Buscar

(Mente e Cérebro ano XI n 53) O poder do verde

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 8 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

o poder
do verde
Está estressado? Olhe para o céu, pise a grama, observe árvores, flores e
pássaros. A sugestão parece ingênua, mas é eficiente: vários estudos revelam
que o contato com a natureza provoca alterações no humor, melhora a
capacidade de concentração e ainda pode aumentar a expectativa de vida
por KlausWilhelm
O interior de um escâner cerebral não pare-ce o lugar mais adequado para meditar. Otubo do aparelho exala frieza e austeridade,além de ser muito estreito, pode ser até
mesmo c1austrofóbico. Por isso, qualquer tentativa
científica de verificar as características neurológicas
associadas ao estado de paz interior e profundo rela-
xamento parece, em princípio, incompatível com o
uso do aparelho. Uma equipe de pesquisadores britâ-
nicos e alemães, porém, se propôs a verificar até que
ponto elementos da natureza propiciam sensações de
bem-estar. Os cientistas mostraram a pacientes que
estavam em um escâner dois filmes diferentes. Num
deles era apresentada a imagem de praia com som
de ondas quebrando e, no outro, a de uma estrada
movimentada, com ruído de veículos.
Aressonância magnética revelou diferenças funcionais
na atividade cerebral dos voluntários, de acordo com
cada cena. Os 12 participantes que tinham observado a
o AUTOR
KLAUSWILHELM é biólogo e jornalista científico.
6 I ment érebro I Descinsar é terapêutico
filmagem da paisagem natural (praia) apresentaram um
aumento marcante na atividade do córtex auditivo, no
córtex pré-frontal mediai e no cingulado posterior (as duas
últimas estruturas ativadas, entre outras situações, quan-
do a pessoa se concentra em si mesma). Ou seja, apesar
das condições adversas e inóspitas, o cenário projetado
ajudou os pacientes na introspecção. "Ambientes como
edifícios ou estradas de concreto dificilmente podem
causar esse estado", diz o neurocientista Simon Eickhoff,
do Centro de Pesquisa de Jülich.
O coordenador do estudo, o neurocientista Peter
Woodruff, da Universidade de Sheffield, na Inglaterra,
acredita que os exames de imagem usados em neuroci-
ência podem contribuir para fornecer informações sobre
como criar os parques e jardins de forma que favoreçam
o equilíbrio mental. Os resultados da investigação de
Woodruff explicam um fenômeno registrado pelo governo
dos Estados Unidos em parques nacionais após os ataques
terroristas de 11 de setembro de 2001. Nos dias que se
seguiram à tragédia, o número de visitantes de espaços
naturais disparou. As pessoas se reuniam nesses lugares
para caminhar e refletir.
7
"Os resultados são consistentes com
a hipótese de biofilia", diz o cientista
Michael Hunter, que também participou
do estudo. Segundo a teoria do biólogo
Edward O. Wilson, da Universidade Har-
vard, temos afinidade inata com todas as
coisas vivas. Alguns pesquisadores chegam
a propor que precisamos de experiências
sensoriais que nos aproximem da terra e
do verde da mesma forma que necessita-
mos de relações sociais. "O contato com
a natureza melhora nossa saúde em todos
os sentidos", diz a socióloga lolanda Maas,
pesquisadora do Instituto de Saúde e As-
sistência Médica em Amsterdã. Ela e seus
colegas analisaram dados médicos de uma
amostra de 350 mil holandeses e arquivos
médicos com 195 diagnósticos clínicos.
Com medições de 25 por 25 metros, foi
determinado o percentual de áreas verdes
dentro de 2 km de cada casa e catalogados
como praças os espaços em que a vegeta-
ção cobria mais de 50% da superfície.
Uma das principais conclusões do es-
tudo foi que, quanto mais verde fosse o
entorno, menos frequentes eram as doenças
cardiovasculares e pulmonares, diabetes,
depressão e transtornos de ansiedade entre
os habitantes. Ao contrário disso, a pouca
percentagem de ambiente natural acelerava
o processo de envelhecimento em aproxi-
madamente um ano. O efeito é ainda mais
visível entre crianças e adultos de baixa
renda, provavelmente porque esses grupos
são afetados por outros fatores estressantes
ou têm poucos recursos para férias e fins
de semana longe de casa.
