam “o Yôga” – é importante o acento circunflexo – e o praticante de Yôga chama-se “yôgin”. Hermógenes (1994, 2001), por exemplo, diz “o Yoga”, palavra com gênero masculino, sem acentos, porém escreve “a Hatha Yoga”, os praticantes são chamados de “yogui”. Pedro Kupfer (2001) escreve “o Yoga”, o praticante é o “yogi”. Também os comentadores têm suas obras traduzidas de maneira diferente: Eliade (1996) e Feuerstein (2006), escrevem “o Yoga”, o praticante é chamado “yogin” (sem acento circunflexo); para Feuerstein a praticante mulher é chamada “yoginî”. Zimmer (1986) escreve “o Yoga” e “o iogue”. Toda vez que formos nós que estivermos falando, escreveremos “iogas”, gênero feminino, com “i” e sem maiúscula, no plural, e os praticantes serão o ou a “iogue”. Peço aos leitores que prestem sempre atenção se há “y” ou “i”, se há acento circunflexo “yô” ou não “yo”, se as palavras começam com letra maiúscula ou não. Na Parte 2 nossa tentativa é de não enfatizar nenhum estilo de ioga em especial. Quando estiver escrito iogas é porque somos nós que estamos falando e quando forem os professores de iogas, usaremos a grafia que cada um escolheu. Enquanto ocupando espaço na produção acadêmica, optamos por escrever conforme gramática e dicionário da língua portuguesa. Assim, escolhemos escrever “iogas” – uso do gênero feminino e o uso da letra “i” no lugar de “y”, que nem existe neste alfabeto. Utilizamos a palavra no plural por querermos englobar todos os estilos encontrados no Rio de Janeiro e em Salvador: nossa intenção é generalizar sem ignorar as diferenças. Nas Partes 3 e 4, como focamos no Swásthya Yôga, adotamos a grafia estabelecida por DeRose, com exceção dos momentos que citamos outros professores de iogas. A especificidade da escrita não se refere apenas a essas palavras, mas a todas que são escritas em sânscrito. Desta forma nomeiam “a mesma coisa”, por exemplo: Sámkhya (com ou sem acento), Sankhya e Samkya; Vedanta, Vedánta e Vedânta; samádhi e samâdhi; chakra e cakra. A nosso ver, essas divergências gráficas representam mais uma diversidade do grupo social que estudamos. 32 Por fim, ao escrevermos a tese surgiu uma espécie de necessidade de nuançar os praticantes de iogas. De maneira geral, entendemos como praticantes de iogas todas as pessoas que exercitam técnicas de iogas, excluindo aqui os que somente lêem e estudam sobre iogas. A partir tanto da análise dos textos quanto das observações em aulas, concluímos que o grau de comprometimento com a prática é variável e, por isso, decidimos especificar de maneira mais clara distinguindo entre praticante, aluno e iogue. Uma pessoa pode praticar ioga num evento Nova Era que aconteça num parque, ou por conta própria. Consideramos como “alunos de iogas” aqueles que participam regularmente de aulas junto a algum professor ou mestre, num local específico e não casual, independente do grau de envolvimento que cada um deles tenha com o que é proposto para seu cotidianopara além das aulas. O aluno pode nunca se interessar pelo vegetarianismo, nem por ler qualquer texto a respeito de iogas. O iogue adota as propostas, aprendidas na prática e presentes nos textos autorizados pelo grupo ao qual pertence, como estilo de vida; podem ser alguns alunos, geralmente é o caso dos professores, e o grau maior de comprometimento seria um de acordo com o tipo ideal que viveria conforme (quase) todas as prescrições. Alguns exemplos deste último são, para Hermógenes, Jesus Cristo, Buda e Sathya Sai Baba. DeRose fala de Shiva como exemplo inspirador. Se para DeRose o “yôgin” deve ser vegetariano e abstêmio, alegre, bem-sucedido, isso não é regra geral. Os tipos ideais mudam de estilo para estilo, porém os praticantes de iogas mais comprometidos (os iogues) geralmente estudam, acreditam e tomam como cosmologia alguma filosofia iogue (vedanta ou samkhya, por exemplo) e valorizam a experiência de ficar num ashram (mosteiro) com algum mestre na Índia ou, pelo menos, no Brasil. Na Parte 2 da tese, utilizamos a expressão “candidatos a alunos de iogas” quando nosso foco for o que estes candidatos encontram e o que é oferecido nas aulas de iogas. Quem vai permanecer e tornar-se um aluno é outra questão. Importante acrescentar que, nos locais onde fizemos aulas, nunca vimos um aluno se autodenominar “iogue”. Ao longo desses anos, só vimos os professores se auto- intitularem iogues, em alguns casos “mestres”. 