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5 ASSÉDIO SEXUAL _____________________________ 5.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME A Lei nº 10.244, de 15 de maio de 2001, acrescentou, ao Código Penal, o art. 216-A, assim redigido: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” A pena cominada é detenção de um a dois anos. Mais uma vez o legislador brasileiro trabalhou mal. Buscando conferir proteção à liberdade sexual das pessoas contra comportamentos indignos realizados no dia-a-dia, no trabalho e em outras relações interpessoais, a norma não satisfaz aos interesses da sociedade, dada sua imprecisão técnica, como adiante se demonstra. É crime próprio. Só a pessoa que está, em relação à outra, em situação de superioridade hierárquica ou de ascendência em razão do exercício de um emprego, cargo ou de uma função é que pode cometer o crime. Homem ou mulher. Sujeito passivo é o homem ou a mulher que se encontra na situação de subordinação hierárquica ou de subalternidade em relação ao agente que tem, sobre ele, ascendência. 5.2 TIPICIDADE 2 – Direito Penal III – Ney Moura Teles 5.2.1 Conduta O tipo foi mal construído. Seu núcleo é o verbo constranger que, sabe-se, significa obrigar, compelir, forçar, porém encontra-se desacompanhado de qualquer objeto indireto. Quem obriga, quem força, quem compele outra pessoa, constrange-a a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. O Código Penal, sempre emprega o verbo constranger (arts. 146, 158, 197, 198, 199, 213, 214) nesse sentido. Como a norma não se referiu a qualquer comportamento da vítima, não é possível compreender o verbo constranger no sentido de obter determinado comportamento da vítima, ativo ou passivo. Por essa razão, o verbo constranger foi empregado com o sentido de importunar, perturbar, incomodar. Harmoniza-se, aí, com o nomen iuris do crime: assediar. Melhor teria sido, por isso e para evitar confusão com o significado de núcleos idênticos de outros tipos, que o legislador tivesse empregado, no lugar de constranger, o próprio verbo assediar. É conduta comissiva e se realiza por diversas formas de comunicação: palavras, orais ou escritas, gestos ou qualquer outro meio simbólico. 5.2.2 Elementos objetivos e normativos Conquanto o tipo mencione dois elementos normativos relacionados ao constrangimento: vantagem ou favorecimento sexual – os quais, por sua vez, integram o elemento subjetivo, adiante analisado –, o incômodo que o agente deve causar à vítima tem conexão com vantagem ou favorecimento sexual. Vantagem é um proveito. Favorecimento é o auxílio. Ambos devem ter natureza sexual. Ora, proveito ou auxílio sexual serão atos libidinosos praticados ou permitidos pela vítima. Assim, o assédio sexual é a importunação voltada para a obtenção da prática de um ato libidinoso. Em todos os tipos em que o verbo constranger é empregado, vem acompanhado da explicitação do meio com que a conduta é realizada: violência, grave ameaça, fraude, simulação etc. Estes meios não foram mencionados no tipo, daí que não há assédio sexual por meio de violência, grave ameaça ou fraude. Trata-se aqui, portanto, de uma ação realizada por quaisquer outros meios que não estes, porém, só haverá crime quando o agente importunar a vítima prevalecendo-se de sua condição de “superior hierárquico” ou da “ascendência” que sobre ela exerce em virtude do emprego, cargo ou função que exerce. Entre agente e vítima, portanto, deve existir, necessariamente, uma relação de Assédio Sexual - 3 subordinação hierárquica ou decorrente do trabalho. Logo, a norma, que deveria buscar a proteção da liberdade sexual das pessoas, só alcança a liberdade sexual dos funcionários públicos e dos que estão em relação de subordinação no trabalho. Só é possível falar em superioridade hierárquica nas relações entre servidores públicos. Não há hierarquia entre empregador e empregado. Por ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função deve-se entender a condição de superioridade do agente sobre a vítima, que se encontra na posição subalterna. O agente deve deter poder de direção, comando, mando, de imposição de tarefas, emitir ordens ou fazê-las cumprir. Principalmente deve o agente ter o poder de modificar a relação contratual mantida pela vítima com ele mesmo ou com a pessoa jurídica que ele representa. Isso acontece quando ele é, no emprego ou trabalho da vítima, seu patrão ou o empregado que tem poder de mando. Cargo e função são conceitos relativos ao serviço público. Restrito, portanto, o alcance do preceito às hipóteses de superioridade hierárquica no serviço público e às relações de poder no trabalho, pelo exercício de emprego, cargo ou função. A realização do tipo depende do não-consentimento da vítima, elemento essencial. Se a vítima não se sentir importunada, perturbada ou incomodada com a conduta do agente, o fato é atípico. A importunação, portanto, deve ser compreendida do ponto de vista do sujeito passivo. A mesma conduta objetivamente considerada pode ser