Mas o que está por trás dessa estatística?
Da amostra de dados não pode ser deduzida
uma relação de causa e efeito, embora seja
concebível que o ar do campo fortaleça a
saúde. Mas é preciso considerar que pessoas
em diferentes locais podem ser influenciadas
por aspectos que afetam sua condição física,
como número de relações sociais e prática
de esportes.
As relações sociais sugerem um fator
interessante: quanto menos verde é o
ambiente, menos contatos sociais existem
e maior é o sentimento de solidão. Para
lolanda Maas, isso explica, pelo menos em
8 I mentecérebro I Descansar é terapêutico
parte, a relação entre a saúde e a natureza,
levando-se em conta que a proximidade
com áreas verdes e praia ajuda a reduzir o
estresse, a ansiedade e a depressão.
VITAMINA DA NATUREZA
Pesquisas desenvolvidas na Inglaterra e no
Japão confirmam que viver perto da natureza
aumenta a expectativa de vida. A equipe de
Takehito Takano, da Universidade de Tóquio,
classificou as áreas verdes dos distritos de Tó-
quio segundo dados de 1992.Os pesquisadores
questionaram mais de 3 mil pessoas nascidas
nos anos 1903, 1908, 1913 e 1918 sobre as suas
áreas de residência. Cinco anos depois, 900
entrevistados haviam morrido. Um dado a ser
considerado: entre os mortos, a maioria tivera,
ao longo da vida, poucas oportunidades para
caminhar por áreas verdes próximas a sua
casa. Comparações entre indivíduos da mesma
idade, sexo, estado civil e nível socioeconômi-
co confirmaram a validade do resultado.
As consequências de desequilíbrios sociais
podem ser compensadas por meio de um am-
biente natural, na opinião de pesquisadores
como Richard Mitchell, da Universidade de
Glasgow, e Frank Popham, de Saint Andrews.
Os dois cientistas classificaram por grupos
cidadãos britânicos ativos com base em sua
renda e a proporção de espaço verde em suas
áreas residenciais. Entre 2001 e 2005 foram
registradas as mortes. Eles observaram que a
relação entre renda e morte foi menor entre
os indivíduos que tinham mais natureza em
seu ambiente. Ou seja, a pobreza exercia
menos influência sobre a expectativa de vida
das pessoas que moravam nas proximidades
dos ambientes naturais.
Os pesquisadores testaram a "vitamina da
natureza" em numerosas ocasiões. Em 2008,
uma equipe liderada pelo psicólogo Stephen
Kaplan, da Universidade de Michigan em Ann
Arbor, pediu a 40 voluntários que andassem um
bom tempo no centro da cidade ou pelo jardim
botânico. Usando um sistema de navegação,
Kaplan e seus colaboradores asseguraram que
os movimentos foram realizados em uma rota
predefinida. Antes e após a caminhada, os
participantes responderam a várias avaliações
psicológicas. O resultado? Quem andou pelo
parque não só se mostrou bem-humorado após
o passeio como também apresentou maior
capacidade de concentração. Em um teste de
memória, lembraram uma vez e meia mais o
número de figuras, enquanto voluntários que
tinham caminhado pela cidade melhoraram
o seu desempenho em apenas meio ponto.
Para descartarem a possível influência das
condições climáticas, os pesquisadores repe-
tiram os testes ao longo de diferentes épocas.
O tempo, portanto, não tinha nada a ver com
o desempenho cognitivo.
Kaplan acredita que os trabalhos confir-
mam sua teoria da restauração da atenção.
Seu modelo considera duas formas de aten-
ção: de um lado, a voluntária, necessária para
resolver tarefas relativamente complexas que
exigem esforço e implicam alguma tensão
(como questões de trabalho, por exemplo);
de outro, a atenção espontânea, que usamos
quando estamos fascinados por um tema e
dificilmente podemos nos desligar dele (em
geral nos momentos de lazer).