33 2. CAMPO DAS IOGAS A PARTIR DO RIO DE JANEIRO: Pierre Bourdieu em Como é possível ser esportivo? (1983) busca conhecer quais condições históricas e sociais produziram o gosto pelo esporte ao constatar a existência da relação entre as ofertas de práticas e consumos esportivos e a demanda social por essas ofertas. Pretendemos saber como o gosto pelas iogas, que tem práticas e consumos próprios, foi produzido a partir do Rio de Janeiro. A nosso ver, o gosto pelas iogas pressupõe gostos desenvolvidos por meio de atividades físicas e uma espiritualidade sincrética por meio da qual as pessoas convivem e, muitas vezes, freqüentam diferentes explicações e rituais para as questões existenciais, tão presente no Rio de Janeiro e em Salvador. Assim, nosso objetivo nesta parte da tese é apresentar o contexto no qual se encontram as iogas no Rio de Janeiro e em Salvador a fim de identificar os espaços ocupados tanto concretamente quanto simbolicamente. Para tal esta parte da tese foi dividida em três momentos. No primeiro, nosso esforço é delinear o que entendemos como sendo iogas e porque consideramos que é possível falar em campo, considerando desde como encontrar aulas de iogas, quais os locais onde elas são praticadas, e alguns professores que as ensinam, sem perder de vista a diversidade que constitui o campo. Em seguida, estudamos convergências deste campo com a religiosidade Nova Era, tendo como palavras-chaves sincretismo, holismo e auto-aperfeiçoamento. Por fim, pretendemos expor algumas condições histórico- sociais que possibilitaram o gosto pelas iogas no Brasil, examinando possíveis influências vindas do campo da educação física e sua relação atual de disputa para saber quem pode regular quem. Diante da atitude de alguns professores de educação física, representados em sua Confederação, de querer regular outras atividades, consideramos importante apontar o que este campo está disputando com o das iogas. No quadro abaixo apresentamos, de uma maneira geral, alguns locais onde diferentes atividades são realizadas no Rio de Janeiro e em Salvador a fim de demonstrarmos que há locais comuns a diferentes práticas. Consideramos aulas de educação física, aulas de danças e de lutas, além das aulas de iogas: 34 Quadro I - Algumas atividades físicas e os locais onde são realizadas ALGUMAS ATIVIDADES QUE TRABALHAM O CORPO NO BRASIL: LOCAIS DE REALIZAÇÃO Educação Física o Academias de ginástica o Clubes, hotéis, spas, resorts o Escolas o Forças armadas e policiais Iogas o Academias de ginástica, clubes, hotéis, spas, resorts o Centros alternativos o Salas específicas para iogas Lutas Cada “mestre” tem suas regras e hierarquias e, geralmente cada um tem sua academia. Também encontramos essas aulas em academias de ginástica, atividades extra-curriculares em colégios (aulas de judô, por exemplo) Danças o Faculdades de dança o Teatros municipais o Dança de salão e as academias de determinados professores o Aulas de dança ou folclore em colégios (atividades extras OU nas aulas de educação física. Ex: dança de quadrilhas em festas juninas) “Circuito alternativo” (Magnani) o sociedades iniciáticas o centros integrados o centros especializados o espaços individualizados o pontos de venda. É importante salientarmos que seria necessário fazer uma história das iogas para sabermos quando esses espaços começaram a se confundir uma vez que nos parece que no início as atividades aconteciam em espaços físicos diferentes. O que não faremos, nos restringiremos à apontar alguns dados para futuras pesquisas nesse sentido. Esta parte da tese tem como fonte de dados algumas aulas e eventos de iogas que freqüentamos, possibilitando observações e conversas, bem como artigos de jornais, panfletos de propaganda que fomos encontrando nos locais que estávamos freqüentando, e pesquisa em páginas na internet de 2004 a 2010. 35 2.1 APRESENTANDO AS IOGAS: partindo do Rio de Janeiro e chegando a Salvador (Bahia) Interessa-nos aqui argumentar porque é possível falar em campo das iogas. Para tal consideraremos seu capital cultural específico, seus agentes sociais e seu objeto de disputa. O plural na palavra “iogas” já deixa transparecer a diversidade que encontramos que é contatada pelo leitor com a disponibilidade de mais detalhes acerca das informações referentes aos estilos escolhidos por alguns professores e pelos locais onde escolheram para dar suas aulas. Nosso estudo não é uma análise das propagandas feitas nem pelos professores, nem pela mídia em geral; esse material é usado como fonte para identificarmos valores e noção de pessoa de seus divulgadores. 