um incômodo para uns e, para outros, uma proposta agradável. No trabalho ou no serviço público o superior que se aproxima do subordinado com intenção libidinosa tanto pode estar ofendendo a dignidade ou a liberdade sexual deste, como pode estar realizando um seu anseio ou desejo. Não se pode olvidar que grande parte dos casamentos e uniões estáveis começa no trabalho, entre superior e subordinado ou entre colegas, daí que o aplicador da lei deve ser bastante prudente para não enxergar, numa simples “cantada” ou na corte menos suave, a violação da norma penal. Não se incluem, no preceito, as ações realizadas por quem se prevalece de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, nem as decorrentes da ascendência inerente ao exercício de ofício ou ministério, circunstâncias que se encontravam no interior do parágrafo único, cujo texto foi vetado. A importunação feita pelo padre ou pastor protestante, pai ou padrasto, mãe ou 4 – Direito Penal III – Ney Moura Teles madrasta não é, por isso, típica. Entre o assédio sexual e o estupro ou o atentado violento ao pudor as diferenças são enormes. No tipo comentado, há simples importunação, perturbação, com vistas na obtenção de um favor ou proveito sexual. Naqueles crimes, há violência ou grave ameaça visando à prática do ato libidinoso. O constrangimento causado à vítima, no assédio, é sutil, implícito em palavras de duplo sentido, ficando o agente na sugestão maldosa de um prejuízo para a vítima caso ela não atenda a seus desejos. Esse prejuízo diz respeito à vida da vítima em seu trabalho, no órgão público ou empresa no qual o agente é seu superior. Assim, haverá crime quando o agente sugere à vítima que ela poderá ser promovida, merecer um aumento de salário, obter algum benefício ou, ao contrário, ter dificuldades em manter o emprego, ser transferida para outro lugar ou, até mesmo, ser exonerada ou demitida se não for generosa, concedendo o proveito ou o favor sexual. 5.2.3 Elementos subjetivos O assédio sexual é crime doloso. O agente deve ter consciência de que está importunando, perturbando, incomodando ou constrangendo a vítima, com seu comportamento. Por isso será muito difícil reconhecer, na prática, a ocorrência do crime, pois na maioria das vezes o agente não está convicto de que não está agradando. Quando o agente nutre pela vítima de sexo oposto um particular e legítimo interesse pessoal pretendendo, com a conduta, despertar nela idêntico interesse, não há condutadolosa, pois o fim é positivamente lícito, uma vez que é com a aproximação das pessoas de sexos diferentes que se dá início à construção da família, ente constitucionalmente protegido. Por fim, para a realização do tipo é indispensável o fim de obter uma vantagem ou um favor de natureza sexual. A importunação é realizada com o fim de quebrar a resistência da vítima, para que ela preste o favor ou proporcione um proveito de natureza sexual ao agente. 5.2.4 Consumação e tentativa É crime de mera conduta. Consuma-se com a realização da conduta, não sendo necessário que a vítima consinta na prestação de natureza sexual. A tentativa somente será Assédio Sexual - 5 possível se o agente tiver realizado a conduta por meio de comunicação escrita que venha ser interceptada por terceiros, não chegando ao conhecimento da vítima. 5.2.5 Aumento de pena Incidirão, ainda, as causas de aumento de pena descritas no art. 226 do Código Penal. Cometido o crime em concurso de duas ou mais pessoas, será aumentada da quarta parte. O aumento será de metade quando o agente for ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador ou preceptor da vítima. De notar que não se pode fazer incidir o aumento previsto na parte final do inciso II do art. 226, contido na fórmula “empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”, porque essas circunstâncias já constituem elementos integrantes do tipo. Seria bis in idem. Sugiro a leitura do item 1.2.3. 5.3 AÇÃO PENAL A ação penal é de iniciativa privada, procedendo-se mediante o oferecimento da queixa. Entretanto, quando a vítima ou seus pais não puderem arcar com os custos do processo sem privar-se de recursos necessários para a manutenção própria ou da família, a ação penal será de iniciativa pública, condicionada à representação. Discute-se acerca da aplicabilidade, ao assédio sexual, da norma contida no inciso II do art. 225, porque o tipo penal não contemplou a hipótese de abuso nas relações domésticas, de coabitação ou hospitalidade, que constavam do parágrafo único vetado. Nada obstante, penso que é possível o pai, padrasto, tutor ou curador importunar, no ambiente de trabalho onde o filho, enteado, tutelado ou curatelado lhe seja subordinado, buscando a obtenção de proveito ou favorecimento sexual. Estará aí, a um só tempo, realizando o tipo e abusando do pátrio poder ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. Neste caso, a ação penal será de iniciativa pública. 6 – Direito Penal III – Ney Moura Teles
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