Na opinião de Kaplan, se alguém pre-
cisa "recarregar as baterias" da atenção
voluntária, deveria dormir ou caminhar na
mata ou no campo. Esses locais oferecem
estímulos naturais suaves (a qualidadedo ar,
o farfalhar das folhas, o canto dos pássaros
etc.), permitindo que o cérebro se recupere.
Já o excesso do ruído do tráfego e luzes de
neon piscando causam a fadiga cerebral.
Nessas circunstâncias, o córtex pré-frontal,
Acatarata estimula, a floresta rela)(a
Cada lugar provoca uma sensação dife-
rente. Foi isso que mostrou um estudo
desenvolvido em 2010. Uma equipe
interdisciplinar liderada pelo biólogo
Erwin Frohmann, especializado em psi-
cologia e percepção do espaço, pesqui-
sador da Universidade de Agricultura,
em Viena, registrou reações fisiológicas
de 14 voluntários durante a estada de
dez minutos de duração em uma flo-
resta, em uma paisagem rochosa e nas
proximidades de uma cachoeira.
Condições físicas do ambiente,
como temperatura e pressão, foram
monitoradas. Perto da cachoeira, os
participantes do experimento mostra-
ram-se mais estimulados e atentos e
tiveram, em média, seis batidas a mais
por minuto do que quando estavam na
floresta. Os pesquisadores observaram
também que a respiração se tornava
mais relaxada, profunda e compassada
na área de vegetação mais densa. As
respostas fisiológicas no ambiente ro-
choso estavam no meio do termo entre
os dois outros. Os resultados sugerem
que, se a proposta é manter a calma, o
ideal mesmo é embrenhar-se no verde;
mas por si só, se a ideia for se sentir
mais energizado, passar algum tempo
numa queda d'água trará melhor re-
sultado. Talvez a combinação das duas
situações seja bastante interessante.
ENTREVISTA
José Antonio Corraliza -
"Somos os lugares que habitamos"
Com a maior conscientização sobre a importância dos ecossistemas e da
preservação do planeta, uma nova área de pesquisa vem ganhando força nos
últimos anos: a psicologia ambiental. Um dos precursores dessa área é o so-
ciólogo José Antonio Corraliza. Doutor em psicologia, ele se interessa pelos
aspectos psicossociais e afetivos da interação com o ambiente e pela gestão
de áreas naturais protegidas. Professor de psicologia social e ambiental da
Universidade Autônoma de Madri, estuda a percepção de paisagens, bem
como influências dos locais que frequentamos em nossa saúde física e mental.
Entre outras publicações, escreveu Vivência ambiental (Madri, Tecnos, 1987) e
organizou Comportamento e ambiente (Madri, 1988). Membro do Comitê Cien-
tífico do Congresso Nacional de Psicologia Ambiental na Espanha, coordena
vários projetos, como a pesquisa e documentação de crenças ambientais da
população espanhola. Na entrevista a seguir, ele explica como a psicologia
ambiental analisa os efeitos da natureza sobre a mente. E faz uma afirmação
intrigante: "Existe um transtorno de déficit de natureza". Para Corraliza, ao
nos afastarmos demais de nossas raízes ancestrais, sofremos prejuízos físicos e
mentais, que poderiam ser facilmente evitados com a mudança de hábitos.
Mente e Cérebro: Do ponto de vista
psíquico, quais são os benefícios de
~ viver em um ambiente natural?IJosé Antonio Corraliza: A natureza
~ é uma referência importante para o
!bem-estar humano. Várias pesquisas
~ demonstraram seus efeitos positivos
~ para a saúde mental. Um exemplo é a
!pesquisa dos psicólogos Janet Frey Tal-
Ibot e Stephen Kaplan, na Universidadeª de Michigan, baseada em experiênciasIde sobrevivência na natureza com a
~ participação de executivos. O acompa-
~ nhamento dos participantes mostrou
~ que as pessoas se adaptaram aos rit-
5 mos naturais. A integração é mais fácil
i do que costumamos supor porque já
~ estão impressos em nosso cérebro os
10 I mentecérebro I Descansar é terapêutico
ciclos circadianos (do latim, circo, que
significa "cerca de", e diem, dia; desig-
na o período de aproximadamente 24
horas, sobre o qual se baseia o relógio
biológico, influenciado principalmente
por variações de luz e temperatura).