2.1.1 Campo das iogas a partir do Rio de janeiro e em Salvador Há alguns anos, tanto no Rio de Janeiro quanto em Salvador é fácil encontrar as iogas e consumi-las, pois a divulgação é intensa e múltipla abrangendo diversas classes sociais e ocupando diferentes espaços. Em primeiro lugar, os próprios professores divulgam seus trabalhos – em catálogos de endereços, por exemplo, que estão disponíveis a uma grande parcela da população, e também em sítios de busca virtuais, como é o caso de uns que oferecem até um mapa com a localização exata (endereço no mapa) de diversos estabelecimentos tanto para a cidade do Rio de Janeiro 4 , quanto para a de Salvador 5 . Além disso, profissionais que pertencem a outros campos (médicos, jornalistas, lojistas de bens “naturais” ou “alternativos”,...) utilizam seu poder de influência na opinião pública explicando e argumentando sobre benefícios das iogas a fim de estimular o seu consumo. Somemos a isso, o fato de as iogas acontecerem conforme diferentes estilos aumentando a possibilidade de agradar a vários gostos. Encontramos dois tipos básicos de consumo no campo das iogas de: a) práticas e b) bens materiais. Estes compõem-se de revistas e livros específicos, incensos, roupas, “tapetes” próprios para as práticas, bem como viagens para a Índia ou para lugares no Brasil com infra-estrutura que permitam uma espécie de retiro. Esses bens são vendidos em eventos por nós identificados como aqueles que têm como objetivo técnicas decuidado de si (mais adiante abordaremos esse ponto), como por exemplo, feiras de 4 http://www.google.com.br/search?hl=pt- BR&q=yoga+rio+de+janeiro&btnG=Pesquisa+Google&meta=&aq=0&oq=yoga+rio+de+. Acesso em: 24 jul. 2009. 5 http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&q=+yoga+salvador+bahia&btnG=Pesquisar&meta= Acesso em: 24 jul. 2009 36 medicina alternativa, workshops das próprias iogas e corridas no Aterro do Flamengo. No caso particular dos livros, eles também são encontrados em grandes livrarias (LDM e Civilização Brasileira em Salvador, FNAC e Travessa no Rio de Janeiro, e Saraiva Megastore em ambas as cidades, por exemplo) e, especificamente no Rio, nas feiras de sebos; diversas coleções de revistas de iogas são encontradas em bancas de jornal nos mais variados bairros nas duas cidades. Por tudo isso, esses bens estão ao alcance de um número maior e mais diverso de pessoas. Tanto no Rio de Janeiro, quanto em Salvador é fácil e barato encontrar incensos sendo vendidos tanto em lojas as mais diversas como inclusive em camelôs para, por exemplo, meditar em casa. Também conhecemos nessas duas cidades pessoas que diziam fazer iogas em seu quarto, tendo um livro como orientação. Muitos professores de iogas vendem alguns desses bens materiais nos locais onde as aulas acontecem, principalmente livros, roupas e incensos. De todos os bens, o mais caro sem sombra de dúvida são as viagens para a Índia e a permanência por um tempo em ashram (uma espécie de mosteiro indiano). Muitas vezes os próprios professores organizam grupos para irem juntos. Nos locais que vendem esses bens materiais e também em universidades públicas e em algumas faculdades particulares em ambas as cidades, encontramos cartazes e panfletos anunciando locais para praticar iogas. O consumo de práticas, por sua vez, podem ser esporádicos ou regulares. As práticas esporádicas acontecem em vivências, workshops, aulas gratuitas oferecidas eventualmente num local com o objetivo de divulgar as iogas ou o trabalho de um professor ou estilo específico, e como atividade complementar. Há alguns anos alguns corredores vem somando ao esporte as técnicas de iogas. Em 2008, no dia 14 de setembro, ocorreu um evento chamado “Corrida Vênus”, na qual somente mulheres puderam participar. Uma das características peculiares deste evento organizado pela Honda e pela Nike era que na véspera da corrida de 5 ou 10 Km, as mulheres inscritas tiveram na Marina da Glória um dia para elas com massagens, palestras e aulas de ioga. Em 2009, aconteceu a segunda edição da “Corrida Vênus” e neste ano de 2010 está marcado sua terceira edição – em ambas aulas de iogas são oferecidas. Neste mesmo sentido, Amaral (2000) participou em 1993 da 17º ENCA (Encontro Nacional de Comunidades Alternativas Aquarianas) que durou uma semana e aconteceu em Pirinópolis (BR) e, em 1997, do “Encontro para a Nova Consciência” em Campina Grande (Paraíba). Durante os dois encontros, “o Yoga” era uma das atividades dentre outras tantas oferecidas. 