MeC: Por que a natureza exerce esse
poder nas pessoas?
José Antonio Corraliza: A explicação é
evolutiva. Os seres humanos viveram a
experiência de sobrevivência na selva.
Na verdade, do ponto de vista da evolu-
ção, vivemos em cidades desde ontem.
A biofilia fala sobre duas dimensões.
Em primeiro lugar, a fase de água (hi-
drofilia) e, em segundo, a fase da vege-
tação (fitofilia). Água e vegetação são
cruciais para a sobrevivência; assim, a
desertificação pode causar efeitos trau-
máticos sobre as pessoas. Só por isso já
é extremamente preocupante o curso
de degradação de paisagens.
MeC: Quais os benefícios da vida
no campo?
José Antonio Corraliza: Um deles é
que perto da natureza é mais fácil nos
recuperarmos de experiências estres-
santes. A natureza age como uma
defesa psicológica, tem efeito mode-
rador do sofrimento psíquico. Embora
o estresse seja uma reação normal
em situações de ameaça, torna-se um
perigo quando dura por um longo
tempo. Já foi comprovado que há uma
correlação linear e direta entre viver
na natureza e capacidade de lidar com
uma situação de grande pressão. A
natureza não anula o estresse, mas
contribui muito para não perpetuá-lo.
Uma criança que perde o avô ou que
vivencia o divórcio dos pais tem maior
capacidade para lidar com a situação
se estiver em um ambiente natural.
MeC: Que parâmetros são utilizados
em psicologia para demonstrar
esse benefício?
José Antonio Corraliza: A psicologia
ambiental fala da hipótese de recupe-
ração, que é dividida em dois tipos.
Por um lado, temos a restauração
efetiva, que se baseia em indicadores
de estresse fisiológico. Um exemplo:
medimos o tempo que uma pessoa
que acaba de praticar esporte leva
para recuperar os sinais fisiológicos
(pulso, frequência etc.). Verificou-se
que indivíduos que observaram uma
paisagem natural depois de ter realiza-
do um exercício físico se recuperaram
na metade do tempo daqueles que
assistiram a cenas urbanas. Por outro
lado, consideramos a recuperação da
capacidade de atenção. Uma cami-
nhada no campo ou a contemplação
de cenas da natureza contribuem para
que a pessoa se acalme e aumente e
amplie a concentração.
MeC: A partir de que idade os benefí-
cios do verde podem ser sentidos?
José Antonio Corraliza: Os efeitos be-
néficos são observados na população
em geral. Mas algumas faixas etárias
parecem ser especialmente sensíveis ao
contato com a natureza. Em um estudo
recente que desenvolvemos com dois
grupos de crianças, um de 6 a 9 anos e
outro de 9 a 13 anos, descobrimos que
para todas elas correr em ambientes
com plantas, sob a luz do sol, produz
ótimos resultados sobre o humor e a
concentração. Entretanto, no primeiro
grupo o efeito positivo foi mais evidente.
MeC: Que recursos pode ter uma
criança com pouco acesso a um am-
biente natural?
José Antonio Corraliza: Existe um
transtorno de déficit de natureza. Esse
conceito inclui inúmeros distúrbios
físicos, tais como obesidade e hiper-
tensão. Etambém sintomas no âmbito
mental, como humor deprimido, desâ-
nimo, irritação, necessidade exagerada
de controle, ansiedade e hiperatividade,
que podem estar relacionados à falta
de contato com o meio ambiente natu-
ralou ser agravados por essa condição.
Em estudos que compararam crianças
que viveram experiências ao ar livre e
outras que desenvolveram atividades
com imagens virtuais da natureza
(acompanhando vídeos, jogando ou
navegando na internet), foi constatado
que a pouca proximidade com áreas
verdes ou com uma vida desconectada
da natureza oferece menos chances de
recuperação psicológica.
MeC: Há registros de pessoas que
comprovadamente adoeceram por
falta de natureza?
José Antonio Corraliza: No final do
século 20, o filósofo ambiental Glenn
Albrecht (professor de sustentabilidade
da Universidade Murdoch, na Austrá-
lia) descreveu dois casos de populações
aborígenes da Austrália que sofreram
as consequências da mineração de
carvão a céu aberto. As alterações dos
terrenos pareciam causar nos habi-
tantes do lugar distúrbios mentais e
emocionais que se caracterizavampor
uma espécie de sentimento de perda,
não com tanta intensidade emocional,
como no caso de luto por um ente
querido, mas muito similar. Albrecht
cunhou o neologismo "solastalgia",
referindo-se à dor pela perda do solo.
MeC: Então, a mudança de cenário
pode causar um transtorno mental...
José Antonio Corraliza: Se o local de
residência habitual se torna hostil ou
abandonado, uma doença associada
com nostalgia e melancolia pode surgir.
O estado melancólico pode associar-
-se a experiências emocionais arcaicas
de angústia e solidão, convertendo-se
em um quadro de depressão. Podemos
pensar em um distúrbio psicológico re-
lacionado com o transtorno do estresse
pós-traumático. A degradação dos am-
bientes naturais em que vivemos nos
afeta porque, de alguma forma, eles
fazem parte de nós, estão em nós. So-
mos os lugares que habitamos.
MeC: Considerando o assunto de
outro ponto de vista, um ambiente
natural pode servir como um método
de tratamento?
José Antonio Corraliza: Não podemos
ser simplistas. Por si só, o contato
com a natureza não é suficiente para
o equilíbrio emocional, nem a falta
dessa vivência explica distúrbios do
mal-estar humano. O que experiências
com a natureza propiciam é uma maior
capacidade de lidar com o estresse;
esse contato exerce efeito moderador
e, nesse sentido, terapêutico. Por
isso, o ambiente natural deveria ser
incorporado na vida cotidiana.
MeC: Como é possível introduzir
essa "dose de verde" no cinza das
grandes cidades?
José Antonio Corraliza: É necessário
nos aproximarmos da natureza na
cidade, ainda que isso só seja possível
em "jardins de bolso", em pequenos
espaços. É importante que mesmo em
grandes cidades as pessoas busquem
parques, que as pessoas se responsabi-
lizem coletivamente por espaços verdes
comuns e também reivindiquem de
seus governos o direito a essas áreas.
11
o centro de controle de atenção, se esforça
demais, de modo a diminuir o autocontrole.
A médica e psicóloga Frances E. Kuo e
o arquiteto e paisagista William C. Sulli-
van, ambos da Universidade de tllinois em
Urbana-Champaign, estudaram como a
sobrecarga de estímulos pode ser agressiva
para o psiquismo. Eles perguntaram a 145
mulheres de um complexo habitacional po-
bre de Chicago sobre as suas relações com
seus parceiros. As entrevistadas que viviam
em locais cujas janelas se abriam para uma
paisagem urbana admitiram comportar-se
de forma mais agressiva em seu relaciona-
mento em comparação às que viviam em
residências com vista para espaços verdes.
No entanto, nesse caso é difícil saber qual é
a causa e qual é o efeito: pois é possível que,
no momento de buscar apartamentos, as
mulheres de natureza pacífica tenham dado
maior atenção às casas que tinham janelas
voltadas para algumas árvores.
Além disso, Frances Kuo demonstrou que
o contato com a natureza melhora a concen-
tração em crianças hiperativas. A pesquisa-
dora pediu a 17 crianças com idade entre 7
e 12 anos diagnosticadas com transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)
que corressem em um parque por 20 minutos.
Após o passeio, os pequenos voluntários fo-
ram submetidos a um teste. O desempenho se
mostrou semelhante ao obtido com o uso de
ritalina, um medicamento frequentemente
usado no tratamento de TDAH. Os passeios
por bairros elegantes, no entanto, não pro-
porcionaram efeitos vantajosos. Com base
nesses resultados, os pesquisadores sugerem
que o contato com a natureza seja uma com-
plementação importante das terapias mais
comuns, como medicação e psicoterapias
convencionais.
ÁRVORE VIRTUAL
Décadas atrás, as crianças passavam grande
parte de seu tempo ao ar livre. Hoje, muitos
conhecem a natureza apenas graças a docu-
mentários de televisão. Considerando-se as
condições atuais, poderia o meio eletrônico
substituir a experiência real? Em 2008, Kaplan
e colegas verificaram que a concentração dos
voluntários melhorou depois de terem coloca-
do em uma tela imagens de paisagens natu-
rais da Nova Escócia durante dez minutos. O
mesmo não ocorreu quando lhes mostravam
fotografias urbanas de Detroit ou Chicago.