37 Os cursos de formação são um caso particular de prática esporádica, pois pressupõe uma prática regular, mas sua intensidade é que lhe torna esporádica, principalmente quando a pessoa sai da cidade onde mora ou pretende lecionar e vai para outra a fim de se especializar ou aperfeiçoar. Esses cursos não ocorrem em todos os meses, embora estejam ganhando espaço numa espécie de “agenda dos iogues” como, por exemplo, quando vem um professor de outro Estado ou de outro país 6 . Estamos chamando de práticas regulares as aulas de iogas que acontecem, de uma maneira geral, de duas a até cinco vezes por semana durante o ano inteiro. Nosso foco aqui nesta tese são essas práticas, durante as quais técnicas podem ser aprendidas e aperfeiçoadas. Diante dessas técnicas, os candidatos a alunos de iogas podem escolher o quê irão aprender, que técnicas (por exemplo: mantras, ásanas, meditação, etc.) e, num sentido didático, o como irão aprender. Esse como engloba a forma como a técnica é passada (professor demonstrando o que deseja que o aluno faça ou descrevendo a técnica, por exemplo) e o conteúdo da aula, isto é, o quanto de técnica é passado (uma ou mais técnicas de pranayamas por aula, por exemplo). Bourdieu escreveu que cada campo constitui uma forma específica de capital (2004). A partir de nossas leituras e das aulas de iogas que fizemos desde 2001, defendemos que no caso do campo das iogas o seu capital específico é constituído pelo menos do conjunto do texto Yoga Sutra, escrito por Patanjali, e de cinco técnicas – ásanas, pranayamas, meditação, concentração e iluminação (samádhi). Este conjunto de saber é o capital cultural fundamental do campo das iogas no sentido de ser o que dá fundamento, a partir do qual outros textos e outras técnicas passam a constituí-lo. Há diversos grupos de meditação no Brasil o que prova que esta técnica não é realizada exclusivamente no campo das iogas, daí enfatizarmos que o campo é este conjunto, inclusive porque além daquelas cinco técnicas que nós estamos selecionando como as que estão presentes na maioria das aulas de iogas, há outras que os professores de uma maneira geral dominam, como mantras, kriyas, mudrás, etc. Ao falar de campo, Bourdieu (1983a) afirma que é fundamental analisar o que está em jogo, ou seja, qual é o objeto de disputa do campo, bem como os interesses específicos que revelam junto com o capital cultural sua identidade. Mais do que revelar, esse objeto e esses interesses possibilitam a construção do campo sem os quais 6 Cf. página virtual com agenda de cursos do professor Pedro Kupfer http://www.yoga.pro.br/evento- show/615/0/agenda-de-cursos-de-pedro-kupfer e de DeRose http://www.uni- yoga.org/agenda_cursos_eventos.php Ambos acessados em: 08 abr. 2010. 38 este não existe. A nosso ver, o que está em jogo é a eleição de outros textos, cuja maioria é de matriz indiana, para casarem com este capital cultural fundamental que definem quais devem ser os objetivos das práticas. Esses outros textos, (que abraçam filosofias, pontos de vistas e escritos religiosos, principalmente hindu) juntamente com o de Patanjali, são lidos como explicações cosmológicas e, neste sentido, podemos reformular o objeto de disputa do campo das iogas como sendo: a escolha pela “melhor” explicação cosmológica que justifique e signifique o uso de determinadas técnicas das iogas. Por causa disso, os professores discutem o que é ioga e o que não é, em outras palavras, o que faz parte do capital cultural do seu campo. Concepção de homem, metodologia a ser utilizada, críticas à sociedade, importância do cuidado e do controle de si, relevância de se investir no corpo,... Tudo isso gira em torno deste objeto de disputa enquanto interesses específicos deste campo. Há várias filosofias indianas com pontos fundamentais em comum e com pressupostos opostos (como o dualismo entre prakriti e purusha, ou sobre se é importante evitar o prazer na vida – veremos isso no próximo capítulo da tese). Para nós, é na escolha das cosmologias que está o foco da disputa uma vez que as técnicas não variam muito, mas a metodologia sim. A escolha por uma determinada cosmologia e por quais mestres são tidos como referências importantes direciona o foco ao que se vai ensinar e, conseqüentemente, a metodologia durante a prática das iogas. Por ora, interessa-nos deixar claro que cada professor, ao escolher qual ou quais estilo(s) de ioga ensinará, defende que o(s) estilo (s) escolhido(s) é o melhor e para tal
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