Uma equipe de pesquisadores liderada
pelo psicólogo Peter Kahn, da Universidade
de Washington, comparou os efeitos da na-
tureza real com simulações virtuais. Alguns
dos indivíduos testados foram a lugares com
vista para um parque; outros viram o mesmo
cenário em uma tela de plasma gigante; e um
MULHERES QUE
VIVEM em locais com
janelas voltadas para
a paisagem urbana
admitiram comportar-
se de forma mais
agressiva com o
cônjuge do que
aquelas que têm vista
para espaços naturais
12 I menlecérebro I Descansar é terapêutico
SIMILARÀ RITALlNA:
nfvel de concentração
de crianças
diagnosticadas com
déficit de atenção
e hiperatividade
melhorou de forma
significativa depois
que elas correram em
um parque durante
20 minutos; exercicios
em áreas urbanas não
provocaram o mesmo
resultado
terceiro grupo olhou para uma parede em
branco. Nesses locais, cada participante re-
cebeu tarefas de escritório que deveriam re-
solver às pressas sob grande pressão. Houve
uma avaliação do tempo que cada voluntário
precisou para ter os batimentos cardíacos
normalizados após passar por essa situação
de estresse. As pessoas que olharam para
o parque se recuperaram mais rápido, mas
os pesquisadores não detectaram diferença
entre aqueles que assistiram na tela e os
que olhavam para a parede. No entanto, em
um estudo semelhante, a simulação virtual
da natureza superou a parede em branco,
embora, nesse caso, os pesquisadores não
tivessem registrado as medições fisiológicas.
Em vez disso, eles perguntaram às pessoas
sobre seu bem-estar psicológico e foram apli-
cados testes para avaliar o desempenho em
tarefas intelectuais. Os resultados indicam
que a versão virtual é melhor que nada - mas
não é tão boa quanto a natureza de verdade.
Na opinião de Kahn, a substituição da
natureza com a ajuda de meios tecnológicos
esconde um risco: a amnésia ecológica. Adul-
tos que viveram por algum tempo em grandes
cidades costumam sentir que as consequências
da poluição do ar são menos graves do que
pensavam os recém-chegados à cidade, conta
o psicólogo, que trabalhou com grupos de vo-
luntários em Chicago. "Quanto mais a natureza
virtual substitui a real, mais a lembrança desta
última desaparece da memória coletiva", alerta
o psicólogo. Se continuarmos acostumados com
essa distância da natureza, talvez uma parte de
nossa saúde mental se perca também. ~
PARA SABER MAIS
Cidades enlouquecedoras. A. Meyer-Lindenberg.
Mente e Cérebro 255, abril de 2014.
The state of tranqulllty subJectlve perceptlon Is
shaped by contextual modulatlon of audltorycon-
nectlvlty. M. D. Hunter et ai.• em Neuroimage. vol.
53, págs. 611-618,2010.
The human relatlon wlth nature and technologlcal
nature. P.H. Kahn et ai., em Current Directions in
Psychological Science. vaI. 18.págs. 37-42. 2009.
Chlldren wlth attentlon deflclts concentrate bet-
ter after walk In the park. A. F.Taylor e F. E. Kuo,
em Journal of Attention Disorders. vaI. 12, págs.
402-409, 2009.
Morbldlty Is related to a green IIvlng envlronment.
I.Maaset ai.,em Jaurnal of Epidemiology and Com-
munity Health. vaI. 63, págs. 967-973, 2009.
Effect of exposure to natural envlronment on
health Inequalltles: an observatlonal populatlon
study. R.Mitchell e F.Papham. em The Lancet, vaI.
372, págs. 1655-1660,2008.
13
	00000001
	00000002
	00000003
	00000004
	00000005
	00000006
	00000007
	00000008

Outros materiais

Materiais relacionados

Perguntas relacionadas

Materiais recentes

Perguntas Recentes